Desde a Ponte Hercílio Luz até a Dívida Pública de Florianópolis – Ana Carolina Madeira
*Ana Carolina Madeira
Herança da Coroa Portuguesa, a dívida pública brasileira já foi quitada, refeita, entrou em moratória, renegociada e até auditada (a última vez pelo então presidente Getúlio Vargas). Muito evoluiu em métodos e manteve a curva crescente em todas as eras, com a diferença que hoje, boa parte é virtual (feita por meio eletrônico). Além disso, todas as esferas administrativas (federal, estadual, distrital e municipal) têm seus próprios endividamentos interno e externo.
O artigo 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estabeleceu que o Congresso deveria promover “exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro”. Por meio de comissão mista de deputados federais e senadores, deveria acontecer em até um ano depois da promulgação da Constituição de 1988. Naquele ano, a dívida externa era a maior preocupação, atualmente, embora existente, não é mais tão temerária. O contrário acontece com a dívida interna.
No entanto, até o momento sem ser realizada. A associação sem fins lucrativos Auditoria Cidadã da Dívida afirma que em 2014, o governo federal gastou R$ 978 bilhões com juros e amortizações da dívida pública, o que representou 45% do orçamento daquele ano, sem transparência e discussão sobre taxas de juros, contratos, indexadores ou mesmo se os recursos foram aportados ou qual foi a contrapartida.
Em Santa Catarina, o primeiro contrato de endividamento foi efetuado para a construção da famosa Ponte Hercílio Luz, cartão postal do Estado e de sua capital, Florianópolis. “Desde o primeiro empréstimo contratado pelo Estado de Santa Catarina para construção da Ponte Hercílio Luz, em 1922, num valor equivalente a dois orçamentos anuais do Estado, quitado em 1978, a contratação de operações de crédito para os grandes investimentos tem sido uma prática comum em todos os governos. A atual dívida teve origem no final da década de 1970 e cresceu continuamente nas décadas de 80 e 90, com a contratação de empréstimos da dívida interna com o extinto BESC/BNH, BRDE, BADESC, BB, CEF e os lançamentos das Obrigações do Tesouro do Estado de Santa Catarina – Tipo Reajustável – ORTC, com as Antecipações de Receitas Orçamentárias – ARO´s e assunção da dívida do BESC, além de sofrerem fortes incrementos em seus saldos por conta do período inflacionário vivido pelo Brasil até o exercício de 1994.”, conta o relatório quadrimestral da Secretaria da Fazenda estadual (SEF).
Outro detalhe amplamente divulgado pela Auditoria da Dívida e confirmado pela Secretaria estadual da Fazenda é que, “a Selic capitalizada é utilizada pelas regras contratuais vigentes como PUNIÇÃO”. Em dezembro de 2015, Santa Catarina estava na sexta posição do ranking de estados mais endividados. Por outro lado, o percentual de endividamento tem aumentado exponencialmente.
O governador do estado Raimundo Colombo tentou reduzir a zero a dívida com a União. Entrou com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal, para questionar a incidência de juro sobre juro nos valores (anatocismo). Segundo o site do governo de SC, a conta é de 1998, quando a União e Estado refinanciaram o valor vigente à época: R$ 4 bilhões. Santa Catarina pagou cerca de R$ 13 bilhões e ainda deve mais de R$ 8 bilhões.
Os gráficos da Dívida Catarinense de 2015 da Secretaria da Fazenda Estadual (clique aqui) mostram amortizações, porém, o montante não para de crescer. Mesmo assim, aparece também, alto valor de juros e a forma como é usado o indexador.
O Projeto de Lei (PLP) 257/2016 aprovado e atualmente na Mesa Diretora da Câmara dos Deputados (desde 28/12/2016) diz que flexibiliza o pagamento das dívidas dos estados, com a possibilidade de descontos de 40% nas parcelas nos primeiros dois anos. Segundo o PLP 257, as dívidas seriam prolongadas por mais 20 anos, com prazo final até 2048. Os valores descontados seriam incorporados ao saldo total, porém a União faz sérias exigências aos estados como restrição de contratação de servidores, reajustes salariais limitados, cortes em investimentos diversos, entre outros.
Na sessão em que deveria decidir sobre os cálculos dos juros da dívida pública, o STF suspendeu por 60 dias o julgamento do mandado de segurança do governo de Santa Catarina e tentou promover um entendimento entre os Estados e a União.
Então, a dívida de Florianópolis explode. “O prefeito de Florianópolis Gean Loureiro (PMDB) apresentou, em janeiro de 2017, um pacote com 40 medidas que visam a redução de custos. Entre as propostas há itens polêmicos, como a revogação do plano de cargos e salários, aprovado na gestão anterior, e aumento na alíquota da previdência”, como relata o Diário Catarinense (clique aqui). Dívida da prefeitura de Florianópolis está em R$ 1 milhão, de acordo com o novo prefeito.
Dívida Ativa de Florianópolis não é cobrada. O vereador Lino Peres tem divulgado a lista dos maiores devedores do município desde 2015. Segundo o site Informe (clique), “Conforme a lista, entre os devedores estão: bancos, como o HSBC, ITAU e Banco Safra, grandes construtoras, como HANTEI e ÁLAMO, comerciantes, hotéis, como Costão do Santinho Turismo e Lazer, o Brava Empreendimentos Hoteleiros e Jurerê Praia Hotel, shoppings, figuras públicas, por exemplo, alguns representantes da mídia catarinense, igrejas e empreendimentos imobiliários, como o Grupo Habitasul”.
De acordo com o próprio site da prefeitura, “a dívida ativa da Secretaria da Fazenda é proveniente dos débitos dos contribuintes contraídos junto ao sistema tributário municipal. É considerado dívida ativa todo crédito tributário que não foi quitado espontaneamente na data de vencimento”. A Dívida Consolidada, como é chamado o endividamento bruto pela prefeitura, estava em R$ 589.167.403,88 no terceiro quadrimestre de 2015. Já em 2016, houve outro salto da dívida pública. Faltam dados no Portal Transparência da Prefeitura(confira), mas percebe-se que continua subindo.
Além dos incentivos fiscais, deduções e perdão de dívidas empresariais, a prefeitura, assim como o governo do estado e da União perde dinheiro que seria arrecadado não cobrando a dívida ativa. Várias são as opções para resolver a questão financeira do Brasil, desde realizar uma auditoria integral, técnica e cidadã da dívida, cobrança da dívida ativa (no caso da União vale usar as reservas internacionais), taxação de fortunas, imposto sobre envios ao exterior e sobre lucro, entre outras.
* Jornalista e integrante do Núcleo Catarinense da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD/SC). Conteúdo escrito para o curso da ACD.