O Brasil está entregando seu patrimônio para rolar a dívida pública, afirma Maria Lucia Fattorelli
Abrindo o clico de palestras do Seminário de Pauta 2015 do Sindpd, Maria Lucia Fattorelli – auditora aposentada da Receita Federal e coordenadora do movimento pela Auditoria Cidadã da Dívida Pública – abordou o caráter nocivo do denominado sistema da dívida pública brasileira e seu impacto sobre a classe trabalhadora.
A palestrante destacou que a dívida tem papel fundamental no modelo econômico baseado no desperdício e na concentração da renda, que joga a população na miséria e cria uma desordem total no País. “Com ela [dívida pública], o Brasil tem de cortar tudo e entregar o patrimônio para pagar a dívida”, disse Maria Lucia.
Dados do Tesouro Nacional apontam que, de janeiro a agosto de 2015, a dívida pública aumentou quase meio trilhão de reais. Até 30 de setembro deste ano, a dívida consumiu R$ 773 bilhões, o que representa 47% do gasto federal segundo o portal Auditoria Cidadã da Dívida. E a dívida interna brasileira, que começou no governo de Fernando Henrique Cardoso, alcançou R$ 3,7 trilhões em agosto afirma Maria Lucia.
“Essa dívida sem contrapartida [ou seja, sem a aplicação dos recursos nas áreas sociais e nos serviços públicos] gera juros sobre juros, conflito de interesses e falta de transparência”, destacou a coordenadora da Auditoria Cidadã. Antonio Neto, presidente do Sindpd, disse que o sistema de geração de juros sobre juros leva a dívida para além dos limites do bom senso. “O ministro do Planejamento [Nelson Barbosa] não tocou no assunto quando nos reunimos com ele para discutir o fórum sobre emprego, trabalho e renda. O governo prefere cortar gastos na Previdência, cortar gastos públicos sociais. Ninguém fala da dívida”, criticou Neto.
Privilégios financeiros
O lucro dos bancos não ficou de fora da análise de Maria Lucia Fattorelli. Nos dados apresentados pela especialista, as instituições financeiras lucraram em 2014 R$ 80 bilhões. “Isso é quase o orçamento anual da saúde e é feito enquanto a economia brasileira está em queda”, revelou. Para a palestrante, está havendo a transferência de recursos públicos para o setor financeiro privado. “E a mola disso é o sistema da dívida. A primeira mola são os juros da dívida, aumentando o lucro. Em segundo, o abuso dos mecanismos financeiros. Estão aproveitando e avançando em mecanismos financeiros”, enfatizou.
Para Maria Lucia, o chamado “sistema da dívida” impede o caráter positivo da dívida pública, que se trata do financiamento que o País deveria fazer para garantir os direitos sociais. “Este sistema utiliza o endividamento como mecanismo de subtração de recursos e não para o financiamento dos Estados. E se reproduz internacionalmente e internamente, em âmbito dos estados e municípios, gerando uma crise generalizada”, sentenciou.
A especialista explicou que, com o Plano Brady – sistema de reestruturação da dívida externa de alguns países -, o Brasil trocou a dívida com os bancos por títulos da dívida externa. “E esse títulos foram entregues a esses bancos e foram aceitos como moedas para comprar nossas empresas, que foram privatizadas. Os títulos que não levaram nossas empresas foram embutidos na dívida interna”, esclareceu.
Além disso, a prática de Swap – operação em que há troca de posições quanto ao risco e à rentabilidade entre investidores – representa um verdadeiro “suicídio” para o Banco Central brasileiro afirma Maria Lucia Fattorelli. “O Swap é a garantia que o BC dá para grandes empresas de cobrir a variação cambial. Nos últimos 12 meses, o Banco Central teve prejuízo de R$169 bilhões com isso”, afirmou.
As armas do Brasil
O Brasil é hoje a 9ª economia mundial. Dispõe da maior reserva de Nióbio do mundo (95% da produção mundial), é a terceira maior reserva de petróleo e dispõe de outras riquezas naturais em nível autossustentável, com água e área agriculturável em abundância. Com esta análise, Maria Lucia Fattorelli afirma que é inadmissível que o desenvolvimento socioeconômico brasileiro seja travado com insuficiência de investimentos em direitos elementares como educação, saúde e segurança.
Para a palestrante, os dados da desordem passam pela não regulamentação do nosso patrimônio natural – como o nióbio – e pelo sistema tributário às avessas. “As grandes fortunas não pagam impostos. Isso está na Constituição, mas não foi regulamentado. As heranças, idem”, reiterou. Maria Lucia diz que a injustiça brasileira passa, entre outros pontos, pela desigualdade no pagamento de impostos, que sempre acaba por recair com peso maior sobre a camada mais pobre da sociedade brasileira.
“A conjuntura é de crise econômica seletiva, porque alguns setores não estão em crise. A indústria e atividade comercial estão em queda. Desemprego, com categorias em calamidade, perdas salariais, privatizações com entrega do nosso patrimônio”, pontuou. Segundo Maria Lucia, “estamos vendo agora a entrega da estrutura de estados, privatizando portos, aeroportos, áreas estratégicas e essenciais, além do encolhimento do PIB”.
A especialista afirma que o Brasil precisa seguir o modelo do Equador, que anulou 70% da sua dívida e é “um exemplo de ética e soberania”. “95 % dos detentores aceitaram a proposta equatoriana, o que significou anulação de 70% dessa dívida com os bancos privados internacionais”, disse revelando que, com a medida, o país fará uma economia de US$ 7,7 bilhões nos próximos 20 anos, aumentando os gastos sociais, principalmente com saúde e educação.
Para ela, a saída passa por esta intensa luta. “É o nosso país, um país riquíssimo, abundante. Precisamos partir para ações concretas. Nossa arma é o conhecimento, a mobilização social consciente. Vamos trabalhar para isso e incentivarmos a criação de núcleos da auditoria cidadã para que a população tenha consciência de todo este cenário desastroso. A ferramenta fundamental é a auditoria da dívida”, concluiu Maria Lucia Fattorelli.
Esta é uma reprodução da entrevista publicada no site do sindpd.