Dívida Ecológica – quem vai pagar essa conta?
Qual o preço de um rio? Como valorar a fauna, a flora e os demais recursos naturais destruídos definitivamente em ações predatórias e criminosas como a que ocorreu na cidade de Mariana, Minas Gerais?
Estes foram alguns dos questionamentos feitos no 1º Encontro Mineiro sobre Dívida Ecológica, realizado no último dia 19 de julho, em Belo Horizonte.
O SINDCOP esteve presente no evento representado pela assessora de imprensa Inês Ferreira. O convite foi feito pela Auditoria Cidadã da Dívida, entidade que recebe o apoio do sindicato e que organizou o encontro.
Não foi por acaso que Minas Gerias foi escolhida para sediar o primeiro evento sobre o tema. O Estado é alvo de inúmeros projetos de depredação ambiental e também vítima de crimes ambientais dos mais variados. O mais recente foi o rompimento da barragem de Fundão, localizada no subdistrito de Bento Rodrigues, a 35 km do centro do município de Mariana, que matou o Rio Doce. Algumas espécies que existiam somente no rio e no seu entorno desapareceram e jamais serão recuperadas.
“Hoje só lamentamos os danos causados no Rio Doce. Também não vemos frutos da venda do Nióbio, por exemplo. Só ficamos com os danos ambientais. Estamos perdendo nossas riquezas. Precisamos instituir mecanismos de controle ambiental”, disse Maria Lúcia Fattorelli, ao iniciar a palestra “Dívida ecológica: somos credores”.
Segundo ela, o encontro foi o início de uma nova discussão para conhecer experiências e construir conjuntamente um novo conceito que possibilite estabelecer uma fatura da dívida ambiental brasileira.
Para ela é preciso tratar o tema de forma integral, considerando o conjunto de atores que produzem essa dívida.
Além da morte do rio Doce, durante o evento foram citados outros exemplos de perdas ambientais que ocorrem no país, como a depredação da Serra do Curral, exploração indevida do Nióbio, expulsão de populações indígenas de seus territórios como ocorreu com a construção da usina de Belo Monte e também com a ocupação de áreas com o plantio de soja, na região Amazônica.
“Não podemos colocar preço nessas perdas, mas valor. Deve haver caixa para essa dívida ambiental”, afirmou Fattorelli.
Segundo ela na divisão da Dívida Pública apenas 0,12% é destinado a gestão ambiental, enquanto que 40% são destinados para juros cobrados pelo sistema financeiro.
“Quanto mais pagamos, mas devemos. Tudo vai para o sistema financeiro e nada para a vida. Isso transforma o Brasil no país mais injusto do planeta”, afirmou.
Pesquisadores de alto nível
O evento realizado na AFFMG (Associação dos Funcionários Fiscais de Minas Gerais) reuniu pesquisadores renomados, professores da Universidade Federal de Minas Gerais e estudiosos sobre temas ambientais, como o professor Klemens Laschefski do Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da UFMG, que falou sobre “Governança ambiental, a questão territorial e a dívida ecológica”.
Segundo ele, os problemas ambientais começam com a desigualdade na ocupação de espaços, sendo que os que detém maior poder econômico são donos dos maiores territórios. Estes também são os maiores predadores ambientais já que integram um modelo econômico que incentiva a acumulação de capital e de bens materiais. Para manter esse modelo é preciso exploração indiscriminada de recursos naturais.
Segundo o professor, diante disso, uma das donas dessa fatura ecológica é a classe média, por causa do grande poder de consumo.
Ele também disse que a dívida ecológica é internacional e de país desenvolvidos com países em desenvolvimento, e que é preciso controle social e mais participação da sociedade para evitar problemas que a ocupação indevida de espaço ambiental. A cobrança da dívida ecológica é também uma luta por territórios e espaço para todos.
“ O Brasil é uma contradição. Um país rico com o maior número de sem tetos e sem terras”, disse ele.
De acordo com o professor é preciso desconstruir essa noção desenvolvimentista e lutar contra esse modelo capitalista de acumulação de bens e de espaço, descentralizando a produção.
Na sequência o médico e professor da UFMG Marcus Vinicius Polignano falou sobre “Produção e qualidade das águas na natureza: como mensurar seu valor?
Ele iniciou falando que – saúde não é basicamente um problema médico, tem a ver com qualidade de vida e ambiental.
“Temos estoques de doenças enormes e o retorno de doenças como sarampo e febre amarela. Isso significa que nós fracassamos. Ou repensamos a sociedade ou vamos tomar na cabeça”, afirmou.
Conforme ele, para mudarmos esse cenário e a sociedade é preciso uma mudança pessoal.
“Enquanto tivermos sociedade egoísta não avançaremos. Sociedade se constrói de resilientes. Não somos donos da Terra somos inquilinos. Essa visão monetarista, do dinheiro prevalecendo sobre tudo não tem base na natureza humana é uma idiotice. A vida não tem preço. A vida tem limites e os ambientes exercem funções vitais e insubstituíveis”, defendeu.
O professor chamou de ‘balela’ as ações nominadas como desenvolvimento sustentável.
“Não se pode mitigar o dano ambiental, tem perdas que não conseguimos recuperar. Qual valor o ecossistema? Qualquer valor é insuficiente para mostrar o valor que ele representa para o planeta e para a humanidade.
O ciclo de palestra foi concluído por Luciano Alvarenga que falou sobre ” Um Direito para a Ecologia de Restauração”. Alvarenga é mestre e doutorando em Ciências Naturais, bacharel em Direito e assessor do Ministério Público.
Alvarenga explicou as várias alternativas do Direito para construção de uma sociedade livre, justa solidária, em que a justiça ambiental seja uma diretriz ética.
Ele encerrou a palestra coma citação de José Augusto de Pádua que define a importância do Direito da Ecologia da Restauração.
“A ecologia da restauração será uma marca do século XXI. Já não é suficiente preservar e conservar (apesar da urgência de também ampliar e fortalecer o sistema de unidades de conservação na Mata Atlântica e em outros biomas). É preciso recuperar, na medida do possível, a saúde das paisagens degradadas. Esse é um desafio que se coloca para a capacidade intelectual, técnica e realizadora da sociedade brasileira. É possível considerar o enfrentamento da degradação ecológica como uma fonte de pesquisa trabalho, gerando empregos multiplamente benéficos e estimulando a promoção do desenvolvimento sustentável”.
O evento também teve a participação de Generoso Thomaz Guerra e Ana Flávia Quintão integrante do Movimento pela Preservação da Serra da Gandarela.
(Conteúdo e fotos produzidos pela equipe de comunicação do Sindcop-Bauru)