MAIS AJUDA À BANCA PRIVADA NO PLANO MANSUETO: PROES É RESSUSCITADO DE FORMA TURBINADA NO PLANO MANSUETO

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Por Maria Lucia Fattorelli

 

A Auditoria Cidadã da Dívida teve acesso agora a uma minuta do texto que o governo quer votar na Câmara dos Deputados ainda HOJE (8/4), referente ao projeto que ficou conhecido como Plano Mansueto[i]!

O texto não foi ainda formalmente protocolado na Câmara! Mesmo assim, está pautado por Rodrigo Maia para ser votado HOJE (8/4)!

O art. 10 do texto a que tivemos acesso traz uma ajuda abusiva à banca privada que comprou os bancos estaduais privatizados na década de 90.

Naquela época, os estados perderam seus bancos estaduais e, com isso, perderam toda a capacidade de praticar política monetária local e apoiar por exemplo a agricultura, a indústria ou qualquer outra atividade local com juros baixos.

Aquela privatização dos bancos estaduais se deu de forma abusiva, tendo em vista que os estados entregaram os seus bancos por preços irrisórios, entregaram todos os ativos desses bancos (patrimônio, dinheiro em caixa etc.), todas as carteiras de clientes, todos os créditos a receber etc. PORÉM, OS PASSIVOS DAQUELES BANCOS FORAM TRANSFORMADOS EM DÍVIDA PÚBLICA DOS ESTADOS sem a menor transparência! O esquema recebeu o nome de PROES[ii].

Na época, o volume desses passivos superava até mesmo o próprio valor das dívidas dos Estados, conforme documentos oficiais entregues à CPI da Dívida Pública concluída em 2010, mencionados na Análise Técnica No 7, elaborada em trabalho de assessoria à CPI naquela época, disponível no site e esse programa que transferiu esses passivos para a dívida dos estados foi divulgado como PROES.

Aqueles passivos dos bancos  (não auditados e eivados de denúncias de corrupção em vários estados) passaram a fazer parte do Saldo Devedor Total Inicial refinanciado pela União naquela época, conforme Tabela fornecida pelo Ministério da Fazenda à CPI da Dívida Pública, constante das páginas 21/21  da mesma Análise Técnica antes mencionada, e passaram a ser ATUALIZADOS DE FORMA AUTOMÁTICA E CUMULATIVA A CADA MÊS PELO MAIOR ÍNDICE DE ATUALIZAÇÃO EXISTENTE NO PAÍS (IGP-DI)!

Os estados já pagaram aquele Saldo Devedor Total Inicial refinanciado pela União várias vezes, como demonstram os próprios dados oficiais, diversos depoimentos durante a CPI e outros documentos posteriores!

A título exemplificativo, mostramos os dados do Estado de Santa Catarina, cujo Saldo Devedor Total Inicial refinanciado pela União era R$ 3,58 bilhões (incluindo o PROES) no final da década de 90. Até 2016, o Estado de SC pagou R$6,69 bilhões do refinanciamento e R$6,39 do PROES, somando portanto pagamento de R$13,08 bilhões até 2016, ou seja, pagou mais de 3 vezes o valor total refinanciado. Apesar disso, em 2018 a dívida do Estado de SC somava R$16,54 bilhões em 2018, ou seja, quase 5 vezes o valor refinanciado:

Essa conta não fecha, e essa absurda proporção se repete em quase todos os estados, sacrificados por essa dívida que se multiplica por ela mesma devido às onerosíssimas condições financeiras imputadas pelo governo federal aos estados. Por isso temos insistido na necessidade de completa auditoria da dívida dos estados, com participação social, a exemplo de recente artigo[i].

Depois de mais de 20 anos, o texto a que tivemos acesso do Plano Mansueto ressuscita aqueles passivos dos bancos de forma turbinada, pois cria um artigo 1-A para a Lei Complementar 156 e reincorpora os valores do PROES, atualizados pelo IGP-DI até 2016, aos saldos das dívidas dos estados refinanciadas no final da década de 90:

“Art. 1º-B As dívidas de instituições financeiras estaduais para com o Banco Central do Brasil que tenham sido formalmente assumidas pelos Estados até 15 de julho de 1998, e que foram adquiridas pela União nos termos da Medida Provisória nº 2.179-36, de 24 de agosto de 2001, poderão ter os respectivos saldos devedores incorporados aos saldos devedores dos contratos de refinanciamento firmados nos termos da Lei nº 9.496, de 11 de setembro de 1997, mediante aditamento contratual.

  • 1º Para efeito das incorporações a que se refere o caput, serão considerados os saldos devedores existentes em 1º de julho de 2016.
  • 2º Os saldos incorporados nos termos do caput serão pagos nas mesmas condições contratuais vigentes do refinanciamento firmado nos termos da Lei nº 9.496, de 11 de setembro de 1997, e gozarão das mesmas garantias contratuais. (…)”

Esse passivo do PROES corresponde a uma parte completamente ilegítima da dívida dos estados, pois tais valores não configuram “dívida”; os estados não receberam esse valor, e sequer se sabe qual a origem desse passivo, apesar de várias denúncias de corrupção a esse respeito em diversos estados da federação.

O PROES foi tão questionado à época que ficou como Medida Provisória 2179 durante anos e nunca chegou a ser votada pelo Congresso Nacional[ii]!

Em vez de REincorporar esse passivo do PROES às dívidas dos estados, e ainda por cima de forma turbinada, atualizada pelo IGP-DI, essa parcela deveria ser anulada desde a origem, e a banca privada que adquiriu os bancos estaduais é que deveria assumir esse passivo do escandaloso PROES, ressarcindo os estados dos pagamentos indevidos que já foram feitos ao longo dos anos. Da forma como se encontra o texto, está configurada MAIS UMA AJUDA À BANCA PRIVADA!

É inaceitável a imputação de mais esse ônus aos entes federados, acompanhado de exigências de mais Reforma da Previdência e “redução permanente de despesa” conforme minuta a que tivemos acesso. Desde quando tais medidas podem ser consideradas temporárias, como alega Mansueto? AUDITORIA JÁ!

[i] Texto a que tivemos acesso informalmente, pois o texto oficial do denominado Plano Mansueto ainda não foi, até o momento em que este artigo estava sendo escrito, protocolado na Câmara dos Deputados (VEJA)

[ii] O PROES está explicado em capítulo do livro “Auditoria Cidadã da Dívida dos Estados”, disponível na Amazon 

[iii] https://auditoriacidada.org.br/conteudo/artigo-a-suspensao-do-pagamento-de-divida-dos-estados-pelo-stf-e-governo-federal-deve-ser-acompanhada-de-auditoria/

[iv] Segundo a EC 32/2001, Art. 2º, “As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até deliberação definitiva do Congresso Nacional”. Até a presente data, a MP 2179 que trata do PROES NUNCA CHEGOU A ER DELIBERADA NO CONGRESSO NACIONAL.