“A mentira do déficit orçamentário”, por Rodrigo Ávila

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Rodrigo Avila – Economista da Auditoria Cidadã da Dívida
8/10/2020
(Atualizado em 4/10/2024)

Nos últimos anos, tornou-se comum dizer que a União vive um suposto déficit orçamentário – que seria resultante de um excesso de gastos sociais como Previdência e servidores públicos – e que por isso a dívida pública estaria explodindo, e que por isso deve ser feita a “reforma administrativa”, e que somente pode-se aumentar algum gasto social se alguma outra área sofrer cortes.

Até mesmo algumas pessoas que são radicalmente contrárias ao ajuste fiscal, e que costumam afirmar corretamente que a existência de déficits (para financiar investimentos sociais) não é algo ruim, ficam repetindo o diagnóstico neoliberal de que gastos sociais tem ocorrido graças à dívida pública, quando na verdade o endividamento público no Brasil tem servido para pagar apenas os juros e amortizações da própria dívida pública, e ainda consumindo outras fontes de recursos.

Apesar do costumeiro argumento de que o Brasil tem apresentado déficits primários desde 2014, existe aí uma grande “pegadinha” plantada pela metodologia do FMI, de contabilizar apenas as receitas primárias (formadas principalmente pelos tributos), desconsiderando enormes receitas como os lucros do Banco Central, remuneração da Conta Única do Tesouro, recebimento de juros e amortizações de dívidas de estados e municípios, dentre outras.

Considerando-se todas as receitas, vemos que a dívida pública tem retirado (e não aportado) recursos das áreas sociais, mesmo nos últimos anos. Na tabela ao final deste artigo, verifica-se que desde o início dos chamados “déficits primários” (desde 2014), nada menos que R$ 2,51 TRILHÕES de diversas fontes – excluindo as provenientes da emissão de novos títulos da dívida pública – foram utilizados no pagamento de juros e amortizações dessa dívida, enquanto o fluxo contrário (recursos provenientes da emissão de títulos da dívida pública destinados para áreas sociais) foi bem menor, de R$ 1,38 trilhão. Se considerarmos todo o período da tabela (2000 a 2023), vemos que a dívida pública consumiu, em termos líquidos, R$ 2,8 trilhões de fontes que não incluem novos empréstimos.

Obviamente que os analistas da grande imprensa mencionam apenas a parte que lhes interessa, ou seja, o fluxo de empréstimos destinados para as áreas sociais (omitindo que o fluxo contrário é muito maior), para ficar apregoando que o endividamento público é algo que tem sido bom para o país, que estamos tendo de emitir títulos para pagar Previdência, e que se auditar e questionar a dívida pública vamos perder nossa fonte de financiamento, e ter que cortar investimentos sociais… E levando na conversa muitos economistas considerados como “progressistas” ou “de esquerda”.

Na realidade, mesmo considerando todo o período do chamado “déficit primário” (inclusive o período da Pandemia), verifica-se que houve superávit, quando se excluem as receitas e despesas da dívida pública. Isso sem citar que, quando se faz mais dívida para se pagar juros e serviços de dívidas anteriores, isto também representa um custo – sempre desprezado pelos neoliberais e nos últimos anos também por alguns outros economistas – já que, conforme estes últimos mesmos dizem, a dívida pública deve servir para investimentos sociais.

Despesas federais selecionadas: com juros e amortizações da dívida pagas sem emissão de títulos e gastos sociais pagos com emissão de títulos
Valores Correntes em R$ Bilhões – 2000 a 2023

Fonte: Elaboração própria com dados do Painel do Orçamento Federal (SIOP/ME), disponível em https://www1.siop.planejamento.gov.br/painelorcamento/