INTRODUÇÃO
O discurso sobre as aposentadorias proposto pelo Banco Mundial sempre está presente o argumento da existência de um deficit e até mesmo da falência do sistema público de previdência. As matérias jornalísticas anunciam constantemente que ‘a reforma da aposentadoria é uma reforma indispensável’. Nesse discurso, assumido pelos atores políticos identificados com o Sistema da dívida há mais de 20 anos de maneira desastrosa, os trabalhadores são convidados a encarar, sem o debate público consistente em dados oficiais inidôneos, a reforma de 2019. Tal iniciativa representa um novo grande passo para trás iniciado logo após o início da vigência da Constituição Federal de 1988, sem esquecer-se das demais reformas que atingiram o sistema de Seguridade Social.
A pesquisa pretende mostrar que a proposta vinda da ideologia dominante de que as previdências públicas necessitam de reforma, é falsa. Apesar das resistências dos trabalhadores, esta ideologia tem ganhado adeptos. Uma das razões majoritárias de seu sucesso repousa no fato de que o debate sobre as aposentadorias permaneceu fechado numa lógica estritamente contábil e meramente panfletária, que se resume à busca de um equilíbrio entre receitas e despesas sem se considerar as contribuições que servem para financiar a Previdência Social. Entretanto, a questão das aposentadorias coloca em jogo outras dimensões relativas às condições de emprego e de trabalho. Sendo assim, não é possível abordar a questão das aposentadorias sem pensar em seu reverso, sobretudo numa sociedade gangrenada pelo desemprego, precarização do trabalho e crescente concentração de renda.
A questão das aposentadorias nos convida também a projetar o futuro, posto que o mundo de amanhã não será composto só de aposentados: o lugar que se fará para uns, dependerá daqueles outros. Os aposentados não estão todos em pé de igualdade. Há ricos e pobres, as mulheres e os homens, os assalariados precocemente usados para o trabalho e outros que são menos explorados. Enfim, o futuro de todos deve ser pensado também numa cadeia mais global, tendo em conta a exaustão de certas fontes naturais e os danos causados ao meio ambiente engendrados pela busca permanente de um lucro maior.
Para desatar os nós do debate, é necessário sair do lugar das aposentadorias locais para articular com o futuro global. Nesta direção, é pertinente indagar se é possível pensar no futuro das aposentadorias trabalhando somente com duas gerações. Analisando-se os cenários oficiais e pelos relatórios dos órgãos responsáveis pela aferição da realidade previdenciária, a situação que nós conhecemos dos empregados assalariados há mais de 30 anos, as perspectivas desenhadas por esses relatórios são, senão radiantes, são ao menos melhores ao se considerar uma outra variável: a produtividade do trabalho.
Antes do nascimento das primeiras leis sobre aposentadoria no começo do século XX, a posição constante do liberalismo clássico ao longo do século 19 para se opor à Segurança Social obrigatória era no sentido de acumulação de capital pelos futuros idosos a fim de que fossem (e sejam) favorecidos com a previdência individual. Mas, devemos trabalhar mais, não para ganhar mais, mas simplesmente para tentar guardar um pouco no mesmo nível de pensão? Esta é uma ideia arcaica que vai totalmente de encontro à corrente do desenvolvimento econômico desde dois séculos passados, desenvolvimento que permite trabalhar cada vez menos, para ganhar muito mais.
Se existe uma novidade, é precisamente no movimento constante de alta da produtividade há dois séculos. E essa é uma realidade nova que permite a saída massiva dos idosos da pobreza e da urgência ecológica que estamos confrontando.
Onde estará o progresso se a salvaguarda do nosso sistema público de aposentadoria se traduz em desigualdades crescentes, mais individualista, em prol de uma insegurança e precariedade para uns e sempre mais privilégios para outros, como propõe a atual legislação previdenciária?
A segunda parte do texto visa o debate dos elementos que comprovam o direcionamento do fundo público para as políticas de rentabilidade dos fundos de pensão via títulos públicos, enquanto se aprofunda a politica de ajuste fiscal que compromete as politicas sociais.
Uma reforma das aposentadorias é, sem dúvida, necessária, mas num sentido inverso. Não há motivos para que o nosso sistema de proteção social deva ficar congelado nos próximos 50 anos. Desde a criação em meados de 1945, a Seguridade Social esteve numa construção viva que levou em conta a transformações da nossa sociedade em vários aspectos. Esta precisa de escolhas maiores que devem ser debatidas com serenidade e não sob o golpe da emoção suscitada pelos números distorcidos pelo Sistema da Dívida. O debate sobre aposentadoria é ocasião de perceber uma visão longa das transformações da nossa sociedade, sobre o passado, mas também o futuro. Para o futuro, nada é claro ainda que escrito. Ele é necessário de ser desenhado numa cadeia de reflexão e estabelecer as projeções a partir daquelas em que nós possamos colocar um certo número de questões.
Para tanto, vamos reconstruir o marco regulatório do sistema de previdência, em especial, a previdência privada abordando o momento da constituinte em que se discutia a ampliação da cobertura e a redução da desigualdade na esfera da previdência social. Mais a frente, desenvolveremos as principais propostas de reformas apresentadas desde a promulgação da CF/88. A terceira parte exporemos as reformas chilenas e argentina como marco representativo da falência das propostas reformistas e, as hipóteses que enfoca o debate sobre o fundo público. Por último, teremos as considerações finais.
1. O momento constituinte – de 1985 a 1991
O período que antecedeu os debates da assembleia constituinte, desde 1985 até o período imediatamente após a sua promulgação, pode ser visto sob duas perspectivas. Dentro disso, pode-se observar dois momentos de discussão na esfera legislativa brasileira: o primeiro debate tinha o intuito de diminuir a desigualdade de tratamento entre os trabalhadores da região rural e urbana brasileira, bem como ampliar a cobertura social destes segmentos de trabalhadores. Por outro lado, se debatiam as regras que deveriam reger o financiamento, assim como os direitos sociais recentemente inseridos no texto constitucional em 1988.
No primeiro período inicialmente considerado, de 1985 a 1988, a discussão que tomava conta da assembleia constituinte, bem como da sociedade brasileira era a sustentação sobre o que se deveria assegurar a construção do novo regime político que se pretendeu. O regime democrático em questão reclamava por uma particular magnitude, considerando que os movimentos sociais que o protagonizaram e que estavam presentes em diversos segmentos da sociedade, proclamavam a reparação da dívida social recebida da ditadura militar. Com este intuito preconizado, os constituintes estabeleceram a garantia de direitos universais como saúde pública, seguro-desemprego, ampliação da previdência social e a definição do campo de atuação da assistência social concentrados num capítulo constitucional específico – A Seguridade Social. Os progressistas brasileiros requeriam a inserção de princípios norteadores de direitos sociais visando ampliar a cobertura dos segmentos vulneráveis e tradicionalmente desprotegidos, o fim das diferenças no tratamento entre urbanos e rurais, a descentralização da gestão das políticas de saúde e assistência social, estabelecimento de mecanismos de financiamento estáveis, garantia de recursos para implantação das políticas públicas. A conquista dessas garantias foi evidenciada na previdência social sob a forma de estabelecimento de salário-mínimo e igualdade entre trabalhadores urbanos e rurais. Manteve-se, entretanto, a separação da previdência dos trabalhadores formais da iniciativa privada e a previdência dos servidores públicos federais, estaduais e municipais.
Com a recente democratização e as movimentações sociais, especialmente dos trabalhadores, voltadas para a melhoria das condições de trabalho e salários melhores, se obteve também a garantia da participação do estado na garantia da oferta dos serviços públicos de saúde, educação e transporte, política da atualização do salário-mínimo, reforma agrária e algumas outras que evidenciassem o não retrocesso ou retorno ao passado, como os direitos do consumidor. Ao mesmo tempo, havia a forte presença dos ‘aconselhamentos’ do Fundo Monetário Mundial e do Banco Mundial e do Consenso de Washington nas políticas públicas, na medida em que a dívida externa e pública brasileira cresciam. O cenário político era, portanto, formado de dois extremos que não permitiam o consenso parlamentar necessário à votação de medidas mais enérgicas de combate à desigualdade social.
Embora o regime militar, na fase final tenha avançado na questão previdenciária quando extinguiu os diversos regimes e unificou todos num regime geral e único, o desejo por melhorias manteve o debate aceso e possibilitou várias pesquisas e artigos científicos no período de três anos que antecedeu a promulgação da CF/88, especialmente quando o assunto era a proteção ao risco velhice.
Após a Constituição de 1988, inicia-se a análise das mudanças e na divulgação das recentes legislações federais de custeio e benefícios da previdência social – leis 8.212/91 e 8.213/91, sob o governo do neoliberal Fernando Collor. Depois de cerca de 70 dias da promulgação das leis de custeio e plano de benefícios da previdência e, ainda antes de regulamentá-las, o poder executivo apresentou um conjunto de projetos bem diversos da linha condutora idealizada pelos mentores da Previdência Social, entre 1985 e 1988. Em linhas gerais, se adotou a partir daquele momento, o pensamento neoliberal na determinação das políticas econômicas que passarão a ser facilitadoras da atuação do sistema financeiro no Estado.
As novas propostas apresentadas pelo executivo federal possuíam elementos que afetariam diretamente o financiamento do sistema, bem como os benefícios previdenciários e previam: uma previdência pública composta de dois planos de benefícios, um compulsório e outro facultativo/complementar; a criação de um Instituto de previdência do servidor público, o fim das aposentadorias especiais concedidas às categorias como professores, aeronautas, jornalistas, entre outros; a instituição de um Seguro de Riscos Sociais e, a longo prazo, a extinção das contribuições de empregados e empregadores calculadas sobre os salários.
Os benefícios do plano geral, do qual participariam todos os segurados do RGPS – Regime Geral de Previdência Social, exceto os servidores públicos da União, autarquias e fundações públicas, seriam os mesmos do RGPS excetuando-se as aposentadorias especiais, os acidentes de trabalho e as enfermidades comuns ou profissionais. A iniciativa de Collor conservava a aposentadoria por tempo de serviço, o valor máximo do benefício seria o equivalente a cinco salários-mínimos 1 e a admissão ao sistema não teria a contribuição individual como base. Já no plano da previdência complementar de adesão facultativa, seria regido por capitalização e a gestão ficaria no Banco do Brasil.
Existia ainda a previsão de uma previdência complementar privada organizada por entidades fechadas, sindicatos que tivessem base territorial máxima estadual, associações e federações, sendo vedada a participação das centrais sindicais e confederações. A limitação da atuação sindical se dava em função de outra ideia que se plantava na época – o fortalecimento do sindicalismo de empresas individuais. Os fundos de pensão estavam limitados aos Estados, municípios, empresas de economia mista e empresas, órgãos ou autarquias da administração direta ou indireta do Estado no custeio dos benefícios em valor não superior à participação dos segurados.
Quanto à fonte de financiamento, a participação do Estado como empregador passou a ser denominada de ‘transferências da União’ e essa alteração permitiu que, no futuro, o argumento de déficit da previdência fosse fortalecido. Já a proposta de extinção das contribuições sobre salários estava dependente da elevação da contribuição sobre o faturamento de 2% para 6% da receita bruta das empresas, que seriam transferidas para uma conta única vinculada pela Receita federal retirando a autonomia da Seguridade Social na gestão dos recursos arrecadados na esfera federal. Esta proposta de introdução da contribuição sobre o faturamento em substituição a contribuição sobre os salários foi debatida várias vezes nos anos seguintes e findou num novo projeto de reforma tributária encaminhada pelo governo Lula. Por falta de apoio político, a proposta nunca foi aprovada. Contrariamente, o Caixa único foi criado em 2007 (LEI 11.457/2007) sem uma oposição expressiva.
Na proposta de Collor, a questão relacionada ao tratamento dos problemas de saúde de trabalhadores seria paga pelo Seguro de riscos Sociais, entidade subornada ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), mas com gestão cedida a uma seguradora de mercado. Nestes casos, somente o acidente de trabalho contaria com o pagamento dos empregadores. As demais doenças não relacionadas ao trabalho que repercutisse na necessidade de afastamento, seria custeada por contribuições do segurado. Na prática, o tratamento das enfermidades relacionadas ao trabalho, assim como o próprio acidente de trabalho estariam sendo privatizados.
Destacaremos neste momento, os principais levantamentos que estiveram presentes nos debates da proposta apresentada pelo governo Collor e que, por sua vez, caminharam para as contrarreformas realizadas nos anos seguintes. A primeira delas foi a proposta do Instituto Liberal inspirada no modelo chileno e apresentada em maio de 1991; ou seja, ainda antes das leis de custeio e benefícios, Leis 8.212/91 e 8.213/91. Esta tinha em seus planos: a supremacia do modelo de capitalização em face do modelo de repartição; presença mínima do Estado caracterizada pela garantia mínima de direitos, estimulando assim, a poupança individual; a ausência de contribuição patronal em virtude da visão individualista de que a responsabilidade pela renda é exclusiva do beneficiário; a diminuição dos encargos sociais pagos pelo patronato haja vista que sua existência reduziria a criação de empregos formais; a extinção de aposentadorias especiais em função da perspectiva de que tais trabalhos deveriam ter melhor remuneração; contratação privada e separada daquela dos planos de previdência (privada) da assistência médica e benefícios relacionados ao acidente de trabalho (Instituto liberal, 1991).
Segundo a proposta do Instituto Liberal, a participação do Estado estava limitada à garantia mínima, complementar e em caráter assistencial, aos trabalhadores que não conseguissem acumular renda durante a vida laboral, sendo-lhe garantido uma renda mínima. Previa também uma rentabilidade mínima para as aplicações financeiras dos cotistas (sem especificar como isso ocorreria, tendo em vista que estaria subordinada ao ‘mercado’) e que este patrimônio seria desmembrado da empresa de Administração do Fundo de Pensão (AFP). Esta aposentadoria estaria vinculada a idade do beneficiário, que seria 60 anos para mulher e 65 anos para os homens, mas não haveria benefício definido visto que o valor dependeria da rentabilidade do plano ao longo do tempo.
Paradoxalmente, o instituto liberal que tinha a liberdade individual como princípio na construção de sua proposta, recomendava que o novo sistema fosse implantado de forma compulsória. Para isso utilizava-se do argumento da inviabilidade financeira do sistema nascido da Constituição de 1988 e do entendimento de que grupos de interesse que dele se beneficiavam fariam forte resistência. (MARQUES, 2009, p. 205)1
O segundo estudo que será apresentado e que embasou a proposta do governo Fernando Collor, foi realizado pela Comissão Parlamentar para o estudo do sistema previdenciário, instituída em janeiro de 1992, tendo como o objetivo de, em um mês, identificar problemas no sistema de previdência social e indicar propostas. O relatório desta iniciativa foi dividido em quatro partes. A primeira parte observou à necessidade de se cumprir a legislação quanto à implantação de rotinas, sistemas e procedimentos. A segunda parte tratou de propor a criação de um Conselho quadripartite formados equitativamente por representantes do governo, dos trabalhadores, dos aposentados e do empresariado a fim de controlar a gestão da Previdência Social. A terceira parte sugeriu que as contribuições dos empregados e empregadores deveriam ser destinadas exclusivamente ao custeio de pensões e aposentadorias. Essa sugestão foi acatada na reforma do governo FHC, que será tratada posteriormente. Propunha também, o fim das contribuições patronais sobre a folha salarial, sendo a fonte de custeio gradualmente substituída por uma contribuição sobre transações financeiras. Isso permitiria que o setor informal integrasse a economia da Previdência Social.
O último bloco de sugestões da Comissão tratou da reforma estrutural propriamente dita, analisando a previdência complementar, a previdência do funcionalismo público, as condições de acesso aos benefícios e o teto de contribuições e benefícios. Propôs a manutenção do teto de dez salários-mínimos para as contribuições, a inserção de requisitos de idade e tempo de contribuição em substituição ao tempo de serviço para a concessão de aposentadorias, a extinção da aposentadoria especial, a criação de um regime complementar público de previdência, incorporação dos servidores públicos ao RGPS, assegurando o ingresso ao sistema complementar financiado por recursos fiscais daqueles servidores que recebessem mais de 10 salários-mínimos.
2. As mudanças previdenciárias nos anos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso
Itamar Franco assumiu o governo após o impedimento de Fernando Collor, concentrando seu governo na estabilização da moeda que era frequentemente atingida pela inflação elevada, tendo como consequência o surgimento do Plano Real, em julho de 1994. Tal fato acabou por ajudar na eleição de FHC, quando são realizados estudos previdenciários contratados pela CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, que resultam na publicação da série ‘A Previdência e a revisão constitucional’.
Continuando as alterações legislativas, deu-se início àquelas relativas à Previdência Social e que não necessitavam de mudança constitucional. Embora criadas no governo Itamar, essas mudanças, foram realizadas no período compreendido de 1994 a 1997, compreendendo, portanto, o início do governo de Fernando Henrique Cardoso.
As principais medidas que alteraram os benefícios concedidos pelo Regime Geral de Previdência social consistiram no cancelamento de concessões dos benefícios do abono por permanência em serviço, extinção do pecúlio, dos auxílios-natalidade e auxílio-funeral, o fim das aposentadorias especiais para telefonistas, aeronautas jogador de futebol, jornalista, juiz classista da justiça do trabalho (lei 9528/1997). Considerando-se uma compreensão mais ampliada da previdência social, o Plano Real introduziu uma mudança institucional no financiamento da previdência social. Foi criado o Fundo Social de Emergência, renomeado para Fundo de Estabilização Fiscal em 1997, e por fim como desvinculação das receitas da reunião, no ano de 2000. Esse fundo permite que 20% dos impostos e das contribuições para a seguridade social possam ser livremente realocados pelo governo federal, para qualquer área, inclusive para o pagamento de juros da dívida. Veremos que durante o governo de Michel Temer esta alíquota foi elevada para 30%.
Diante da diminuição de recursos instituída no plano real tornou-se mais fácil difundir a ideia do deficit na previdência e sugerir a reforma para um sistema de capitalização.
A derrota do Partido dos Trabalhadores na eleição que levou Fernando Collor à presidência da República, no primeiro pleito direto após a ditadura militar proporcionou a implementação da abertura comercial e dos planos de privatização de estatais, tão divulgadas pela imprensa. No governo seguinte, também de Fernando Henrique Cardoso, a política econômica subordina-se ainda mais ao neoliberalismo, ao capital financeiro e aos interesses de credores nacionais e internacional. Com isso, as ideias sociais conquistadas com a CF/88 não são implementadas, visto que se contrapõem à política neoliberal de enxugamento do Estado e redução de seu tamanho frente, inclusive, às áreas sociais.
Entre março de 1995 e 1998, Fernando Henrique Cardoso lutou para aprovar dispositivos que pediam a realização de uma reforma na previdência social. Obtendo o apoio necessário, aprovou em 1998 a Emenda Constitucional n.20, facilitando a criação de leis que modificaram os benefícios previdenciários para os trabalhadores da iniciativa pública e privada. Neste período já se alardeava o teste da previdência social que era fortalecido com o desemprego estrutural preponderante desde 1996. Entretanto, os cálculos que eram apresentados desconsideravam o cumprimento da determinação contida no artigo 195 da Constituição federal de 1998, bem como os desvios de 20% proporcionadas pela DRU, o que tornariam a seguridade social superavitária.
Em janeiro de 1997, o Ministério da Previdência e Assistência Social defendeu abertamente a necessidade de uma reforma previdenciária, insistindo na fragilidade financeira do regime.
A reforma da Previdência Social e a estabilização monetária, alcançada através do Plano Real, se condicionam mutuamente. A estabilização da moeda, no entanto, impulsionou a dívida não só pela politica de juros altos no primeiro momento, mas principalmente pelas constantes elevações dos juros vindas das crises que tivemos (crise mexicana (1995), asiática (1997) e russa (1998). Este governo passou a usar uma metodologia de cálculo do déficit da previdência que não levava em conta o que estava na constituição. Dessa forma, esse governo alegando tais desequilíbrios propunha um ajuste fiscal que passaria pela Reforma da Previdência, que poderia comprometer a estabilidade da moeda.
Segundo o Ministério da Previdência e Assistência Social no ano de 1996, se teria acentuando a fragilidade financeira da Previdência Social. A diferença entre a despesa com benefícios e a arrecadação bancária líquida (arrecadação bancária – transferências a terceiros) teria sido da ordem de R$1 bilhão, fazendo com que o saldo final, de R$ 333,5 milhões apresentasse uma redução de 80,9% em relação ao ano anterior (MPAS, 1997, p.1)s
Todavia, respaldados pelo governo federal por intermédio do Ministério da Previdência e Assistência Social que divulgava frequentemente balanços orçamentários, que desconsideravam o desvio dos 20% da DRU. Tal fato descumpria o pressuposto do artigo 195 da Constituição Federal. No entanto, os principais meios de comunicação passaram a defender abertamente a necessidade de uma reforma na previdência, publicando matérias que divulgavam os resultados do MPAS e a situação ‘desastrosa’ da Previdência Social.
A Emenda Constitucional n. 20 e a lei 9876, de 26 de novembro de 1999, respaldaram a reforma previdenciária de FHC e implementaram mudanças na situação previdenciária dos trabalhadores da iniciativa privada e no funcionalismo público.
As principais alterações foram: O desenvolvimento de regras e condições para que a previdência pública seguir as regras que proporcionassem o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema; a localização da média aritmética dos últimos 36 meses para o cálculo do pagamento do benefício previdenciário; a fixação do tempo mínimo de contribuição de 35 anos, se homem, ou 30 anos, se mulher. Nessa questão, substituiu-se o tempo de serviço por tempo de contribuição. O item relativo à aposentadoria por idade foi alterado para que o homem necessitasse ter 65 anos, e a mulher, 60 anos, sendo mantida a diminuição de 5 anos para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para o professor que comprovasse tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil é no ensino fundamental ou médio.
Uma das mudanças mais substanciais de cálculo no pagamento dos benefícios foi relativa à utilização da média aritmética dos últimos 36 meses de contribuição, que foi substituída pela média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes ao mínimo de 80% de todo o período contributivo do segurado, corrigidos monetariamente. Sobre esse cálculo, foi criado um fator redutor que varia de acordo com a idade do segurado, o fator previdenciário. A reforma do governo de FHC também pôs fim à aposentadoria proporcional de 30 anos para o homem e, 25 anos para a mulher que autorizavam o ingresso na inatividade com a percepção de benefícios proporcionalmente menores.
Para o funcionalismo público, as reformas consistiram em incorporação do tempo de contribuição e não mais o tempo de serviço, introdução da idade mínima para aposentadoria conjugado com o tempo mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo em que será aposentado; aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade com proventos proporcionais ao tempo de contribuição e não mais ao tempo de serviço; extinção da aposentadoria proporcional; proibição da contagem de licença-prêmio em dobro, para a fins de aposentadoria; introdução das regras das médias das contribuições nos mesmos parâmetros usados pelo RGPS; valor da pensão limitado ao teto do RGPS e, se o provento do servidor falecido for superior ao teto descontar-se-á 30% e ainda haverá contribuição de 11%; inserção do regime complementar para o servidor público das três esferas, na forma facultativa. Este último passou a ser obrigatório na reforma do governo Dilma, em 2013.
Todas essas reduções de direitos proporcionaram um excedente financeiro natural. Se não há gastos com o pagamento de direitos que foram extintos na contrarreforma, e, com o passar dos anos e elevação da produtividade o saldo restante é positivo. Essa foi a conclusão da CPI da previdência que constatou a existência de superavit.
3. O governo PT. De Lula a Dilma
Em abril de 2003, logo após a posse presidencial, o governo Lula apresentou sua proposta de reforma previdenciária surpreendendo até mesmo os militantes do partido que o elegeu, posto que divergia do direcionamento desenvolvido até então no Congresso Nacional e que também não havia sido discutido com as bases partidárias. Entretanto, a reforma previdenciária do governo Lula foi aprovada na Câmara dos deputados em 7/12/2003 e, 12 dias mais tarde, aprovada no Senado Federal. As novas regras estavam centradas no regime previdenciário dos funcionários públicos. Apesar da contrarreforma aprovada, ter vários pontos que haviam sido derrotados na proposta de FHC, a exposição de motivos da proposta tinha características diferentes das anteriores. As críticas econômicas vieram por todos os lados:
Mas, afora que não se compara a média há um valor absoluto, fato conhecido por qualquer pessoa um pouco familiarizada com os “mistérios da distribuição” amor, para o cálculo da média do RGPS quem foram indevidamente incluídos os benefícios dos rurais (de 1 SM) viajar aposentadorias por idade todos de caráter assistencial, com valores reduzidos, e que “puxam” a média para baixo. Segundo os dados do MPAS, a média de aposentadoria por tempo de contribuição era, na época, de R$ 812,30, bastante acima dos R$ 362,00 utilizados para respaldar a retórica. Já a média da aposentadoria da maioria dos servidores federais estava em torno de R$1.038,00, de acordo com a informação da central única dos trabalhadores, divulgada no cenário seminário mencionado acima. (…) (MARQUES; MENDES, 2004)
Assim, a Emenda Constitucional n. 41, de 19 de dezembro de 2003 realizada durante o primeiro governo de Lula, foi centrada na introdução de um teto para o valor da aposentadoria do servidor público e a contribuição incidente sobre o valor da aposentadoria, a partir de determinado nível, da alíquota de 11% que também foi cobrada dos segurados do Regime Geral da Previdência Social. A nova legislação restringiu o acesso aos benefícios dos regimes próprios de previdência, estabelecendo a modalidade de contribuição definida na esfera dos fundos de pensão para servidores públicos, o que expõe o valor dos benefícios à vulnerabilidade dos rendimentos das aplicações financeiras.
Em 23 de dezembro de 2009 entrou em vigor a lei 12.154 que criou a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC, instituição regulatória, com status jurídico de autarquia. Ao lado da EC 20, de 1998 que estabeleceu o regime privado de previdência, facultativo, mas organizado autonomamente em relação ao RPC – Regime de Previdência Complementar, e a regulamentação dos regimes das entidades fechadas de previdência complementar, por intermédio das Leis Complementares n. 108 e 109, ambas de 29 de maio de 2001, a PREVIC representa a legitimação e o fortalecimento do setor privado de previdência.
Seguindo a tendência iniciada em 1991 de fortalecimento da previdência privada, Dilma Rousseff aprovou a restrição do acesso às pensões por morte e ao seguro-desemprego bem como acentuou, em 2012, o processo de fortalecimento da criação de fundos de pensão para os servidores públicos, regulamentando por meio da Lei 12.618/2012 e autorizando a criação, pela União, de três fundos de pensão. O FUNPRESP, Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal é subdividido em FUNPRESP-EXE, para os servidores do poder executivo, FUNPRESP-LEG para os servidores do poder legislativo e, o FUNPRESP-JUD, para os servidores do judiciário. Em 2015 a lei 12.618/12 foi alterada pela Lei 13.183/2015 que passou a estabelecer a obrigatoriedade na adesão à FUNPRESP.
4. As propostas neoliberais de Michel Temer e a contrarreforma de Paulo Guedes no governo Bolsonaro
O governo do PMDB liderado por Michel Temer foi iniciado após o afastamento da presidente eleita Dilma Rousseff e implantou a pauta prevista no projeto ‘ponte para o futuro’. Dentre as várias medidas previstas, aprovou-se em tempo recorde o aumento da desvinculação de receitas da união de 20% para 30%, ou seja, retirou recursos do orçamento primário da União destinado à Seguridade Social para o pagamento da dívida pública, a contrarreforma trabalhista com redução de direitos, aumento das possibilidades de trabalho informal, a ampliação da lei de terceirização, todas com fortes consequências práticas para o recolhimento previdenciário.
No curto governo Temer também foi aprovada a Emenda Constitucional 95 que estabelece um teto de gastos primários independente do crescimento da população e da economia por 20 anos. Além disso, o PL 6.088/2016 pretende alterar a Lei nº 12.618, de 30 de abril de 2012, para permitir que planos de benefícios estaduais, distritais e municipais possam ser administrados pela Funpresp-Exe, representando um acúmulo monetário e grande expansão de ativos que alimentarão os mercados financeiros.2
O governo Bolsonaro iniciado em 2019 seguiu a mesma lógica iniciada nos governos anteriores de redução da participação do Estado na previdência e propôs um primeiro projeto centrado na desconstitucionalização das regras previdenciárias, na instituição da capitalização obrigatória aos ingressantes no mercado de trabalho e opcional àqueles que já se encontram no Regime Geral, diminuição de direitos previdenciários, mudanças no Benefício de Prestação Continuada, embutindo mudanças trabalhistas na medida em que restringe o abono PIS/PASEP para os trabalhadores que recebem apenas um salário-mínimo
As mudanças introduzidas pela contrarreforma aprovada em outubro de 2019 para os filiados após a promulgação da EC 06/2019 consistem em: fim da aposentadoria por tempo de contribuição; aumento da idade mínima aposentadoria para 62 anos, se mulheres e 65 anos, quando homens acrescidos em ambos os casos de 15 anos de contribuição e 20 anos de contribuição, respectivamente. No caso dos professores será exigido 25 anos de contribuição e 57 anos de idade, se mulher ou 60 anos de idade, se homem. Para os trabalhadores rurais, a idade exigida será de 60 anos, para os homens e de 55 anos, para as mulheres; os trabalhadores que exercem suas funções expostos à agentes nocivos à saúde ainda terão alguns direitos diferenciados, mas não será mais permitido o reconhecimento de atividade especial por enquadramento profissional. Além disso, os períodos trabalhados com exposição à agentes nocivos não poderão mais ser convertidos em tempo comum, como acontece atualmente e as regras de transição aprovadas para os segurados filiados antes da contrarreforma poucos serão os trabalhadores que laboram em condições nocivas à saúde que receberão 100% do salário de benefício.
Na aposentadoria por incapacidade permanente não houve mudanças nos requisitos de admissibilidade, mas nos critérios do cálculo do benefício. Pelo texto da nova proposta, o valor a ser recebido será de 60% do salário de benefício (que passará a ser a média de todas as contribuições realizadas desde 07/1994), com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição (para homens) ou que exceder o tempo de 15 anos (para mulheres). Entretanto, nas hipóteses de invalidez proveniente de acidente de trabalho, doenças profissionais ou doenças do trabalho o percentual permanecerá em 100% do salário de benefício (média de todas as contribuições realizadas desde 07/1994). O auxílio-reclusão sofreu alterações igualmente. Foi mantido o limite de renda de até R$ 1.364,43 para concessão, mas o valor do benefício será calculado nos mesmos moldes da Pensão por Morte, ficando limitado ao valor de 1 salário-mínimo
Outras mudanças foram introduzidas como a regra da proibição de acumulação de benefícios, ainda que seja pensão por morte, com exceções para outros regimes previdenciários e/ou militares. O valor do benefício da pensão por morte será equivalente a uma cota familiar de 50% do valor da aposentadoria que o falecido recebia ou que teria direito se fosse aposentado invalidez na data do óbito. Sobre esse valor, será acrescida a cota de 10% por dependente, até o limite de 100%. Excetua-se a hipótese de dependente com invalidez, deficiência física ou mental. Nestes casos, a pensão será de 100%.
Outra alteração significativa foi no cálculo do valor de benefício. Pelo teor da EC 06/2019 a média calculada será de 100% dos salários de contribuição desde julho de 1994. Desta forma, o segurado terá uma redução considerável no valor do salário-base. Em seguida, será aplicado o coeficiente de 60% da média de todos os salários de contribuição, com acréscimo de 2% para cada ano que ultrapassar 20 anos de contribuição, para homens, e 15 anos de contribuição para as mulheres. Assim, para receber 100% do salário de benefício as mulheres precisarão contribuir por 35 anos e, os homens por 40 anos. Também foram introduzidas novas alíquotas para a contribuição de segurados empregados e avulsos, variando de 7,5% a 14% até o limite do teto da previdência.
As demais alterações estão divididas entre a regra de transição (aplicada a todos aqueles que já são filiados ao INSS – Regime Geral – ou seja, aqueles que já começaram a trabalhar e a contribuir em algum momento) e a regra nova, que será aplicada a todos os que se filiaram ao Regime Geral depois que a nova lei entrou em vigor.
5. A geração de uma crise fiscal
A questão do fundo público não pode ser tratada nos dias atuais, como uma questão local, ignorando a participação dos estados na economia mundial. Para compreender a importância que o fundo público tem, é necessário entender sua participação na dívida de um país.
As dívidas latino-americanas resultaram do processo crônico de vulnerabilidade externa que tiveram início nos processos que definiram a luta pela respectiva independência de cada nação. Esse processo, no entanto, teve uma grande expansão durante a ocorrência dos regimes militares nos anos 1960/70, quando recursos vindos de um sistema monetário internacional privado chamado de euromercado, sediado em Londres, permitiu uma tentativa legitimação das ditaduras existentes. Este processo foi agravado com a política de juros altos praticada pelos EUA no final dos anos 1970, quando as taxas subiram de 5% para 20% e acabaram por levar à moratória mexicana e argentina em 1982. Com isso tivemos a entrada do FMI e BIRD que passaram a agir no sentido de se assegurar o pagamento da dívida externa e ao mesmo tempo introduzir as políticas de estabilização da moeda que sacrificavam as finanças públicas e as economias latino-americanas
A etapa seguinte veio com o Plano Brady, no final dos anos 1980 e a preparação para cada âncora cambial em vários países do continente que possibilitaram a estabilização das moedas, a contenção da inflação, mas significaram nova etapa de endividamento público e principalmente abrindo caminho para a introdução das políticas neoliberais marcadas pelo processo de privatização, abertura comercial, ataques aos direitos sociais, em particular o processo de privatização da Seguridade Social e dos serviços públicos.
Atualmente, as economias estão diante de uma longa recessão, acompanhadas de um desemprego estrutural, que quebra sempre mais fortemente os trabalhadores de mais de 50 anos e sobretudo, os jovens. Desde o segundo semestre de 2008, em que a grande maioria dos países entrou em crise os trabalhadores e os mais jovens sentiram os efeitos da crise na forma de um desemprego que a OIT tem alertado e que amplifica a precarização do trabalho e rebaixamento salarial e aumento de jornada.
Desde 2009, grupos industriais europeus realizaram essencialmente novos investimentos na Ásia ou nos maiores países da América Latina. É o caso de grandes grupos franceses importantes como a Peugeot e as empresas aeronáuticas, conforme relatório de pesquisa realizada conjuntamente entre a Unicamp e o IRES (pesquisa encomendada pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) 3.
Em muitas regiões assalariados sentem o desemprego em massa, num nível jamais visto desde os anos 30. Eles são confrontados condições inéditas de uma internacionalização muito pulsante da produção industrial que proporciona a possibilidade das empresas exigirem redução salarial, crescente intensificação do trabalho e o abandono das liberdades sindicais. Tudo com o respaldo das reformas trabalhistas aprovadas em cada governo.
A estratégia empresarial é a mesma em quase todos os países: algumas semanas antes dos empregados votarem reajustes salariais, as grandes empresas que integram corporações anunciam a transferência da produção de um lugar para outro. O que temos nesse momento é mais uma etapa da crise de superprodução que teve sua manifestação inicial, desde os anos 1980. Todavia, sua expansão se deu de 2000 a 2002, tendo seu ápice na crise de 20083, quando as bolsas mundiais perderam US$ 30 trilhões e os Estados nacionais contraíram dívidas públicas novas de US$ 20 trilhões para tentarem conter a sua propagação.
A política de austeridade foi decisiva na constituição da União Europeia e do Euro e passou a prática em grande parte dos estados nacionais, em especial na América latina, tendo como prioridade o pagamento das respectivas dívidas públicas. Ao mesmo tempo, o que observamos nos principais países desenvolvidos é uma redução da atividade econômica, aumento do desemprego e aprofundamento das desigualdades sociais. Tudo isso acontece quando esses estados salvaram os grandes bancos e grandes indústrias como dinheiro público e reduziram cada vez mais os gastos sociais.
Os bancos europeus não depuraram todos os ativos tóxicos de suas contas e continuaram a fazer investimentos de alto risco. Um ano de meio depois, no primeiro semestre de 2010, os mesmos bancos convenceram determinados governos, da Alemanha e da França inicialmente, assim como toda a União Europeia e o Banco Central Europeu, que o risco de inadimplência da Grécia colocaria os resultados dos investimentos globais, em perigo. Em maio de 2010, ao final de negociações longas, um acordo foi concluído em Bruxelas, sob o nome de ‘plano de luta contra os riscos de contágio das dívidas soberanas’. Em março de 2011, esse acordo foi prolongado e acrescido de disposições draconianas.
A dívida pública, que durante muito tempo era parte do cotidiano dos países subdesenvolvidos passou a ser uma marca também dos países desenvolvidos. Veja o quadro o volume de cada país em relação ao PIB:
Dívida bruta do setor público no mundo (% do PIB) – 2014 | |
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Países / Áreas | Dívida bruta – % PIB |
Japão | 245,1 |
Grécia | 174,2 |
Itália | 136,7 |
Portugal | 131,3 |
Irlanda | 112,4 |
Economias avançadas | 105,7 |
Estados Unidos | 105,6 |
Espanha | 98,6 |
França | 95,2 |
Alemanha | 75,5 |
Zona do Euro | 73,9 |
Índia | 60,5 |
Brasil | 58,9 |
África do Sul | 47,9 |
China | 40,7 |
Emergentes | 40,1 |
Rússia | 15,7 |
Fonte: Tânia Bacelar. Obs.: Brasil, percentual atualizado pelo autor.
6. A crise dos fundos de pensão no Brasil e o ônus para os trabalhadores
Dados da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) mostram que, ao final do primeiro semestre de 2017, 74 entidades – das 308 supervisionadas pela autarquia – somavam deficit de R$ 77,6 bilhões, quase 10 vezes maior do que há cinco anos. Por outro lado, trabalhadores e aposentados, da Petrobras tiveram um desfalque nos seus contracheques, com contribuições que variam de 3,2% a 26,9%, dependendo do nível dos ganhos. É bom lembrar que os trabalhadores terão de arcar, por 18 anos, com uma conta de R$ 14 bilhões, parte de um rombo projetado de R$ 27,7 bilhões. A outra parte será bancada pela Petrobras. Ao mesmo tempo, temos o caso da FUNCEF4, que dobrou o deficit para R$ 12,47 bilhões em dois anos. Neste caso, novo desconto passou a ser cobrado em 2017. Tal desconto se soma aos 2,78% cobrados desde o ano passado. Dessa forma os descontos chegam a 7,86% do salário por 17 anos. Em 2017, as 308 entidades que existiam no país, possuíam cerca de 7,2 milhões de associados, com ativos que chegaram a R$ 808 bilhões no final do segundo trimestre, conforme a Previc, valor equivalente a quase 13% do PIB brasileiro. Destaca-se que apenas Previ, Petros, Funcef e Postalis têm, em ativos, R$ 326 bilhões. 4
7. As contradições fundamentais dos fundos de pensão
A grande imprensa, que sempre apoiou o processo de privatização da previdência, tenta construir uma narrativa onde a crise dos fundos seria fruto da corrupção na gestão desses. Por mais que tenha existido casos de corrupção em alguns fundos, o fundamental a destacar é que essa crise dos fundos se deve especialmente ao aprofundamento da crise capitalista que tem levado a perdas gigantescas nos mercados de ações e na ocorrência de moratória, como na moratória argentina em 2001. Estes assumem uma dupla e conflitante função: na primeira seriam as molas propulsoras do desenvolvimento capitalista, como acionistas e gestores de grandes empresas associados com as grandes empreiteiras. Do outro lado, esses fundos são decisivos na rolagem da dívida pública, já que grande parte dos recursos dos fundos está envolvida na rolagem da dívida nos variados países. Vale lembrar que o processo de privatização da previdência e fortalecimento do sistema de capitalização avançou quando o Regime de repartição simples, onde uma geração financiava a outra, foi atacado, seja com a Redução do teto da previdência pública, seja na introdução dos Regimes próprios nos Estados.
8. A perda da solidariedade de Classe e a disputa por parte da mais valia e pelo fundo público
Os fundos de pensão, que passaram a concentrar grande parte de recursos oriundos dos salários dos trabalhadores, somados a contribuição patronal, assumiram o papel de investidores institucionais que são decisivos no destino de grande parte das aplicações nos mercados financeiros mundiais desregulamentados. Este sistema de capitalização acaba atuando em dois espaços principais. O primeiro no setor privado, já que passam a comprar ações de determinados setores tendo como objetivo a obtenção de dividendos. Em outras palavras, passam a disputar parte da mais valia extraída dos setores onde os fundos passam a ter controle acionário. Sendo assim, passam a atuar, juntamente, com os setores capitalistas na gestão das empresas, visando ampliar a exploração da força de trabalho. Com isso se quebra a solidariedade entre a classe trabalhadora a medida em que assegurar os dividendos que garantam o pagamento de suas aposentadorias e pensões pressupõem a exploração dos trabalhadores da empresa em que são acionistas. O segundo, quando passam a ter nas suas aplicações, parte considerável destinada a aquisição dos títulos públicos, passam também a disputar parte do fundo público que tem sua origem nos salários (trabalho necessário) ou na mais valia (trabalho excedente). Em outras palavras, comprar títulos públicos significa se apropriar de parte dos recursos que através do Estado poderia resultar em financiamento das políticas sociais fundamentais que lhe asseguraria a própria Seguridade Social.
Segundo a auditoria cidadã da dívida, que analisou o orçamento geral da União de 1995 a 2015, nos itens gastos selecionados com Juros e amortizações, Saúde e Saneamento e educação e cultura, há um descompasso grande na evolução deles. Neste período, os recursos destinados com Saúde e Saneamento e Educação e Cultura, ficaram próximos dos R$ 100 bilhões, enquanto os gastos com juros e amortizações ultrapassaram um R$ 1 trilhão depois de 20145.
Quando analisamos a evolução do PIB (Produto Interno Bruto) no Brasil de 1930 a 19186, podemos observar que a relação entre a existência de fundo de pensão e crescimento econômico não se configurou, já que as fases de maior expansão do PIB ocorreram com maior relevância durante a fase do nacional desenvolvimentismo de 1943 a 1963. O segundo momento de expansão ocorreu durante o chamado milagre brasileiro de 1968 a 1978, durante a fase de chumbo no Regime militar. Enquanto isso, o período marcado pela expansão dos fundos de pensão conhecido como fase neoliberal foi marcado por uma taxa de crescimento bem menor em relação aos dois grandes momentos de crescimento econômico no Brasil.
Quando observamos os países desenvolvidos podemos constatar que a fase de maior crescimento econômico foi durante os chamados trinta gloriosos do pós Segunda Guerra, quando estava em vigor o Estado de bem Estar Social. A fase neoliberal pós 1980, foi marcada pela década perdida e pela retomada das várias etapas da crise de superprodução. Nesse processo tivemos a recessão de 1974/76, a recessão de 1980-81, a recessão de 1990/91, a crise da economia.com ou bolha da Internet de 2000 a 2002. Antes disso, tivemos a crise mexicana, em 1995, a crise asiática, em 1997 e a crise russa em 1998. O ponto decisivo do declínio da atividade economia mundial veio com a Grande crise de 2008. Portanto, é inteiramente falaciosa a ideia que fundo de pensão pode ser responsável pelo crescimento econômico.
9. A relação entre a crise capitalista, crise fiscal e a expansão dos fundos
A crise de superprodução iniciada a partir de meados dos anos 70 e a queda de lucratividade industrial contribuíram para o avanço da expansão financeira, quando essa baixa rentabilidade dos investimentos industriais gerou uma massa de capitais que procurou se valorizar na forma financeira, seja como capital – dinheiro de empréstimo, seja como capital para investimento em ações nas bolsas de valores ou na aquisição de títulos da dívida pública. Por outro lado, a elevação da taxa de juro, iniciada por Paul Volcker, no FED (Banco Central dos EUA), e amplificada no governo Reagan, deu o tom da política de remuneração dos possuidores de títulos públicos estadunidenses e atraiu ainda mais capital de origem produtiva de várias partes do mundo para essa finalidade, implicando num maior endividamento interno e externo daquele país. Tal iniciativa impulsionou um novo regime de acumulação mundial predominantemente financeira, o que permitiu que os fundos de pensão passassem a ser atores mais poderosos do regime de finanças de mercado mundializado (CHESNAIS, 1996, p. 32, apud GOMES 2013). Perto desses fundos e sociedades de investimentos coletivos, os maiores bancos parecem nanicos (CHESNAIS, 1998, p. 28 apud GOMES,2013).
O início dos anos 1980, foi marcado por um distanciamento entre a expansão do PIB e a expansão da esfera financeira nos Estados Unidos7. A queda do PIB está ligada a queda da taxa de lucro que acabou reduzindo a taxa de investimento. Junto disso tivemos o aprofundamento da crise fiscal e financeira do Estado e a introdução do juros altos praticada pelo FED, no sentido de combater o processo inflacionário. Ao mesmo tempo, pretendiam tornar os títulos do tesouro mais atrativos para rolar aquela dívida pública. Portanto, a ascensão da previdência privada no EUA coincide com a busca daquele Estado de contornar a crise fiscal que acabou por impulsionar as aplicações financeiras já com uma taxa de 20% ao ano, comprometendo os investimentos produtivos. Tal fato acabou por contribuir ainda mais para redução da atividade econômica no que se chamou da década perdida. Vale lembrar que a desregulamentação financeira dos anos 1980 abriu caminho para o surgimento de novos produtos financeiros.
Durante os chamados trinta gloriosos do pós-guerra tivemos nos países desenvolvidos a edificação da Seguridade Social. Todavia, o início da fase neoliberal teve início em 1979 com Margareth Thatcher e Ronald Reagan nos EUA no início dos anos 1980. No entanto, o Chile foi o primeiro país do mundo a privatizar o sistema de previdência em 1981. Tal processo inédito e tão polêmico e impopular só foi possível devido a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), inspirado nas ideias de Milton Friedman (1912-2006), um dos maiores representantes do liberalismo econômico.
Naquele momento se introduziu um sistema de capitalização onde desaparece a contribuição do patrão e do Estado. Neste caso, cada trabalhador faz a própria poupança, que é depositada em uma conta individual, em vez de ir para um fundo coletivo. Neste intervalo fica guardado dinheiro que é administrado por empresas privadas, que investem no mercado financeiro.
O sistema securitário chileno foi criado em 1924, com a criação da Caixa de Seguro Operário destinado aos trabalhadores manuais, com oferta de assistência médica, seguro enfermidade e pensões por invalidez, (invalidez decorrentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais), e velhice. A existência de diversos programas para os diversos grupos de trabalhadores gerou um sistema discriminatório, no que diz respeito à concessão de benefícios. As principais diferenças entre esses programas diziam eram relativos a requisitos para a obtenção de pensão, taxas de contribuição e concessão dos benefícios segundo a idade, tempo de serviço e o sexo do beneficiário.
Em 1980 foi criado o Sistema de Pensões de Capitalização Individual (Decreto-Lei 3.500) que, a médio prazo substituiria todos os regimes de pensão, exceto a Caixa Previdenciária da Defesa Nacional e dos Soldados8.
As causas socioeconômicas apontadas oficialmente caracterizaram-se por uma forte intervenção estatal, com gastos elevados, um forte desemprego e queda salarial a partir de 1973. Importante relembrar que nessa época as alíquotas de contribuição previdenciária oscilavam entre 25,75% e 59% dos salários, favorecendo ainda mais a demissão de empregados. As causas demográficas apontadas como causadoras do desequilíbrio atuarial são as mesmas já declinadas pelo Banco Mundial, ou seja, a elevação do número de beneficiários e a redução do número de contribuintes. (ESTEVES, 2008)
A primeira providência para a adoção do novo sistema foi de natureza institucional. Criou-se empresas responsáveis por administrar os fundos capitalizados que, no Chile chamou-se de Administração de Fundos de Pensão (AFP), controladas por Superintendências. A transição financeira iniciou com a extinção das contribuições previdenciárias daqueles que passaram para o novo regime, mas com a garantia da emissão de um Bônus de Reconhecimento que compreendiam os valores já pagos ao antigo sistema. O processo de transição administrativo foi seguido pela criação de mecanismos que assegurassem o fluxo das contribuições provenientes dos empregadores para os Fundos. Esses pagamentos seriam feitos diretamente dos empregadores para os fundos de pensão.
Em 1980, foi criado o INP – Instituto de Normalização previdenciária, para reorganizar os sistemas antigos. Com a reorganização, a idade mínima, para aposentar-se, passou para 65 anos de idade para os homens e, 60 para as mulheres. Em 1995, as idades para aposentadoria permaneceram inalteradas, mas o tempo de serviço passou para 20 anos, no mínimo, em qualquer caso. Não havia contribuição patronal e o Estado só contribuiria em casos de extrema pobreza
O sistema de repartição no Chile foi substituído por um sistema de capitalização individual pura, com previsão de extinção total do primeiro regime até 2038. Os trabalhadores que ingressaram no sistema até 1982 puderam escolher entre permanecer no regime de repartição ou migrar para o novo regime. (ESTEVES, 2008)
Os resultados práticos observados no novo sistema de previdência chileno em pesquisa realizada por ESTEVES foi de que já naquela década, o intervalo na cobertura dos filiados era grande, pois o número de filiados era duas vezes menor que o de contribuintes. O grande número de filiados (6,1 milhões) em 1999 deveu-se ao fato da grande obrigatoriedade de participação, enquanto que as contribuições dependiam da capacidade financeira dos filiados, que é determinado pelo baixo índice de contribuintes. Os dados fornecidos pela Superintendência dos Fundos de Pensão do Chile, já apontavam para o fato de que a média das pensões pagas aos filiados era de 136 mil pesos em 2004,7 o que representava pouco mais que o salário-mínimo local.
Estudos realizado pela Cenda – Centro de Estúdios Nacionales de Desarrollo Alternativo7 – demonstram que 20,3% dos filiados pagam menos que 10% das vezes que deveriam pagar e somente 11,4% pagam 100% das vezes. Assim, a média geral total dos contribuintes é de 41,4%. Considerando-se somente os homens, esse percentual se eleva para 43,8%; se forem somente mulheres, baixa para 38,2%. Deste modo, em doze meses, a média de contribuições resulta em 4,96 meses/ano (5,25 meses/ano se só homens e 4,54, se só mulheres). Por isso, seriam necessárias contribuições em, pelo menos 5,45 meses por ano, para chegar-se a 240 contribuições em 44 anos e receberem eles a contribuição mínima. Um dado ainda mais assustador: segundo o mesmo estudo, 2,43% dos filiados têm saldo zero, o que representam 163.013 pessoas; outras 279 pessoas têm um saldo de mais de 100 milhões de pesos, e 1.207 pessoas tem saldo de 80 a 100 milhões de pesos. Mesmo os estudos oficiais apontam contribuições na ordem de 52,4%. Desses, 25% contribuem em 23,6% das vezes; e, outros 25% contribuem 88,8% das vezes. (ESTEVES, 2008)
Mas, a partir de 2017 o sistema entrou em crise por causa dos baixos valores pagos aos aposentados, menores que o valor do salário-mínimo local, em oposição aos elevados valores das categorias militares que tinham sido excluídos na reforma de Pinochet. O aumento na taxa de suicídios entre idosos tornou-se destaque mundial e causou uma forte crise política que repercutiu nas eleições presidenciais7. Apesar do sistema de previdência do Chile ter sido considerado o 8º melhor do mundo na 10ª edição do estudo comparativo Melbourne Mercer World Pension Index 20188, a situação dos aposentados era extremamente diferente.
Após as manifestações sociais iniciadas após os suicídios, o sistema de aposentadoria chileno foi modificado e, hoje, assemelha-se ao sistema adotado nos Estados Unidos pois combina previdência pública com uma capitalização obrigatória, além de um incentivo para o investimento na previdência privada. O percentual de contribuição dos trabalhadores passou de 10% para 15%, mas a diferença deverá ser paga pelo empregador, que passou a contribuir. As mudanças feitas objetivam um aumento em torno de 40% no valor das aposentadorias até 2025, quando o sistema estará implementado Neste novo modelo, o sistema de aposentadoria e pensão passará a representar 1,12% do PIB em contraposição aos 0.8% anteriores.
10. As ilusões para justificativa dos Fundos de Pensões
A tentativa de justificativa para a introdução dos fundos de pensões em substituição a previdência pública, foi sempre a mesma independente dos países: gerar previdência segura e garantir o crescimento econômico à medida que estes fundos seriam destinados ao mercado de capitais e dessa forma impulsionaria os investimentos. Este argumento foi usado nos EUA na metade dos anos 1970, quando teve impulso a previdência privada. Da mesma forma foi usado no Brasil em 1977. Esta primeira iniciativa de regulamentação da Previdência Privada no Brasil, em 1977 foi inspirada na Employee Retirement Income Security Act (ERISA7) os Estados Unidos, em 1974.
Segundo Gomes (2013) a previdência complementar foi institucionalizada no Brasil, com a lei n° 6.435, de 1977, durante o governo do General Geisel, visando à canalização da poupança previdenciária para o desenvolvimento do mercado de capitais, especialmente no funcionamento de algumas entidades de previdência privadas ligadas às empresas estatais, dentro do II PND – Programa Nacional de Desenvolvimento. Este momento foi marcado por uma mudança de cenário definida pela crise do “milagre brasileiro” e a busca de manutenção da expansão na economia brasileira, quando a economia mundial passava por uma grande incerteza. O governo militar pensava em manter um oásis de crescimento econômico no Brasil num deserto de incertezas da economia mundial.
A ideia central, naquele momento, era de que os volumes de recursos arrecadados pelos fundos de pensão serviriam para expandir o volume de investimentos produtivos com a expansão do mercado de ações. Desta forma imaginava-se a manutenção de altas taxas de investimentos que garantiriam o crescimento econômico num momento de grande insatisfação popular.9 Este mesmo argumento foi utilizado em 2003, quando da aprovação de mudança constitucional que abria caminho para a criação de fundos de pensão para os servidores públicos. Para aprofundar a análise sobre a possibilidade dos fundos serem agentes do crescimento econômico vamos ver a trajetória do setor industrial no Brasil.
A desindustrialização revela a incapacidade dos fundos de gerar investimentos
No gráfico abaixo, que trata da participação do setor industrial de 1947 a 2014, podemos observar que a ideia de que os fundos de pensão seriam agentes impulsionadores do crescimento econômico e por sua vez da industrialização no Brasil não se sustenta. Num primeiro momento, o gráfico revela que a fase marcada pela introdução do neoliberalismo no início dos anos 1990 é marcada também pelas privatizações, desnacionalizações e aprofundamento da previdência privada no Brasil, foi também o momento aceleração do processo de desindustrialização. Se o ano de 1985 foi o momento de maior participação da indústria no PIB com 21,6% no período estudado, 1990 representou uma queda para 17,5% com a abertura econômica.
Esta queda da participação da indústria se acentua com a introdução do Plano Real em 1994, marcado pela abertura comercial e a sobrevalorização da moeda brasileira. Neste processo, a política de juros altos para assegurar a estabilidade monetária tornou os títulos públicos atrativo para parte do capital que antes estava na esfera produtiva. Após a crise de 2008 esta participação teve queda para 13,9% em 2011. Todavia, em 2014 a participação da indústria chegou a 10,9% mais baixa que a registrada em 1947 de 11,9%. Desta forma, podemos observar que o argumento de que os fundos de pensão seriam garantidores dos investimentos no mercado de capitais, e por sua vez do crescimento econômico não se sustenta. Além disso, observamos um processo de reprimarização da nossa pauta de exportação.
11. A crise capitalista e a crise dos fundos de pensão no Chile, Argentina e Brasil
Neste momento, reconstituiremos o processo no auge e a crise da previdência privada no caso chileno e argentino. Nosso objetivo central é demonstrar que o processo de privatização da previdência social é parte do processo de colocar a fatia do fundo público a serviço da remuneração de capitais que estão na condição de capital rentista enquanto o estado prioriza o pagamento da dívida pública, o que acaba sendo o outro lado do mecanismo onde esta previdência privada deverá ser aplicada. Dessa forma, a previdência privada vai depender de duas aplicações principais: ações e títulos públicos. Isso porquê no momento de aprofundamento da crise capitalista, tendem a criar um cenário de incerteza ainda maior das aposentadorias e pessoas privadas, já que estão submetidas aos riscos de mercado.
Segundo Gomes (2013, p 31), os riscos para os participantes destes fundos são grandes considerando que a previdência complementar depende dos rumos do mercado financeiro, seja das ações, seja dos títulos da dívida pública. Em 2001, quando da ocorrência da moratória da dívida pública argentina, as perdas foram gigantescas porque grande parte dos recursos destes fundos estava aplicado nos títulos daquele país, quando foi praticado um deságio de 75% aos possuidores dos títulos.
Na crise de 2008, tivemos mais uma etapa de perdas para a previdência privada argentina, agora no mercado de ações. Todavia, essas perdas dos fundos nos dois países resultaram em encaminhamentos diferentes. Na Argentina, Cristina Kirchner aprovou um projeto de lei ré estatizando todos os fundos de pensão privados diante das perdas que os fundos sofreram com a crise capitalista mundial. Segundo o governo argentino, desde 2008, as AFJP (as chamadas Administradoras de Fundos de Aposentadorias e Pensões) acumularam perdas de 20%. Estas AFJP foram criadas na Argentina em 1994 à semelhança das chilenas e conviveram com o sistema de previdência estatal8.
Sendo assim, depois 14 anos de funcionamento do sistema privado tivemos a transferência para o chamado ANSES (Administração Nacional de Segurança Social, equivalente ao INSS no Brasil). Com essa Lei se ré estatizou o sistema de previdência social do país, terminando com o sistema de capitalização, chamado de Administradoras de Fundos de Pensão e Aposentadorias (AFJP, na sigla em espanhol), criado em 1994. Sendo assim, depois 14 anos de funcionamento do sistema privado tivemos a transferência para o chamado ANSES (Administração Nacional de Segurança Social, semelhante ao INSS no Brasil).
Esta iniciativa, na Argentina, levou à transferência dos ativos das AFJP – de cerca de US$ 30 bilhões ao sistema estatal. Além destes recursos, com o fim da privatização, o governo argentino passou a possuir ações em várias empresas privadas onde os recursos das AFJPs tinham sido investidos. Analistas de mercado, no entanto, afirmaram que o governo necessitava deste caixa para fechar as contas em 2009, especialmente para evitar uma nova moratória. O projeto de lei aprovado garantiu, segundo o governo argentino, um sistema de aposentadoria único, público e solidário. Vale lembrar que os mesmos políticos que votaram a favor da privatização, em seguida votaram a favor da reestatização. Enquanto isso, no Brasil tivemos a continuidade da mobilização do governo e da base aliada pela criação do FUNPRESP (Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal), como previa a contrarreforma de 2003. Tal processo foi seguido também, pela criação dos fundos de pensão nos governos estaduais.
Estas perdas foram ainda maiores nos países centrais. Segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) os fundos de pensão dos trabalhadores de países desenvolvidos sofreram prejuízos de US$ 4 trilhões, entre janeiro e outubro de 2008 como resultado da crise que abalou a economia mundial, afetando os investimentos como as ações. Os mais atingidos, nos países ricos, foram os fundos que mais aplicavam em ações, em proporções que chegavam a 50% dos ativos10
Por outro lado, a queda da taxa básica (SELIC), em 2019, que seria benéfica para facilitar o investimento produtivo e para reduzir a dívida pública, acaba tendo um efeito ruim para os recursos dos fundos, que tinham migrado anteriormente para os títulos públicos, já que as ações tinham tido perdas em quatro anos seguidos. Desta forma, os R$ 865 bilhões de propriedade de 7,4 milhões de segurados administrado por cerca de 250 fundações de previdência fechada terão que sair da zona de conforto que os títulos públicos ofereciam para garantir a rentabilidade de seus ativos. Essas entidades sempre contaram com o conforto dos títulos públicos, que ofereciam em torno de 5% acima da inflação. Dessa forma, mantido os juros baixos terão os investidores institucionais que procurar alternativas mais arriscadas no mercado de ações.
É importante lembrar que os investimentos dos fundos de Pensão geralmente ficavam entre aplicações em ações e aplicações em títulos públicos. Tivemos momento em que estes investimentos eram quase divididos entre renda fixa e variável. Todavia, a partir da crise capitalista de 2008 e das perdas registradas na bolsa brasileira, registramos uma mudança gradual na distribuição dessas aplicações. Em 2011 tínhamos 61% para renda fixa e 31% para renda variável. Em 2015 chegou a 70, % para renda fixa e 18,5% para renda variável. Em 2018 a participação da renda fixa se eleva para 73,4% e renda variável 18,5%. Com este deslocamento dos ativos dos fundos para a renda fixa fica ainda mais evidente que fundos de pensão não asseguram investimentos produtivos. Veja no quadro abaixo essas mudanças de orientação nas aplicações dos fundos:
MUDANÇAS EM RITMO LENTO Distribuição dos inventos das fundações por classe de ativo ano a ano mostra que alterações ocorrem de maneira bastante gradual. |
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Ano | Renda fixa | Renda variável | Estruturados | Imóveis |
2018 | 73,4% | 18,5% | 1,5% | 3,7% |
2017 | 73,6% | 17,7% | 1,6% | 3,9% |
2016 | 72,4% | 18,1% | 2,2% | 4,3% |
2015 | 70,7% | 18,5% | 2,9% | 4,8% |
2014 | 64,2% | 24,7% | 3,3% | 4,7% |
2013 | 60,4% | 29% | 3% | 4,5% |
2012 | 61,7% | 28,6% | 2,7% | 4% |
2011 | 61% | 30,1% | 2,3% | 3,6% |
Extraído de https://www.istoedinheiro.com.br/um-passo-a-frente-nos-riscos/
Dessa forma, os fundos de pensão passam a ter um papel cada vez mais importante na aquisição dos títulos e por sua vez, garantidores da rolagem da dívida pública. Sendo assim, a suposta garantia do pagamento das aposentadorias e pensões passam a depender cada vez mais da capacidade do Estado de pagar os títulos públicos que, por sua vez, exige constantes ajustes fiscais que reduzem os gastos sociais. Nesta direção a aprovação da Emenda Constitucional 95 tinha como objetivo constitucionalizar o corte das despesas primárias com o seu congelamento por 20 anos para assegurar o pagamento do crescente serviço da dívida pública. Essa mudança começou depois de cinco anos de resultados ruins (2014-2018)11, os fundos de pensão finalmente apresentam ganhos melhores em 2019. Essa reversão só foi possível com a disparada de 19,18% das ações do IBOVESPA em 201912.
Quando analisamos o lucro dos bancos no Brasil de 1996 a 2015 podemos ver que depois de 2002 tivemos um momento de ascensão. Tal processo se manteve elevado, especialmente após a crise de 2008. É bom lembrar que o crescente lucro dos bancos deriva compra de títulos públicos, da venda de previdência privada, da venda de saúde privada, da prática de elevadas tarifas, dos juros elevados cobrados pelos empréstimos e da profunda automação bancária que aprofundou o arrocho salarial e o desemprego no setor. Portanto, esse crescente lucro dos bancos pode estar associado às políticas de privatização de Seguridade Social (Assistência Social, Previdência Social e Saúde).
O ano de 2019, foi marcado também pelo crescimento do rendimento dos bancos, quando os grandes bancos, com exceção do Itaú Unibanco, ampliaram o volume de dividendos distribuídos a seus acionistas: foram mais de R$ 52 bilhões, volume quase 26% maior que o de 2018.13
12. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesse artigo, que tinha como objetivo ir além da aparência nos motivos da reforma da previdência, visamos demostrar que o processo de privatização da previdência social é parte do processo de privatização dos serviços públicos que marcou a introdução do neoliberalismo. Em primeiro lugar, reafirmar que a privatização da previdência tem início com a amplificação da crise de superprodução, associada a crise fiscal e financeira do Estado que objetivava restabelecer o valor do dólar, tornando os títulos públicos estadunidenses. Tal fato, acabou por amplificar a dívida pública daquele país, e por sua vez, desestimulou a atividade produtiva nos EUA. Em segundo lugar, lembrar que a política de juros altos estadunidense no início dos anos 1980, impulsionou a dívida externa na América latina, que aprofundou a dívida pública, findando por reduzir o papel Estado na economia, que em parte explica a desindustrialização e a queda da atividade econômica. Em terceiro lugar, lembrar que a crise atual dos fundos de pensão se deve em grande parte a continuidade dos efeitos da crise de 2008, que tem provocado grande incerteza no mercado de capitais. Em quarto lugar, lembrar que os fundos não oferecem nem previdência segura, nem capital de longo prazo para impulsionar investimento. Ao contrário, pudemos observar que os maiores e mais antigos fundos de Pensão tiveram grandes perdas e passaram a responsabilidade para seus membros que retiram fatias cada vez maiores dos seus salários e aposentadorias para cobrirem tal rombo. Em sexto lugar, verificamos que fruto das perdas surgidas no mercado de ações nos últimos anos, muitos fundos direcionaram suas aplicações para títulos públicos, justamente quando a taxa básica de juros chegou a 4,5%, que certamente levará a diminuição do rendimento desses fundos. Em sétimo lugar, lembrar o grande fracasso da previdência privada no Chile, pioneiro no mundo e da Argentina, que após privatizar voltou a ré estatizar em 2008. Por último, lembrar da necessidade de retomada das políticas de esclarecimento e mobilização em defesa da Seguridade Social, destacando sempre o papel da dívida pública crescente que serve para alimentar a transferência do fundo público para a esfera financeira e comprometer as políticas sociais. Dentro disso, é fundamental a retomada da luta pela reversão da Emenda Constitucional 95, que congelou por vinte anos os gastos sociais para assegurar mais recursos para o serviço da dívida, que alimenta os rendimentos do setor financeiro. É importante destacar que nessa mesma direção estão sendo propostas as reformas administrativas e a reforma tributária. Para tanto, é fundamental a unificação dos trabalhadores do serviço público das três esferas com os trabalhadores do setor privado na defesa dos serviços públicos e dos direitos sociais.