“DÍVIDA ETERNA!… TEMOS ALTERNATIVA?”, por Maria Lucia Fattorelli

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Informe do BIRD relata que o Brasil é responsável por nada menos que 10% de toda a dívida externa mundial. O jornal O Globo de 22/04/2002 publicou que o FMI e o Banco Mundial fizeram um alerta ao Brasil no último dia da reunião semestral das duas instituições, ontem, em Washington. O diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental do Fundo, Cláudio Loser, afirmou que o excessivo endividamento externo deixa o país em situação vulnerável, apesar dos avanços (sic) obtidos com o equilíbrio fiscal. O BIRD considera como muito grave a relação dívida/exportações acima de 220%. O dado mais recente do referido banco indica que a dívida externa brasileira atingiu 323% das exportações anuais. Além disso, apenas os encargos da dívida externa consomem 90,7% das exportações do país. Estes alertas e avaliações temerárias sobre nossa situação externa surgem no momento em que ganha corpo a discussão sobre a reestruturação das dívidas dos países em desenvolvimento: A proposta de renegociação de dívidas não é assunto novo, mas foi recentemente apresentada pela número 2 do FMI, Anne Krueger, em novembro/2001 em Washington, requentada por causa da crise Argentina. A proposta institui um mecanismo formal que obviamente ficaria sob o comando do próprio FMI. Esse mecanismo teria força de lei em sentido universal, ou seja, seria superior às leis dos países. Superior à nossa Constituição Federal! O mecanismo prevê a criação de um tribunal de insolvência interno, do qual participariam credores e devedores, e abarcaria tanto a dívida interna quanto a externa. Visa reconstruir a confiança dos investidores, restaurando o crescimento dos países, ao colocar em primeiro lugar as políticas corretivas de ajuste fiscal, que são inversas às adotadas pela maior potência mundial e demais países ricos, para fortalecer o setor financeiro e impor regimes mais flexíveis de câmbio. A partir de 17 de abril último, essa proposta passou a ser comentada publicamente também pelo número 1 do FMI, Horst Köhler. Ele explicou que os credores poderiam decidir por uma maioria qualificada, sobre os termos da

reestruturação e está defendendo a proposta de Krueger que indica que os credores privados deveriam fiscalizar a política econômica dos países devedores, garantindo assim que o compromisso de pagamento acertado na reestruturação fosse honrado. A proposta de renegociação está avançando rapidamente entre os mandatários do planeta, uma vez que a mesma já foi incluída, pelo G7, em seu plano para combater crises financeiras dos emergentes, conforme noticiou a Folha de SP de 21/04/2001. Não podemos deixar de temer que isto possa gerar situações absurdas, como já ocorrido algumas vezes. Por exemplo, tribunais americanos já chegaram a dar ganho de causa a credores que processaram países por terem alterado cláusulas de renegociação de dívidas e, em 2000, um juiz norte-americano determinou o sequestro de bens do patrimônio estatal do Peru (sedes de embaixada, aeronaves, por exemplo) como indenização por títulos vencidos. Hoje, nossa Constituição Federal impede tais práticas, mas, como já dito, o mecanismo proposto pelo FMI terá força legal superior à mesma, institucionalizando, desta forma, o fim da soberania dos países endividados. Em contraponto a esse modelo autoritário, violento e desrespeitoso proposto pelo FMI, representantes da Campanha Jubileu de vários países do mundo reuniram-se em Guayaquil, no Equador, nos dias 9 a 12 de março, a fim de discutir uma proposta alternativa a esse mecanismo unilateral profundamente parcializado com o qual são tratados os países em desenvolvimento. Os dezoito países representados em Guayaquil Equador, Argentina, Peru, Bolívia, Colômbia, Brasil, Honduras, Ghana, Nigéria, Mali, Ilhas Maurício, Filipinas, Alemanha, Inglaterra, Áustria, Austrália, Espanha e Canadá discutiram a alternativa de realização de um processo de arbitragem justo e transparente. A proposta se fundamenta na defesa dos direitos humanos e dos direitos fundamentais dos povos, que têm sido violentamente desrespeitados pelos governos que circunscrevem suas ações aos interesses de pequenos grupos. As negociações das dívidas têm sido, historicamente, desequilibradas. O juiz (FMI) é parte do time mais forte, impõe as regras e não assume qualquer culpa ou responsabilidade pelos danos que tem causado. O exemplo mais recente é o caso da Argentina, mas vários países estão igualmente arrebentados. Por isso, foi discutida também a proposta de criação

de um Código Financeiro Internacional, que regule as relações e dê maior equilíbrio e justiça às negociações internacionais. O processo de arbitragem discutido em Guayaquil busca uma reorganização da forma de negociação e prevê o estabelecimento de um tribunal de dívida independente, cujos árbitros se alternariam a cada situação, ou seja, não seriam fixos. Para se chegar a esse mecanismo, os países deveriam iniciar um processo de monitoramento, audiências públicas e auditorias da dívida, para que se tenha pleno conhecimento da natureza do endividamento qual parte é legítima e qual é ilegítima. A essência do processo de arbitragem é a transparência do endividamento de cada país. A nós, diz respeito a dívida brasileira. Como chegaremos a esse ponto? Como conseguiremos essa clareza? Acredito que somente através de uma auditoria profunda e abrangente, chegaremos à verdade. A Auditoria da Dívida Externa está prevista na Constituição Federal promulgada no ano de 1988, e até hoje não foi realizada. Enquanto o Congresso Nacional se omite, respaldos no voto dos cidadãos que participaram do Plebiscito da Dívida Externa realizado no ano 2000, iniciamos, em 2001, os trabalhos da Auditoria Cidadã da Dívida, que consiste no resgate de documentos, realização de estudos, levantamento de dados, mas visa, especialmente, pressionar pela realização da auditoria oficial, prevista em nossa Constituição. Em setembro de 2001 o próprio Banco Central anunciou um erro em nossa Dívida Externa no montante de 32,7 bilhões de dólares!!! Há tantas dúvidas sobre esse anúncio de erro que o mesmo mereceu requerimento de informações do Senador Eduardo Suplicy e do Deputado Walter Pinheiro. Esse fato serviu, no mínimo, para comprovar que é preciso realizar uma auditoria séria nessa dívida, que tanto tem sacrificado a sociedade brasileira. Em novembro de 2001, foi apresentada a proposta no. 64/2001, relativa à realização da auditoria oficial, mas a mesma encontra-se pendente de aprovação do Presidente da Câmara dos Deputados, Dep. Fed. Aécio Neves… Suaaprovação pode significar finalmente o respeito à nossa Constituição e o resgate de fatos e questionamentos graves, lesivos à nossa soberania e à nossa dignidade, até agora restritos ao discurso.

Inúmeros são os questionamentos sobre o processo de endividamento brasileiro, que se inicia com uma grande infâmia: por ocasião da declaração de nossa independência, em 1822, fomos obrigados a herdar a dívida de 1,3 milhão de libras esterlinas que Portugal havia contraído junto à Inglaterra, justamente para lutar contra nossa independência. Não conseguindo barrar a declaração de independência, empurraram-nos a dívida… No decorrer dos trabalhos descobrimos que a Auditoria não é uma experiência nova no Brasil. No ano de 1931, o Presidente Getúlio Vargas, determinou que o próprio Ministro da Fazenda Osvaldo Aranha, procedesse uma auditoria em nossa dívida externa, quando se apurou somente 40% dos contratos encontravam-se devidamente documentados; os valores reais das remessas eram ignorados e, ainda, não havia contabilidade regular da dívida externa federal! Resgatamos também Relatório da Comissão formada em 1987, no Senado Federal, para analisar a moratória decretada por Funaro, merecendo destaque algumas conclusões do relator, Fernando Henrique Cardoso, que provam quehavia plena consciência quanto à co-responsabilidade dos credores internacionais, e que cerca de ¼ da dívida externa brasileira referia-se a juros sobre juros, em decorrência da alteração da taxa de juros pelos Estados Unidos. A conclusão de FHC foi categórica: A situação que ora vivemos – arrocho salarial direto dos trabalhadores no setor público e indireto de toda força de trabalho, submissão da política econômica às regras e monitoramento do FMI, acomodação aos interesses dos grandes bancos internacionais, etc – não passa de uma encenação da inequívoca demonstração da falta de governo no País. Após sete anos em que o próprio FHC ocupa a presidência, a frase de sua autoria continua super atual! No ano de 1989 foi formada outra comissão no Congresso, em cumprimento ao artigo 26 das disposições transitórias, mas a auditoria não chegou a ser realizada, mas os relatores prestaram importante serviço à nação, registrando fatos gravíssimos e até então ignorados pela sociedade.

O primeiro relator, Senador Severo Gomes, apontou a existência de cláusulas de renúncia à alegação de nulidade e à argüição de nossa soberania. Nas palavras do saudoso Senador Severo Gomes: Sem qualquer sombra de dúvida, aqui está o ponto mais espantoso dos Acordos. De notar, aliás, a grosseria dos credores, ou a pusilanimidade dos negociadores brasileiros, admitindo uma cláusula que, sobre ferir os brios nacionais, é fundamentalmente inútil, no contexto da negociação…. Esta cláusula retrata um Brasil de joelhos, sem brios poupados, inerme e inerte, imolado à irresponsabilidade dos que negociaram em seu nome e à cupidez de seus credores… Este fato, de o Brasil renunciar explicitamente a alegar a sua soberania, faz deste documento talvez o mais triste da História política do País. Nunca encontrei… em todos os documentos históricos do Brasil, nada que se parecesse com esse documento, porque renúncia de soberania talvez nós tenhamos tido renúncias iguais, mas uma renúncia declarada à soberania do País é a primeira vez que consta de uma documento, para mim histórico. Este me parece um dos fatos mais graves, de que somos contemporâneos. O relatório dessa comissão acabou sendo derrotado e até hoje a auditoria prevista na Constituição Federal não foi realizada. O grupo da auditoria cidadã tem procurado analisar o orçamento da União, no sentido de conscientizar a sociedade sobre o grau de comprometimento dos recursos públicos com a dívida. A Cartilha que lançamos traz essa análise. Enquanto o governo honra a vultosa dívida financeira, dá um verdadeiro calote na dívida social, condenando milhões de brasileiros à completa exclusão. Também estamos iniciando, em conjunto com auditores do Banco Central, cálculo do ônus representado pelas taxas de risco impostas ao Brasil ao longo dos anos. Ora, se temos sido os melhores e mais generosos pagadores do mundo, exigimos que esse risco atribuído ao país seja revisto. Há muita inconsistência nesse parâmetro riscopaís, que tanto tem prejudicado o país. A posição em que classificam o Brasil é ridícula, se comparada à nossa condição de excelentes pagadores. Nossa maior vulnerabilidade está exatamente nas elevadíssimas taxas de juros, impostas pelo mercado, como declarou nosso presidente viajante, quando se encontrava na Rússia. Esta política de vultosas taxas de juros é uma política suicida, imposta pelo FMI mas inversa à aplicada pela maior potência mundial, cuja economia, quando em

recessão, cresce em cima de políticas que o governo adota (redução de juros, aumento dos gastos públicos e investimentos internos), contrárias às políticas que prega através do FMI. Estamos também desenvolvendo um trabalho a partir das Resoluções do Senado que aprovaram empréstimos externos, relacionadas aos temas POBREZA/MISÉRIA e ENERGIA ELÉTRICA e as respostas recebidas constituem uma boa amostra da necessidade de se auditar essa dívida. Temos feito grande esforço para popularizar a análise das razões para o crescimento absurdo da dívida brasileira, tanto a interna quanto a externa. Por isso, elaboramos cartilha e temos divulgado nosso trabalho, visando dar uma força noprocesso de conscientização da sociedade, procurando levar informações que normalmente a mídia não publica, mostrar a chocante contradição do nosso rico país abrigar tanta miséria e a enorme responsabilidade das escolhas feitas pelos nossos governantes… É importante divulgar que o modelo de política econômica adotado pelo governo FHC objetivando estabilizar a moeda e acabar com a inflação renderam enormes frutos políticos, mas estão custando muito caro à Nação. Há muito trabalho a ser feito. É preciso aprofundar a pesquisa dos elementos que demonstrem com clareza e transparência a verdadeira natureza do processo de endividamento dos países em desenvolvimento, e conectar esse processo com as proposta de ALCA e reestruturação de dívida proposta pelo FMI. A relação de dependência, submissão e IMPERIALISMO é exatamente a mesma e cada vez mais institucionalizada e abrangente. Outro Brasil é possível. Estamos em ano eleitoral. É hora de cobrarmos o posicionamento dos candidatos. Quem não apóia a AUDITORIA, tem medo da verdade e tem algo a esconder. A auditoria permitirá separar a parte da dívida legítima da ilegítima e será um importante passo no sentido de redirecionar o rumo da nossa história para o caminho de prosperidade que merecemos. Não podemos permitir que imperialistas gananciosos continuem submetendo o país à sua ganância.