Carta ao STF sobre ADI 6.696 contra independência do Banco Central
Brasília, 24 de agosto de 2021
Às Suas Excelências os Senhores e Senhoras
Ministros e Ministras do Supremo Tribunal Federal
Brasília – DF
Assunto: Relevância da Ação Direta de Inconstitucionalidade no 6.696, contra a Lei Complementar no 179/2021, que tornou o Banco Central “independente” dos interesses do Estado brasileiro, de modo que se faz oportuna a realização de uma audiência pública para ajudar a esclarecer a situação.
Senhores e Senhoras Ministros e Ministras do STF,
Cumprimentando-os(as) cordialmente, solicitamos a Vossas Excelências o agendamento de audiência pública, por videoconferência, a fim de possibilitar a abertura do necessário debate sobre as inconstitucionalidades da Lei Complementar no 179/2021, já reconhecidas pelo Relator da ADI 6.696, Ministro Ricardo Lewandowski, em seu importante voto (https://bit.ly/3AXqE2w).
A Auditoria Cidadã da Dívida é uma associação sem fins lucrativos, que conta com o apoio e colaboração de importantes entidades da sociedade civil e cidadãs e cidadãos voluntários, empenhados na luta pelo cumprimento da Constituição Federal, especialmente no tocante à realização da auditoria da dívida (art. 26 do ADCT da CF/88), tendo em vista que a dívida pública tem sido um dos principais empecilhos ao desenvolvimento socioeconômico do Brasil. A presente carta foi aprovada em reunião do nosso conselho político, que contou com a presença de mais de sessenta lideranças de várias partes do país.
Acompanhamos atentamente e de forma crítica a demanda pela “independência” do Banco Central (por exemplo, no artigo “PLP 19/2019 dá cheque em branco para banqueiros”, disponível em https://bit.ly/3D1XT6A) haja vista a estreita relação entre o elevado custo da política monetária que vem sendo praticada pelo Banco Central e a geração de dívida pública sem contrapartida alguma para o país.
Dentre os objetivos de nossa associação, conforme registrado em nosso Estatuto, consta:
IV – Exigir a devida transparência do orçamento fiscal, de forma que os cidadãos conheçam detalhadamente todas as fontes de recursos públicos e sua respectiva destinação.
Nesse sentido, temos acompanhado anualmente o processo orçamentário e realizado estudos sobre o orçamento público (a exemplo do artigo “Gastos com a dívida cresceram 33% em 2020”, disponível em https://bit.ly/3xZwsGD), bem como sobre gastos que não aparecem de forma transparente no orçamento, a exemplo dos gastos do Tesouro Nacional com o financiamento do Banco Central (como pode ser visto por exemplo no artigo “Tesouro gastou quase R$ 3 trilhões com o Banco Central”, disponível em https://bit.ly/3gh3Rqs).
Ao acompanhar o processo orçamentário, nos familiarizamos com os dispositivos constitucionais alusivos ao referido processo, dentre eles o Art. 48 da CF/88, que relaciona todas as matérias de competência da União sobre as quais o Congresso Nacional pode dispor. Observa-se que o mencionado artigo não prevê iniciativa do Congresso Nacional para os referidos temas, como equivocadamente interpretou o Ministro Luís Roberto Barroso em seu voto (https://bit.ly/3D2J0kf). Na realidade, tal dispositivo prevê que o Congresso Nacional deva dispor (debater, deliberar) sobre tais temas, o que não se confunde com o poder de iniciativa sobre eles. Caso fôssemos interpretar o Art. 48 da CF/88 como determinante de iniciativa aos parlamentares em relação aos itens nele listados, o Poder Executivo não mais teria que enviar ao Congresso o “plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamento anual”, pois esses itens constam do inciso II do referido artigo. Todos estes projetos orçamentários são de iniciativa exclusiva do Poder Executivo, que tem prazos para enviá-los para análise e votação pelo Congresso Nacional. Este pode até fazer algumas modificações, mas não assumir a iniciativa do Poder Executivo de gerar tais peças. Assim, entendemos que há uma grave confusão na interpretação do Art. 48 da CF/88, o que, em audiência pública, consideramos que a participação social poderá contribuir para esclarecer.
Adicionalmente, a Lei Complementar no 179/2021, que não teve a iniciativa da Presidência da República, viola claramente o Art. 61 da CF/88 quando cria cargos, dispõe sobre organização administrativa, servidores públicos da União e extinção de Ministérios, em seus artigos 3º, 4º, 6º e 9º:
Art. 3º A Diretoria Colegiada do Banco Central do Brasil terá 9 (nove) membros, sendo um deles o seu Presidente, todos nomeados pelo Presidente da República entre brasileiros idôneos, de reputação ilibada e de notória capacidade em assuntos econômico-financeiros ou com comprovados conhecimentos que os qualifiquem para a função.
Art. 4º O Presidente e os Diretores do Banco Central do Brasil serão indicados pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação de seus nomes pelo Senado Federal.
(…)
Art. 6º O Banco Central do Brasil é autarquia de natureza especial caracterizada pela ausência de vinculação a Ministério, de tutela ou de subordinação hierárquica, pela autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira, pela investidura a termo de seus dirigentes e pela estabilidade durante seus mandatos, bem como pelas demais disposições constantes desta Lei Complementar ou de leis específicas destinadas à sua implementação.
§ 1º O Banco Central do Brasil corresponderá a órgão setorial nos sistemas da Administração Pública Federal, inclusive nos Sistemas de Planejamento e de Orçamento Federal, de Administração Financeira Federal, de Contabilidade Federal, de Pessoal Civil da Administração Pública Federal, de Controle Interno do Poder Executivo Federal, de Organização e Inovação Institucional do Governo Federal, de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação, de Gestão de Documentos de Arquivo e de Serviços Gerais.
(…)
Art. 9º O cargo de Ministro de Estado Presidente do Banco Central do Brasil fica transformado no cargo de Natureza Especial de Presidente do Banco Central do Brasil.
Em audiência pública consideramos que a participação social poderá contribuir para esclarecer o processo hermenêutico relacionado a matérias de iniciativa constitucional exclusiva da Presidência da República e, adicionalmente, explicitar o alcance e as inconstitucionalidades da Lei Complementar no 179/2021.
Na certeza da atenção de Vossas Excelências ao nosso pedido, requeremos o agendamento da audiência pública solicitada, em sessão virtual por videoconferência, oportunidade em que poderemos apresentar trabalhos da Auditoria Cidadã da Dívida relativos às questões supracitadas.
Atenciosamente,
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Maria Lucia Fattorelli
Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida