Na contramão da COP-30, Brasil segue desmontando a Gestão Socioambiental
Enquanto o mundo se prepara para discutir compromissos climáticos na COP-30, o Brasil segue desmontando a gestão socioambiental.
Os números do orçamento federal executado em 2024 revelam o tamanho do descaso: segundo dados oficiais compilados no gráfico a seguir, 42,96% dos recursos federais — quase R$ 2 trilhões — foram destinados ao pagamento de juros e amortizações da chamada dívida pública, que nunca foi auditada, como previsto na Constituição Federal, e sequer tem contrapartida em investimentos no país, como afirmou o Tribunal de Contas da União ao Senado, e funciona como o que denominamos Sistema da Dívida https://auditoriacidada.org.br/conteudo/o-que-e-o-sistema-da-divida/.
Enquanto isso, apenas 0,3% (R$ 14,2 bilhões) se destinaram para a gestão socioambiental. Além de ser um valor ínfimo, apenas cerca de R$ 5 bilhões de fato se destinaram à gestão ambiental, tendo em vista que a maior parte (R$10,5 bilhões) foi destinada para o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima e apenas R$ 1 bilhão foi liberado no ano de 2024.
A falta crônica de investimento tem consequências diretas: a gestão ambiental sucateada enfraquece a capacidade do Estado de fiscalizar e controlar atividades predatórias, abrindo margem para discursos oportunistas que cobram o afrouxamento da legislação ambiental e do próprio direito ao meio ambiente equilibrado que a Constituição Brasileira diz ser direito de todos. Com quadros reduzidos, infraestrutura precária e orçamentos minguados, o discurso de “modernização” das normas — como se viu no chamado “PL da Devastação”, aprovado pelo Congresso Nacional — funciona como cortina de fumaça para o avanço de interesses econômicos ligados ao agronegócio e à exploração de recursos naturais, que enfraquecem os órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente ( SISNAMA) e suas ferramentas. A Carta Aberta da ASCEMA, de 3/9/2025, apontava que, no Ibama, 50,9% das vagas para Analistas Ambientais e 82,6% das vagas para Analistas Administrativos se encontravam desocupadas, com 422 servidores em abono de permanência prestes a se aposentar e outros 247 na faixa etária de 65 a 74 anos, próximos de atender aos requisitos de aposentadoria. Já o ICMBio contava com apenas 1.506 servidores ativos, o que representava cerca de 55% do total de 2.703 cargos previstos na estrutura do órgão, sem falar do Ministério do Meio Ambiente, em situação simular. Concursos realizados desde 2023 não suprem quase nada da demanda existente e não tem impedido que a evasão, inclusive de novos servidores, continue de forma acentuada inclusive pela defasagem salarial acumulada. Mesmo nesse cenário, a administração central ainda não autorizou chamar todos os aprovados nos concursos do Ibama e ICMBio!
Enquanto servidores, ambientalistas e comunidades tradicionais resistem ao completo desmonte da estrutura socioambiental, lidando com limitações de toda ordem e recursos financeiros ínfimos, o governo destina quase 2 trilhões ao Sistema da Dívida. A manutenção da gestão ambiental à míngua tem ampliado o poder dos lobbys de grandes corporações da mineração e agronegócio de exportação, e ameaça o futuro climático do Brasil e do mundo.
Exploração na Margem Equatorial: quem lucra com a Foz do Amazonas? Spoiler: não é o povo brasileiro
A recente autorização para a Exploração da Margem Equatorial tem sido alardeada como um grande negócio para o Brasil, capaz de impulsionar o desenvolvimento nacional, sendo comparada com a descoberta do Pré-sal. Na realidade, está muito longe disso. A autorização abre caminho para a exploração internacional por megacorporações como Exxon e Chevron, além da Petrobrás. Mas mesmo a Petrobrás já não é mais tão brasileira assim.
Conforme reportagem publicada pelo jornal A Nova Democracia, a Petrobras tem um valor de mercado de aproximadamente R$ 523,6 bilhões e distribui um rendimento de dividendos de quase 20%. No entanto, a composição acionária revela que 46,38% da empresa pertence a investidores estrangeiros, 37,06% ao governo federal (que só pode usar esse lucro para pagar compromissos do Sistema da Dívida) e 16,56% a investidores brasileiros.
Entre os dividendos pagos em 2024, que somaram mais de R$ 64 bilhões, aproximadamente 63% foram destinados a grandes acionistas privados (74% estrangeiros), enquanto apenas 37% ficaram com a União. Então quer dizer que os 37% restantes serão investidos no Brasil, correto? Errado! Esse montante, conforme prevê a Lei 9.530/1997, somente pode ser destinado para o Sistema da Dívida.
Os blocos que se pretende leiloar estão a menos de 200 km do litoral do Amapá, na plataforma continental brasileira (porção mais rasa do fundo oceânico). A plataforma continental da Margem Equatorial abriga vastas áreas de fitoplâncton, fundamentais para o ecossistema marinho. Essa região desempenha um papel essencial no sequestro de carbono, sendo mais eficiente nesse processo do que a própria Floresta Amazônica, segundo pesquisas do Laboratório de Gases de Efeito Estufa do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), coordenado pela pesquisadora Luciana Gatti. A exploração de petróleo na área, além de ampliar as emissões de CO₂, pode comprometer um dos principais reguladores climáticos do planeta.
Esse cenário agrava a crise climática, cujas consequências recaem, sobretudo, sobre as massas populares e mais precarizadas – que, como já dito, não são beneficiadas pelos lucros da exploração do petróleo. As promessas de desenvolvimento associadas à exploração petrolífera não passam de ilusão, ou o velho e requentado nacional-desenvolvimentismo reformista. A história recente do pré-sal já demonstrou que os ganhos são apropriados pelas classes dominantes, enquanto o povo herda os prejuízos sociais e ambientais.
Frases:
“O Sistema da Dívida é uma das agressões que contribui para que o desequilíbrio e a emergência socioambiental estejam entrando em um ponto de não retorno”. Ivo Poletto, assessor do Fórum Nacional de Mudanças Climáticas e Justiça Socioambiental.
“O Sistema da Dívida precisa ser conhecido por toda a sociedade e enfrentado com a ferramenta da auditoria” Maria Lucia Fattorelli, coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida
“Já pensou se metade desse pagamento da dívida fosse usado para saúde, educação e transição energética? Iria precisar tirar petróleo da faixa equatorial da Amazônia, poluir mais com combustível fóssil e colocar as pessoas, comunidades indígenas e tradicionais em risco? Tânia Maria de Souza, presidente da ASCEMA