Coletiva de Imprensa do Comitê Pela Verdade Sobre a Dívida Pública
Atenas: Coletiva de Imprensa do Comitê Pela Verdade Sobre a Dívida Pública
7 de maio de 2015 no Parlamento Grego
18 de maio por Zoe Konstantopoulou , Eric Toussaint , Cephas Lumina , Maria Lucia Fattorelli , Yorgos Mitralias
Participantes
– Sra. Zoe Konstantopoulou, Presidente do Parlamento Grego e Presidente do Comitê Pela Verdade Sobre a Dívida Pública;
– Sr. Éric Toussaint, Coordenador Científico do Comitê e líder do grupo de especialistas, historiador e cientista político que completou sua pós-graduação nas universidades de Paris VIII e Liège. Ele é Presidente do CADTM da Bélgica, e ocupa uma cadeira no Conselho Científico do ATTAC França. Um especialista em dívida odiosa e ilegítima, ele tem analisado dívidas que carecem de bases legais por muitos anos;
– Sr. Cephas Lumina, membro do Comitê. Dr. Lumina é Professor Extraordinário de Legislação de Direitos Humanos na Universidade de Pretória. Ele foi apontado como Especialista Internacional das Nações Unidas nos efeitos de dívida estrangeira e outras obrigações financeiras internacionais relacionadas com o usufruto integral de todos os direitos humanos, particularmente econômicos, sociais e culturais até o fim de março de 2014. Em 2013 ele produziu o relatório especial das Nações Unidas sobre Grécia e Direitos Humanos;
– Sra. Maria Lucia Fattorelli, membro do Comitê e coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida brasileira;
– Sr. Giorgos Mitralias, membro do Comitê e iniciador do apelo pelo suporte a este Comitê.
Resumo da apresentação por Zoe Konstantopoulou
Depois de apresentar os participantes Zoe Konstantopoulou descreveu o progresso que o Comitê tem feito, durante as reuniões de 4 a 7 de maio de 2015 no Parlamento Grego, para organizar o trabalho, usar e avaliar os resultados e para estabelecer uma agenda de trabalho para as fases seguintes.
Ela anunciou que os departamentos governamentais foram abordados com requisições para todos os documentos, memorandos e contratos de empréstimos necessários para a auditoria; todos os documentos foram disponibilizados, incluindo aqueles pertencentes a processos judiciais e as decisões que levaram a aceitar o memorando atual. Alguns destes documentos contêm informação muito importante sobre como a dívida se desenvolveu, as assinaturas dos contratos e os passos alegadamente dados para gerenciá-la que na verdade causaram seu crescimento exponencial.
A Presidente do Parlamento Grego referiu-se a dois outros procedimentos processuais que permitirão observação mais aprofundada sobre as questões levantadas pela dívida grega do que pela simples examinação dos documentos disponíveis pelas autoridades gregas. Por um lado, o Comitê ouvirá todas as pessoas que possam ter informação útil ou evidência relacionada à dívida. Por outro, através da autoridade do Parlamento Helênico o Comitê requisitará informação e respostas de qualquer organização internacional claramente definida identificada como tendo feito parte da criação ou crescimento da dívida pública grega para trazer à luz quaisquer intenções obscuras.
Foi também anunciado que a próxima sessão plenária do Comitê será realizada de 15 a 18 de junho de 2015 e que um relatório preliminar será publicizado. O Comitê aprofundará então o processo para completar sua missão e trabalhará em direção a um relatório final que poderá levar até o fim do ano ou além. Finalmente Zoe Konstantopoulou anunciou que a sociedade civil já é parceira ativa deste Comitê. Isto foi ilustrado pela surpreendente reação ao apelo por apoio popular, que coletou numerosas prestigiosas assinaturas de personalidades internacionais mesmo antes de o apelo ter sido oficializado.
Resumo da apresentação por Èric Toussaint
Éric Toussaint apresentou a maneira como o Comitê foi iniciado e pretende continuar seu trabalho.
Durante esta segunda reunião plenária do Comitê, que durou três dias e meio, 15 ou mais apresentações foram feitas por membros da comissão que analisaram o estado da dívida grega que é demandada pelos credores, cada um focando nos aspectos específicos pelos quais são responsáveis.
Podemos ver que a dívida grega é caracterizada pela unidade de tempo, protagonistas e ação: durante o período de 2010 a 2015 catorze países da Eurozona, o BCE, o FMI e o FEEF tomaram controle de 80% da dívida grega e impuseram ao devedor as medidas acordadas entre eles.
Estudamos as demandas dos principais credores para ver se elas apresentam indícios que apontem para dívida ilegítima, ilegal, odiosa ou insustentável. Trabalhamos nas definições destes termos e chegamos a um acordo geral nestas definições.
Examinamos os aspectos legais da dívida. Ouvimos diferentes pontos de vista neste assunto, particularmente o do professor Giorgos Kassimatis, que nos permitiu identificar provas de transgressões à Constituição Grega e leis gregas, e também transgressões a leis internacionais nas condições impostas pelos credores.
Chegamos em um acordo quanto à forma do relatório preliminar que pretendemos tornar público em 25 de junho de 2015. Delineamos nosso plano de trabalho. Um comitê de projetos foi montado e sub-comitês farão contribuições específicas em cada um dos itens que aparecerem em nosso relatório.
Estes projetos serão disponibilizados a partir do fim de maio e o comitê de especificação desenvolverá sobre eles para produzir o relatório preliminar que será disponibilizado em ou por volta de 9 ou 10 de junho para que seja discutido na sessão plenária que acontecerá de 15 a 17 de junho.
Estabelecemos uma lista de personalidades a serem ouvidas. Este grupo de personalidades inclui algumas que tiveram parte nas decisões que foram tomadas e outras que providenciam sua experiência, nos efeitos destas decisões.
A situação grega é específica: os credores não são instituições financeiras ou um grande setor público mas um número limitado de partes que impuseram políticas e medidas precisas sobre a Grécia. Sobre a natureza comum das partes envolvidas há uma consistência no método. Tal unidade de tempo, partes e medidas faz com que seja possível que esta auditoria alcance resultados preliminares mais rapidamente do que poderia ter feito em outros casos.
Finalmente, Éric Toussaint chamou atenção ao fato de que a auditoria da dívida grega está sendo emulada pelo mundo afora. Em 28 de abril o Parlamento Argentino decidiu fazer uma auditoria de dívida sobre 180 dias para mostrar os resultados antes das próximas eleições. É interessante notar que a Argentina é um membro do G20. Isto demonstra que a questão da dívida é importante pelo mundo afora e a iniciativa de auditoria da dívida grega é exemplar.
Resumo da apresentação por Cephas Lumina
Sr. Lumina explicou a incompatibilidade potencial entre gerenciar a dívida pública de um país e os direitos humanos. Duas formas de conflito podem surgir: quando um governo tem de escolher entre financiar serviços públicos essenciais e pagar sua dívida ou quando um governo é forçado por seus credores a implementar medidas pesadas de austeridade que trazem profundas consequências negativas para as condições de vida de seus cidadãos.
Em sua pesquisa de opinião sobre a situação grega em 2013 o Sr. Lumina pôde estabelecer por diversas fontes que as medidas de ajuste tomadas na Grécia tiveram um custo muito alto não só para o governo e a sociedade mas também em termos de prejuízo à população grega. Estas medidas envolveram brechas em direitos tão fundamentais como direitos à moradia, à saúde e à educação. A crise grega não é apenas um problema financeiro, mas também uma crise humanitária.
Ele trouxe à tona as faces humanas que são severamente afetadas pela crise e que ele conheceu pessoalmente. Desde seu primeiro dia na Grécia em 2013 ele descobriu sobre a crise humanitária e ouviu falar sobre um contratado falido que havia cometido suicídio. Depois, enquanto ele visitava uma clínica social fundada para atender às necessidades dos migrantes, ele pôde ver que ela tratava principalmente de cidadãos gregos desabrigados; ele encontrou um ex-contratado que nem sequer possuía dinheiro para a passagem de ônibus de volta para casa. Ele também encontrou um grupo de estudantes graduados que haviam perdido seus empregos e estavam sem teto. Finalmente ele mencionou um detentor de títulos gregos, de 91 anos, que havia sido dito para esperar mais 30 anos antes que ele pudesse resgatá-los para poder sobreviver.
Auditar a dívida é um movimento que mostra que o Parlamento está encarando sua responsabilidade sobre o povo grego. Em seu relatório sobre a Grécia ele recomendou tal auditoria, assim como o fez para a Argentina onde sua recomendação foi eventualmente também considerada.
Construir comitês para auditar dívidas públicas é consistente com as recomendações das Nações Unidas sobre a transparência necessária que os governos devem aos seus cidadãos durante a gestão de suas dívidas públicas. Tais auditorias são na verdade uma obrigação legal para Estados-Membro na Eurozona que estão experimentando ou sendo ameaçados por sérias dificuldades com relação à sua estabilidade financeira, como é o caso na Grécia, de acordo com o Regulamento N° 472/2013 do Parlamento Europeu sobre o fortalecimento da supervisão econômica e orçamentária.
Sr. Lumina finalmente respondeu a um artigo da imprensa que apresentou o Comitê Pela Verdade Sobre a Dívida Pública como um bando de militantes ativistas. O Comitê não carrega relação com tal definição. É sua obrigação legal ser independente de qualquer tendência política. Sua tarefa é trazer luz sobre a dívida pública e sobre as consequências humanitárias sobre as medidas tomadas por tecnocratas que a gerenciam sem qualquer respeito à população. Sua tarefa é certificar-se de que os Direitos Humanos adotados há mais de sessenta anos atrás sejam vindicados.
Resumo da apresentação por Maria Lucia Fattorelli
Maria Lucia Fattorelli indicou que ela tem trabalhado com Éric Toussaint sobre problemas de dívida por mais de vinte anos. Ela veio à Grécia para trazer, aos membros gregos do Comitê, sua experiência em auditar dívidas.
Ela precisa descobrir como a dívida foi contratada e depois transferida de credores privados para públicos.
Também precisamos examinar dados estatísticos tanto quanto analisar todas as condições e convenções que dão alicerce ao gerenciamento da dívida. Estamos coletando atualmente documentos e elementos que nos tornarão possível compreender como a dívida foi contratada e por que ela cresceu desproporcionalmente.
Também precisamos determinar o impacto da dívida sobre a economia grega. Para atingir este objetivo nós não podemos nos limitar a uma abordagem legal. Devemos também examinar os parâmetros macroeconômicos que impactam no crescimento da dívida.
Minha experiência em auditar dívidas ensinou-me que que dívidas nunca são um fenômeno isolado mas sim partes de um sistema com dimensões políticas, econômicas e legais. É importante descobrir a quem o Sistema da Dívida beneficiou. A economia grega beneficiou-se dela, ou os cidadãos gregos?
Responder a tais perguntas é a meta a ser alcançada por todas as auditorias de dívidas e também nosso objetivo no contexto do presente Comitê.
Resumo da apresentação por Giorgos Mitralias
Nós recentemente lançamos uma campanha não somente para apoiar a Grécia e seu Comitê Pela Verdade Sobre a Dívida Pública, mas também para reafirmar o direito popular para auditar sua dívida pública. Esta campanha é tanto europeia quanto internacional. O apelo original já foi traduzido para 12 línguas, incluindo árabe, e nós estamos planejando traduzí-la para outras linguagens tão diversas como Urdu ou Pashto.
Acreditamos que milhões de pessoas na Europa e no mundo querem que seu grito de rejeição às políticas de austeridade e ao Sistema da Dívida seja ouvido.
Os primeiros 1.000 signatários incluem ilustres personalidades, tais como Noam Chomsky ou como alguns dos economistas de maior renome no mundo. O que é particularmente interessante é que estas assinaturas são geralmente acompanhadas de comentários demonstrando a forte motivação dos signatários. Nós pretendemos publicar estes comentários para dar-lhes uma ideia do interesse massivo gerado pela campanha, para demonstrar que nossas opiniões são amplamente compartilhadas ao redor do mundo, e para acabar com o sentimento de isolamento e incapacidade que muitos experimentam quando deparados com estas duras realidades. Nos últimos dois dias nós estivemos coletando assinaturas online de pessoas em dois países (França e Bélgica), e já coletamos 2.600 novas assinaturas. Muito em breve uma coleção massiva de assinaturas começará em outros países. Temos grandes responsabilidades. Os signatários querem mais. Eles querem propostas concretas para ações que poderiam ser tomadas juntos. Nós precisamos nos comprometer com esta causa.
Sessão de perguntas e respostas com jornalistas
Antonopoulos – STAR TV Channel: Durante as negociações que estão sendo feitas nossos credores colocaram novas condições drásticas na mesa. Tecnocratas estão cientes dos sofrimentos do povo. Como nós assinamos acordos com eles no passado e como há continuidade de estado, como podemos nos libertar de nossas amarras?
Zoé Konstantopoulou: Não é bem assim que as coisas estão. A continuidade do estado não pressupõe a continuidade de ações ilegais. Isto é particularmente relevante quando os acordos e a conduta dos seus signatários não conformam com leis nacionais e internacionais. É precisamente a missão da Comissão descobrir se estes acordos e suas condições aderem à lei, pelo fato de haver surgido amplos indícios que sugerem que vários elementos destes acordos não conformam com as provisões legais.
Éric Toussaint mencionou dois pontos legais discutidos no Comitê que podem desafiar a validade dos contratos: o Estado de Necessidade (ou Necessidade) e a mudança radical de circunstâncias pelas quais os credores são responsáveis. De acordo com a doutrina da Necessidade, um país não é obrigado a continuar o pagamento de sua dívida se isto o previne de dar conta de suas obrigações fundamentais aos cidadãos. Um país pode de fato acabar suspendendo o pagamento de sua dívida pelo fato de a lei internacional priorizar direitos fundamentais.
Já no caso grego nós podemos adicionalmente trazer ao debate uma mudança radical nas circunstâncias, atribuível aos credores. Ao lado de um problema de manipulação estatística da dívida nos estágios iniciais da crise, nós observamos uma mudança radical na situação econômica do país, resultando das decisões dos credores (25% de queda no PIB, desemprego galopante, crise humanitária…). Neste caso, nós podemos apontar as responsabilidades diretas dos credores e, portanto, questionar a validade dos acordos.
M. L. Fattorelli: É também importante lembrar que para que qualquer dívida seja legítima é necessário que haja vantagens ao país e as pessoas envolvidas. No caso grego nós percebemos que estas vantagens não são sempre claras. Até mesmo o oposto é verdade quando estimamos o dano causado por esta dívida, tanto à economia quanto à sociedade grega. Por outro lado os empréstimos mais recentes à Grécia foram principalmente para proteger interesses privados que foram amplamente expostos aos riscos desta dívida em 2010. A legitimidade de tal plano precisa também ser examinada.
Tomassis – Jornalista: O quão esperançosos podemos ser no contexto global? A ideia de uma auditoria é boa. No entanto, se as descobertas da auditoria acabarem sendo embaraçosas, quais são as chances de que elas sejam ouvidas e terem algum impacto? Como sabemos quem controla a grande mídia em nível nacional e do desequilíbrio de poder em nível internacional, esta auditoria não seria mera ilusão?
Zoé Konstantopoulou: O povo precisa ser otimista quando nós estamos tomando iniciativas com seus interesses em mente. E também temos suporte governamental e institucional para esta Comissão, enquanto autoridades independentes cooperando com a Comissão estão envolvidas. Esperamos que esta Comissão atinja resultados significativos e tangíveis, e isto não é apenas uma afirmação para a mídia. Como prova, nós já expandimos nossa esfera inicial de atividade, incluindo a revisão do Fundo de Desenvolvimento Helênico em particular e a condição dos bens estatais e propriedades gerenciadas por ele. A Fundação Marangopoulou conduzirá esta revisão.
Tzanetatos – NewPost: Você apontou que um sub-comitê para conduzir inquéritos irá entrevistar pessoas que têm sido envolvidas ou que sofreram por lidar com a crise da dívida. Estes inquéritos também incluirão encarregados de instituições internacionais envolvidas?
Zoé Konstantopoulou: Naturalmente as instituições e seus entrevistados dos quais as explanações e documentos serão requisitados incluirão instituições internacionais, seus agentes e quaisquer outras pessoas envolvidas.
Antigoni Panelli – APE: Quais são suas expectativas para o trabalho do Comitê e seu possível resultado?
Zoé Konstantopoulou: O Comitê tem como objetivo trazer luz a todos os aspectos da dívida. A partir disto será responsabilidade de todos usar as verdades reveladas. É particularmente responsabilidade da mídia saber como lidar com estes resultados. Depois de mencionar outros relatórios (incluindo aquele da ONU e do Comitê de Inquérito do Parlamento Europeu sobre as responsabilidades da Troika) até então ignorados pela mídia, o Presidente do Parlamento chamou a atenção da mídia para que faça seu trabalho para que os resultados sejam totalmente efetivos.
Maria Lucia Fattorelli: Nós precisamos enviar um relatório. É um instrumento, não uma opinião. Assim que estiver disponível, é a responsabilidade do governo e da sociedade saber como usá-lo para mudar a situação do país e suas relações com os credores.
Papayanis – Avghi (jornal diário publicado pelo Syriza): O trabalho do Comitê provavelmente estenderá para além deste ano. Como isto pode ser usado para as negociações em curso com os credores?
Zoé Konstantopoulou: Enquanto a dívida existir ela pode ser negociada em qualquer momento. Ademais, esta auditoria é uma obrigação legal e seria um tanto surpreendente se os credores, que querem invocar todas as obrigações da Grécia, decidirem por refutá-la.
Traduções e adaptações, do grego ao inglês, por Thanos Contargys, Suchandra De Sarkar, Mike Krolikowski e Christine Pagnoulle.
Tradução do inglês ao português por Diogo Baeder.