Atuação do presidente da Argentina Nestor Kirchner
O Editorial do jornal Estado de São Paulo comenta sobre a morte do ex-presidente da Argentina Nestor Kirchner, e surpreendentemente reconhece os méritos da moratória argentina iniciada em fins de 2001:
“Mediante um calote espetacular da dívida, tirou o país da recessão, reduziu o desemprego e a pobreza, e resgatou das profundezas a autoestima nacional.”
Em 2005, o presidente Kirchner impôs aos rentistas uma anulação de 75% de uma importante parcela da dívida externa argentina, provando que é possível enfrentar de frente o mercado financeiro.
É bem verdade que esta medida não solucionou o problema do endividamento argentino, pelo fato de não ter sido acompanhada de uma auditoria e de um questionamento da legitimidade da dívida, repleta de irregularidades já comprovadas em sentença judicial do “Processo Olmos”. Assim, parcela significativa dos rentistas entrou na justiça contra a Argentina, e recentemente o país teve de recuar em sua medida de reconhecer somente 25% da dívida.
Já no caso da recente auditoria da dívida equatoriana, onde o governo também anulou cerca de 70% da dívida externa com bancos privados, as contundentes provas de ilegalidade da dívida fizeram com que todos os rentistas aceitassem imediatamente a proposta, sem questionamento algum.
Porém, de qualquer forma, é digno de registro histórico que o Editorial de um dos jornais mais conservadores do país finalmente reconheceu que o não-pagamento da dívida argentina “tirou o país da recessão, reduziu o desemprego e a pobreza, e resgatou das profundezas a autoestima nacional”. Mesmo que tenha sido necessário a morte do ex-presidente Kirchner para que a grande imprensa finalmente admita tantos méritos em um “calote”.
A viuvez da presidente
Estado de São Paulo – Editorial – 29 de outubro de 2010 | 0h 00
Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 28.10.2010
O Jornal Estado de São Paulo traz a notícia “Governo prevê freio nas contas em 2011”, segundo a qual “a equipe econômica acredita que o próximo presidente, qualquer que seja ele, fará um “freio de arrumação” nas contas públicas”. Segundo o jornal, esta “arrumação” será necessária para que os juros possam baixar. Ou seja: na visão do jornal, o superávit primário (que, cabe comentar, já é enorme), teria que aumentar ainda mais para que os juros mais altos do mundo possam cair.
Os jornais O Globo e Correio Braziliense trazem duas notícias sobre os lucros recordes de duas empresas no terceiro trimestre. O banco Bradesco lucrou R$ 2,5 bilhões no período, o que representa um aumento de 39% em relação ao mesmo período de 2009. Desta forma, o banco já acumulou um lucro de R$ 7 bilhões no ano, principalmente devido às altíssimas taxas de juros brasileiras, que multiplicam os ganhos dos bancos com a dívida pública, o que lhes permite também cobrar juros estratosféricos sobre empréstimos e financiamento a pessoas e empresas.
Já a mineradora Vale do Rio Doce apresentou o gigantesco lucro de R$ 10 bilhões em apenas 3 meses, um aumento de 250% sobre o mesmo período de 2009, devido ao aumento dos preços e da demanda dos minérios no mercado internacional. Sobre este tema, cabe ressaltar que boa parte deste lucro gigantesco se deve à chamada “Lei Kandir”, aprovada em 1996 pelo governo FHC, que isentou de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) as exportações de produtos primários, isenção esta que foi mantida pelo governo Lula. A justificativa para tal isenção é “dar competitividade às exportações”, para fechar o rombo nas contas externas, leia-se, cobrir as remessas de juros da dívida externa e de lucros das multinacionais aqui instaladas. Mais um exemplo de grande injustiça tributária gerada pela dívida, que prejudica o financiamento dos estados da federação, em importantes áreas como saúde e educação.
Por fim, o Jornal Estado de São Paulo também continua repercutindo o tema das receitas obtidas pelo governo com a cessão dos poços de petróleo do Pré-sal para a Petrobrás. O jornal argumenta que tais receitas estariam sendo utilizadas para cobrir gastos sociais, e não para o pagamento da dívida. Apesar de tais receitas ainda não terem sido gastas, o jornal alega que elas teriam aberto espaço para um suposto aumento dos gastos sociais.
Porém, mesmo se eliminássemos as receitas com o pré-sal, o governo ainda apresentaria superávit primário, ou seja, ainda estaria gastando com as áreas sociais menos do que arrecadou. Portanto, não há sentido em se dizer que a receita do Pré-sal teria permitido aumento de gastos sociais.
Na realidade, com este pensamento, o jornal só revela a sua verdadeira ideologia por trás das análises supostamente técnicas: a ideologia de que somente pode-se abrir espaço para os gastos sociais se a farra dos rentistas (ou seja, o máximo possível de superávit primário) estiver garantida, em primeiro lugar.
Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 27.10.2010
Os jornais de hoje repercutem o fato já comentado na edição de ontem desta seção, de que vultosos recursos obtidos pelo governo com a entrega dos poços de petróleo do Pré-sal serão destinados ao “superávit primário”, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida.
O Jornal Valor Econômico detalha que a venda dos poços de petróleo rendeu R$ 74,8 bilhões ao Tesouro, dos quais R$ 42,9 bilhões foram utilizados para investir na Petrobrás, no processo de “capitalização” da empresa. A diferença, de R$ 31,9 bilhões, foi utilizada para se fazer “superávit primário”.
O Jornal Valor ainda vai além, criticando o fato de o Tesouro ter destinado ao superávit primário recursos que deveriam ir para o chamado “Fundo Social” do pré-sal, conforme o próprio governo tem defendido, durante a discussão desta proposta no Congresso. Ou seja: apesar do governo propagandear que os recursos do Pré-Sal irão para tal “Fundo Social” (que abasteceria as áreas de educação, combate à pobreza, saúde, cultura e ciência e tecnologia), na prática o governo está destinando tais recursos para o pagamento da dívida.
Sobre este tema, cabe também ressalvar que na proposta defendida pelo governo no Congresso, os recursos do “Fundo Social” não irão para as áreas sociais, mas para investimentos rentáveis, principalmente no exterior, e somente o rendimento deste fundo é que será revertido para as áreas sociais. Dentre tais investimentos rentáveis, se incluem os títulos públicos, ou seja, os recursos do Pré-sal podem ser destinados para refinanciar a questionável dívida.
Já o Jornal O Globo traz manchete dizendo que é falso o superávit primário gerado com as receitas da concessão dos poços de petróleo à Petrobrás. Porém, o próprio Secretário do Tesouro responde: “O que houve foi a entrada de uma receita de concessão (pagamento pela Petrobras da cessão onerosa de cinco bilhões de barris de petróleo), algo que sempre existiu. Usamos uma metodologia consagrada e que rendeu um primário importante.” Ou seja: se vendeu a riqueza nacional para pagar a dívida, e o Secretário do Tesouro ainda tenta se defender alegando que o governo FHC também procedeu da mesma forma.
Enquanto o governo destina R$ 32 bilhões das receitas de venda do petróleo do Pré-sal para pagar a dívida, as urgentes demandas da população continuam reprimidas. Notícia da Agência Câmara mostra que os Secretários Estaduais de Saúde estão insatisfeitos com a previsão de apenas R$ 68 bilhões para o orçamento federal da saúde em 2011 e reivindicam um mínimo de R$ 100 bilhões para o setor.
Uma curiosidade interessante: o reforço de recursos reivindicado pelos Secretários Estaduais é de exatos R$ 32 bilhões.
Líder diz que Orçamento poderá ter mais verbas para a Saúde
Agência Câmara – 26/10/2010 19:12
Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 26.10.2010
O Jornal O Globo mostra que a venda dos poços de petróleo do Pré-sal da União à Petrobrás garantiu a realização de um superávit primário gigantesco em setembro. Ou seja: novamente, imensas riquezas naturais do país foram vendidas para viabilizar o pagamento da dívida pública.
Conforme comentado na edição de 27/9/2010 desta seção, a operação de aumento de capital (“capitalização”) da Petrobrás estava organizada inicialmente da seguinte forma: a União capitalizaria a empresa comprando ações (no valor de R$ 74,8 bilhões), pagando à Petrobrás por meio da entrega dos poços de petróleo do Pré-Sal, estimados em 5 bilhões de barris, ao custo unitário de US$ 8,51, o que soma US$ 43 bilhões, ou exatos R$ 74,8 bilhões. Ou seja: uma simples troca, na qual a União deveria utilizar os R$ 74,8 bilhões (recebidos pela entrega dos poços) para capitalizar a Petrobrás, ou seja, comprar ações da empresa. Porém, não foi isso que ocorreu.
Na prática, cerca de R$ 30 bilhões destes R$ 74,8 bilhões obtidos pela União com a venda dos poços não foram destinados para capitalizar a empresa, mas foram destinados para o superávit primário, pois o BNDES também adquiriu ações da Petrobrás, e assim pagou uma parte dos R$ 74,8 bilhões que a União deveria pagar integralmente.
Desta forma, conclui-se que boa parte dos poços de petróleo do Pré-Sal estão sendo entregues à Petrobrás para pagar a dívida pública, para ganhar a credibilidade dos credores. Sempre é bom lembrar que mais da metade dos lucros da Petrobrás são distribuídos aos investidores privados, e o restante para o governo pagar a dívida pública, conforme a Lei 9.530/1997.
O Secretário do Tesouro ainda defendeu esta operação, sob a justificativa de que em 1998, a privatização da telefonia rendeu R$ 9,3 bilhões para o superávit primário. Ou seja: tanto o governo FHC como o governo Lula consideram normal vender o patrimônio público para pagar a questionável dívida.
O Jornal Valor Econômico mostra que os investidores estão exigindo juros mais altos para comprar títulos da dívida interna, para compensar o recente aumento de 2% para 6% no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Isso mostra como o mecanismo da “rolagem” da dívida gera um amplo e constante poder de pressão dos rentistas sobre o governo.
A chamada “rolagem” da dívida (ou “refinanciamento”) significa o pagamento de amortizações da dívida por meio da emissão de novos títulos da dívida. Apesar de muitos analistas simplesmente desconsiderarem a “rolagem” – alegando que ela não implicaria em custos para o Tesouro, pois significaria apenas a troca de dívida antiga por dívida nova – ela impõe sim um pesado custo: a chantagem diária dos mercados sobre o país. Tal chantagem impede que o país altere sua política econômica, que atualmente privilegia os rentistas às custas do povo. A impossibilidade de reduzir as altíssimas taxas de juros incidentes sobre a dívida é um exemplo desta situação.
Estas altíssimas taxas de juros atraíram ao país grande quantidade de dólares, que foram comprados pelo Banco Central, às custas do aumento da dívida interna. Este fato é abordado por notícia do Estado de São Paulo, que mostra o pesado custo desta acumulação de reservas, obtidas por meio de endividamento com os juros mais altos do mundo, e aplicadas principalmente em títulos da dívida dos EUA, que não rendem quase nada.
A notícia também confirma denúncia da Auditoria Cidadã da Dívida, de que as compras de dólares pelo Banco Central – com a colocação de títulos públicos – atrai mais dólares ainda ao país, interessados na alta rentabilidade da dívida interna. Por outro lado, o artigo repete o argumento equivocado de que seriam necessários mais cortes de gastos sociais para que se possa reduzir os juros. Porém, o país já pratica altíssimos superávits primários há mais de uma década, e ainda assim pratica a maior taxa de juros do mundo.
Por fim, o jornal Correio Braziliense noticia o aumento do rombo nas contas externas. De janeiro a setembro de 2010, quase triplicou o déficit em transações correntes, em relação ao mesmo período do ano passado. Isso significa que o Brasil está pagando ao exterior (juros da dívida externa, remessas de lucros das multinacionais, viagens internacionais) muito mais que recebe pelas exportações, principalmente de produtos primários e semi-elaborados, ou seja, sem conteúdo tecnológico.
Isso significa, em bom português, que o país fica cada vez mais dependente da entrada de capitais especulativos – ou seja, atraídos pelos altos juros da dívida interna – para fechar suas contas externas.
Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 25.10.2010
O Jornal Estado de São Paulo de domingo traz notícia tendenciosa, alegando que o novo presidente terá de impedir gastos de R$ 126 bilhões com pessoal e Previdência Social.
Porém, a notícia omite o fato de que o Projeto de Lei Orçamentária de 2011 reserva nada menos que R$ 954 bilhões para os juros e amortizações da dívida pública, ou seja, 8 vezes mais. Cabe comentar também que os gastos com a dívida costumam superar em muito a previsão orçamentária, como ocorreu em 2009, quando a dívida consumiu 63% de recursos a mais do que o monstruoso volume de recursos já inicialmente previsto no orçamento.
Mesmo desconsiderando-se a chamada “rolagem” ou “refinanciamento” da dívida (ou seja, o pagamento de amortizações por meio da emissão de novos títulos), os gastos previstos para 2011 com o endividamento ainda seriam de R$ 279 bilhões, ou seja, mais que o dobro das despesas que, segundo o jornal, dificultarão “ao futuro presidente promover o ajuste fiscal defendido por vários economistas como melhor caminho para reduzir os juros”.
Ou seja: o jornal defende que se corte gastos sociais para que se conquiste a credibilidade dos rentistas, alegando que assim, posteriormente, estes aceitariam juros menores na dívida pública.
Porém, o país pratica esta política de altíssimos superávits primários há mais de uma década, e o país continua com os juros mais altos do mundo, o que faz a dívida aumentar indefinidamente.
Cabe observar também que, para se chegar ao valor de R$ 126 bilhões de gastos com pessoal e Previdência, a notícia elencou propostas legislativas como o piso nacional dos policiais militares dos estados (que custaria R$ 20 bilhões) e a recuperação do valor das aposentadorias com base no número de salários mínimos na época da concessão dos benefícios (que custaria R$ 88,3 bilhões). Porém, a reportagem não cita que ambas as propostas já foram bloqueadas no Congresso Nacional, tanto pela base do governo Lula como pela oposição (DEM e PSDB). No caso do proposta do piso dos policiais, ela foi aprovada em primeiro turno na Câmara sem sequer constar o valor de tal piso.
A notícia diz ainda que os reajustes dos servidores consumirão R$ 35 bilhões em 2011, porém, não diz que isto representa principalmente a reposição de perdas inflacionárias passadas, ou seja, tais R$ 35 bilhões não representam aumento real nos gastos com servidores. A notícia também não informa que o gasto com pessoal caiu fortemente nos últimos 15 anos, de 56,2% da Receita Corrente Líquida em 1995 para 36,6% em 2011.
Por outro lado, quando a grande imprensa fala da dívida pública ou do superávit primário, costuma apresentar estatísticas medidas em percentual do PIB, ou seja, descontando-se a inflação e o crescimento econômico. Em suma: dois pesos e duas medidas.