Auditoria Cidadã da Dívida reivindica atenção do Ministério Público para violações dos Direitos Humanos

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Na última quarta-feira, dia 9 de janeiro, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC – do Ministério Público Federal recebeu em audiência uma delegação da Auditoria Cidadã da Dívida.

O objetivo da reunião foi apresentar a nossa organização ao atual titular do órgão – Dr. Aurélio Veiga Rios – e solicitar sua atenção ao Procedimento Administrativo nº 1.00.000.003703/2012-86, aberto durante a gestão da ilustre Procuradora Dra. Gilda Pereira de Carvalho, devido aos graves impactos provocados pelo endividamento público sobre os Direitos Humanos, conforme indicado nos trabalhos técnicos realizados durante a CPI da Dívida Pública (realizada na Câmara dos Deputados de agosto/2009 a maio/2010).

Na oportunidade, foi entregue carta, cujos trechos destacamos a seguir:

A motivação essencial da luta da Auditoria Cidadã da Dívida consiste na revisão do processo de endividamento brasileiro, cujo ciclo atual teve início durante a ditadura militar nos anos 70, e desde então vem submetendo o País por meio de planos de ajuste fiscal e outras medidas correlatas que aprofundam continuamente as desigualdades sociais em nosso país. Lutamos pela realização de completa auditoria desse processo, para que todas as ilegalidades e ilegitimidades possam ser segregadas e devidamente repudiadas.

As investigações já realizadas indicam que o endividamento público deixou de ser um instrumento de financiamento do Estado e se transformou em um mecanismo meramente financeiro, sem contrapartida real em bens e serviços, funcionando como um veículo de contínua subtração de recursos em benefício de reduzido segmento econômico extremamente privilegiado, enquanto a maior parcela da população permanece carente de direitos sociais básicos, que dependem de prestações estatais hoje limitadas pelo fato de a dívida pública consumir quase a metade do Orçamento Federal.

A seguir, sintetizamos alguns dos argumentos que justificam a atuação desta douta Procuradoria acerca da questão:

As despesas com o serviço da dívida (juros mais amortizações, inclusive o refinanciamento), consumiram, somente no ano de 2011, 45,05% do Orçamento Geral da União, enquanto para a saúde foram destinados apenas 4,07%, para a educação 2,99% e para assistência social 2,85%. É evidente o privilégio à dívida pública, detida principalmente por grandes bancos, em detrimento do cumprimento dos direitos sociais básicos estabelecidos constitucionalmente.

Ainda não foram consolidados os dados do Orçamento da União Executado em 2012, mas nos últimos dias do ano o noticiário nacional divulgou que o Tesouro Nacional chegou a pagar 45,1% de juros a detentores de títulos da dívida. Adicionalmente, R$ 15,8 bilhões foram levantados junto ao Fundo Soberano, Caixa Econômica Federal e BNDES para cumprir a meta do superávit primário (reserva anual utilizada para garantir os pagamentos do serviço da dívida), enquanto recursos faltam para programas essenciais aos milhões de brasileiros excluídos do acesso aos direitos sociais.

O princípio da vedação do retrocesso social, consagrado pela ordem jurídica internacional (conforme se depreende do General Comment n. 03, do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais), vem sendo continuamente descumprido pelo Estado Brasileiro, que tem contingenciado gastos sociais (em especial os previdenciários), para cumprir a chamada meta de superávit primário. A dívida, portanto, cumpre um papel determinante na restrição à destinação de recursos às já tão carentes áreas sociais.

O descumprimento, desde 1988, do art. 26 do ADCT (que prevê a realização de auditoria da dívida por meio de comissão mista no Congresso Nacional) viola preceito fundamental (conforme ADPF 59 proposta pela OAB junto ao STF), além de diversos princípios, especialmente o da transparência. A população brasileira, que tem arcado com o pesado pagamento dessa dívida “pública”, sequer conhece a sua contrapartida, ou os credores que recebem os onerosos juros sobre juros, embora um reduzido grupo de bancos nacionais e estrangeiros tenham o privilégio de atuar como “dealers” com prioridade para a compra dos títulos, conforme Ato Normativo Conjunto n° 26 e 27, de 08/02/2012.

O endividamento público é um dos principais veículos para a importação da crise financeira global, que tem abalado as economias de países que eram considerados de Primeiro Mundo, mas que a sujeição às insaciáveis exigências do mercado financeiro tem levado a intensas convulsões sociais, devido a sucessivas violações aos direitos humanos. O Brasil, que sequer possui hoje um patamar apropriado de desenvolvimento humano, está correndo o risco de sofrer novas depressões econômicas, que terão devastador efeito sobre a maior parcela da população. É urgente a revisão histórica e o controle efetivo e cidadão para estancar os nocivos efeitos desse endividamento. O primeiro passo é o aprofundamento das investigações que permitirão o conhecimento baseado em documentos e provas, mediante a realização de uma auditoria integral e com participação cidadã.

Para melhor fundamentar as razões acima, anexamos a esta carta Parecer Jurídico elaborado durante os trabalhos da CPI da Dívida pela Dra. Flávia Piovesan, Professora e Procuradora do Estado de São Paulo, no qual se especificam as relações entre a questão do endividamento e o tema dos direitos humanos.

Participaram da audiência representantes de movimentos sociais ligados à Igreja Católica (Irmã Delci Franzen, que coordenou durante mais de uma década as Pastorais Sociais da CNBB e atualmente coordena o CAIS e a Miseror no Brasil); das centrais sindicais Conlutas (Antonio Martins Guillen) e Intersindical (Antonieta Xavier), e da Auditoria Cidadã da Dívida (Maria Lucia Fattorelli, Laerço Bezerra e João Gabriel Pimentel Lopes).