A Dívida Interna no Estado do Amazonas (2000-2016)

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Marcelo Mario Vallina*

O presente trabalho se propõe apresentar algumas informações sobre o endividamento do Estado do Amazonas nos últimos vinte anos, sob a luz do instrumental teórico-metodológico que o curso nos apresentou e explicou. Dessa forma, nos interessa mais justificar a necessidade de realizar a auditoria cidadã da dívida no Estado do Amazonas do que apresentar ilegalidades que requereriam de maior aprofundamento. No entanto, pensamos que poderá ficar claro que existem processos que, se a primeira vista não se dizer que são ilegais, são claramente ilegítimos. Dessa forma, esperamos contribuir com o esforço iniciado recentemente pelo núcleo Estadual da Auditoria da Dívida.

No último quarto do século XX se manifestará, no contexto da globalização, uma profunda crise capitalista que, para alguns autores, assumirá características de natureza e qualidade diferente das anteriores (NETTO, 1993) e, para outros, apresentará similaridades (HARVEY, 2011). Contudo, apesar de existirem diferenças na compreensão das características da crise, essas análises têm em comum o reconhecimento de que as mesmas abrem um leque de questões de discussão política, econômica e social, que atingem todos os países em âmbito mundial.
Um dos elementos que assumirá maior relevância na América Latina durante o referido período será a crise da dívida externa, em geral produzida em contextos regionais de ditaduras militar – empresariais, adquirirá dimensões importantes, como já assinalava Chossudovsky nos anos oitenta

“O total pendente da dívida de longo prazo dos países em desenvolvimento […] era de aproximadamente US$ 62 bilhões em 1970. Ela cresceu sete vezes no curso dos anos 70, atingindo US$ 481 bilhões em 1980. A dívida total (incluindo a de curto prazo) era de mais de US$ 2 trilhões em 1996, um aumento de 32 vezes em relação a 1970”. (apud Netto, 2007, p. 148-149).

O diagnóstico e a pretendida saída da crise da dívida se dará da mão do diagnóstico e das ‘receitas’ de organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional-FMI e o Banco Mundial-BM, que serão os executores de um processo de desregulamentação financeira e de ajuste fiscal em favor do sistema financeiro e que Fattorelli (2013) denomina ‘Sistema da Dívida’ e que privilegiam o capital rentista nacional e internacional, através de mecanismos de manutenção do superávit primário e de metas de inflação.

A auditoria cidadã da dívida tem mostrado como, os memorandos de entendimento do Brasil com o FMI se concretizaram amplamente através de programas de ajuste fiscal que, por um lado, afetaram os recursos destinados aos direitos humanos e sociais da grande maioria da população e, por outro, não se restringiram só à União mas atingiram fortemente os Estados, colocando em dúvida o próprio sistema federativo e até a própria Constituição Federal. Nesse sentido, os aspectos jurídicos foram estabelecidos na Lei 9.496/97 e os programas a ela vinculados, a saber: Programa de Apoio à Reestruturação e Ajuste Fiscal dos Estados; o Programa Estadual de Desestatização e; o Programa de Redução da Presença do Setor Público na atividade bancária – PROES. Este processo deflagrou um endividamento nos estados que em certos casos apresentou ilegalidades e/ou ilegitimidades.

O que nos interessa salientar aqui é como se desenvolveu no estado do Amazonas o processo relacionado ao PROES. Nesse sentido, de acordo com dados do Ministério da Fazenda (Fattorelli, 2013, p. 90) a dívida refinanciada do Estado Amazonas em 11 de março de 1998 era de R$ 120.000.000,00 e que incluindo os empréstimos do PROES ascendia a um total de R$ 536.923.432,99. Ou seja, os empréstimos do PROES representaram 77,65% do endividamento e foram destinados a resgatar o passivo do Banco do Estado do Amazonas-BEA, privatizado em 2002.

Segundo dados do Banco Central a dívida interna de 537 milhões subiria para 1,925 bilhões de reais em 12 de dezembro de 2000, ou seja, se multiplicaria três vezes e meia em apenas dois anos. A evolução da dívida, segundo os dados do Banco Central, no novo século ficou da seguinte maneira:

Como se pode observar entre 2000 e 2008 a dívida interna permaneceu aproximadamente constante, mas a partir de 2010 voltou a crescer, aumentando aproximadamente 23% até 2016. É importante destacar que durante esses seis anos, segundo os dados da Secretaria de Fazenda do Amazonas – SEFAZ-AM constantes no portal da transparência do Estado do Amazonas, foram pagos em termos de juros e encargos e amortização da dívida os seguintes valores:

 

Nos dados sobre amortização da dívida e juros e encargos a Secretaria de Fazenda do Amazonas não distingue entre dívida interna e externa, no entanto, não existe execução financeira na rubrica de dívida externa do Balanço Orçamentário de 2016. Dessa forma, o total pago ao longo dos últimos sete anos gira em torno de 3,9 bilhões de reais, superior ao valor da dívida interna em 2016, como podemos ver a seguir;

 

Como se observa no gráfico anterior a dívida interna do Estado do Amazonas aumentou 23%, apesar do crescimento ininterrompido do pagamento com juros, encargos e amortização que cresceu mais de 130% no mesmo período. Se comparamos a dívida interna em dezembro de 1998 (R$ 536.923.432,99) com esse pagamento entre 2010 e 2016 a dívida inicial foi paga mais de sete vezes.
Quando comparado com o orçamento executado, o pagamento dos juros, encargos e amortizações cresceram de 3,40% em 2010 a 5,25% em 2016, num contexto onde o orçamento estadual aumentou 52% nesse período. Quando se leva em consideração a profunda recessão nacional a tendência parece ser que o pagamento com juros, encargos e amortização terá um peso maior em termos do orçamento estadual nos próximos anos. O pagamento de juros, encargos e amortizações da dívida representou em 2016 duas vezes o investimento de R$ 339.878.144,70 realizado na Universidade Estadual do Amazonas.

* Trabalho de Conclusão do Curso de Ensino à Distância Dívida Pública Brasileira e suas consequências para os diversos segmentos sociais – Auditoria Cidadã da Dívida: Por quê? Para quê? Como? 

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REFERÊNCIAS

FATTORELLI, Maria Lúcia. A Dívida Pública em Debate: Saiba o que ela tem a ver com a sua vida. Brasilia. Inove Editora. 2012.
FATTORELLI, Maria Lúcia. Auditoria Cidadã da Dívida dos Estados. Inove Editora. 2013.
FATTORELLI, Maria Lúcia. Auditoria Cidadã da Dívida Pública: experiência e Métodos. Brasília. Inove Editora.2013
HARVEY, David. O Enigma do Capital e as crises do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2011.
NETTO, José Paulo. Crise do Socialismo e Ofensiva Neoliberal. São Paulo: Cortez. 1993 – (Coleção questões da nossa época, v. 20)
NETTO, José Paulo. Desigualdade, Pobreza e Serviço Social. In Revista em Pauta No. 19. 2007.