“A Previdência é uma necessidade”, por Márcio Gheller (ANFIP)

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Confira o interessante artigo de Márcio Gheller, Vice-Presidente Executivo da ANFIP, ampliando a compreensão da Previdência Social com um olhar histórico, sociopolítico e simbólico sobre a questão. Não esqueçamos que, apesar da promulgação de ontem (12) da Reforma, há ataques ainda por vir. A luta continua!(Matéria originalmente disponível no site da ANFIP.)

A Previdência é uma necessidade (Márcio Gheller)

Márcio Gheller*[1]

Senhor brasileiro, vamos pensar?

A Previdência Social, aqui no Brasil, tem quase cem anos[2]. Criada em 1923 por proposta de um parlamentar de São Paulo, Eloy de Miranda Chaves, surgiu para proteger os funcionários das estradas de ferro. Precursores do direito à aposentadoria, os ferroviários hoje são minoria entre os trabalhadores deste país. Mas a aposentadoria e os benefícios de seus dependentes só são possíveis hoje porque acreditaram na ideia. Isso nos mostra que coisas acontecem lá na frente, se plantadas as sementes agora.

No mundo, pelo menos no nosso mundo ocidental, indo-europeu, deixando de lado por enquanto a vetusta construção romana, a Previdência tem sua certidão de nascimento em 1884, com Bismarck na Alemanha[3]. Existência de menos de 140 anos. A população europeia recebe atualmente benefícios decorrentes daquela ideia do chanceler alemão, de extrema direita, em que viu, nas fábricas, trabalhadores jovens produzindo mais que os velhos. Aposenta os segundos e oferece emprego aos primeiros. Essa foi a dinâmica social que se estabeleceu.

A ANFIP[4] Associação Nacional do Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil faz 70 anos em 2020. Na defesa dos servidores, tem lutado, por décadas afora, com bastante fé, pela eficiência da fiscalização e da arrecadação federal, por um serviço público de qualidade, fortalecido e eficiente, e por uma Previdência Social justa e solidária.

Por que estas palavras? Porque estamos passando por uma encruzilhada na representação política atual, em que os ventos da simplificação, no afã de se ter rápidos resultados, se esquecem do processo. Processos, esses, de longo prazo, como quando se planta árvores para outras gerações colherem os frutos.

O processo, neste caso, envolve pessoas, os cidadãos brasileiros, que consomem, que envelhecem e adoecem, mas que acreditam num país chamado Brasil. Brasileiros que têm necessidades, uma delas, a de ter esperança. E que precisam de emprego e trabalho, com ou sem carteira assinada.

O Brasil não se resolve por mágica. A Previdência que temos, assim como a Seguridade que temos, é fruto de um contrato social, resultante da vontade normativa do Estado. Não é perfeita, mas é fruto do que somos e do que acreditamos. E precisamos acreditar nela, fazendo os devidos ajustes, para que não pereça antes de frutificar.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 6/2019, da reforma da Previdência, parece apenas reduzir e adiar o acesso aos benefícios previdenciários pelos contribuintes de menor renda. A economia, cantada em verso e prosa pela imprensa, nada mais é que a economia com salários sociais dos brasileiros mais pobres, via Seguridade. Somado a isso, tem o aumento de 11% para 14% a alíquota de contribuição para o regime do INSS, afetando mais fortemente os servidores do Estado, que sempre contribuíram sobre o total da remuneração.

Finalizo com o alerta de que, qualquer pacto social, para que realmente seja acatado e respeitado, deve ter o efetivo comprometimento popular. Uma antiga anedota, que retrata bem o momento atual, é citada por especialistas da teoria dos jogos.[5]

Conta a lenda que na Copa de 1958, durante a preleção do jogo contra a antiga União Soviética, o técnico brasileiro Vicente Feola reuniu os jogadores e combinou a estratégia da partida. Segundo Nelson Correa, foi algo assim:

No meio campo, Nilson Santos, Zito e Didi trocariam passes curtos para atrair a atenção dos russos. Vavá puxaria a marcação da defesa deles caindo para o lado esquerdo do campo. Depois da troca de passes, no meio do campo, repentinamente a bola seria lançada por Nilton Santos nas costas do marcador de Garrincha.

Garrincha venceria facilmente sua marcação na corrida, e com a bola dominada, iria até a área do adversário, sempre pela direita, e ao chegar à linha de fundo, cruzaria a bola na direção da marca do pênalti. Mazola viria de frente em grande velocidade já sabendo onde a bola seria lançada e faria o gol.

Garrincha, com a camisa jogada no ombro, ouvia sem muito interesse a preleção, e com sua natural simplicidade, perguntou ao técnico:

– Tá legal seu Feola….mas o senhor combinou isso com os russos?

Trago este relato porque a existência de uma Seguridade Social de verdade, de confiança e de excelência, exige, em qualquer nação civilizada do mundo, regras claras e garantia constitucional, combate sistemático à sonegação e à natureza imprevidente dos homens, e um serviço público de qualidade.[6]

 

[1] MARCIO GHELLER é Vice-Presidente Executivo da ANFIP.

[2] Vide https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1920-1929/decreto-4682-24-janeiro-1923-538815-publicacaooriginal-90368-pl.html, consulta em 10/09/2019.

[3] Vide http://www.oabpa.org.br/index.php/2-uncategorised/1574-a-evolucao-historica-da-seguridade-social-aspectos-historicos-da-previdencia-social-no-brasil-mario-antonio-meirelles, consulta em 09/10/2019.

[4] Vide https://www.anfip.org.br/,

[5] Vide http://www.barrichelo.com.br/teoriadosjogos/list-trechosimprime.asp?id=77, consulta em 09/10/2019.

[6] Para maiores informações técnicas, vide a obra ANÁLISE DA SEGURIDADE SOCIAL EM 2018, lançada em Sessão Solene da Câmara dos Deputados em 09/10/2019 pela ANFIP e FAETS – Fundação Anfip de Estudos Tributários e da Seguridade Social, 19ª. Edição, de setembro de 2019.