ACD requer veto ao esquema da Securitização de Créditos

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Em texto, Auditoria Cidadã da Dívida solicita que o presidente da republica, Jair Bolsonaro, vete o artigo 6 do PLP 39/2020, que introduziu a possibilidade de SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

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Brasília, 07 de maio de 2020
Ao Excelentíssimo Presidente da República Federativa do Brasil
Sr. Jair Messias Bolsonaro

Objeto: Solicitação de Veto Presidencial ao Art. 6 do Projeto de Lei Complementar n. 39/2020, que “Estabelece o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus SARS-CoV-2 (Covid-19), altera a Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000, e dá outras providências”

Exmo. Sr. Presidente,

Vimos, respeitosamente, por meio da presente manifestação pública, apresentar um conjunto de apontamentos críticos ao Chefe do Poder Executivo, sobre a aprovação de trechos contidos no Projeto de Lei Complementar n. 39, aprovado pelas duas casas do Congresso Nacional no dia 06/05/2020, particularmente no que diz respeito às disposições previstas no Art. 6 , que introduziu a possibilidade de SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Trata-se de sistema que permite que os entes federados estruturem a emissão de títulos de valores mobiliários, sob a modalidade de debêntures, em operações financeiras que na prática geram uma nova dívida pública, sob uma nova roupagem, a qual passa a ser paga sob a forma de cessão do fluxo de recursos públicos para o seu pagamento. Em todos os casos de SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS já analisados,
essa cessão de fluxo de recursos representa um pagamento por fora dos controles orçamentários, pois os recursos públicos são desviados durante o seu percurso pela rede bancária, antes de alcançar o orçamento, para os investidores (que adquiriram as debêntures). Tal desvio de recursos para o pagamento da dívida securitizada, ao invés de promover o reforço orçamentário para o enfrentamento da pandemia mundial do Covid-19, que seria o objeto anunciado para o PLP 39/2020, tem efeito contrário, pois reduz drasticamente o volume de recursos que alcançam os cofres públicos.

A aprovação do sistema de SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS, neste momento de crise, e, principalmente, da forma como ocorreu, põe em risco a já debilitada economia dos estados e municípios, lançando-os em uma aventura financeira que poderá agravar a crise fiscal já vivenciada por toda a sociedade, comprometendo de forma perigosa as receitas futuras e o custeio de serviços públicos essenciais à
população brasileira.

Ademais, sistema de SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS representa uma atividade econômica estranha à vocação institucional do Estado, uma vez que tal procedimento se caracteriza como uma operação de capitalização típica das Sociedades Empresariais, criando um risco sistêmico sobre a solvabilidade futura do próprio erário, como tem sido questionado por diversos órgãos de controle do país  (https://monitormercantil.com.br/orgaos-de-controle-questionam-esquema-dasecuritizacao-de-creditos ).

Recentemente, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais suspendeu os pagamentos da SECURITIZADORA PBH ATIVOS S/A em Belo Horizonte, em razão dos graves danos comprovados por CPI realizada na Câmara Municipal de Belo Horizonte (https://diariodocomercio.com.br/legislacao/tce-manda-pbh-ativos-suspenderpagamento-de-debentures-emitidas/ ).

As diversas experiências já experimentadas no país indicam que os pagamentos auferidos com a securitização circulam de forma alheia às regras de direito financeiro, subvertendo, igualmente, as boas práticas da contabilidade, estipuladas para a estruturação do orçamento público. A cessão do fluxo de arrecadação do ente federado à rede bancária, implica na perda de controle sobre as receitas auferidas pelo próprio sistema de securitização.

Trata-se de proposta inapropriada, aprovada sem estudos prévios, sem discussões com a comunidade de especialistas e alheio ao saudável escrutínio da opinião pública. A proposta atende, apenas, aos reclames de poderosos lobbys político financeiros submersos no cotidiano do Poder Legislativo, distorcendo a vontade popular, os princípios civilizatórios mais comezinhos consagrados pela Constituição Federal de
1988 e os alertas expedidos pelos diversos órgãos de controle federal e de diversos estados contrários à SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS PÚBLICOS (https://monitormercantil.com.br/orgaos-de-controle-questionam-esquema-dasecuritizacao-de-creditos ).

Além de inadequada, a proposta já tramita no Congresso Nacional por meio do PLP 459/2017 (consta também da PEC 438/2018), e foi sorrateiramente incluída no PLP 39/2020 em um sábado à tarde (dia 02/05/2020) e votada em seguida, também às pressas na Câmara dos Deputados, dia 05/05/2020, sem o necessário e aprofundado estudo que o tema requer.

Não houve o devido debate sobre o dispositivo aprovado às pressas no sábado à noite, em rito que impedia argumentação e sequer o devido debate acerca o que se votaria! O Congresso não pode penalizar os estados e municípios dessa forma!
Diante da gravidade das polêmicas que envolvem a adoção desse mecanismo e da própria obscuridade das propostas legislativas apresentadas até aqui, o tema vem sendo objeto de diversas INTERPELAÇÕES EXTRAJUDICIAIS, dirigidas a todos os líderes de todos os partidos políticos na Câmara dos Deputados, denunciando o verdadeiro teor desse esquema  (https://auditoriacidada.org.br/conteudo/interpelacaoextrajudicial-sobre-o-plp-459-2017-entregue-a-parlamentares-em-21-11-2018/ ).
Ora, se a proposta de SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS consta de outras propostas legislativas, por qual razão o Congresso Nacional deveria incluir o tema no PLP 39/2020, como se fosse algo necessário ao combate à crise do Covid-19?

Ao invés de significar ajuda aos entes federados, esse esquema representa um rombo às contas públicas e só favorece aos bancos (que agenciam o processo de securitização, cobram taxas exorbitantes e acabam adquirindo a totalidade das debêntures emitidas nesse processo. Enquanto os bancos ganham com esse negócio, as contas públicas restam aviltadas, pois a cessão do fluxo de recursos que deixará de
alcançar os orçamentos públicos irá prejudicar o funcionamento dos entes federados e prejudicará de forma irreversível as gerações atuais e futuras, legando como herança uma enorme conta a pagar.

Por fim, o texto do PLP 39 é vago, permitindo, em tese, que qualquer dívida dos entes federados pudesse ser objeto de securitização, abrindo margem para referendar as ilegitimidades das dívidas dos estados (em especial a transferência dos passivos dos bancos estaduais para o estoque dessas dívidas no esquema que se denominou PROES na década de 90), além das históricas condições abusivas para a renegociação das dívidas com a própria União.

Essa proposta de securitização malfere decisão recente do STF (Ação Cível Originária 3363) e que suspende temporariamente as dívidas refinanciadas pela União, que deveriam ser auditadas e revisadas, expurgando-se os cálculos abusivos e as parcelas ilegais e ilegítimas (PROES).
Em vez de empacotar as dívidas dos entes federados e oferece-las em processo obscuro de SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS, em linha com a perversa financeirização, que tem gerado impactos negativos em todo o mundo, o Congresso Nacional deveria estabelecer diretrizes para que a União socorresse, decisivamente, os Estados e os Município, privilegiando a ajuda financeira as suas populações.
Segundo informações do próprio Banco Central e Tesouro Nacional, a União possui estoque de reservas em caixa em montante suficiente ao enfrentamento desta grave crise sanitária e econômica, com mais de R$ 4 trilhões em caixa: saldo de R$ 1,4 trilhão na conta única do Tesouro Nacional (i), mais de R$ 1,7 trilhão em Reservas Internacionais (ii), e mais de R$ 1 trilhão no caixa do Banco Central (iii).

É inaceitável que se aprovem propostas lesivas às finanças públicas dos entes federados e a toda a sociedade, aproveitando-se do drama e do medo gerado pela pandemia do coronavírus, submetendo as finanças dos entes federados ao questionável sistema de securitização de créditos, como pretensa forma de salvação econômica.

Isto posto, requeremos que o Exmo. Presidente da República estabeleça veto ao texto do Art. 6 do PLP 39/2020 aprovado pelo Congresso Nacional, na forma que vaticina o Art. 66 da Carta Magna, uma vez que que tal dispositivo não se comunica com as ações necessárias para o enfrentamento da pandemia do coronavírus, introduz a questionável SECURITIZAÇÃO DE CRÉDITOS PÚBLICOS e, além disso, despudoradamente, acrescenta, ao já rico e diversificado portfólio de privilégio dos bancos; mais uma opção imoral de ativos financeiros, às custas de geração exponencial de dívida pública, sem qualquer contrapartida social.

A promulgação deste sistema contraria o interesse público, avilta o interesse público e as contas públicas dos entes federados, escravizando as futuras gerações do país ao pagamento abusivo de encargos financeiros exorbitantes gerados por essa nova dívida que sequestra o fluxo da arrecadação de recursos públicos que nem chegarão ao orçamento público. A destruição das finanças públicas implode a possibilidade de investimento estatal sustentado e o desenvolvimento socioeconômico do país, em curto, médio e longo prazo.
No aguardo do estabeleça veto ao texto do Art. 6 do PLP 39/2020, subscrevemos a presente.

Atenciosamente,
Maria Lucia Fattorelli
Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida

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i Fonte: https://www.bcb.gov.br/content/estatisticas/docs_estatisticasfiscais/Notimp3.xlsx – Tabela 4 – Linha 44
ii Fonte: https://www3.bcb.gov.br/sgspub/localizarseries/localizarSeries.do?method=prepararTelaLocalizarSeries , Série Temporal no 13621
iii Fonte: https://auditoriacidada.org.br/conteudo/fonte-da-informacao-de-r-144-trilhao-no-caixa-dotesouro-nacional-em-dez-2019/