“As verdadeiras intenções do Banco Central com o ‘depósito voluntário remunerado’ “, por Rodrigo Ávila

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Rodrigo Ávila – Economista

Atualmente, o Banco Central (BC) está retirando de circulação a montanha de R$ 1,6 trilhão sob a justificativa de controlar a inflação, o que não parece estar dando resultado, uma vez que os mais pobres estão sofrendo com a alta de alimentos. Esta montanha de dinheiro, que deveria estar sendo emprestada a juros baixos pelos bancos a pessoas e empresas (para minorar os efeitos da crise) está sendo guardada no BC por meio do abuso na utilização das chamadas “operações compromissadas”, que ainda remuneram os bancos com juros que custaram R$ 1 TRILHÃO nos últimos 10 anos, dinheiro do povo que poderia ter sido destinado para áreas como a saúde, educação, dentre tantas outras.

A situação está grave, porque esse abuso é ilegal (1) e tem causado rombo aos cofres públicos, com impactos negativos a toda a economia, mas o BC quer mais: defende uma alteração nestas operações, para que elas sejam “legalizadas” e possam ser ilimitadas, pois atualmente elas dependem da entrega de títulos pelo Tesouro Nacional para serem realizadas. Conforme declarou um representante do BC em 5/12/2017:

Hoje o BC administra a quantidade de dinheiro no sistema bancário por meio da venda com compromisso de recompra dos títulos públicos de sua carteira, as chamadas ‘operações compromissadas’. Com os depósitos voluntários, o BC ganha maior autonomia, uma vez que deixa de depender exclusivamente dessas operações para regular a liquidez bancária e, consequentemente, manter a taxa básica de juros (Selic) próxima da meta fixada pelo Comitê de Política Monetária (Copom)(ver )

Dessa forma, os chamados “depósitos voluntários remunerados” caminham juntos com a autonomia do Banco Central, e não por acaso ambas as propostas foram aprovadas na mesma sessão de 3/11/2020 pelo Senado Federal, respectivamente, por meio do PL 3.877/2020 (do Senador Rogério Carvalho – PT/SE) e do PLP 19/2019 (do Senador Plínio Valério – PSDB/AM). Caso sejam aprovados também na Câmara, os projetos darão autonomia total ao BC em relação ao governo e à sociedade, e ele ficará totalmente livre para praticar esta política – baseada na busca da tal “meta de inflação” criada por FHC a mando do FMI – que gerou a grave crise na qual estamos desde 2015, provocada principalmente pelo grande aumento das “operações compromissadas” a partir de 2014. Absurdo maior ainda é aprovar estes projetos tão relevantes – e que já se encontram já há anos em pauta (2), não tendo sido votados exatamente devido à pressão popular – em uma conjuntura onde não é possível o debate aprofundado no parlamento, em sessões virtuais.

Caso essa autonomia do BC seja aprovada, não adiantará no futuro eleger um Presidente da República que queira mudar esta política, uma vez que o presidente e diretores do Banco Central não poderão ser demitidos, e poderão continuar a remunerar os rentistas sem limite algum, às custas do Tesouro – que é quem cobre os prejuízos do BC sem limite.

A alternativa clara é fazer como os outros países estão fazendo: injetar (ver ) dinheiro na economia (e não retirar), fazendo com que os juros caiam de verdade (se tornando nulos ou negativos) e os bancos tenham de emprestar ao setor produtivo para não perder dinheiro. Mas isso é impossível com a “autonomia”, blindando o BC das reivindicações da sociedade, deixando-o ainda mais submetido à vontade dos bancos privados.


(1) -Atualmente, a legislação (art. 1º, IX da Lei 10.179/2001, alterada pela Lei 11.803/2008, combinado com o art. 1º do Decreto 3.088/1999) autoriza o Poder Executivo a “emitir títulos da dívida pública, de responsabilidade do Tesouro Nacional, com a finalidade de assegurar ao Banco Central do Brasil a manutenção de carteira de títulos da dívida pública em dimensões adequadas à execução da política monetária” (grifo nosso), de modo a seguir a “sistemática de “metas para a inflação“. Ou seja: a ideia seria reduzir a quantidade de dinheiro em circulação, para aumentar os juros (ou não deixá-los cair) e assim reduzir a demanda, supostamente para se controlar a inflação. Porém, essa política não tem cumprido com o que se propõe, dado que a inflação no Brasil não tem sido causada por um suposto excesso de demanda, mas principalmente por preços administrados pelo próprio governo (energia, combustíveis, etc) e pelas altas de preços de alimentos, devido a fatores climáticos, falta de estoques reguladores e equívocos de política agrária/agrícola. Além do mais, a legislação é clara ao mencionar o parâmetro de “dimensões adequadas” para a manutenção de carteira de títulos no Banco Central, não se podendo admitir como adequada uma quantidade equivalente a 25% do PIB, e mais ainda: sem cumprir a finalidade à qual se propõe.

(2) – A “autonomia do Banco Central” também foi proposta no PLP 112/2019, de Bolsonaro, Paulo Guedes e Roberto Campos Neto – que se encontra apensado ao PLP 200/1989 – enquanto os “Depósitos Voluntários Remunerados” também constam do PLP 112/2019 e no PL 9.248/2017, de Temer, Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn.