“Bancos Centrais do Futuro: uma visão do BIS, o Banco Central dos Bancos Centrais”, por Daniel Simões
Bancos Centrais do Futuro: uma visão do BIS, o Banco Central dos Bancos Centrais
18 de dezembro de 2020
Quando dizemos “uma visão do BIS“, significa que as palavras, ideias e visões descritas na seguinte tradução, foram proferidas por um representante do Banco para Assentamentos Internacionais, Agustín Carstens, Administrador Geral do BIS nas séries de discussões internas no Banco Federal da Alemanha, intituladas “Digitalização e Sistema bancário central – está uma mudança fundamental em andamento?”, segundo a publicação do BIS.
A submissão dos povos ao Basel III (ou Acordo da Basileia), que cria as regulamentações para movimentação financeira internacional – especialmente, entre Bancos Centrais e ao FX Global Code, o código global para unificação das taxas de câmbio está possibilitando aos Bancos Centrais conquistar a supremacia sobre os Estados. No Brasil, isto está sendo claro e óbvio, se tomarmos atenção aos PLs (Projetos de Lei), às PECs (Propostas de Emenda Constitucional), etc., relacionados com regulamentação financeira nacional que têm vindo a transitar desde há alguns anos. Alguns já foram aprovados, como a PEC 10/2020 transformada na Emenda Constitucional EC 106/2020 que “Institui regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento de calamidade pública nacional decorrente de pandemia” e legaliza a emissão de títulos de dívida para comprar papéis podres dos bancos, sem limite algum.
Converge agora para os projetos PLP 112/2019 e PLP 19/2019 sobre a independência do Banco Central do Brasil – melhor nomeado Banco Central do BIS no Brasil. Mas, o que significa independência, no caso do Banco Central do Brasil? Significa estar, na prática, à parte, autônomo, acima do poder da Corporação-Estado República Federativa do Brasil, agindo como tentáculo do sistema de controle financeiro centralizado no BIS, o centro de poder de regulamentação e supervisão bancária internacional. A implantação de um sistema tão complexo a nível mundial só é possível graças a profundas estratégias discursivas que se configuram como manipulações mentais na percepção da realidade de indivíduos. É preciso compreender que aqueles que estão apresentando soluções financeiras e ambientais são os mesmos que criaram os problemas financeiros e ambientais, tudo de forma intencional e planejada. A dança-das-cadeiras evidencia-se, p.ex., na nomeação da francesa Christine Lagarde, que já havia sido Ministra das Finanças da França (2007 a 2011) e ex-Diretora Administrativa do Fundo Monetário Internacional (FMI – 2011 a 2020) e que, recentemente, foi nomeada para o Conselho de Diretores do BIS. Nesta mesma lista podemos constatar que o primeiro nome é o do Presidente do Banco Central do BIS no Brasil: Roberto Campos Neto.
O discurso completo tem 11 páginas traduzimos o resumo divulgado pelo BIS e trouxemos mais algumas informações contidas no documento.
Mr Agustín Carstens
Administrador Geral do BIS
Digitalização e Sistema bancário central:
está uma mudança fundamental em andamento?
Discussões Internas do Banco Federal da Alemanha
Data da publicação no BIS: 14.Dez.2020
“[em alemão] Prezado Jens [Jens Weidmann, Presidente do Bundesbank (Banco Federal da Alemanha) desde 01.Mai.2011] queridos colegas do Bundesbank, é para mim um prazer falar com vocês hoje, mesmo que apenas virtualmente, de Basel e do Banco para Assentamentos Internacionais.
[em inglês] Agora, se eu puder voltar ao inglês. Espero que todos estejam seguros e ainda de bom humor, apesar do último aumento na Covid-19. Este foi o ano mais estranho na minha memória, mas, em vez de me alongar sobre isso, pensei em olhar para o futuro brilhante do outro lado desta pandemia. Especificamente, quero falar sobre os banqueiros centrais do futuro. E isso significa vocês próprios – nosso futuro brilhante. Espero que minhas reflexões ressoem e fico muito ansioso por seus retornos e perguntas depois. Somos todos banqueiros centrais aqui, hoje, mas nossa profissão não é a única coisa que temos em comum. Primeiro, temos o mesmo chefe. Jens é vosso [do Bundesbank] Presidente e meu Presidente do Conselho [do BIS].
Em segundo lugar, todos nós apreciamos o compromisso inabalável do Bundesbank com a estabilidade de preços. Para mim, isso é pessoal – quando criança, vivi atravessando alta inflação, no México. Quando eu tinha oito anos, lembro-me de meu pai me dando um maço de dinheiro para o ônibus da escola. No final do dia letivo, quando tentei pegar o ônibus para casa, fui expulso porque meu dinheiro ficou abaixo da passagem do ônibus. As tarifas subiram durante o dia e acabei caminhando. Essa experiência me trouxe à mente os perigos da instabilidade financeira e seu impacto na vida das pessoas. Até hoje, provavelmente carrego um pouco mais de dinheiro do que realmente preciso. Terceiro, sabemos que os funcionários do Bundesbank estão entre os melhores e mais brilhantes. Novamente, eu sei disto pessoalmente. Não apenas das minhas muitas visitas a Frankfurt, mas também de seus colegas que se juntaram ao BIS, ao longo dos anos. No Banco de Compensações Internacionais, estamos comemorando nosso 90º aniversário este ano. O BIS é um pouco como o viajante do tempo de Bellamy, que Jens tão apropriadamente se referiu em um discurso recente. Fomos fundados em 1930, quando muitos países ainda aderiam ao padrão ouro. Mas agora estamos prestes a entrar na era do dinheiro digital. Somente nosso propósito permanece o mesmo – como um fórum onde os banqueiros centrais podem se reunir para coordenar e promover a estabilidade monetária e financeira global.
Um banqueiro central que viaja no tempo
O discurso de Jens me deixou pensando. E se um banqueiro central viajante do tempo, de antigamente, acordasse hoje em uma reunião de banqueiros centrais do BIS? E – depois que alguém lhe explicasse por que todos estavam usando máscara – o que ele pensaria dos tópicos em discussão? Especialmente, como ele ficaria surpreso com a maneira como a tecnologia está gerando grandes mudanças nas finanças e no banco central? Meu palpite é que ele escolheria quatro, ou cinco, temas principais. Talvez nesse sentido.
Em primeiro lugar, todos desejam obter o máximo de informações possível. E quanto mais dados você tiver, melhor. Em nossa economia de mercado moderna, os dados são distribuídos ao redor do mundo. Como os custos de armazenamento de dados caíram, o volume global de dados aumentou. Os trade-offs estão por toda parte. Os consumidores dão seus dados para um serviço melhor, ou gratuito, por exemplo. Mas eles entendem do que estão desistindo? Precisamos sacrificar a privacidade se quisermos mais eficiência e inovação? Podemos garantir a privacidade e, ao mesmo tempo, garantir que os legisladores obtenham as informações de que precisam para garantir a integridade do sistema? Crescimento do volume de dados globais, enquanto cai o preço de armazenamento de dados. Linha vermelha: Custo médio por GigaByte para discos rígidos. Linha Azul: Tamanho anual da esfera de dados globais.
Em segundo lugar, o dinheiro pode ser – e está sendo – transformado em pura informação. Os pagamentos estão sendo integrados às comunicações digitais e as empresas privadas estão perguntando: “Se é tão fácil enviar um vídeo TikTok ao redor do mundo, por que não é tão fácil enviar dinheiro?” Isso está trazendo novos desafios à maneira como pensamos o dinheiro e ao papel dos Bancos Centrais.
Terceiro, embora as empresas privadas ofereçam uma gama estonteante de opções de pagamento e serviços financeiros, os problemas de concorrência se avolumam. Os reguladores querem que os bancos e outras empresas joguem limpo – em outras palavras, mantenham um “campo de jogo nivelado”. Mas em um mundo complexo e globalizado com reguladores nacionais e estruturas regulatórias construídas para modelos de negócios tradicionais, como podemos garantir isso na prática? [ou seja, para Agústin Carstens, bom é que os Bancos Centrais sejam instituições não-nacionais submissas às regulamentações do BIS].
E, em quarto lugar, à medida que nos tornamos mais dependentes das tecnologias digitais, também ficamos mais vulneráveis ao seu fracasso (“risco cibernético”). Embora o crime – e a guerra – tenham atormentado todas as idades, eles agora mudaram para o reino digital. E o setor financeiro, supervisionado pelos Bancos Centrais, é um alvo particularmente comum. Especialmente em 2020, porque todos trabalhamos em casa.
Como o BIS está se adaptando a essas mudanças
Esses são apenas alguns dos desafios que os Bancos Centrais enfrentam. E, diante desses desafios, qual será nosso papel, nosso trabalho e de que tipo de pessoas precisaremos? Discutirei todas essas questões, por sua vez, mas deixe-me começar explicando como o BIS está se adaptando a essas mudanças, em particular por meio da criação do Cubo* de Inovação do BIS.
*BIS Innovation Hub: Cubo de Inovação do BIS. A palavra hub, em inglês, é usalmente traduzida como centro, pivôt, eixo. Uma tradução menos usual, mas ainda assim correta, é cubo. Considerando a simbologia e a numerologia satúrnia ao redor das grandes instituições mundiais, decidimos traduzir sempre como cubo.
Dadas as mudanças em curso no sistema financeiro, um cubo de inovação foi um passo natural para nós. Os Bancos Centrais hoje precisam de um entendimento profundo das novas tecnologias, bem como fóruns nos quais compartilhar e reunir esse conhecimento. E precisamos trabalhar juntos para desenvolver bens públicos para nossas comunidades. Essencialmente, o Cubo é um catalisador para o trabalho de tecnologia que os Bancos Centrais já estão fazendo. Trazendo esse trabalho para uma plataforma global, ele aplica novas tecnologias para resolver problemas do mundo real no sistema financeiro. Alguns podem pensar que o Banco Central e a inovação são uma contradição em termos. E certamente poucas pessoas nos veem como um viveiro de inovação. Em vez disso, somos vistos como um bastião do conservadorismo. Isso não é ruim! Ser visto como conservador é um preço que vale a pena pagar pela confiança do público. Mas os Bancos Centrais, de fato, inovam o tempo todo. Os modernos sistemas de pagamentos eletrônicos pan-europeus, como TARGET2 e TIPS, são uma prova viva da inovação colaborativa entre o Bundesbank, o Banco Central Europeu e outros Bancos Centrais do Eurosistema. É mandato do Banco Central promover a estabilidade. Isso requer ação quando os eventos ao nosso redor são tudo menos estáveis. Mas apenas responder aos eventos não é suficiente. Ser conservador é não gostar de surpresas. E para evitar surpresas, você precisa saber o que o futuro reserva. Esse é exatamente o propósito do Cubo de Inovação [do BIS]. Devemos muito a Jens por fazer tudo isso acontecer. É justo dizer que sem sua motivação, apoio e entusiasmo como nosso Presidente do Conselho, não haveria nenhum Cubo, hoje. Então, vim ao endereço certo para falar sobre inovação!
Ainda é cedo. No entanto, como qualquer start-up digno desse nome, o Cubo está se expandindo aos trancos e barrancos. Além de Hong Kong SAR, Cingapura e Suíça, estamos abrindo novos centros em Toronto, Londres, Estocolmo e um centro do Eurosistema que abrange Frankfurt e Paris. E quando a unidade de Frankfurt for inaugurada, espero receber mais de vocês no BIS. Há muito o que fazer. Os temas de nossos projetos serão familiares, especialmente porque o Bundesbank tem seu próprio pedigree em muitas dessas áreas. Estamos buscando novas tecnologias para apoiar o monitoramento do mercado por supervisores e reguladores. Por meio de provas de conceito, estamos explorando como a próxima geração de FMIs pode ser estruturada e integrada em sistemas mais amplos. Nosso trabalho com Moedas Digitais de Banco Central [CBDC] abrange atacado e varejo, com foco na interoperabilidade e uso internacional. E, por último, mas não menos importante, estamos trabalhando muito na segurança cibernética [link para diversos artigos]. Conforme os novos centros forem lançados, nossa lista de projetos obviamente aumentará. A equipe do Cubo também está trabalhando de novas maneiras. Novas metodologias de gerenciamento de projetos, pensamento de design e ferramentas de desenvolvimento permitem que as equipes trabalhem juntas em Bancos Centrais, disciplinas e fusos horários. Na história do BIS, nunca houve nada parecido. Então, como será o futuro para você: os banqueiros centrais no centro de uma revolução na tecnologia? Como um conservador de coração, vou escolher apenas 4 áreas, com alguns exemplos de projetos e protótipos que estão em andamento agora no Cubo de Inovação. Isso é o que vejo no seu futuro:
▪ Primeiro, suas perspectivas irão além dos mercados financeiros e de crédito;
▪ Em segundo lugar, você trabalhará com novas ferramentas inovadoras e precisará ouvir e observar as tendências;
▪ Terceiro, você trabalhará mais de perto com uma gama muito mais diversa de colegas multidisciplinares; e
▪ por fim, você trabalhará em um Banco Central que se adapta constantemente – acredito que a palavra seja “ágil” – para ir ao encontro de um mundo em mudança.
Como nosso mundo está mudando
Agora, vamos dar uma olhada em como nosso mundo está mudando:
Ampliando as perspectivas
Os avanços da tecnologia afetam o funcionamento da economia real e a forma como os serviços financeiros são prestados. Por exemplo, big tech (grandes tecnologias) e fintech [tecnologias financeiras] de crédito estão crescendo. Isso vem com novos modelos de negócios e riscos. Pode exigir novos marcos regulatórios e novas formas de monitoramento. Acima de tudo, exige que os Bancos Centrais ampliem os campos que cobrem e as tecnologias que usam para cobri-los. Em particular, quando se trata de big tech, a falta de uma estrutura regulatória – mesmo em nível doméstico – levanta grandes questões sobre quem tem a ganhar com o uso de dados do consumidor. A falta de uma estrutura global permite que a grande tecnologia tenha o bolo e que o coma, também. Os Bancos Centrais precisam ajustar, junto com suas pesquisas, suas ferramentas de política de dados e a forma como colaboram com outras agências – especialmente as autoridades de concorrência e proteção de dados.
Outro aspecto é a infraestrutura. Se os dados são o novo petróleo, então devemos investir em dutos e refinarias. Algumas dessas instalações podem ter a natureza de serviços públicos. Outros, se oferecidos de forma privada – como no caso dos serviços em nuvem – exigirão o tipo certo de supervisão pública. Tudo isso tem implicações para TI, armazenamento de dados e data lakes em Bancos Centrais. Eles já estão usando big data [dados grandes] para apoiar pesquisas econômicas, política monetária, estabilidade financeira, regulamentação e supervisão, entre outras tarefas. Ao fazer isso, um problema é a qualidade dos dados, especialmente para os dados não estruturados que são produzidos a partir de atividades sociais, ou comerciais. Isso exigirá a experiência de quem entende de estatística e coleta de dados, talvez com habilidades no uso de novas tecnologias.
Trabalhando com ferramentas inovadoras
A tecnologia pode ajudar os Bancos Centrais a ampliar sua perspectiva e desenvolver análises mais profundas e rápidas. A questão hoje é como as tecnologias inovadoras podem ser melhor aproveitadas – há um enorme potencial nos dados, pesquisas, pagamentos, supervisão e operações de mercado de um Banco Central. Deixe-me dar um exemplo. Quando comecei no Banco do México na década de 1980, eu era um comerciante de câmbio. Naquela época, o peso estava muitas vezes sob pressão e tínhamos que monitorar cuidadosamente o mercado de câmbio e nossas reservas. A cada meia hora, atualizávamos a taxa de câmbio, os montantes negociados com diferentes bancos e as reservas cambiais restantes em um grande quadro-negro em nossa sala de negociação. Para manter nosso governador informado, instalamos uma câmera em frente a este quadro-negro e colocamos um monitor de TV no gabinete do governador, para que ele pudesse ver o que estávamos fazendo em tempo real – mais, ou menos. Como os tempos mudaram! Mas os bancos centrais ainda precisam acompanhar os mercados. No entanto, é estranho dizer que a escolha de tecnologias para fazer isso ainda é bastante limitada. O que precisamos é de uma tecnologia que possa lidar com milhões de mensagens sem problemas e analisá-las com precisão em tempo real, mas ainda ser flexível e escalável o suficiente para lidar com diversas entradas e mudanças nos mercados. A resposta do Cubo de Inovação a esta necessidade é o projeto “Rio” – espanhol para “rio”, porque usa tecnologia de streaming [transmissão] de dados – originalmente desenvolvida por plataformas de mídia social para analisar e responder ao tráfego de usuários. Estamos construindo um código-fonte aberto para desenvolver uma ferramenta de monitoramento para Bancos Centrais. Uma ferramenta que puxará milhões de mensagens de vários locais de negociação, mas também pode escalar para velocidades mais altas. Planejamos testá-lo em mercados voláteis que exigem 7 milhões de atualizações por hora – ou seja, quase 2.000 por segundo. Isso é necessário para alertar os Bancos Centrais sobre deslocamentos de mercado, problemas de liquidez e volatilidade em tempo real. O protótipo estará pronto no próximo ano. Falamos com 40 Bancos Centrais e eles estão entusiasmados com isso. E apesar de todos os casos de uso variados, mercados de câmbio e configurações, as novas tecnologias são flexíveis o suficiente para acomodá-los. Ferramentas poderosas não precisam ser do tipo “tamanho único”. A mesma tecnologia pode desempenhar várias funções nos Bancos Centrais, bem como incorporar dados adicionais de outros mercados. À medida que os Bancos Centrais colaboram, as melhores inovações prosperarão.
Organizando de maneiras inovadoras e usando novas habilidades
Novas ferramentas requerem novas habilidades para usar e novas equipes a serem formadas. A equipe de construção do protótipo do Rio inclui um FX quant, um economista pesquisador, um cientista de dados, um programador e um analista. Além disso, os economistas do BIS estão trabalhando com advogados, antropólogos, geógrafos e cientistas da computação em suas pesquisas sobre digitalização. Essa colaboração cruzada em equipes multidisciplinares será o novo normal para trabalhar em Bancos Centrais. Economistas – vocês não perderão seus empregos! Os big data também pode tornar mais difícil ter uma visão geral e uma boa análise econômica ainda é necessária para destilar os resultados quantitativos. Só porque uma nova tecnologia pode fazer algo, isso não significa que deva. Novos sistemas financeiros trazem novos desafios para entender incentivos e riscos. Mas, trabalhando juntos, podemos trazer novos insights. Ao ampliar a nossa perspectiva por meio de uma equipe multidisciplinar, os efeitos das novas tecnologias podem ser melhor compreendidos. Por exemplo, um recente trabalho de pesquisa do BIS sobre a tecnologia de varejo CBDC [Moeda Digital de Banco Central] reúne experiência em ciência da computação, economia e Banco Central. Nesse caso, o resultado foi uma estrutura para o desenho da moeda digital fiduciária, a Pirâmide CBDC. Ao compreender a importação de diferentes tecnologias, os banqueiros centrais podem começar a avaliar os trade-offs envolvidos nas diferentes escolhas de projeto. Essas colaborações serão ainda mais fáceis no futuro, pois o trabalho remoto permite mais flexibilidade na forma como as equipes e locais de trabalho podem ser estruturados. No Cubo de Inovação, trabalhar em conjunto através das fronteiras é rotineiro, usando as novas tecnologias de vídeo, mas também com plataformas de colaboração e sistemas baseados em nuvem. A inovação nos dá a chance de fazer o sistema financeiro funcionar melhor para todos. Mas perceber esses benefícios e evitar problemas exigirá cooperação internacional – do tipo que o BIS vem praticando há 90 anos. Também existem riscos, principalmente do tipo cibernético. Estamos trabalhando nisso também. Entre eles, o Centro de Resiliência Cibernética do BIS (ou Centro de Coordenação de Resiliência Cibernética) e o Cubo de Inovação realizaram uma “competição de código seguro” para desenvolvedores de Bancos Centrais em Novembro. A ideia é construir um forte pólo de talentos na comunidade de Bancos Centrais e manter o esforço para melhorar e adaptar constantemente nossas habilidades.
Adaptando às inovações no sistema financeiro
Evoluir é se adaptar ao mundo. E vocês, banqueiros centrais do futuro, poderão ver o sistema financeiro mudar de forma radical. As novas tecnologias podem tornar o sistema financeiro menos centralizado ou, pelo menos, realinhar as estruturas e sistemas de hoje. Uma equipe diversificada e multidisciplinar pode ajudar não apenas a executar esses experimentos, mas também a compreender seu impacto mais amplo. O BIS tem experimentado novas tecnologias – assim como o Bundesbank. Por quê? Estar melhor preparado para responder à necessidade de dinheiro seguro e confiável em um sistema em mudança. E este será o verdadeiro teste para os banqueiros centrais do futuro – não apenas a profundidade de seu entendimento, mas a eficácia de sua resposta a um sistema financeiro em mudança e como eles aproveitam as novas opções de política disponíveis para eles. E vou falar sobre uma nova opção sob intenso escrutínio – Moedas Digitais do Banco Central. Mais uma vez, um exemplo do Cubo de Inovação. O BIS informou sobre o Projeto Helvetia no início deste mês com colegas do Banco Nacional da Suíça (SNB) e SIX, o operador de infraestrutura do mercado suíço. Esta é uma prova de conceito de Moeda Digital do Banco Central de atacado – um CBDC POC, se preferir. Outro? Sim. Mas com uma diferença. A SIX planeja lançar uma plataforma de negociação e liquidação usando tecnologia de registro distribuída no próximo ano. Portanto, desta vez, entender como o dinheiro do Banco Central poderia ser usado não é um mero exercício acadêmico. É uma questão de política.
O Projeto Helvetia mostra que os Bancos Centrais têm opções – a emissão de uma CBDC dentro de sistemas realistas, é possível. O mesmo ocorre com o sistema de liquidação pelo valor bruto em tempo real (LBTR) existente. Lado a lado, uma CBDC pode oferecer mais funcionalidade do que um link LBTR. Mas as considerações técnicas não são as únicas para um Banco Central – as questões de política mais amplas permanecem. O SNB e o Cubo de Inovação continuarão a trabalhar nisso em 2021. Por que o BIS está envolvido? Porque aprender juntos é a melhor maneira de encontrar as respostas certas. O mesmo é verdadeiro quando se trata de uma CBDC de varejo, ou de uso geral. O BIS faz parte de um grupo de Bancos Centrais que está colaborando na pesquisa de políticas práticas e na experimentação técnica aplicada. Este grupo publicou um relatório em outubro deste ano, estabelecendo os princípios por trás do desenvolvimento das CBDC. O principal número um foi o que Benoît Cœuré, o Chefe do Cubo de Inovação do BIS, descreveu como um “juramento hipocrático monetário”. Os Bancos Centrais são os guardiões de uma moeda – eles não emitirão uma CBDC que possa prejudicá-la.
A CBDC coexistirá com o que temos agora e com as inovações no futuro. Isso inclui dinheiro. O anonimato completo para pagamentos digitais simplesmente não é compatível com a lei na maioria das partes do mundo. E é uma questão política para os parlamentos sobre quanta privacidade seus cidadãos têm direito. Todos os Bancos Centrais que contribuíram para esse relatório continuam comprometidos em fornecer dinheiro. CBDC, ou dinheiro, não é uma questão “ou”. A resposta pode muito bem ser “ambos”. Coexistência significa que haverá um papel para o setor privado em um sistema CBDC. Projetar um sistema no qual os elementos públicos e privados se mesclem perfeitamente não é uma tarefa simples. No entanto, o progresso também está sendo feito aqui, por meio da colaboração multidisciplinar entre tecnólogos, economistas e especialistas em sistemas de pagamento. Uma coisa a ter sempre em mente é isto – dinheiro seguro e confiável não é gerado por algoritmos. É protegida por instituições competentes. Por lei, o público confia nos Bancos Centrais para salvaguardar o seu sistema monetário.
Conclusão
A tecnologia muda, mas a essência do Banco Central, não. O Bundesbank hoje pode parecer radicalmente diferente da instituição fundada em 1957. Mas seus objetivos são os mesmos, agora e então. Nossas ferramentas mudarão. Nossas habilidades se tornarão mais diversificadas. E a forma como fornecemos dinheiro ao sistema público e financeiro mudará com o tempo. Na década de 1980, usamos uma câmera de vídeo para monitorar os mercados, mas você transmitirá milhões de pontos de dados a cada segundo. No início de minha carreira, trabalhei com equipes estreitas de economistas e advogados, mas você terá uma rica diversidade de origens e experiências. Os tempos mudaram – mas atendemos ao público da mesma forma. Finalmente, nas últimas décadas, vimos os mercados financeiros e o mundo mudarem fundamentalmente. Você verá a mesma coisa. No BIS, nosso objetivo é apoiá-lo quando você encontrar essas mudanças. O Natal está se aproximando, então (em alemão) Ich wünsche Ihnen allen frohe Weihnachten [Desejo a todos um feliz natal]! Para os Bancos Centrais, 2021 não trará negócios como de costume. Podemos ter que assumir alguns novos papéis corajosos. Personagens desconhecidos podem entrar na trama. Mesmo para instituições veneráveis que comemoram seus 90 anos, as coisas mudam. Vamos mudar com eles. E vocês – os banqueiros centrais do futuro – liderarão essa mudança. Eu sei que você fará o seu melhor.
(fotografia – Marcello Casal Jr/Agência Brasil)