Breve Estudo sobre o Uso de Água Bruta no Brasil

Compartilhe:

Clique aqui e baixei o PDF

BREVE ESTUDO SOBRE O USO DE ÁGUA BRUTA NO BRASIL

Apolo Heringer Lisboa e Maria Lucia Fattorelli

Água Bruta é o nome dado à água retirada diretamente de rios e lençóis freáticos e usada principalmente por indústrias, mineradoras, agronegócio e empresas de saneamento básico. A água bruta das bacias hidrográficas interestaduais é considerada água de domínio da União, ou simplesmente água da União. A água bruta de bacias restritas a determinado estado é de domínio do respectivo estado.

A Agência Nacional de Águas (ANA) tem competência para arrecadar o valor da água bruta retirada das bacias interestaduais, desde que devidamente implementada a sua cobrança. Apesar de já identificadas 47 bacias hidrográficas interestaduais, atualmente apenas em 6 (seis) dessas bacias interestaduais a cobrança pelo uso da água bruta se encontra implementada, e apenas de forma inicial – Paraíba do Sul; Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ); São Francisco; Doce; Paranaíba; e Verde Grande – conforme ilustração a seguir, retirada da página da ANA:

Além de implementada a cobrança pelo uso da água bruta apenas nessas seis bacias interestaduais, a mesma se encontra ainda em estágio inicial, conforme demonstrado em importantes estudos sobre o tema, a exemplo do disponível em https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/10716/1/2007_eve_rosouza_cobranca.pdf:

O estudo aborda as principais dificuldades encontradas neste processo de implantação, bem como, mostra a influência dos aspectos regionais neste processo. Uma análise comparativa entre esses dois modelos de cobrança é realizada. Os resultados desta análise permitem concluir que políticas de cobrança, diferentemente do que ocorre na Europa ou nos Estados Unidos, se encontram em uma fase inicial e transitória. Isto causado por um complexo ordenamento jurídico que existe hoje no Brasil, com respeito ao direito do uso da água. O estudo mostra ainda que composição de preço unitário, cobrado pelo uso da água, depende de características regionais tais como, nível de escassez da água na região, nível econômico, bem como, capacidade de pagamento pelo usuário.

Para se ter uma ideia da ínfima arrecadação pelo uso dos recursos hídricos de domínio da União, ou água da União, é importante observar os dados disponíveis no site da ANA. O Informativo mais recente é referente ao ano de 2018, o qual revela que o total arrecadado nas 6 (seis) bacias interestaduais foi de apenas R$ 74,83 milhões naquele ano, conforme tabela e do gráfico seguintes (disponíveis em (https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNDAyMWQwZTAtYzRlNy00ZWI3LThkNzEtOTc4NzY2MDE0MWY0IiwidCI6ImUwYmI0MDEyLTgxMGItNDY5YS04YjRkLTY2N2ZjZDFiYWY4OCJ9).

De acordo com o gráfico seguinte, os R$ 74,83 milhões arrecadados em 2018 tiveram a seguinte origem, de acordo com o setor econômico: Saneamento (R$ 54,85 milhões), Indústria (R$ 14,84 milhões); Agropecuária (R$ 3,75 milhões); Mineração (R$ 1,04 milhão): Extração de areia (R$ 0,19 milhão); Termoelétrica (R$ 0,05 milhão) e Outro (R$ 0,11 milhão):

Embora o agronegócio responda por apenas 5% do total arrecadado pelo uso de água bruta em 2018, estudos da ONU revelam que a agricultura é o setor que mais consome água no mundo, sendo que no Brasil 72% da água seria consumida pelo setor (https://memoria.ebc.com.br/noticias/internacional/2013/03/agricultura-e-quem-mais-gasta-agua-no-brasil-e-no-mundo ):

A Organização das Nações Unidas (ONU) revela que aproximadamente 70% de toda a água disponível no mundo – que já não é muita – é utilizada para irrigação. No Brasil, esse índice chega a 72%.

O mesmo estudo publicado em 2012 revelava que o consumo setorial em formato gráfico:

A distorção imensa entre o valor arrecadado pelo uso de água bruta e o consumo setorial seguiu se repetindo em outros relatórios publicados no site da ANA, embora o volume de informações venha se reduzindo a cada ano.

O Relatório de 2020 (https://relatorio-conjuntura-ana-2021.webflow.io/capitulos/usos-da-agua) traz gráfico completamente diferente do 2012:

O mesmo Relatório de 2020 informa que o uso da água pelo agronegócio corresponde à metade da água retirada no país, tendo aumentado nas últimas décadas:

A retirada para irrigação aumentou de 640 para 965 m³/s nas últimas duas décadas e representa aproximadamente 50% da retirada total pelos usos consuntivos setoriais de água em 2020 – esse setor tem grande potencial de expansão e continuará liderando o crescimento das retiradas.

A distorção de dados quando se compara o valor arrecadado pelo uso de água bruta e o consumo setorial é impressionante. Uma das razões que pode explicar tamanha distorção é o fato de que o consumo de água bruta é informado pelos próprios consumidores em sua declaração anual.

 

  • O CONSUMO DE ÁGUA BRUTA É INFORMADO PELO PRÓPRIO CONSUMIDOR

O primeiro aspecto que deve ser ressaltado em relação ao uso de água bruta ou água da União, é que NÃO HÁ EFETIVO CONTROLE DO VOLUME CONSUMIDO.

Conforme consta do site (https://www.gov.br/pt-br/servicos/fazer-a-declaracao-anual-de-uso-de-recursos-hidricos-daurh-e-declaraagua) da Agência Nacional de Águas (ANA), “a exemplo da declaração do imposto de renda, os usuários de água da União, com outorga de direito de uso de recursos hídricos têm a obrigação de declarar, durante o mês de janeiro, os volumes mensais de água, utilizados no ano anterior, possibilitando a ANA conhecer a real demanda de usos de água e melhorar a gestão deste uso na bacia hidrográfica.”

Depreende-se, portanto, que o próprio usuário é que irá declarar quanto consumiu durante todo o ano anterior.

Somente “em bacias hidrográficas consideradas críticas, onde há maior necessidade de controle do uso da água, os usuários de água notificados pela ANA devem também encaminhar regularmente dados e registro fotográfico de equipamentos de medição de volume captado por meio do aplicativo DeclaraAgua. Os dados devem ser enviados mensalmente, ou em outra frequência definida pela ANA.”

Portanto, também nesse caso de bacias consideradas críticas, os próprios usuários é que enviarão dados de seu consumo, chegando a ser hilário querer estabelecer controle por registro fotográfico de equipamentos de medição de volume captado quando o usuário pode ter inúmeros pontos de captação e instalar o equipamento em apenas 1 ponto, por exemplo.

De acordo com as regras no site da própria ANA, verifica-se que a agência não faz o controle da quantidade de água bruta extraída, mas apenas usa dados enviados pelos próprios usuários.

Adicionalmente, apenas os usuários de maior porte e que captam água acima de determinados limites estabelecidos pela ANA são obrigados a declarar.

 

  • ARRECADAÇÃO PELO USO DE ÁGUA BRUTA NA BACIA HIDROGRÁFICA EM MINAS GERAIS

O valor arrecadado pelo uso de água bruta de domínio do Estado de Minas Gerais em 2018 foi de apenas R$ 40,75 milhões, conforme Informativo 2018 (disponíveis em (https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiNDAyMWQwZTAtYzRlNy00ZWI3LThkNzEtOTc4NzY2MDE0MWY0IiwidCI6ImUwYmI0MDEyLTgxMGItNDY5YS04YjRkLTY2N2ZjZDFiYWY4OCJ9):

O Estado do Ceará arrecadou R$ 161,08 milhões, ou seja, 4 (quatro) vezes o valor arrecadado em Minas Gerais, como mostra a tabela seguinte, extraída do mesmo documento:

Ora, o que explica o fato de o Estado do Ceará arrecadar 4 (quatro vezes) mais que o Estado de Minas Gerais com uso de água bruta, considerando que Minas Gerais possui área 4 vezes superior e intensa atividade industrial, de mineração e agronegócio? É evidente que há uma brutal distorção de dados de uso de água bruta informados no Estado de Minas Gerais. Ainda que se alegue que parte da água bruta extraída em Minas Gerais estaria computada nas bacias interestaduais, o total arrecadado nacionalmente, nas 6 (seis) bacias interestaduais, foi de apenas R$ 74,83 milhões, menos da metade do que se arrecadou no Estado do Ceará, confirmando-se a distorção de dados.

Importante estudo versa sobre a cobrança de água bruta no Estado do Ceará “COBRANÇA DE ÁGUA: Estudo Comparativo entre as Políticas de Cobrança no Estado do Ceará e na Bacia do Rio Paraíba do Sul” (disponível em https://repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/10716/1/2007_eve_rosouza_cobranca.pdf ). Um dado que salta aos olhos é a diversificada matriz de preços que varia de acordo com a essencialidade da atividade:

Por que razão o volume de água bruta declarado no Estado tem sido tão baixo, apesar das intensas atividades que consomem grandes volumes de água?

Importante reportagem do jornal O Tempo, em 2015, revela importantes informações que reforçam a distorção antes apontada: “O volume de água outorgado abasteceria seis Minas Gerais” (https://www.otempo.com.br/hotsites/crise-estrutural-do-brasil/volume-de-agua-outorgado-abasteceria-seis-minas-gerais-1.987278).

 

  • COBRANÇA DE ÁGUA BRUTA

A cobrança pelo uso de água bruta ainda é incipiente no Brasil. A maior parte da arrecadação provém do setor de saneamento, embora a própria ANA informe que o setor que mais consome é o agronegócio.

Estudo sobre “A COBRANÇA DA ÁGUA BRUTA NO SETOR DE SANEAMENTO” (disponível em https://abrh.s3.sa-east-1.amazonaws.com/Sumarios/110/2312c98aae4dfd1d7bab0c9b761f35db_337e919e49f69c87716adb7c5d6bf106.pdf ) informa que referido setor contribuiu com mais de 67% da arrecadação no período de 2003 a 2006:

A cobrança é um instrumento econômico previsto pela Lei Federal 9.433, de 08/01/1997 (Lei das Águas) (…) A cobrança na Bacia do Rio Paraíba do Sul teve início em março de 2003 e foi uma iniciativa pioneira no país em rios de domínio da União. A análise dos valores arrecadados no período de 2003 a 2006 indica que o setor de saneamento contribuiu com 67,62% do total de recursos arrecadados.

É mais difícil para companhias de saneamento deixar de informar os volumes de água bruta efetivamente captados, tendo em vista que há controle sobre a quantidade de água distribuída por essas empresas à sociedade. Caso as companhias de saneamento informassem quantidades de uso de água bruta muito inferior ao efetivamente extraído, tal sonegação poderia ser detectada no comparativo com o volume de água tratada distribuído.

Nas demais atividades (mineração, indústria e agronegócio) não há parâmetro para esse controle, e a quantidade de água bruta extraída é meramente informada pelo consumidor anualmente em sua declaração e, como antes mencionado, a distorção de dados é flagrante.

O Estado de Minas Gerais possui as seguintes Bacias Hidrográficas, conforme detalhado em http://portalinfohidro.igam.mg.gov.br/regulacao-de-usos-de-recursos-hidricos :

A ANA tem a competência para arrecadar e repassar os valores da cobrança (apenas dos recursos hídricos de domínio da União) à respectiva agência de água da bacia ou à entidade encarregada das funções de agência de água, instituições que integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH).

O site da ANA informa, sobre a cobrança pelo uso da água bruta (https://www.gov.br/ana/pt-br/assuntos/gestao-das-aguas/politica-nacional-de-recursos-hidricos/cobranca ):

Cobrança

A cobrança pelo uso da água é prevista pela Política Nacional de Recursos Hídricos, instituída pela lei nº 9.433/97. Possui os seguintes objetivos: obter verba para a recuperação das bacias hidrográficas brasileiras, estimular o investimento em despoluição, dar ao usuário uma sugestão do real valor da água e incentivar a utilização de tecnologias limpas e poupadoras de recursos hídricos.

Essa cobrança não é um imposto ou tarifa cobrados pelas distribuidoras de águas na cidade, mas sim uma remuneração pelo uso de um bem público. Todos e quaisquer usuários que captem, lancem efluentes ou realizem usos não consuntivos diretamente em corpos de água necessitam cumprir com o valor estabelecido.

(…)

A ANA tem a competência de arrecadar e repassar os valores das cobranças (apenas dos recursos hídricos de domínio da União) à Agência de Água da Bacia ou à entidade encarregada das funções de agência de água, que integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Portanto, de acordo com essa informação prestada pela ANA, todos os recursos arrecadados com o uso de água bruta são repassados às denominadas Agências de Água da respectiva Bacia Hidrográfica, ou entidade encarregada dessas funções.

 

  • PREÇO DA ÁGUA BRUTA

 

Sobre o preço da água bruta, a legislação vigente dispõe:

Lei no 9.433/97
Art. 44. Compete às Agências de Água, no âmbito de sua área de atuação:
(…)
XI – propor ao respectivo ou respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica:
(
…)
b) os valores a serem cobrados pelo uso de recursos hídricos;

Assim, as “Agências de Água” que, como vimos no tópico anterior, recebem os valores arrecadados com o uso de água bruta, também têm a competência para estipular o seu preço, o que revela a enorme concentração de poder nas referidas agências.

A definição de “Agências de Água”, também chamada de “Agência de Bacia” consta do site da ABHA, uma das agências que atua no Estado de Minas Gerais (https://www.agenciaabha.com.br/institucional/apresentacao):

 

Uma agência de bacia ou agência de águas é a entidade executiva de um ou mais comitês de bacia. À agência de bacia cabe manter atualizado o plano de bacias, aplicar os recursos arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos, além de suporte técnico, administrativo e financeiro aos comitês.

legislação de Recursos Hídricos Federal e Estadual permite, contudo, que ocorra a delegação ou equiparação das funções de agência de bacia a outra entidade. Portanto, em 18 de julho de 2007, a ABHA – Associação Multissetorial de Usuários de Recursos Hídricos da Bacia Hidrográfica do Rio Araguari – foi equiparada à agência de bacia por meio da Deliberação nº 55 do CERH – Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Minas Gerais.

O Conselho Estadual de Recursos Hídricos em Minas Gerais, que também possui grande poder de deliberação, é integrado por representantes de diversos setores (poder público estadual, municipal, usuários e sociedade civil, cabendo ressaltar que os representantes da FIEMG no referido conselho, conforme disponível em http://conselhos.meioambiente.mg.gov.br/sem-categoria/427-ctplan-quem-e-quem ) são, respectivamente:

8. Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais – FIEMG

Titular: Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais – FIEMG- Deivid Lucas de Oliveira

1º Suplente: Companhia de Saneamento de Minas Gerais – COPASA – Nelson Cunha Guimarães

2º Suplente: Companhia de Saneamento Municipal – CESAMA Juiz de Fora – Igor Luna

A figura seguinte ilustra essa participação e representação:

Considerada a principal Agência de Água ou de Bacia que atua em Minas Gerais, a Agência Peixe Vivo, registra em seu site (https://agenciapeixevivo.org.br/a-agencia/apresentacao/) a sua impressionante abrangência:

está legalmente habilitada a exercer as funções de Agência de Bacia para dois Comitês estaduais mineiros, CBH Velhas (SF5) e CBH Pará (SF2), além do Comitê Federal da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, CBHSF e CBH do Rio Verde Grande.”

A composição do Conselho de Administração da referida Agência Peixe Vivo consta de seu site (https://agenciapeixevivo.org.br/noticias/noticias-externas/conselhos-de-administracao-e-fiscal-da-agencia-peixe-vivo-tem-nova-composicao/ ):

A presidência do Conselho de Administração continua com Nelson Guimarães, que foi reconduzido ao cargo e Deivid Oliveira assumiu a vice-presidência. A definição ocorreu na reunião do Conselho de Administração, realizada de forma virtual, no dia 27 de outubro.

Assim, as mesmas pessoas Nelson Cunha Guimarães e Deivid Lucas de Oliveira, ao mesmo tempo:

Representam a FIEMG junto ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos em Minas Gerais (CERH-MG – http://conselhos.meioambiente.mg.gov.br/sem-categoria/427-ctplan-quem-e-quem), e

Comandam o Conselho de Administração da Agência Peixe Vivo, “Órgão de deliberação superior da Agência Peixe Vivo define as linhas gerais das políticas, diretrizes e estratégias, orientando a Diretoria Executiva no cumprimento de suas atribuições.” (https://agenciapeixevivo.org.br/a-agencia/composicao/)

A reportagem do jornal O Tempo, de 02/02/2015, já mencionada (https://www.otempo.com.br/hotsites/crise-estrutural-do-brasil/volume-de-agua-outorgado-abasteceria-seis-minas-gerais-1.987278), revela, em relação ao preço da água bruta em Minas Gerais:

Preço da água. Das 36 bacias hidrográficas do Estado, apenas 11 cobram pela água captada, e o preço varia de R$ 0,01 a R$ 0,028 por m3 (1.000 litros) – e isso apenas para usos considerados “significativos”. “É um valor muito aquém do que seria justo pelo serviço ambiental que o rio exerce”, avalia o presidente do Comitê̂ da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano.

Conforme Nota Informativa ANA nº 17/2021/CSCOB/SAS que estabelece o preço de água bruta para bacias interestaduais, os valores para cobrança pelo uso de recursos hídricos de domínio da União para o exercício 2022 são:

 

  • CONCLUSÃO

Esse breve estudo mostra que:

  • Não há controle sobre o uso de água bruta no Brasil, tendo em vista que os próprios usuários é que declaram o que consomem. O agronegócio é o que mais utiliza água bruta, seguido da indústria e saneamento;
  • Na maioria das bacias hidrográficas, sequer há obrigatoriedade de declarar o uso de água bruta, ou seja, a extração é livre e gratuita;
  • Os valores estabelecidos para o uso de água bruta são ridiculamente baixos e, de acordo com a Lei no433/97, art. 44, as Agências de Águas (ou Agências de Bacias) têm a competência de propor os valores a serem cobrados pelo uso da água bruta;
  • Os valores arrecadados pelo uso de água bruta são repassados às Agências de Águas (ou Agências de Bacias);
  • Em Minas Gerais a principal Agência de Águas – Agência Peixe Vivo – tem como presidente e vice-presidente as mesmas pessoas que representam a FIEMG junto ao Conselho Estadual de Recursos Hídricos.
  • Os valores arrecadados em Minas Gerais se apresentam extremamente baixos quando comparados com os valores arrecadados no Estado do Ceará, por exemplo, apontando a existência de grande distorção, haja vista a intensa atividade minerária, industrial e agropecuária em Minas Gerais.
  • Uma foto vale mais que mil palavras:

Comentário final de Apolo Heringer Lisboa:

Prezada professora Maria Lucia Fattorelli. Excelente sua pesquisa, rigorosa e de muita perspicácia, enxergando o ocultado na paisagem.

É nosso dever sublinhar que todas as considerações sobre cobrança e água bruta desses órgãos técnicos empresariais ou governamentais, jamais tocam em volumes ecológicos a serem preservados, não se importam com a imperiosa necessidade de respeito científico às condições da vida aquática e no conjunto do território, nem tangenciam a limnologia, a importância dos invertebrados aquáticos e da ictiofauna. Que tipo de técnicos são? Se fazem de desinformados diante das consequências do desmatamento generalizado que dizima ecossistemas complexos de flora e fauna. Será concebível que técnicos ignorem tais impactos? Adotam critérios e posturas absolutamente utilitaristas, economicistas, cegos à complexidade da vida na Terra.

Outra questão é que o valor de mercado da água bruta não tem visibilidade, deliberadamente ocultado. Não se propõe o modo de calculá-lo quando os produtos são comercializados. Estamos em 2022, a moda é essa, deixar a porteira aberta para a boiada passar, evitando o debate honesto da questão para não deixar explícito que a sociedade paga a conta. Soa estranho numa economia de mercado o valor da água bruta ser tabelado, sobretudo por inciativa de grandes empresários. Trata-se de uma heresia para o liberalismo. Incoerência completa, eles que alegam teorias econômicas para tabelar produtos de primeira necessidade, inda que em momentos extremos e por pouco tempo, como é o caso atual (2021/2022) dos preços dos combustíveis que foram alinhados no Brasil com os preços internacionais de importação, sendo o Brasil um país autossuficiente em petróleo. Pode-se afirmar que os capitalistas não gostam da disputa de mercado, ficam o tempo todo tentando estabelecer alguma relação monopolista inclusive com corrupção, para garantir segurança e elevação dos lucros, em prejuízo da competição e da sociedade. Esta faceta é pouco discutida.

Na verdade, gostaria que ficasse registrado e sublinhado, que as agências de bacia não poderiam representar o Estado, pois são associações empresariais com interesses comerciais na água. Como admitir que alguns segmentos sociais com objetivos de lucro, controlem preços de um bem natural e público essencial à vida na Terra, um direito estabelecido na Constituição do Brasil?

Questionamos toda essa gama de violência socioambiental e gostaríamos que um maior número de pessoas compreenda essa posição técnica e política no contexto da disputa conceitual e judicial que sustentamos com o Sistema FIEMG, a CNI e a CNA e o governo federal.

Apolo Heringer Lisboa, MG. www.apoloheringerlisboa.com