Carta aos que não aguentam mais corrupção – Gregório Grisa

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* Gregório Grisa

Prezado(a),

A corrupção que estampa suas manchetes matinais todos os dias não é o maior problema do Brasil. Sinto lhe dizer isso.

Essa corrupção não está entre os maiores ralos de recursos públicos que existem. Nem perto.

Essa corrupção é uma cortina de fumaça a serviço de um moralismo seletivo comprado e reproduzido raivosamente por muita gente, quiçá por você.

A corrupção é um elemento cultural complexo simplificadamente apresentado e noticiado. Tornando-se assim algo de fácil digestão, que capta raiva, produz pré julgamentos e mobiliza passionalidades mesmo em corruptos.

A corrupção é um bode expiatório colocado na pauta pública para que os temas que realmente merecem atenção da cidadania não sejam levados em conta.

A corrupção que te irrita é muito menor, proporcionalmente, do que a corrupção que naturalizas ou desconheces.

A corrupção legal é imensamente maior do que a corrupção ilegal.

Darei-lhe quatro exemplos, alguns deles podem ser melhor entendidos no artigo publicado pelo jornal a Gazeta do Povo, “O Banco Central está suicidando o Brasil“.

1 – O mecanismo financeiro chamado “swap cambial” (contratos que pagam perdas cambiais para bancos e investidores) praticado pelo Banco Central do Brasil gastou R$ 207 Bilhões em 2015. BC paga isso gerando títulos da dívida.

2 – Segundo o Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional, em 2015 foram sonegados mais R$ 420 Bilhões em impostos no Brasil. De acordo com a consultoria Global Financial Integrity a saída ilícita de capitais chegou a US$ 226,6 bilhões em dez anos no Brasil (2004/2013).

3 – O Estado brasileiro pagou em 2015 apenas de juros da dívida pública R$ 501,8 Bilhões (Fonte: BCB).

4 – As chamadas operações compromissados ou de mercado aberto do Banco Central (BC enxuga toda sobra de caixa dos bancos que excede 5% do PIB e os paga gerando dívida pública) já custam R$ 1 trilhão, isso mesmo, um trilhão de reais.

Caro indignado com a corrupção, nenhum escândalo que o irrita representa algo minimamente próximo aos gastos do Estado (com nossos impostos) em rolagem e pagamento de juros da dívida pública.

Detalhe, esses gastos ocorrem sem que nenhuma contra-partida para o resto da sociedade seja garantida, é uma escolha de política macroeconômica de uma plutocracia (pesquise) que mesmo plenamente agraciada pelo atual governo quer trocá-lo por um mais leal aos seus interesses.

Todo esse gigante volume de recursos dos quatro exemplos citados beneficia uma pequena elite que vive de renda, de juros e da fraterna estrutura tributária que a exime de impostos. Ver este estudo da ONU.

Agora você tem algumas razões para refinar qualitativamente sua raiva, bradar por um outro tipo de corrupção, que não tem um partido só como produtor, mas um sistema bem mais complexo que talvez você defenda sem saber.

* Gregório Grisa Pós-Doutorando em Sociologia na UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul