Comissão Especial do Senado Federal para a Dívida Externa, destinada a “examinar a questão da dívida externa brasileira e avaliar as razões que levaram o Governo a suspender o pagamento dos encargos financeiros dela decorrentes, nos planos externo e interno”

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Comissão Especial do Senado Federal para a Dívida Externa, destinada a “examinar a questão da dívida externa brasileira e avaliar as razões que levaram o Governo a suspender o pagamento dos encargos financeiros dela decorrentes, nos planos externo e interno”.

Instituída pelo Requerimento nº 17, de 1987. Instalada em 14/04/1987.  

Presidente: Senador Carlos Chiarelli

Relator: Senador Fernando Henrique Cardoso

Relatório Final aprovado em 23 de agosto de 1989.

Resumo e citações do trabalho realizado pela Comissão Especial do Senado Federal de 1987

Relatório final de FHC de 1989 digitado

 

Relatório

MARÇO DE 1988

RELATOR: SENADOR FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

COMISSÃO ESPECIAL DO SENADO FEDERAL

Destinada a examinar a questão da divida externa brasileira e avaliar as razões que levaram o Governo a suspender o pagamento dos encargos financeiros dela decorrentes, nos plano externo e interno.

(REQUERIMENTO Nº. 17, de 1987

Composição

Presidente: Senador Carlos Chiarelli
Vice-Presidente: Virgilio Távora
Relator: Fernando Henrique Cardoso

Titulares

PMDB                           PFL

Aluízio Bezerra            Carlos Chiarelli
Fernando Henrique Cardoso
Leopoldo Perez           (Vago)
Raimundo Lira
Ronan Tito

PDS                                PSB
Virgílio Távora            Jamil Haddad

Suplentes

PMDB                                         PFL
(Vago)                       Odacir Soares
Leite Chaves
Teotonio Vilela Filho               PL
Affonso Camargo         Itamar Franco

Assessores:
Juarez de Souza
João Eustáquio da Silveira

Secretário: Haroldo Pereira Fernandes

 

SUMARIO

………………………………………………………………………… APRESENTAÇÃO          1

1 – DO PROCESSO DE ENDIVIDAMENTO EXTERNO A MORATORIA 5

II – DEPOIMENTO DO EX-MINISTRO DILSON FUNARO ………………… 31

III – VIAGEM DA COMISSA0 AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA 45

IV – DEPOIMENTO DO MINISTRO BRESSER PEREIRA ………………….. 67

V – A EVOLUÇÃO DAS NEGOCIAÇÕES ……………………………………. 81

VI – DEPOIMENTOS DOS SRS. FERNANDO MILLIET E FERNÃO BRACHER    9

VII – NOVOS RUMOS: FIM DA MORATORIA? ……………………………. 105

VIII – CONCLUSÃO …………………………………………………………. 115

 

……………………………………………………………………………… ANEXOS

 

“0 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO ECONOMICO NO PERIODO

1987/1991″ (CAPITULO IV) …………………………………………………… 125

“PLANO DE CONTROLE NACROECONÔNICO” (CAPITULO IV). 133

“PROPOSTAS E PROJETOS DE LEI SOBRE DIVIDA EXTERNA APRESENTA­DOS

NO CONGRESSO NORTE-AMERICANO” ……………………………………… 155

Que incumbe diretamente ao Executivo; por outro lado, o exercício de funções constitucionais privativas do Senado Federal sobre a matéria.

0 Relator gostaria de reafirmar o que disse na primeira reunião da Co­missão, em abril de 1987:

 

“Tive a oportunidade de dizer aos representantes do Congresso norte-americano que pode parecer estranho a algumas pessoas afeitas à negociação in­ternacional o fato de que nós hoje, no Brasil, insistimos muito que o ponto de partida para qualquer negociação é a necessidade da continuidade do crescimento econômico do País. Mas essa convicção, que se foi formando ao longo dos anos, está enraizada naquilo que é fundamental para nós brasileiros, ou seja, em dois compromissos que são anteriores aos compromissos econômicos. Temos um compromisso político que é o de manter a democracia, e um compromisso social que é o de acabar com a miséria no Brasil. Nem um nem outro poderá ter uma consecução adequada se não formos capazes, também, de negociar com firmeza os nossos interesses no que diz respeito à dívida. Não é exagero dizer que o que poderá vir a acontecer no Brasil daqui para frente – a política   de crescimento, a política de distribuição de renda, a continuidade de uma política democrática – tudo isso irá depender, em larga medida, do nosso êxito na renegociação da dívida”.

É com essa determinação que prosseguiremos os nossos trabalhos.

0 assessoramento técnico a esta Comissão tem sido prestado pelo economista Juarez de Souza, assessor do Senado e pelo ciência político, João Eustáquio da Silveira, ambos Professores do Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais da UNB, que trabalharam, respectivamente, no capítulo I e nos capítulos II, IV e VI deste relatório. Funcionários do Banco Central de­signados, a pedido, pelo presidente daquela instituição, têm colaborado no que diz respeito ao acesso às informações.

Na edição do texto contamos com o apoio do PRODASEN, especialmente das operadoras Rachel. Alves e Olga América Sousa Almeída.

Brasília, março de 1988.

Senador Fernando Henrique Cardoso

                                                        Relator

I – DO PROCESSO DE ENDIVIDAMENTO EXTERNO A MORATORIA

  1. 0 ENDIVIDAMENTO NOS ANOS 70

Em países carentes de recursos, a decisão de acelerar o crescimento econômico pode conduzir à política de utilizar a poupança externa como complemen­to à poupança doméstica. Em si esse processo nada tem de pernicioso, mas não deixa de envolver sérios riscos, como a experiência brasileira nos anos recentes demonstra.

Com efeito, a crise do petróleo em fins de 1973 provocou uma inflexão no desempenho da economia brasileira. Naquela época o Brasil concluía um cicio de crescimento econômico comparável ao “boomm” japonês dos anos 60. No período de 1968-73 o PIB cresceu a 10% anuais e a inflação estabilizou entre 15 e 20% anuais.

0 Governo Geisel, desde o início de 1974, fez uma opção clara: ao invés de ajustar a economia aos novos pregos internacionais de bens, serviços e matérias-primas, deslanchou um gigantesco programa de substituição de importa­ções de bens de capital e de insumos básicos – particularmente nas áreas de si­derurgia e energia.

0 financiamento desse novo ciclo econômico seria feito através da reci­clagem internacional dos chamados petrodólares. A tese dominante era a de que País não necessitava de ajustamentos de curto prazo, pois os projetos do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) dotariam o sistema de suficiente capacidade de exportação para absorver os custos do endividamento externo.

É importante salientar que o Brasil e os demais países em desenvolvimento, inclusive alguns produtores – exportadores de petróleo (México e Equador, por exemplo), engajaram-se num processo que transferia, via comércio, a conta petróleo” dos países ricos para os países pobres. Os dados disponíveis demons­tram que os déficit comerciais dos países desenvolvidos Para com os países produtores – exportadores de petróleo foram repassados, via superávites comerciais, aos países em desenvolvimento não – exportadores de petróleo. 0 possível confronto entre os países produtores – exportadores e países consumidores de petróleo foi evitado, assim, pelo endividamento dos países em desenvolvimento através da re­ciclagem dos petrodólares

O engajamento  dos países em desenvolvimento nesse processo foi possibilitado, obviamente, pelos bancos internacionais, que concediam os empréstimos; endossado pelo FMI, que acompanhava e avaliava, anualmente, as economias dos seus membros; e, encorajado pelos governos dos países credores, que deram apoio político à estratégia de crescimento econômico com financiamento externo. Torna-­se evidente, desta perspectiva, que a crise da dívida externa do Terceiro Mundo envolve a co-responsabilidade dos devedores e dos credores.

 

Já em 1982, a dívida externa dos países em desenvolvimento atingia a cifra de US$ 763 bilhões, com encargos financeiros (juros, “spreads” etc.) de US$ 72 bilhões naquele ano. Em 1987, segundo dados recentes do Banco Mundial, o estoque da divida subiu para US$ 1,190 trilhão, com juros efetivos em torno de 100 bilhões anuais. 0 Brasil detém 10% do total dos débitos e a América Latina, pouco mais de 1/3. Brasil, Argentina, México, Peru e Chile são responsáveis por 80% da dívida da região, da qual apenas 1/5 são débitos junto a instituições oficiais.

De 1974 a 1978 o Brasil contou com o Ingresso líquido de capitais es­trangeiros sob diversas formas, mas particularmente na forma de empréstimos em moeda junto aos bancos privados internacionais. Nesse período a oferta de petro­dólares abundava, permitindo ao Brasil não só rolar sua divida como obter, sem maiores dificuldades, dinheiro novo dos banqueiros. A estratégia de II PND encaixava-se como uma luva nas condições do mercado financeiro internacional.

As autoridades econômicas brasileiras estimavam as necessidades de im­portações de bens e serviços, às possibilidades de exportação – todas   compatíveis com uma maior ou menor taxa de crescimento da economia – e, assim, operavam com uma previsão de déficit nas contas correntes. Esse saldo deficitário vis-a-vis o ingresso líquido de capitais de risco e o aumento ou diminuição no nível de reservas internacionais do Pais servia de parâmetro para as necessidades de financiamento externo naquele ano. A equação do setor externo da economia fechava-se basicamente com a venda de projetos do Governo aos banqueiros Internacionais.

A execução dessa estratégia pelo Governo Geisel, em cujo comando econômico estavam o Prof. Mário Henrique Simonsen (Ministro da Fazenda) e o Sr. João Paulo dos Reis Velloso (Ministro do Planejamento), elevou dívida externa bruta registrada de US$ 12,5 bilhões em 1973 para US$ 43,5 bilhões, em dezembro de 1978 e, em termos líquidos, de 11,9 bilhões para 31,6 bilhões de dólares.

0 quadro externo começou a sofrer alterações a partir do chamado segundo choque do petróleo em 1979. Os problemas políticos na áre4 do Golfo (queda do Xá do Irã) e o início da exacerbação da crise fiscal norte-americana marcaram a economia mundial: em primeiro lugar, pela elevação das taxas de juras; em segundo lugar, pelo aumento substancial nos preços do petróleo.

0 preço do barril de petróleo saltou de US$ 9,8 em 1974 para US$ 17,3 em 1979 e atingiu US$ 33,5 em 1982. No período de 1980-82 os países membros do OCDE experimentaram taxas de inflação de 10,5% (média anual) e um decréscimo a­centuado na taxa de crescimento de suas economias: de 3,3% em 1979 para 1,2% em 1980-61 e -0,5% em 1982.

Embora as economias centrais tenham sido administradas com rédeas cur­tas após o segundo choque do petróleo, os países em desenvolvimento iniciaram os anos ao às voltas com uma crise que, diferentemente das tradicionais, não refle­tia uma crise no centro, mas sim a elevação dos juros provocada pelos Estados Unidos. A América Latina em especial, após um período de crescimento continuado de 6% ao ano, na média, foi lançada pelo choque dos juros num período de estag­flação que se prolonga até o presente.

Como os débitos externos brasileiros haviam sido contratados basicamente a taxas de juros flutuantes, o choque dos juros provocou uma elevação da dí­vida sem contrapartida real de bens e serviços. A partir desse momento, a dívida externa brasileira assume um caráter eminentemente financeiro: os novos emprés­timos, na verdade, são obtidos para rolar em grande medida e a nível agregado os juras e as amortizações.

De 1973 a 1978 a economia brasileira operara com um hiato de recursos reais da ordem de US$ 32,3 bilhões. Nesse mesmo período a dívida externa de médio e longo prazos aumentou US$ 34,0 bilhões. Como o nível de reservas inter­nacionais evoluiu de US$ 6,4 bilhões em 1973 para US$ 11,9 bilhões em fins de 1919, a dívida líquida cresceu US$ 25,5 bilhões. A dívida, até aquela altura, poderia ser considerada compatível com o hiato de recursos do período.

No início do Governo Figueiredo, já na gestão do Prof. Delfim Netto (Ministro do Planejamento), o Brasil ainda conseguiu obter da comunidade financeira internacional o financiamento de recursos reais. Todavia, o hiato de recursos é reduzido gradativamente: de US$ 5 bilhões/ano para US$ 1,5 bilhão em 1981 e US$ 2,5 bilhões em 1982. Ora, até 1982, o esquema de fechamento das contas externas do país prosseguiu nos moldes dos anos 70. A diferença, porém, é  que o impacto dos juros sobre juros elevou a dívida bruta de US$ 43,5 bilhões em fins de 1978 para US$ 70,2 bilhões em dezembro de 1982. A contrapartida real de bens e serviços não – fatores nesse período foi de apenas 14,9 bilhões de dólares, como veremos em seguida.

De 1979 a 1982, embora o saldo deficitário das transações correntes tenha evoluído de US$ 10,7 bilhões para US$ 16,3 bilhões, o “hiato” reduziu-se gradativamente, acumulando no período um total de US$ 14,9 bilhões. Apesar dis­so, a dívida externa registrada líquida saltou de US$ 31,6 bilhões, em dezembro de 1978,                                   para US$ 66,2 bilhões, em dezembro de

  1. A bola de neve financeira fez com que, mesmo com hiato reduzido e decréscimos significativos no nível de reservas, o país atingisse em 1967 ‘a divida de médio e longo prazo de cerca de US$ 105,0 bilhões. Em suma, para um hiato acumulado

de 14,9 bilhões de dólares entre 1979~82, a dívida registrada liquida aumentou 34,6 bilhões de dólares. A diferença de  US$ 19,7 bilhões refere-se a juros, “spread” e “feest” refinanciadas.

Simulações do Banco Central, com base nas condições contratuais da di­vida registrada e não registrada e em hipóteses razoáveis sobre taxas de juros (“libor” real média da ordem de 1,49% ao ano em 1960/79) e prazos de amortização (média de 57 meses para o período de 1980/1985) sugerem que o “efeito da alta de juros” entre 1979-86 sobre o estoque da dívida acumulado até 1986 é da ordem de US$ 24,8 bilhões de dólares. Grosso modo, pode-se afirmar que cerca de 1/4 da dívida externa brasileira referem-se a juros sobre juros, sem qualquer contra­partida real de bens e serviços para o país.

Cabe ressaltar que o endividamento dos países em desenvolvimento e do Brasil em particular   no período analisado reflete não só a alta dos juros in­ternacionais, mas também o que se pode chamar de efeito – preço do comércio, ou seja, as parcelas dos déficits comerciais correspondentes à queda nos preços de exportação vis-a-vis o aumento de preços das importações. No caso brasilei­ro, a deterioração dos termos de intercâmbio no período 1977-1985 atingiu 36,5%, na média anual.

0 impacto dos juros sobre a dívida externa está, portanto, umbilical­mente ligado também ao movimento de preços dos produtos de exportação dos países em desenvolvimento não exportadores de petróleo. No primeiro caso tem-se a par­cela “apropriada” pelos banqueiros; no segundo, a parcela apropriada pelos mer­cados dos países ricos. Essa parcela pode ter sido transferida ou não aos consumidores daqueles países, dependendo da forma de organização dos intermediários do comércio.

A partir de 1983, a questão da dívida adquire nova dimensão. Segundo a Programação do Setor Externo (PSE) submetida pelo Brasil aos banqueiros em Nova York em dezembro de 1982, a economia brasileira é direcionada para a obtenção de      US$ 6 bilhões de superávit comercial, com uma previsão de déficit em   transações correntes de US$ 6,5 bilhões. Como os juras dos débitos externos previstos para 1983 estavam na casa dos US$ 10,0 bilhões, fica claro que a partir desse momento o Brasil marchava para a chamada “transferência líquida de recursos reais para o exterior”, com o fim específico de servir aos credores externos.

Vem à tona, então, o dilema de um país subdesenvolvido: como compatibi­lizar seu crescimento econômico com a transferência de renda real para o exterior. Em outras palavras, como pode um país pobre, de repente, passar a fi­nanciar os países ricos, transformando-se de importador em exportador de capitais? No                                                         curto prazo, se uma sociedade

suporta uma recessão profunda por 2 ou 3 anos, seu sistema econômico é capaz de criar uma capacidade ociosa tal que basta uma aceleração da demanda agregada no período seguinte – sobretudo se puxada pelo setor exportador através da compressão da relação salários/taxa de câmbio para que a economia volte a crescer. Vale registrar que o crescimento econômico derivado das condições acima pode ter fôlego curto,

simplesmente ocupando a capacidade ociosa deliberadamente criada. Esgotada essa capacidade, as atividades econômicas voltam a dar sinais de “excesso de demanda”, reforçando a tese clássica  de que só a manutenção de níveis de investimento compatíveis com as

necessidades reais (absorção de mão de obra, importações produtivas, equilíbrio de caixa externa, remessas liquidas ao exterior, etc.)

pode garantir o crescimento de longo prazo. A experiência brasileira no primeiro quinquênio desta década  confirma a regra: a performance

do biênio 1984-85 derivou, fundamen­talmente, das condições criadas com a recessão 1981-1983.

 

  1. A CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL

A situação do Brasil vis-a-vis os credores internacionais não difere da situação dos demais países endividados. Os casos do México e da Argentina são exemplos cristalinos: apesar de ambos serem auto-suficientes em petróleo, a cri­se da dívida os atinge de forma tão ou mais acentuada que a nós. Todas essas na­ções comprometeram seus investimentos domésticos com financiamentos externos, acreditando que não sofreriam o choque de juros de que foram vitimas; não en­frentariam restrições à expansão de suas exportações, vale dizer, não sofreriam restrições à inserção de suas economias no mercado mundial; não enfrentariam uma deterioração tão profunda nos seus termos de troca com o resto do mundo, que foi de cerca de 35%, em média, no período 1977/85.

0 quadro acima delineado, de natureza estrutural, arrastou-se de 1979 até o segundo semestre de 1982. Os dois primeiros anos do Governo Reagan (1981/­82) foram marcados, nesse contexto, por uma total incompreensão da dimensão da questão da dívida externa dos países pobres. Nesse período, as taxas de juros internacionais atingiram patamares jamais alcançados – a “prime rate” chegou a 21% em 1981 (18,83%, média anual) – puxadas pelos deságios dos títulos públicos norte-americanos (“treasury bonds”). A ortodoxia da política econômica dos Esta­dos Unidos combinou o pior dos mundos para os países subdesenvolvidos: uma Politica monetária contorcionista com uma política fiscal e comercial expansionista.  Embora esta política tenha permitido alguma expansão da economia mundial, trouxe)w à tona a crise financeira de 1982.

0 México “quebrou” em 1982 e declarou a moratória externa. Em setembro daquele ano (o chamado “Setembro Negro”), as autoridades dos países ricos, a co­meçar pelos Estados Unidos, recusaram-se a aumentar o capital do Banco Mundial e do FMI – aumento – cuja finalidade seria evitar o efeito dominó que se vislumbrava. A posição norte-americana na reunião do FMI realizada no Canadá em setembro de 1982 foi de não aceitar o aumento das quotas dos membros naquela instituição, sinalizando aos bancos que a eles caberia a tarefa de equacionar o problema      da dívida.

Ora, em 1982, a dívida externa dos países em desenvolvimento já alcan­çava a casa dos US$ 764 bilhões. Para uma taxa de juros efetiva da ordem de 10%, os países em desenvolvimento necessitariam gerar saldos em transações correntes líquidos de Juros, em torno de US$ 77 bilhões para servir os juros de seus débitos. Como gerariam esse superávit? A nível mundial, os países ricos teriam que gerar déficits correspondentes.

Mesmo assim, os banqueiros internacionais impuseram aos países endivi­dados a inversão da equação dos seus balanços de pagamentos. No caso brasileiro, apenas uma parte dos juros de 1983 seria rolada. A outra, o Brasil teria que bancar. Na já mencionada PSE (dezembro de 1982), o Brasil se comprometia a gerar US$ 6 bilhões de superávit comercial em 1983, para nos demais anos zerar o seu déficit em transações correntes. Em outras palavras, num primeiro momento, para cada dólar de juro devido o pais geraria cinqüenta centavos de dólar aos banqueiros. Num segundo momento, a partir de 1984, o pais pagaria integralmente os juros. Nesse período o Brasil recorreria ao FMI que, para conceder empréstimos do tipo “stand by”, exige o monitoramento da economia.

Do ponto de vista dos credores, o Brasil teve um excele4te desempenho: dos US$ 6 bilhões de superávit comercial em 1983 passou a US$ 13,0 bilhões em 1984 e, dessa forma, cobriu os juros devidos  Internamente porém, a recessão foi Profunda e com custo sociais elevadíssimos: que cerca de 5 milhões de trabalhadores do setor formal foram lançados no desemprego. Foi segura­mente a recessão mais violenta da economia brasileira. No período da Grande De­pressão a sociedade brasileira era fundamentalmente rural e a população economi­camente ativa concentrava-se nos campos. 0 quadro dos anos 80 é de uma sociedade industrial, urbana e despreparada para enfrentar o desemprego em massa.

A contração no período 1981-83 comprometeu a performance da economia brasileira pelo resto da presente década. Ademais, o redirecionamento da econo­mia para a produção de bens exportáveis exacerbou o crônico processo inflacionário, de sorte que, do patamar de 100% de inflação anual do início da década, saltamos para o patamar próximo a 240% em 1984-85.

A desorganização financeira do setor público impediu e impede que os superávites comerciais sejam mais ou menos esterilizados, sem maiores transtornos à política monetária, à política fiscal, à taxa de juros e à inflação. A trans­formação dos dólares decorrentes dos excedentes comerciais (em grande medida ge­rados pelo setor privado), acaba por elevar o déficit do setor público (governo e estatais). Este, face à sua incapacidade de poupança, à incapacidade de au­mentar a eficiência dos gastos públicos, à impossibilidade política de realinhar tarifas e ínsumos produzidos pelas estatais, “opta” por financiar-se de duas formas: pela emissão de títulos públicos e pela emissão primária de moeda.

0 resultado desse desarranjo global (interno e externo) é que a socie­dade vem bancando a substituição dos encargos da dívida pública externa (que passou do setor privado para o público) pela elevação exacerbada de dívida pú­blica interna, através de taxas inflacionarias incompatíveis com qualquer forma de organização social da produção e da distribuição de bens e riqueza.

0 Estado brasileiro precisa reorganizar suas finanças de forma a finan­ciar seus débitos pretéritos, através de fontes não inflacionárias. Para tanto precisa, entre outras medidas, renegociar suas dívidas para estancar o custo so­cial que a todos atinge de forma socialmente injusta, pois o financiamento atual é inflacionário. Se no plano externo a experiência de rolagem da dívida e de a­cordos provisórios com os banqueiros nos últimos cinco anos não deu certo, tam­pouco deu certo a política de rolagem da dívida no plano interno.

  1. A MORATÓRIA EXTERNA

No período novembro de 1985 a janeiro de 1986, a inflação tornou-se “fera indomável”. Em fins de fevereiro, com uma taxa de Inflação mensal de 22%, o governo brasileiro, seguindo a experiência da Argentina e de Israel, adotou um rígido programa de estabilização de preços, popularmente chamado Plano Cruzado.

0 Plano recompunha parcialmente o poder de compra da classe trabalhado­ra; congelava por prazo indeterminado a taxa de cambio e todos os preços do sistema, com exceção da taxa de juros; expulsava o cruzeiro pela desvalorização diária

face à nova moeda – o cruzado – e eliminava a correção monetária de todos os ativos e contratos.

A exacerbação do consumo interno (“euforia do cruzado”), combinada ao   congelamento do Câmbio, fez com que os

saldos comerciais do país sofressem uma inflexão a partir de junho/julho daquele ano. As reservas cambiais foram parcialmente utilizadas para financiar a importação de alimentos (carne, leite, ar­roz, feijão), julgada indispensável à sustentação do Plano na área do abastecimento.

0 esgotamento do Plano – em que pese seus aspectos positivos – deixou como saldos a retomada do processo inflacionário, uma redução no desempenho do setor externo (saldo de US$ 8,3 bilhões em 1986 em comparação com os US$ 12,5 bilhões de 1985), e uma erosão de US$ 3,1 bilhões nas divisas. As reservas in­ternacionais (caixa) caíram do nível de US$ 7,7 bilhões no começo do ano para US$ 4,6 bilhões em dezembro de 1986.

No último trimestre de 1986, o Ministro Dilson Funaro prosseguia nego­ciando com o Clube de Paris para, em seguida, retomar as negociações com os ban­cos privados. Internamente, era lançado o Cruzado II, sinalizando aos credores a disposição de abandonar a heterodoxia do Plano Cruzado e de recompor a capacida­de financeira do setor público.

Com o relatório favorável do FMI (dezembro de 1986) sobre o desempenho da economia brasileira, o Clube de Paris negociou, em janeiro de 1987, os termos propostos pelo Brasil: rolagem das dívidas de 1985 e 1986, com 3 anos de carên­cia e 3 de amortização; as linhas de créditos das agências oficiais (Eximbanks) seriam reabertas ao país e o FMI faria a avaliação da economia brasileira, nos termos do Art. 4o. dos Estatutos daquela instituição

Mas os saldos comerciais do -Brasil em janeiro e fevereiro de 1987 caí­ram para, na média, US$ 120 milhões mensais, correspondendo a 1/10 do valor mé­dio observado nos mesmos meses dos anos anteriores; nesses dois meses o país perdeu mais US$ 1,3 bilhão de suas reservas (conceito de caixa), e as linhas de crédito das instituições do Clube de Paris não foram reabertas.

Diante desse quadro, o governo brasileiro declarou, em 20 de fevereiro de 1967, a suspensão do pagamento dos juros aos bancos privados, relativos à dí­vida externa de média e longo prazos. Os juros relativos ao créditos comerciais e depósitos interbancários (divida de curto prazo) e às dívidas junto aos organismo­ multilaterais e do Clube de Paris continuariam sendo pagos normalmente. Com isso, o governo protegeria as escassas reservas do país (daí o sentido da chamada “moratória técnica”) e forçaria os bancos privados a negociar um acordode médio prazo.

o Ministro Funaro retomou, nos meses seguintes, a negociação da dívida junto aos banqueiros privados e ao Clube de Paris. Em março de 1987, submeteu aos credores a estimativa das “necessidades líquidas de financiamento externo para 1987-1991” (ver anexo: “0 Financiamento do Desenvolvimento Econômico no Pe­ríodo 1987/1991”, capítulo IV).

As negociações, nos termos propostos, foram interrompidas com a renun­cia do Ministro Funaro no mês seguinte.

  1. 4. 0 PERFIL DA DIVIDA EXTERNA

Nos últimos dez anos a dívida externa brasileira sofreu um processo de crescente estatização. No início do processo de endividamento a presença do Es­tado foi marcante. Por um lado, os grandes projetos nacionais dos anos 70 per­tenciam ao setor produtivo estatal (petróleo, energia, siderurgia). Por outro lado, a participação do setor público no processo era também de interesse dos banqueiros. Todavia, à medida em que, a nível macroeconômico, o governo necessi­tava de recursos para “fechar” o balanço de pagamentos, as empresas estatais fo­ram deliberadamente utilizadas nas operações. Aquela altura não importava a ne­cessidade de recursos para a setor público, mas o fechamento das contas externas. As empresas estatais eram obrigadas pelo governo a fazer novos emprés­timos, não para investir, mas para fazer face às necessidades de equilibrar as contas externas.

Se na rolagem do principal a cada ano aumentava a participação do Esta­do no total da dívida a partir da suspensão de pagamentos a estatização passou; a absorver inclusive os juros devidos pelo setor privado. os juros dos débitos externos do setor privado passaram a ser depositados, em cruzados, no Banco Central. A responsabilidade da dívida das empresas passava, então, para as mãos do setor público, uma vez que o Banco Central, não dispondo de recursos sufi­cientes em dólares, deixava de pagar os credores internacionais.

De todo esse processo, complexo pela sua natureza, resulta que o Estado brasileiro detém atualmente cerca de 85% da dívida externa seja na forma dire­ta, seja na forma de aval do governo federal ou dos governos estaduais.

Do total da divida externa registrada em dezembro de 1986 US$ 101 bi­lhões 60% pertencem aos bancos comerciais estrangeiros, 32% a instituições não bancárias e o restante a bancos brasileiros que operam no exterior.

As projeções do Programa Econômico de junho de 1987 Indicam que em fins de 1987 esta dívida cresceria US$ 4 bilhões, correspondentes à expectativa de refinanciamentos dos bancos privados. Em termos reais e em relação ao PIB, isto representaria um estancamento no aumento da dívida, dada a inflação que também atinge o dólar.

A dívida de curto prazo atingiu US$ 9,2 bilhões em dezembro de 1986 e as estimativas do referido programa indicam um ligeiro decréscimo para fins de 1987: US$ 8,2 bilhões. Como foi anteriormente assinalado, a vulnerabilidade das contas exter­nas do Brasil ao “choque dos juros” deveu-se à contração de operações a taxas flutuantes. Atualmente, 77,5% dos débitos externos do País estão sujeitos à “libor” (49,9%) e à “prime rate” (16,7%). Apenas 22,5% da dívida referem-se a taxas fixas do BIRD, BID etc.

Nessas condições, um aumento de um ponto percentual nas taxas de juros internacionais, se mantido no período de 12 meses, eleva em aproximadamente mais de US$ 1 bilhão o custo financeiro da dívida externa brasileira.

Como as taxas de juros internacionais dependem, entre outros fatores, da taxa de inflação dos países ricos e da forma como financiam seus déficits, está claro que a questão da divida passa pela sintonia da política econômica dos países ricos.

0 esquema de amortização do principal da dívida externa brasileira está extremamente concentrado também no tempo. Até 1992, de acordo com os contratos, o Brasil deveria amortizar 82,4% de seus débitos – cerca de US$ 13 bilhões por ano. Trata-se de cifra elevada para uma economia que a duras penas consegue co­brir os juros e “spreads”.

  1. OBSERVAÇOES FINAL

A luz da análise precedente, pode-se afirmar que:

  1. a) cerca de 114 da atual dívida externa registrada do Brasil refere-se ao efeito da alta das taxas de juros internacionais sobre o estoque da dívida efetivo. Portanto, aproximadamente US$ 25 bilhões não entraram no país sob a forma de bens e de serviços externos. Referem-se exclusivamente a juros e “spreads” sobre juros e “spreads”;
  2. b) a participação do setor público no processo de endividamento externo nos anos 70 foi marcante, tanto pelos projetos públicos do II PND como pelo in­teresse desse comprometimento por parte dos banqueiros internacionais. Ademais, as empresas estatais, em particular, foram deliberadamente utilizadas no levan­tamento de empréstimos externos, não necessariamente com a finalidade de finan­ciarem seus investimentos, mas com o objetivo de captar recursos para o “fechamento” do balanço de pagamentos. 0 Estado era responsável, já em 1981, por 2/3 da dívida externa brasileira registrada (débitos contratados diretamente e/ou avalizados pelas três esferas de governo). Em 1986, a divida pública exter­na já correspondia a mais de 85% do total. Esse processo foi certamente agravado com a moratória de fevereiro de 1987, pois as remessas de juros para o exterior foram suspensas mas o setor privado deve ter continuado a honrar seus compromissos externos, em cruzados, junto ao Banco Central. Essa questão tem sérias im­plicações, tanto do ponto de vista social como do ponto de vista da gestão da coisa pública. Os encargos dos serviços da dívida pública externa, bem como os da dívida privada pós-moratória vêm sendo bancados pela sociedade como um todo, através da elevação da dívida pública interna e, consequentemente, do aumento real inusitado da taxa de juros e da própria inflação;
  3. c) o Brasil pagou US$ 42,9 bilhões de juros à comunidade financeira internacional no período 1983-86, sem um centavo de dinheiro novo, e, no en­tanto, a dívida externa registrada cresceu de US$ 70,2 bilhões em 1982 para US$ 101,0 bilhões em 1986, com previsão de US$ 105,0 bilhões para fins de 1987. As transferências de recursos reais para o exterior na forma de juros, lucros, dividendos e outros serviços de fatores (líquidos) – atingiram US$ 45,3 bilhões no período. Portanto, uma média anual acima de US$ 11 bilhões. Descontando-se o ingresso líquido de capitais estrangeiros, na forma de capitais autônomos e com­pensatórios e transferência unilaterais, o Brasil remeteu ao exterior US$ 33,8 bilhões no período;
  4. d) a transferência de recursos reais acima citada corresponde, na mê­dia, a 20% ao ano da poupança nacional e a 4,1% do PIB: trata-se de cifra supe­rior à da histórica transferência da Alemanha na segunda metade dos anos 20 para cobrir reparações de guerra, com resultados políticos conhecidos: a destruição da democracia naquele país;
  5. e) o Brasil provou à comunidade financeira que é capaz de gerar exce­dentes comerciais e que, portanto, em condições normais, é capaz de saldar seus compromissos. De país deficitário em sua balança comercial alcançamos o terceiro maior superávit do mundo;
  6. f) a repetição da experiência recessiva do período 1981-63 é inaceitável, pois comprometeu o desempenho da economia brasileira pelo resto da década. No período de 1980-85 a renda per capita caiu 13,5%. 0 quadro de estag­nação econômica do Brasil nos anos 80 (medido pelo crescimento praticamente nulo da renda per capita) é irreversível, mesmo que mantenhamos o crescimento médio de 5% nos próximos dois anos.

 

TABELAS ANEXAS AO CAPITULO I
EVOLUÇÃO DA DIVIDA EXTERNA BRASILEIRA
DIVIDA REGISTRADA BRUTA RESERVAS(*) DIVIDA LIQUIDA REGISTRADA DE MÉDIO E LONGO PRAZO EMPRÉSTIMOS

EM MOEDA

(A)     (B) A-B=(C)      (D) (E)
1969 4,4 0,6 3,8
1970 5,3 1,2 4,1
1971 6,6 1,7 4,9
1972 9,5 4,2 5,3
1973 12,5 6,4 6,1
1974 17,2 5,3 11,9
1975 21,1 4,0 17,1
1976 25,9 6,5 19,4
1977 32,0 7,2 24,8 32,04 21,53
1978 43,5 11,9 31,6 43,51 29,50
1979 49,9 9,7 40,2 49,90 34,63
1980 53,8 6,9 46,9 53,85 37,82
1981 61,4 7,5 53,9 61,41 44,99
1982 70,2 3,9 66,2 70,20 52,92
1983 81,3 4,5 76,8 81,32 59,64
1984 91,1 11,9 79,1 91,09 66,47
1985 95,8 10,5 85,3 95,86 66,20
1986 101,0 6,7 94,3 101,02 67,55
1987 105,2 4,9(+L) 100,3 105,02(**)
3,3(+C)

FONTE: Banco Central. Boletim e Programa Econômico, fev. 1987

(*)       Conceito de liquidez internacional (ouro, DES, Tranche – Ouro

no FMI, Divisas conversíveis).

(**)      Previsão.

(***)    Saldos em 30/09/86 – vide Programa Econômico, op. cit. p.103.

(+)       Saldo em fevereiro de 1987 (Moratória) nos conceitos de

liquidez (L) e de caixa (C).

 

NOTA:

A diferença entre D e E refere-se a débitos junto a organismos multila­terais de crédito (PMI, BIRD, BID, IFC, e outros), entidades oficiais (extinbanks), crédito de fornecedores, bônus e outros.

 

 

TAXAS JUROS NOMINAIS E EFETIVOS
TAXAS DE JUROS PRIME

(A)

  INTERNACIONAIS LIBOR

(B)

TAXA DE JUROS EFETIVA SOBRE A DIVIDA EXTERNA

(C)

1973-78(média) 8,64 7,46 9,19
1979 15,00 14,75 11,40
1980 21,50 16,44 11,70
1981 15,75 14,94 15,00
1982 11,50 9,83 16,23
1983 11,00 10,39 12,59
1984 10,75(*) 9,50(*) 12,51
1985 9,50 8,11 11,09
1986 7,50 6,23 9,50
1987 8,75 8,12 9,03

 

FONTE:    Colunas A e B     –       Relatório do Banco Central, 1986

NOTA:        (*)  A “prime rateo variou de 10 a 12% de janeiro a outubro de 1984.

Portanto, sofreu uma redução substancial apenas no último trimestre do ano

(**)     Juros Pagos ao Exterior no Ano/Estoque Dívida Bruta no final do

ano anterior.

 

HIATO DE RECURSOS REAIS
JUROS LIQUIDOS PAGOS AO EXTERIOR

(A)

RENDAS LIQUIDAS DE CAPITAIS

(12)

SALDO EM CONTA CORRENTE

(C)

HIATO   DE   RECURSOS

(D=B-C)

1973 0,5 0,7 -1,69 -0,99
1974 0,6 0,9 -7,12 -6,22
1975 1,5 1,7 -6,71 -5,01
1976 1,8 2,2 -5,97 -3,77
1977 2,1 2,5 -,387 -1,37
1978 2,7 4,2 -6,99 -2,79
1979 4,2 5,5 -10,7 -5,20
1980 6,3 7,0 -12,4 -5,40
1981 9,2 10,2 -11,7 -1,50
1982 11,3 13,5 -16,3 -2,80
1983 9,5 11,0 -6,8 +4,20
1984 10,2 11,4 -0,04 +11,36
1985 9,6 11,2 -0,2 +11,0
1986 9,1 10,7 -4,4 +6,30
1987 8,9 9,8 -0,8 +9,0

 

FONTE:       Banco Central. Boletim , diversos números (dados das colunas A, B e C)

NOTAS:    1. De 1985 para 1986, é importante notar que, com a queda no saldo co­mercial e com a manutenção das remessas líquidas ao exterior na casa dos 10 bilhões de dólares, o país “perdeu” cerca de US$ 3,7 bilhões de suas reservas internacionais.

  1. A coluna “A” refere-se ao valor líquido dos juros efetivamente reme­ tidos ao exterior e ao valor dos juros devidos a bancos comerciais depositado no Banco Central (i.e., não remetidos durante a moratória).

* Preliminar.

 

BALANÇO DE PAGAMENTOS DO BRASIL – Alguns itens básicos

BALANÇA COMERCIAL EXPORTAÇÃO IMPORTAÇÃO DEFICITS C/C SERVIÇO DÍVIDA(desp.juros+amort.paga) SERVIÇO DÍVIDA/RECEITAS/EXP. RESERVAS
(BILHÕES US$)
73179 -11,4 57,7 69,1 -31,6 28,0 0,54 7,30
1980 -2,8 20,1 22,9 -12,4 14,1 0,70 6,90
1981 +1,2 23,2 22,0 -11,7 17,8 0,76 7,50
1982 +0,8 20,2 19,4 -16,3 20,6 1,02 3,90
1983 +6,5 21,9 15,4 -6,8 15,6 0,71 4,50
1984 +13,5 27,5 14,0 -6,0 13,6 0,50 11,99
1985 +12,5 25,6 13,1 -0,2 13,4 0,52 10,40
1986 +8,3 22,3 14,0 -0,4 13,2 0,59 6,70
1987 +11,1 26,2 15,1 -0,8 12,8 0,49 4,90*L
                     3,30*C

(MORATÓRIA FEV/87)

FONTE:     Boletim Mensal, Banco Central do Brasil

Conjuntura Econômica, diversos números, Fundação Getúlio Vargas

Nota: * Níveis de reservas no mês de fevereiro (moratória). 0 Banco Central vem divulgando o nível de reservas internacionais do País com uma defasagem de três meses. Assim, para o mês de outubro de 1987 temos os seguintes saldos: 4,3C e 7,3L. em fev. de 1987 (moratória), nos conceitos de liquidez (L) e de caixa (C). Os dados disponíveis até o momento são de out. de 1987, mostrando US$ 4,3 bilhões (C) e US$ 7,3 bilhões (L). 0 Banco Central vem divulgando o nível de reservas do país com uma defasagem de três meses.

 

SIMULAÇÃO DO EFEITO DA ALTA DE TAXAS DE JUROS REAIS SOBRE A DIVIDA EXTERNA

DIFERENÇA         ENTRE JUROS OCORRIDOS E         SIMULADOS DIFERENÇA AMORTIZAÇÃO OCORRIDA E         SIMULADA DIFERENÇA INGRESSOS OCORRIDOS E SIMULADOS (1+2) DIVIDA   REGISTRADA OCORRIDA DIVIDA         REGISTRADA        SIMULADA EFEITO  ALTA DE   JUROS          (4-5)
              (1) (2) (3) (4) (5) (6)
(MILHÕES US$)
1979 55.803 55.803
1980 1.473 1.473 64.244 62.770 1.473
1981 3.604 3.604 73.962 68.884 5.078
1982 3.245 3.245 85.303 76.908 8.323
1983 2.952 2.952 93.556 82.280 11.275
1984 4.688 294 4.983 102.039 85.780 16.259
1985 3.289 1.015 4.305 105.125 84.560 20.564
1986 2.630 1.664 4.295 110.123 85.263 24.85

FONTE:          Banco Central

HIPÓTESE: Taxa de juros real (LIBOR) Média 1960/79 = 1,49% a.a.

Prazo médio de carência 1980/85 = 46 meses.

Prazo médio de amortização 1980/85 = 57 meses.

Prazo médio total 1980/85 = 103 meses.

 

 

DIVIDA MOBILIARIA INTERNA FEDERAL

(SALDO EM CZ$ MILHÕES)

  FINAL DE    PERIODO                                                                   DIVIDA FORA DO BANCO CENTRAL

(em poder do público)

VALORES CORRENTES (SALDOS) VARIAÇÃO %         12 RESES VALORES     CONSTANTES  (SALDOS) VARIAÇÃO  12 MESES
1983 9.523 95,7 3.711 -23,7
1984 53.081 457,4 6.652 76,8
1985 258.489 387,0 10.005 52,5
1986
FEV 331.773 386,4 9.747 43,8
JUN 354.883 175,2 9.315 11,1
JUL 344.639 126,9 8.940 -1,2
OUT 337.703 56,1 8.312 -18,0
DEZ 359.219 39,0 7.980 -20,2
1987
JUN 1.145.935 222,9 8.896 -4,5
NOV 1.992.502 523,8 42,4

FONTE:                                   Banco Central

NOTA:       Preços de dezembro de 1982.

 

II – DEPOIMENTO DO EX-MINISTRO DILSON FUNARO

No dia 6 de maio de 1987, aproximadamente duas semanas depois de deixar o posto de Ministro da Fazenda, o Sr. Dilson Funaro compareceu perante esta Com­issão para discutir a dívida externa brasileira. Na primeira parte de sua exposição, ele apontou as inovações que buscou introduzir na discussão e renegociação da dívida. Na segunda, fez um breve levantamento dos resultados obtidos por sua abordagem

Embora “a discussão da dívida sempre envolva aspectos técnicos”, disse o ex-ministro, “ela é uma discussão essencialmente política”. Por ser assim, a postura brasileira durante sua gestão foi a de lembrar aos demais países que a responsabilidade pela crise atual pertencia “mais aos credores do que aos devedores.” Isto faria do Sr. Funaro o primeiro Ministro da Fazenda brasileiro a enfatizar nas negociações o lado político.

 

Com seus antecessores os aspectos técnicos tenderam a prevalecer, e as renegociações da divida praticamente se resumiam em discutir acordos “stand-by” já existentes junto ao FMI. Além disso, os países credores exigiam indiscriminadamente ajustes no setor externo que acabavam por desarranjar as economias das nações devedoras no plano interno.

0 caso do Brasil é ilustrativo. De 1982 a 1984, o país chegou a experi­mentar índices negativos de crescimento e a transferir, em 1984, 6,3% do PIB para o exterior. Mas, para retomar o seu crescimento, o país não pode transferir mais do que 2,5% do seu PIB, segundo cálculo do ex-ministro. Nas décadas de 50, 60 e 70, o Brasil tinha crescido à média de 7% ao ano, com uma poupança anual superior a 20%. Para continuar crescendo àquela taxa e ainda cobrir todos os encargos da dívida, a poupança brasileira teria que chegar aos 50% aproximadamente, um patamar Impossível de se atingir.

Na opinião do ex-Ministro, os credores não deviam ter o Brasil como um devedor qualquer, pois, além de suas altas taxas históricas de crescimento, ele tem obtido mais recentemente, com até US$ 12 bilhões, o terceiro superávit co­mercial do mundo. Isto devia assegurar-lhe a possibilidade de negociar, não uma posição de pagamento como fora feito até então, mas sim uma posição de refinan­ciamento que diminuísse os custos da dívida e garantisse o crescimento nacional.

Os elementos mencionados pelo Sr. Funaro na primeira parte de sua expo­sição implicavam, na prática, que os acordos de renegociação, tanto com os tantos comerciais como com o Clube de Paris, fossem desvinculados de acordos para­lelos com o Fundo Monetário Internacional. Os esforços do ex-Ministro foram no sentido de estabelecer a desvinculação acima e de obter apoio junto aos governos dos países credores.

Nos primeiros seis meses de sua gestão (o Sr. Funaro assumiu o Ministé­rio em agosto de 1985), os resultados obtidos foram quase nulos. Era como se ele e seus auxiliares estivessem conversando “com uma parede de concreto”, já que os credores vinham sempre com a mesma resposta: “Voltem ao FMI e resolvam com ele o problema”. A persistência brasileira, no entanto, acabou por firmar o que ex-­Ministro viu como “uma etapa nova no processo de negociação”.

“Isoladamente, em cada pais, essa etapa representava um esforço de com­preensão com uma visão um pouco diferente de cada Estado. Com os Estados Unidos, por exemplo, era muito importante que, após o primeiro mandato do Presidente Re­agan – que conseguiu, através das taxas de juros altas, provocar uma dificuldade profunda nos países devedores – que seu segundo mandato permitisse dar às nações devedoras uma compensação e, mais do que isso, um tratamento justo que modifi­casse a relação entre ricos e pobres. … E assim, país por país, começamos a levar não apenas uma negociação política mas uma visão conjunta, universal, que livrasse os países da divisão entre ricos e pobres e, ao mundo, encontrar uma solução para a crise internacional completamente diferente da que havia sido co­locada até aquele instante.”

Eram duas as negociações a serem feitas, uma com os bancos privados e outra com o Clube de Paris, ambas tratando de toda a dívida de curto e longo prazo de 1985 e 1986. A primeira com os bancos privados aconteceu logo em janeiro de 1986, e foi concluída sem que o Brasil arredasse sequer “um milímetro” de “sua linha. A segunda, com o Clube de Paris, tomou, intermitentemente, todo o ano de 1986, só sendo firmado um acordo em janeiro do ano seguinte. Aparentemente, o Clube esperou uma avaliação da economia brasileira, feita em novembro de 1986 segundo a norma estabelecida pelo Art. 4o. do FMI. Segundo este artigo, todos os países membros do Fundo recebem uma missão avaliadora por ano, o que ocorre, regularmente, tanto com os países devedores quanto com os credores. A avaliação assim produzida não implica em acordo ou sujeição a programas do Fun­do, e o Sr. Funaro pode apresentá-la como uma vitória do Brasil.

0 ex-Ministro mencionou dois pontos que ficaram para ele “absolutamente claros” no processo de negociação. Primeiro, o Brasil passara a negociar o esta­ que da divida e não apenas a divida do Ano.                                       Segundo, a nova maneira de tratar a dívida já derrubara alguns mitos. Um desses mitos dizia que a suspensão do pagamento dos juros traria problemas para as dívidas de curto prazo;60 dias depois da suspensão, os problemas verificados tinham sido insignificantes. Outro mito era o de que as regras para renegociação feitas em 1982 tinham que ser mantidas, mas essas regras deixaram de operar face as inovações introduzidas pela estratégia brasileira. Constatou-se enfim que os freqüentes acenos por parte dos credores sobre a existência de um mercado voluntário não passavam mesmo de acenos u­sados para “Prorrogar decisões definitivas que as nações tem de tomar”.

“As decisões definitivas são tomadas quando os dois lados olham com muita clareza o problema que está sobre a mesa, o qual é de uma crise de 1982 que, até hoje, foi ignorada pelos credores, deixada como se fosse uma grande crise dos países devedores, mais de 70 nações, todas recebendo o mesmo tipo de monitoramento contrário à sua economia: ‘exporte mais e faça pagamentos à altura das necessidades de servir o seu débito’. 0 Brasil também é um credor do Clube de Paris e de outras nações: nenhuma nação está pagando o Brasil. Portanto, a crise é muito maior do que apenas uma crise de ajustes internos de algumas nações.

“A posição brasileira não deve ser mudada; é uma posição de discussão do seu crescimento versus o pagamento da dívida, uma dívida que deve ser honra­da, como sempre, pois o Brasil não é um país de calote. Ao contrário, é um país sério que honra os seus compromissos, mas honra dentro de determinados princí­pios que não atrapalhem o crescimento da nação brasileira…

“0 Brasil é uma nação que não está discutindo lá fora um empréstimo; está discutindo o futuro dos brasileiros. A nação não foi lá fora negociar com os governos, com as entidades internacionais e com os próprios banqueiros priva­dos como apenas uma empresa que precisa de um crédito – é uma nação que está discutindo o futuro desenvolvimento, a modernização, e se o processo industrial brasileiro, que fez da nossa economia a oitava do mundo, vai ser mantido ou vai ser sucateado nos próximos anos. É isso que está em jogo”.

A queda do superávit comercial verificada no segundo semestre de 1986 tornou ainda mais imprescindível, para o Sr. Funaro, ligar o crescimento brasi­leiro com a necessidade de refinanciamento e com o problema do déficit interno. “Na realidade a negociação toda para ter um déficit baixo significa menos inves­timentos internos, menos sustentação do crescimento e, mais do que isso, sempre um poder de compra menor, para que se tenha mais excedentes, para se ter mais oportunidade de pagar o serviço da divida externa”… Em suma, como de sempre, né uma questão de crescimento versus remessas de dividendos e transferências”.

0 quadro brasileiro dos últimos quatro anos, especialmente no que con­cerne aos investimentos, foi um quadro de recessão, quase sem transferências tecnológicas e sem investimentos novos; o crescimento de 1984 e 1985 se fez a­través de capacidade ociosa; os investimentos estrangeiros foram paupérrimos até mesmo no ano de 1986, quando houve uma retomada dos investimentos nacionais que chegaram a cerca de 20% do PIB. Ante esse quadro, é evidente para o Sr. Funaro que o Brasil continuará se distanciando da tecnologia moderna e reduzindo sua competitividade no mercado internacional, a menos que haja uma forte retomada dos investimentos e se acelere a transferência da tecnologia.

Finalmente, o ex-Ministro falou da suspensão do pagamento de juros, ar­gumentando que ela veio num momento em que o país precisava defender suas reservas. Não veio, portanto, porque o país estivesse quebrado, pois ele ainda tinha cerca de 4 bilhões de dólares nas reservas. Também não houve, conforme já se afirmou lá fora, o desejo de que outros países seguissem o caminho brasileiro. Ao contrário, a atitude brasileira foi de ajudar tanto o México quanto a Argentina e a Venezuela, para que esses países fechassem suas negocia­ções rapidamente, restando o Brasil como um caso isolado, porque, isto sim, “poderia permitir uma negociação melhor para o Brasil”.

A exposição inicial do ex-Ministro Dilson Funaro serviu COMO ponto de partida para várias Indagações sobre a dívida por parte dos Senadores, membros ou não da Comissão Especial. Para facilitar a descrição desta parte do encontro e evitar repetições, identificamos os principais temas abordados e vamos

descrevê-los na ordem seguinte:

1 – Fundo Monetário Internacional (Fernando Henrique Cardoso, Ronan Tito);

2 – conversão da dívida em investimentos (Fernando Henrique Cardoso, Severo Gomes);

3 – tecnologia, modernização, desenvolvimento (Carlos Chiarelli, Ivan Bonato, Jamil Haddad, Virgílio Uvora);

4 – legitimidade da dívida (Fernando Henrique Cardoso, Jamil Haddad, Leite Chaves);

5 – confronto com os credores (Aluízio Bezerra, Carlos Chiarelli, Ivan Bonato, Severo Gomes e Virgílio Uvora);

6 – negociações, estratégia e tática (Aloísio Bezerra, Carlos Chiarel­li, Jam-41 Haddad, Ronan Tito).

 

Estes seis temas não esgotam todas as importantes questões levantadas sobre a dívida, mas representam uma grande parte, senão a mais significativa, do que se discutiu na audiência pública. Os nomes que acima aparecem, entre parênteses, postos em ordem alfabética, são dos senadores cujas perguntas ajudaram    a focalizar os respectivos temas.

 

1 – Fundo Monetário Internacional e o crescimento econômico – Os sena­dores Fernando Henrique Cardoso e Ronan Tito mostraram-se céticos quanto à pro­palada mudança de acento nos discursos do FMI em favor da tese de que a saída da crise estava no crescimento econômico. Estaria mudando a ortodoxia do Fundo? In­dagaram então por algum gesto ou decisão concreta que comprovasse tal mudança. 0 Sr. Funaro fez um rápido exame das políticas das várias fontes internacionais de recursos – do Fundo, do Banco Mundial, dos bancos comerciais, dos investidores, e até do “mal -executado” Plano Baker -, chegando à conclusão de que não sabia de o nenhum caso concreto” que comprovasse uma mudança real, além da retórica.

2 – Conversão de dívida em capital – A principal preocupação quanto a este assunto, expressa pelos senadores Fernando Henrique Cardoso e Severo Gomes, foi a possível correlação entre conversão e desnacionalização. Para o Sr. Funaro essa correlação não chega a ser necessariamente um problema pois tudo depende de como a conversão é administrada. As dificuldades são as mesmas com qualquer in­vestimento estrangeiro. Já aconteceu de alguns setores da economia serem desna­cionalizados, casos em que a correção do problema tem sido chamar os empresários nacionais, através de incentivos, BNDES etc., e promover o seu fortalecimento na Área. mas o mais interessante para o Brasil, o ex-Ministro argumentou, não é a conversão do principal da dívida, mas a conversão dos juros:

“Isto porque o principal vai vencer daqui a 12, 15, 20, 30 anos, e não está sendo discutido nas negociações e nem no refinanciamento. Em termos de flu­xo de caixa o principal transformado em investimento substitui o juro pelo divi­dendo, não resultando portanto em grande diferença de caixa para o governo brasileiro. Ao passo que o juro pago no ano transformado em investimento, Isto sim, pesa no fluxo de caixa daquele ano. Portanto, todos os estudos do Banco Central, até agora, foram no sentido de trocar o juro pago no ano por investimento estrangeira.

Além disto, a transformação dos juros permitiria começar um sistema de vasos comunicastes na negociação internacional, principalmente para os bancos muito pequenos que encontrariam aí um processo de resgate de seus juros. Permi­tiria ainda a existência no Banca Central de um mercado secundário de certifica­dos de juros, através do qual o Brasil poderia diminuir o número de credores que tem lá fora.”

3 – Tecnologia. modernização, desenvolvimento – 0 quadro de poucos in­vestimentos, pouca transferência de tecnologia, de dificuldades para importar e de incertezas pintada. pelo Sr. Funaro no seu depoimento, levou o Senador Ivan Bonato a manifestar o temor de que a indústria brasileira, hoje bastante avança­da, estaria correndo. o-risco de se tornar obsoleta “tal como vem ocorrendo no caso argentino”. 0 Senador Jamíl Haddad, por sua vez, argumentou que uma renego­ciação que cuida apenas da “rolagem da dívida” acabará impedindo o desenvolvi­mento nacional. 0 Senador Virgilio Távora quis saber como acompanhar a desenvol­vimento nacional, “máxime tecnológico”, se não forem bem sucedidos os esforços de renegociação. E o Senador Carlos Chiarelli preocupou-se em saber se não esta­ria havendo pressões ou sugestões, claras ou sub-reptícias, para que se fizesse’ modificações na política nacional de informática em troca de facilidades na renegociação.

Segundo o ex-Ministro, nas negociações não se fala em informática. Fala-se antes em condicionalidades, isso depois de 1982. Antes, a rolagem de dí­vida era feita comercialmente, em discussões entre empresas nacionais, algumas delas estatais, e os bancos. Depois de 1982 a rolagem passou a ser feita sob condicionalidades. Elas existem no FMI, no Plano Baker, no Clube de Paris, e elas aumentam cada vez mais no Banco Mundial. Portanto a informática e todos os outros pontos são parte do processo, não direto, mas indireto, das condicionalidades. Estas costumam obrigar as nações a negociar uma abertura mai­or, uma liberdade maior de exportar e importar que pode, por sua vez, entrar em contradição com o próprio serviço da dívida. Este, por sua vez, exige um ajuste no sentido de o país só exportar, importando o menos possível. Aí está uma con­tradição muito explorada inclusive pelo Brasil, porque no momento em que o setor financeiro serve apenas à dívida, ele deixa de lado o comércio, a importação e a exportação, as transferências de tecnologia, e outras necessidades sociais.

4 – Legitimidade da dívida – Este é talvez o tema mais complexo sobre a crise da dívida, pois não só gera muita indignação e frustração como as respos­tas alcançadas na discussão nem sempre satisfazem. Como foi que chegamos a esta crise? Deve ter havido algum erro, alguma imprudência por parte de alguém, pois o que está se passando não parece correto, nem aceitável.

o Senador Fernando Henrique Cardoso, preocupado em deslindar a composi­ção da dívida, quis saber o quanto dela se devia a remessas disfarçadas e sub ou superfaturamentos por parte das corporações multinacionais. Remessas disfarça­das e Sub ou superfaturamento certamente existem, respondeu o Sr. Funaro, e a CACEX busca sempre fazer um controle rígido sobre isso. Seu efeito sobre a dívi­da, no entanto, não lhe parecia ter sido grande ou significativo.

o Senador Jamíl Raddad lembrou o fato de que as negociações de emprés­timos foram realizadas às vezes por funcionários do governo do segundo e até mesmo do terceiro escalões. Para o Senador o Executivo brasileiro teria, desde Governo Médici, “usurpado funções próprias e indelegáveis do Congresso Nacional” no que diz respeito à contratação de empréstimos externos. Que parcela da dívida’ seria indevida em face de tais irregularidade? Em resposta, o ex-Ministro limitou-se a observar que mo importante sobre a dívida são os juros …

0 Senador Leite Chaves levantou outro aspecto do tema, referindo-se ao princípio geral do Direito segundo o qual, toda vez que uma cláusula contratual fica condicionada ao arbítrio de uma das partes essa cláusula é nula. A alta e­xorbitante dos juros encaixar-se-ia neste princípio. Houve denúncia do Brasil, ou de qualquer outro país, com relação a isso?

Na verdade nunca houve por parte de nenhum governo denúncia oficial de contratos em função da alta dos juros. A razão disso, segundo o Sr. Funaro, é que a flutuação dos juros ocorre em função do mercado e não em função do arbí­trio das partes.

5 – Confronto com os credores Uma preocupação geral entre os Senado­res era saber quais os recursos ou de que forças dispunha o Brasil no -caso de endurecimento por parte dos banqueiros e de Insucesso na renegociação. No caso de insucesso, indagou o Senador Virgilio Távora, qual seria a opção do Brasil? A autarquia?

0 Sr. Funaro afastou essa opção: “Isso seria um suicídio”. E acrescentou: “A solução que enxergamos não passa por uma mudança da economia in­terna; passa por uma normalização das negociações. Se formos mal sucedidos  suponhamos que os banqueiros não queiram conversar mais com o Brasil – neste caso, ficariam suspensos os juros, US$ 5 ou 6 bilhões, mais do que estamos pedindo para normalizar”.

0 Senador Severo Gomes ouviu na exposição inicial do ex-Ministro referencias a sinais de compreensão e simpatia por parte dos banqueiros. Ele chamou a atenção para o fato de esses mesmos banqueiros reagirem exultantes com a queda do Sr. Funaro. Portanto, este não parecia ter estado em sintonia com os banquei­ros, ou então os banqueiros deviam ter uma visão diferente da compreensão e sim­patia referidas. Em todo caso, seria precavido esperar o endurecimento, o confronto. Sendo assim, quais as linhas mestras para uma política econômica ca­paz’ da garantir ao País a sua sobrevivência

0 Sr. Funaro voltou a insistir em que o Brasil, com a moratória, estava suspendendo o pagamento de US$ 5 a 6 bilhões por ano. E acrescentou:

“0 Brasil deseja normalizar sua posição junto ao mercado financeiro internacional. Não existindo entendimento, os 5 ou 6 bilhões são um investimento que já se encontra no país. Seria portanto uma remessa a menos. Isso eu deixei claro e os senhores banqueiros entenderam muito bem. Não há portanto uma necessidade imperiosa de modificar a economia brasileira mas sim uma necessidade im­periosa de ter o refinanciamento para que a situação se normalize”.

0 Senador Ivan Bonato lembrou que os bancos procuraram tirar do Brasil, logo depois de decretada a moratória, dois ou três dias na renovação dos empréstimos de curto prazo, sinalizando com isso uma tendência que poderia ser asfi­xiante para o Brasil. 0 ex-Ministro admitiu que depois da suspensão houve um momento no qual os bancos, inclusive os grandes, como o Morgan Guaranty, começaram a pressionar. 0 Brasil, no entanto, enviou-lhes um telex, não admitindo mais que as linhas de crédito de curto prazo fossem sacadas dos Bancos brasileiros. Os próprios bancos teriam constatado que não havia sentido em fazer pressão contra a linha de curto prazo. “A linha comercial ajuda a exportação brasileira, o superávit e a linha interbancária. Há os projetos 3 e 4 que estão assinados e que deveriam ser mantidos. Assim, não há porque derrubar uma nação que nos últi­mos anos pagou US$ 24 bilhões”.

Para o Senador Aluízio Bezerra, no entanto, o enfrentamento com o sis­tema financeiro internacional era “gigantesco” e as negociações dentro dos mol­des anteriores não seriam capazes de resolver a crise. 0 enfrentamento, no seu entender, exigia um maior endurecimento por parte do Brasil, o que deveria ser feito através de uma discussão mais aprofundada e criação de uma base social de sustentação para as posições do País.

6 – Negociação, estratégia, tática – o ex-ministro Funaro informara na sua exposição inicial que o Brasil não teria usado a estratégia de buscar a so­lidariedade dos demais países devedores para sua ação de suspensão de juros.

o Senador Carlos Chiareili observou que a proposta brasileira era como é, uma proposta para mudar a ordem econõmica internacional. Não é uma proposta de confronto, mas uma nova visão; um novo enfoque global. Existe, além disso, como substrato da estratégia brasileira, na filosofia de sua proposta, uma idéia não de igualdade mas de similitude que implica na solidariedade entre os países devedores. “Não seria interessante por isso mesmo,” indagou o Senador, “nós ter­mos condições de agir conjuntamente com esses países no sentido de obtermos melhores condições, dentro da idéia da mudança da ordem econômica, de que não se trata apenas da relação país-país mas de um enfoque mais amplo: países ricos, países pobres?”

0 Senador Jamil Haddad, falando sobre mesmo assunto, colocou a questão de forma mais sucinta: “V. Exa. disse que o que existe na realidade, neste mo­mento, é um cartel de credores e que a posição do Brasil era uma posição inde­pendente para negociação da divida. Pessoalmente, tenho uma visão diferente.(…)  Eu acho que para se combater um cartel de credores, há de se ter um cartel de devedores, caso contrário a balança desequilibra violentamente contra estes”.

Ao que o ex-Ministro respondeu:

“Existe certamente um ponto maior que une todos os devedores, mas não a suspensão de juros. A suspensão foi uma medida do Brasil para protejer suas reservas. (…) Nas reuniões de Cartagena existia uma posição muito clara de que os países devedores devem ser discutidos caso a caso pois suas economias são diferentes. Assim como nós, Brasil, não admitíamos que os países credores nos colocassem num lugar comum como país devedor, nós também não desejávamos que o inverso (todos os credores num lugar comum) fosse verdadeiro.(…) E a posição também em relação ao FMI e as outras instituições, os governos, foi de fazer do Brasil um caso à parte, diferente, que tinha condições diferentes das dos outros países e por isso mesmo não precisava dos acordos Istand-by1 nem do monitoramen­to do Fundo Monetário Internacional.”

 

III                      VIAGEM DA COMISSÃO AOS ESTADOS UNIDOS

Entre os dias 28 de junho e 2 de julho, os Senadores Carlos Chiarelli (Presidente), Virgílio Távora e o Relator desta Comissão estiveram em Washington e Nova York para conversar sobre a dívida brasileira com autoridades monetárias, banqueiros, políticos e acadêmicos. A este grupo juntou-se o Senador Raimundo Lira, também membro da Comissão.

Os objetivos das discussões com as autoridades financeiras, represen­tantes dos meios acadêmicos e banqueiros foram estabelecidos depois de um “briefing” no Itamaraty, outro no Ministério da Fazenda e, finalmente, outro na Embaixada brasileira em Washington, com o embaixador Marcílio Moreira e funcionários da embaixada, notadamente com o conselheiro Sérgio Amaral.

Em síntese o propósito da missão era:

1 – transmitir algumas informações sobre o “Plano Bresser” – especial­mente os esforços para conter o déficit público e a inflação   e mostrar que ha­via apoio partidário no Brasil para a política proposta;

2 – colocar ênfase no apoio político à posição negociadora do governo frente à questão da dívida com dois condicionantes:

  1. a)    a continuidade do crescimento econômico do Brasil – à base de 5 a 6% ao ano – não estava sujeita a restrições e “condicionalidades” do FMI ou dos bancos;
  2. b) quaisquer acordos com os bancos deveriam ser firmados independente­mente dos entendimentos com o FMI, de tal modo que os desembolsos futuros não devessem obedecer a regras estabelecidas pelo Fundo nem ao monitoramento deste;

3 – reiterar, quanto ao FMI, que o Brasil, como país membro daquela instituição, viu com satisfação os sinais – por ora verbais apenas – de mudança na política tradicional que ele sustentava para os países devedores. Ou seja, que aparentemente também o FMI compreende a necessidade da manutenção de uma po­lítica sustentada de crescimento econômico, portanto não recessiva. Nestes ter­mos, feito o acordo com os bancos, se o Brasil recorresse ao Fundo para empréstimos adicionais e para a troca de opiniões técnicas, provavelmente não haveria oposição política de monta a reaproximações;

4 – transmitir aos interlocutores nossa preocupação com o agravamento da situação social no Brasil e nosso compromisso político com a reversão da ten­dência do agravamento da pobreza e do desemprego que qualquer política recessiva traria;

5 – expor os principais pontos que a nova Constituição provavelmente acolherá e mostrar a solidez do processo de transição para a democracia, que, entretanto, será facilitado ou dificultado conforme maior ou menor latitude que o governo alcançasse na negociação da dívida, posto que a continuidade dos in­vestimentos depende desta negociação;

6 – por fim, chamar a atenção para o caráter pluripartidário da Comis­são da Dívida do Senado e da missão, compostas por representantes de partidos que sustentavam o governo e que faziam oposição, demonstrando assim que no que toca à divida externa havia um esforço de todos os partidos para chegar-se a soluções positivas para o Brasil.

Mais especificamente, as conversas orientaram-se no sentido de transmi­tir às autoridades do Executivo e do Legislativo o desejo do Brasil ser atendido nos seguintes pontos:

  1. a) acesso corrente e com estabilidade dos produtos brasileiros ao mer­cado norte-americano, para que seja possível gerar, com as exportações, os flu­xos financeiros capazes de permitir o pagamento da dívida;
  2. b) estabilidade e preços justos para as exportações de produtos básicos, de forma a impedir a “deterioração dos termos de troca”;
  3. c) flexibilidade nos créditos comerciais para que os bancos criem op­ções novas para o pagamento dos juros e do principal;
  4. d) apoio norte-americano às instituições multilaterais de crédito (tipo Banco Mundial) para que elas possam cumprir funções de fomento ao desenvolvimen­to econômico dos países menos desenvolvidos, sem que através delas se imponham novas condicionalidades.

Com este propósito mantivemos encontros com os segmentos já mencionados. As conversas com as diversas personalidades serão relatadas a se­guir em quatro tópicos: conversas com representantes da comunidade acadêmica; com parlamentares; com autoridades financeiras e, finalmente, com os banqueiros. 0 relato que se fará será sintético mas, esperamos, suficientemente elucidativo para dar conta do pensamento predominante nos diversos   segmentos sociais contatados.

 

ENCONTROS COM ACADÊMICOS E JORNALISTAS

Nestes encontros visávamos transmitir à opinião pública norte-americana os itens referidos acima e captar as variações de apreciação sobre a questão da dívida e eventuais soluções alternativas. A missão teve a oportunidade de encontrar-se com acadêmicos e jornalistas em quatro ocasiões: no Wilson Center, num almoço no dia 29 de junho de 1987, um almoço na embaixada no dia 30 de ju­nho, um encontro à tarde deste mesmo dia e no café da manhã no dia seguinte, 19 de julho.

Dentre os acadêmicos, conversamos notadamente com o prof. Robert Solo­mom, da Brookings Institution, com o Sr. Richard Feinberg, Vice-presidente do Overseas Development Council, com o prof. Rudiger Dornbusch, do MIT, com o prof. Jeffrey Sachs, de Harvard e com os profs. Fred Bergsten, Willian Cline e John Williamson, do Instituto para Economia Internacional.

Além destes acadêmicos, conversamos também, no Wilson Center, com os profs. Leslie Bethel, da Universidade de Londres, Thomas Merrick, Richard Rose Cramcrs, Bedford Smiths, e Brossed-Giscard. Com este grupo de “scholars” a dis­cussão foi menos específica sobre a dívida e mais ampla sobre a transição poli­tica do Brasil para a democracia.

Roberto Solomon Brookings institution, focalizou as implicações de médio prazo do problema da dívida e em particular o financiamento das necessidade de investimento. Ponderou que uma das alternativas seria o prosseguimento do  endividamento, processo que o Brasil tem condições de suportar, tendo em vista o Dom desempenho de sua balança comercial. Outra possibilidade estaria na abertura do mercado de capitais ao investidor estrangeiro. Observou que nos últimos anos os EUA têm atraído grandes volumes de investimento, para financiar o seu déficit comercial. Com a redução do déficit comercial, seria possível esperar que uma parcela do volume de investimento pudesse ser transferida para o Brasil. 0 Méxi­co, na última negociação, introduziu mecanismos novos para equacíonar o problema da dívida. A Argentina, mais recentemente, fez o mesmo. A questão agora está em saber se o Brasil procurará igualmente abrir caminhos novos para a solução do problema.

Para Rudiger DornDusch, Professor do MIT, o prosseguimento do serviço da dívida por parte dos países devedores é pouco viável, pois o pagamento aos credores representa uma parcela elevada do orçamento público. Por isto, o custo do serviço da dívida é muito alto e implica ou em inflação ou em corte do inves­timento produtivo. A curto prazo, a redução nos investimentos compromete a pers­pectiva de crescimento. É o que poderá acontecer no Brasil, no corrente ano e no próximo, como resultado das transferências efetuadas aos credores nos últimos anos. A iniciativa do Citibank em elevar suas reservas é uma resposta adequada, pois significa retirar a dívida velha do centro das atenções e abrir espaço para a definição de mecanismos novos de financiamento. A solução do problema da dívi­da, entretanto, não se dará por acordo, mas em decorrência de iniciativas unila­terais dos devedores. Um encaminhamento unilateral poderia comportar os seguin­tes mecanismos: “exit bonds” para permitir a retirada do processo negociador a bancos pequenos e regionais, que sob o aspecto político são os mais importantes, pois desfrutam de grande poder de pressão sobre o Congresso; capitalização uni­lateral dos juros, mediante a emissão de um certificado relativo a, por exemplo, 40% dos juros devidos no ano. Segundo Dornbusch as fórmulas negociadas da dívida têm representado apenas um paliativo temporário. A conversão de dívida em inves­timento não é saída adequada pois provoca forte impacto monetário que se reflete.­ em aumento da inflação.

Jeffrev Sachs, Professor de Harvard, assessor da Bolívia na negociação de sua divida externa, Insistiu na tese de, como estratégia negociadora, manter por um tempo longo a suspensão do pagamento dos juros. Depois de discorrer sobre os diferentes momentos e circunstâncias da negociação da dívida da Bolívia, Sachs assinalou que os países devedores da América Latina enfrentam hoje um dilema básico entre a ortodoxia e a heterodoxia tanto em termos de política econômica interna quanto de negociação de suas dívidas. A receita ortodoxa leva a uma compressão do orçamento público, de modo a gerar os recursos para o pagamento da dívida e traz como conseqüência uma redução do crescimento. 0 modelo heterodoxo implica um afrouxamento dos controles sobre o orçamento e os salários, produz taxas mais elevadas de crescimento, mas dificulta o serviço da divida. A solu­ção, segundo, Sachs, estaria numa combinação adequada dos dois modelos, que leve a uma ortodoxia interna e a uma heterodoxia externa. Em outras palavras, uma vez que os países devedores não têm condições de cumprir integralmente com as obri­gações decorrentes da dívida, devem reduzir unilateralmente os seus pagamentos. Por outro lado, sem a adoção de uma rigorosa política fiscal, não terão condi­ções de assegurar a estabilidade dos preços e da economia. Ademais, a adoção de uma linha heterodoxa em relação aos pagamentos externos cria legitimidade e con­dições políticas para a execução de uma política de austeridade interna. Segundo Sachs a adoção pelo Brasil, no momento, de uma retórica moderada é positiva en­quanto prelúdio para o processo negociador. Entretanto, se o Brasil vier a se­guir uma linha moderada nas negociações e dispuser-se a retomar os pagamentos dos juros aos bancos, poderá por a perder os ganhos alcançados com a moratória. A seu ver, a moratória brasileira mudou o quadro negociador da dívida dos países em desenvolvimento e está na base da decisão dos bancos de aumentar as reservas e de diferentes iniciativas no âmbito do Congresso norte-americano. Todos, exce­to o Secretário do Tesouro Baker, segundo Sachs, acreditam hoje na necessidade de uma solução inovadora para a dívida, que leve em consideração o valor dos créditos no mercado secundário. Uma mudança na posição brasileira colocaria em questão estes progressos.

Fred Bergsten, Willian Cline. John Willianson, do Instituto para a Eco­nomia Internacional, defenderam basicamente a volta a uma linha mais ortodoxa na negociação com a comunidade financeira. Segundo Cline, boa parte dos analistas acredita que a suspensão dos pagamentos por parte do Brasil decorre mais de de­sajustes internos do que de fatores externos. Daí a importância do Plano Bres­ser, que se propõe a corrigir tais desajustes e, em alguns setores, tais como o déficit público e o mecanismo de correção dos salários, é corajoso e foi mesmo além do que se esperava. A economia brasileira tem condições de superar as difi­culdades atuais e continuar a gerar os excedentes comerciais para o pagamento da dívida. Resta a questão de como financiar as necessidades do balanço de pagamen­tos no corrente e no próximo ano. Os montantes mencionados pelo Governo, US$ 7 a 8 bilhões num período de 18 meses, poderiam ser obtidos mediante a adoção de um “Menu approach11. Willianson, por sua vez, observou que a continuidade de uma Política econômica consistente é requisito fundamental para o êxito do Plano Bres­ser, que considera satisfatório. Um relacionamento mais estreito com o FMI aju­daria a normalizar as relações com os bancos e com o restante da comunidade financeira. o afastamento foi um erro, mas hoje há boas condições para uma rea­proximação, concluiu.

 

ENCONTROS COM PARLAMENTARES

Esta foi a parte menos exitosa da missão, porque a viagem coincidiu com um período de quase recesso parlamentar devido ao feriado de 4 de julho. Foi possível apenas um encontro com o deputado Walter Fauntroy, do distrito de Co­lúmbia e um rápido encontro com a assessoria do Senador Bill Bradley, de New Jersey.

Não obstante, tomamos conhecimento das Iniciativas existentes no Con­gresso dos Estados Unidos sobre a questão da dívida, como adiante se expõe, com base em documentação fornecida à Comissão pela Embaixada do Brasil em Washington (ver anexo: “propostas e Projetos de Lei sobre Dívida Externa Apresentados no Congresso Norte-americano”)

 

ENCONTROS COM AUTORIDADES

A lista de autoridades norte-americanas e de instituições financeiras internacionais é grande, considerando-se que a missão esteve apenas quatro dias nos Estados Unidos. 0 tom franco das conversas e mesmo sua duração (com o secretário do Tesouro, com o presidente do FED e com o Diretor-Gerente do FMI as entrevistas duraram mais de uma hora)*são sinais da atenção que a questão da dí­vida brasileira desperta mundialmente. É de notar também que as referidas auto­ridades discutiam com Senadores brasileiros e não com técnicos ou com autorida­des financeiras. Isto mostra que hoje já se aceita o óbvio: a negociação da dí­vida é matéria política que transcende aos ajustes automáticos do mercado.

Resumir-se á mais amplamente as conversas com os Srs. Volcker, ex­-presidente do Federal Reserve Board, e James Baker, secretário do Tesouro dos Estados Unidos, pelo significado que elas têm para a compreensão da perspectiva norte-americana na questão da dívida. Far-se-á também um resumo do encontro com o Sr. John Whitehead, secretário-alterno do Departamento do Estado, e da conversa mantida com o Sr. Michel Camdessus, que é o novo diretor – gerente do FMI.

 

Cabe, entretanto, referir que a missão manteve contatos com o presi­dente do Banco Mundial, Sr. Barber Conable, com o diretor-executivo e com o pre­sidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, Srs. Luís Barbosa e Antonio Ortiz Mena, bem como o embaixador Baena Soares, secretário-geral da OEA, expondo a todos a posição brasileira.

0 presidente do Banco Mundial, Sr. Conable, instado pelos Senadores brasileiros a responder sobre uma eventual substituição do FMI pelo Banco Mun­dial no papel de agência canalizadora de recursos para os países com dificulda­des financeiras, anuiu com a alternativa. Mas não deixou de ponderar sobre a es­pecificidade do Banco e sobre a capacitação técnica do Fundo para dar sustenta­ção e aval a políticas financeiras globais.

Entrevista com Paul Volcker

Ao início da conversa, depois de indicar os objetivos da missão, o Se­nador Fernando Henrique Cardoso observou que o Plano de Consistência Macroeconômica deverá ser apresentado brevemente ao Congresso e contará com o apoio dos partidos políticos. Os líderes partidários são também favoráveis a um tipo de relacionamento com o FMI que seja compatível com o imperativo do crescimento. 0 Brasil deseja expandir o seu comércio, aumentar os seus saldas comerciais para ter condições de pagar a sua dívida, mas para tanto é preciso remover o prote­cionismo nos países industrializados.

O Sr. Volcker expressou sua concordância com o objetivo do crescimento, com as seguintes qualificações:

  1. a) a excessiva ênfase no crescimento contínuo a curto prazo pode com­prometer o crescimento a médio prazo. 0 crescimento exige estabilidade na economia e não é viável no contexto de inflação em aceleração;
  2. b) é verdade que o crescimento do Brasil requer um mercado mundial a­berto e uma taxa razoável de crescimento nos países industrializados. Mas os Es­tados Unidos têm sido um mercado mais importante do que a Europa e o Japão. 0 grande déficit comercial norte-americano gerou pressões protecionistas e a pre­sente administração tem méritos por resistir a estas pressões, o que é difícil toda vez que existam razões legítimas de queixa em relação a políticas comerciais de parceiros. E parece haver queixas em relação ao Brasil, particularmente na área de informática;
  3. c) os recursos para financiar o crescimento são um ponto crucial. A este respeito deve haver preocupação com a continuidade e com a ortodoxia, de modo que o pais possa retornar ao mercado de empréstimos voluntários. Muitos, sobretudo congressistas nos EUA, defendem nova atitude perante o problema da dí­vida, o alivio ou concessões para os devedores. Mas isto é inviável, pois os go­vernos não têm condições de oferecer recursos para que os devedores paguem, os bancos. Os bancos, por sua vez, não têm condições de cancelar dívida ou dispen­sar o pagamento de juros, medidas que poderiam ter repercussões negativas sobre os próprios devedores a médio prazo;
  4. d) a partir de sua experiência em lidar com o FMI, por mais de cinco anos, disse Sr. Volcker compreender as dificuldades do Brasil com o Fundo. Mas, por outro lado, não é possível conceber um caminho para resolver o problema da dívida sem a participação do FMI. 0 Banco Mundial e o BID devem desempenhar pa­pel importante no financiamento de um programa de crescimento. Mas o financia­mento por projetos não é mais suficiente e é preciso recorrer cada vez mais a empréstimos orientados a políticas, que sejam inclusive de desembolso rápido. Tais empréstimos, no entanto, estão condicionados a Mudanças` de políticas econômicas sobretudo de natureza setorial e requerem, por conseguinte, um bom entendimento entre o pais e a instituição, sobre as direções gerais de política econômica. Muitas vezes um governo pode ter o propósito de tomar certas medidas, mas hesita em tomá-las, em face de sua impopularidade. Os projetos do BID podem assim facilitar a adoção de medidas que de outra forma seriam mais difíceis. Uma das áreas que poderiam comportar um “Policy Oriented Loan” seria a de comércio, pois seria do interesse do Brasil introduzir medidas de caráter literalizante neste campo. Outro setor poderia ser o de agricultura, com o objetivo de remover os subsídios ainda existentes. A reforma do sistema financeiro poderia ser outra possibilidade. Em todas estas áreas o Brasil encontrará um terreno comum com o BID e na medida em que houver um progresso nas reformas de política econômica promovidas com o apoio do banco, ficará mais fácil chegar a um entendimento com o Fundo.

Indagado sobre a natureza do entendimento visualizado com  o Fundo (se o simples endosso de um programa brasileiro ou se a conclusão de um acordo formal), o Sr. Volcker ponderou que existem diferentes modalidades de entendi­mento e aludiu, como exemplo, ao caso da Colômbia, em que o Fundo deu endosso a um programa preparado pelo Governo colombiano sem que a Colômbia tenha solicita­do desembolso dos recursos aprovados. Mas a Colômbia não tinha pagamentos atra­sados aos Bancos e não devia ao FMI. Pelo que se conhece do programa brasileiro, não há nada que o Fundo não possa aprovar. 0 entendimento pode ser formal ou informal. 0 próprio Governo brasileiro poderá chegar à conclusão de que está no seu próprio interesse ter um acordo formal. 0 Brasil terá necessidade de recursos externos para financiar o seu crescimento. No momento em que chegar a um enten­dimento com o Clube de Paris voltará a contar com os recursos das agências ofi­ciais de crédito. Nas é difícil chegar a este entendimento sem algum endosso do FMI. E nós estamos prontos a ajudar para chegar a este entendimento sublinhou Sr. Volcker.

0 Senador Chiarelli fez uma exposição sobre as medidas de austeridade de que constam o Plano Bresser e sobre o propósito de entendimento com os credo­res, para assinalar a importância que tais esforços contem com o apoio dos par­ceiros do Brasil, com vistas a retomada do crescimento. 0 Sr. Volcker acrescen­tou que o apoio dos países credores deverá manifestar-se no FMI e no BID. Em re­lação ao Clube de Paris, recordou que por vezes os EUA saíram do caminho pra fa­zer um gesto de apoio ao Brasil, como ocorreu por ocasião do Acordo de Janeiro com os credores oficiais. Pouco depois, quando a economia brasileira passou a apresentar resultados preocupantes, os EUA encontraram-se em situação embaraços: em relação aos demais credores no Clube de Paris. A questão de um entendimento com os credores colocou-se de novo recentemente. A solução encontrada foi a de adiar os prazos para evitar uma confrontação com o Brasil. Assinalando-se a pro­pósito que a ambiguidade da carta de Trichet havia suscitado apreensão no Brasil quanto à real resposta dos credores à solicitação brasileira, o Sr. Ted Truman, chefe da Divisão de Finanças Internacionais do FED, disse que as condições esta­belecidas no Acordo de Janeiro não haviam sido atendidas. A luz desta situação,, os credores concordaram em prorrogar, até 15 de setembro, os prazos relativos à efetivação do reescalonamento do principal vencido no primeiro semestre. Com re­lação ao principal a vencer no segundo semestre, a carta é deliberadamente vaga, na medida em que não existe base para o reescalonamento (acordo com o FMI) nem o clube de Paris poderia dar um endosso à acumulação de atrasados.

Respondendo a uma indagação do Senador Fernando Henrique Cardoso, sobre o compromisso dos credores em janeiro, no tocante a reabertura das agências ofi­ciaiS de crédito, Sr. Volcker ponderou que as negociações do Brasil com seus credores derám-se em dois momentos. Em setembro do ano passado, o desempenho da economia brasileira justificava a disposição dos credores, transmitida ao Bra­sil, de concluir um acordo que levasse à retomada das operações. Já em janeiro não havia mais condições para tanto. Assim, segundo o Sr. Truman, o Acordo de Janeiro criou a expectativa, mas não o compromisso, de reinício das operações com o Brasil. Hoje, prosseguiu o Sr. Volcker, há condições para um entendimento que-leva à reabertura das agências dentro de um prazo relativamente curto. A chave está num acordo com o FMI. A partir daí tudo fica mais fácil, pensa o Sr. Volcker.

Entrevista com o Secretário do Tesouro, James Baker

A entrevista dos Senadores brasileiros com o secretário Baker iniciou-­se com apresentação, pelo Senador Fernando Henrique Cardoso, sobre o processo de democratização no Brasil, os trabalhos da Constituinte, os atuais problemas econômicos, inclusive a dívida externa e outros percalços ao processo de desenvol­vimento, sobre os sérios problemas sociais, que impõem a manutenção da alta taxa de crescimento, que em 1987 deveria ser de 5%, para elevar-se para 6% em 1988 e para 7% a partir de 1989. 0 Plano Bresser inclui medidas apropriadas para comba­ter a inflação e terá o apoio dos partidos políticos na reunião. No campo exter­no, o propósito do Governo não é o de persistir na moratória, mas o de normali­zar as relações com a comunidade financeiros dentro de certas condições o que deverá requerer:

  1. a) em primeiro lugar, um entendimento sobre o Clube de Paris. 0 Brasil, a despeito de uma melhora na balança comercial, não tem condições de efetuar o: pagamento do principal a vencer no segundo semestre. A carta de resposta do Clube de Paris à solicitação brasileira no entanto não é clara;
  2. b) definição do relacionamento com o FMI. A experiência passada do Brasil com o Fundo deixou a impressão de que é impossível compatibilizar combate à inflação com crescimento. Esta é a imagem que ficou na opinião pública. Queremos normalizar as relações com a comunidade financeira, mas temos de evitar o pro­blema político relativo ao relacionamento com o FMI. Em que medida seria possí­vel recorrer ao Banco Mundial como substituto do FMI, indagou o Senador.

Em sua resposta, o Sr. Baker sublinhou a relevância das questões susci­tadas pelo Senador brasileiro e ressaltou o apoio dos EUA à consolidação da de­mocracia no Brasil. Acrescentou que a partir de sua posse na Secretaria do Te­souro, a política dos EUA em relação à dívida externa dos países de renda média havia mudado, com o reconhecimento de que o ajustamento deve ser feito sob a ó­tica preferencial do crescimento em vez do da austeridade. Em janeiro, os EUA empenharam-se para convencer alguns dos membros do Clube de Paris a concluir o acordo com o Brasil. Por isto, o Tesouro recebeu com desapontamento, pouco de­pois, a notícia da suspensão dos pagamentos por parte do Brasil. As dificuldades de relacionamento com o FMI são compreensíveis. Mas o Brasil tem agora de recu­perar a confiança da comunidade financeira e mostrar que está disposto a “to play by the rules”. A normalização das relações com a comunidade financeira e viável e para tanto seriam necessários:

  1. a) o engajamento do Brasil num programa econômico consistente e que conte com respaldo interno. Pelo que lhe havia sido relatado, o Governo está trabalhando nesta direção e o novo Ministro da Fazenda deve vir a Washington para discutir este programa;

 

  1. b) algum tipo de relacionamento com o FXI, porque, a despeito dos pro­blemas políticos, este é o instrumento internacionalmente disponível para o en­caminhamento do problema da dívida. AS regras do Clube de Paris estabelecem que não há condições de reescalonamento dos pagamentos a vencer sem algum tipo de relacionamento com o Fundo. Este relacionamento pode ser “low key”, sem grande visibilidade política;
  2. c) finalmente, seria preciso iniciar com certa brevidade os entendimen­tos com os bancos privados, sobre o reescalonamento e as necessidades de novos recursos, pois eles não estão mais dispostos a atuar como supridores residuais de recursos.

A discussão com os Bancos pode orientar-se pela idéia de um “menu approach”, prosseguiu Sr. Baker. Uma das razões porque o pacote argentino foi subscrito tão rapidamente está na diversidade de opções abertas ao país e aos Bancos. 0 Brasil está em melhores condições do que qualquer outro devedor para resolver o problema da dívida, porque o seu potencial é ilimitado. Dai a possi­bilidade de oferecer opções atraentes, no contexto de um cardápio, que poderia incluir:

  1. a)  conversão de dívida em investimento;
  2. b) algum tipo de bónus de investimento, como o PIN, previsto no acordo, das Filipinas;
  3. c) alguma modalidade de “exít bond

Estes mecanismos apresentam a vantagem de reduzir a necessidade de novos empréstimos e, por conseguinte, de não provocar um aumento do endividamento e dos pagamentos de juros, concluiu o Sr. Baker.

Entrevista com o Secretário de Estado Alterno, John Whitebead

o secretário de Estado alterno, John Whitebead, ao saudar o Missão bra­sileira, acentuou os desenvolvimentos positivos em relação à economia brasilei­ra, particularmente a melhora na balança comercial, as indicações sobre o plano econômico consistente, e as referências feitas pelo Presidente da República a um modelo econômico aberto e de mercado. Recordou as menções a uma aproximação com o FMI, que é, a seu ver, chave de solução para a dívida e exerce influência favorável sobre os empréstimos de instituições como o Banco Mundial, sobre os reescalonamentos no Clube de Paris e sobre os bancos privados.

Na área de comércio, manifestou o Sr. Whitebead sua satisfação com o projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados sobre software. Insistiu na necessidade de o Brasil abrir ainda mais a sua economia para o exterior, não a­penas na área comercial, mas sobretudo no setor de investimentos. Concluiu suas observações iniciais com o comentário de que, ao visitar o Brasil, no ano passa­do, havia ficado impressionado com certa animosidade nas relações bilaterais e com a quantidade de temas suscetíveis de se tornar pontos de fricção. Ressaltou ao mesmo tempo o potencial de parceria entre os dois países, em benefício de am­bos e da própria economia mundial.

Depois de explicar a natureza e os objetivos da missão do Senado, o Se­nador Chiarelli assinalou a importância crescente do Congresso Brasileiro no tratamento de questões econômicas, particularmente a da divida externa, concla­mou os EUA a evitarem o protecionismo e manifestou a esperança de que também o Senado venha a aprovar o projeto de lei sobre a proteção da propriedade intelec­tual na área de software.

0 Senador Fernando Henríque Cardoso sublinhou a importância crucial do crescimento para o Brasil, daí o desentendimento com o FMI. 0 Fundo tem hoje nova retórica, que o Brasil espera se traduza em realidade. Em relação aos in­vestimentos estrangeiros, descreveu o referido Senador as principais disposições pertinentes do projeto da Constituição, para concluir que não existe uma posição restritiva, mas ao contrário, bastante liberal. Subsistem certas restrições so­mente em setores de segurança nacional, como é o caso da prospecção de petróleo ou reservas temporárias, como é a situação de uma parte da indústria de informática.

0 Senador Virgílio Távora, falando a seguir, ressaltou, como o fez em todas as entrevistas, a identidade de vistas entre o Governo e a oposição que representa no que diz respeito à negociação da dívida externa. Acentuou que o Brasil precisa crescer e expandir o comércio, especialmente as importações, para poder modernizar o seu parque industrial, que há sete anos não recebe investi­mentos novos. Entretanto, para importar mais precisam exportar mais, daí a ne­cessidade de os países industrializados reduzirem suas barreiras protecionistas.

Ao final da entrevista, o Sr. Whitenead apontou para o interesse  maior intercâmbio de missões parlamentares entre os dois países. Os senadores brasileiros, por sua vez, concordaram com o Secretário de Estado alterno e recordaram a contribuição valiosa do Sr. Whitebead para a suspensão ou desanuvíamento das divergências entre o Brasil e os EUA, fazendo igualmente referência aos esforços que se têm procurado empreender com esse objetivo.

Entrevista com Michel Candessus

A missão dos Senadores tinha especial curiosidade quanto aos resultados da entrevista com o novo diretor-gerente do FMI., Sr. Michel Camdessus. Esta curiosidade advinha não apenas do fato de ser aquela instituição – o FMI. peça chave no processo de renegociação da dívida mas, principalmente, porque à ação do Sr. Camdessus frente do P.M.I. eram, e são, atribuídas intenções reformadoras.

Com efeito, de há algum tempo se noticia que “o FMI. já não é mais o mesmo”. Com isto quer-se dizer que a política de empréstimos e os avais do FMI. aos bancos já não estavam condicionados à aplicação da conhecida receita recessiva: equilíbrio orçamentário a qualquer preço, contenção salarial, taxas de juros “adequadas”, fomento das exportações e contração das importações, para que sejam gerados os excedentes que permitem o pagamento da dívida e um “sadio” comércio internacional.

Na verdade o Sr. Camdessus, na conversa mantida com a missão, mostrou-­se bom conhecedor dos problemas do desenvolvimento econômico e, notadamente, do Brasil. Reafirmou sua convicção de que sem crescimento econômico não haveria possibilidade do pagamento da divida e que “os tempos são outros” e o encontro decorreu em clima amistoso mas de muita objetividade.

Entretanto, em nenhum momento abriu mão do papel do Fundo no contexto global       das negociações. Não simpatizava com a idéia de dar preeminência ao Banco mundial, que      é uma instituição de fomento e não de controle, dos novos ajustes das finanças internacionais e não deixou de ponderar, como era natural, suas preocupações com os desequilíbrios orçamentários dos países devedores.

Em particular com respeito ao Brasil, Michel Camdessus depositava ex­pectativa favorável ao plano Bresser e esperava visita do ministro. Reafirmou a disposição de ajustes com grande latitude: dispunha-se a visitar o Brasil se Isto ajudasse a estabelecer um clima de confiança para a negociação da dívida, aceitaria um contato não formal com o F MI. como forma para restabelecer as negociações ou iria até a um empréstimo do tipo “stand-by”, com os requisitos habituais, se isto parecesse melhor ao governo brasileiro.

Em síntese, havia predisposição pessoal favorável a uma acomodação com os interesses brasileiros, mas limitações Institucionais fortes que demarcavam os limites da alegada “new wave” do FMI.

Os Senadores brasileiros repetiram ao sr. Camdessus sua análise sobre o quadro econômico e institucional, seu apoio a uma negociação que resguardasse os interesses soberanos do Brasil e a firme disposição de colocar em primeiro lugar a sustentação de uma política de crescimento realista, mas firme, da ordem de 6 a 7% nos próximos anos, para que o país pudesse resgatar sua “dívida social” e continuar a gerar emprego para a população.

ENCONTROS COM BANQUEIROS

Em Washington a missão teve a oportunidade de reunir-se com dois representantes de bancos regionais, os Srs. Richard Thomas, presidente do First national Bank of Chicago, e Charles Coltman, vice-presidente executivo do Philal­dephia National Bank. Em Nova York no dia 2 de julho de 1987, houve um almoço com representantes dos bancos credores e com assessores destes bancos. A se­guir, um breve resumo das conversas mantidas nestes encontros.

Richard Thomas, presidente do First National Bank of Chicago, um dos menores entre os grandes bancos credores, manifestou sua confiança na economia­ brasileira e observou que o seu banco, embora espere que a dívida venha a ser integralmente paga, está disposto a discutir com os devedores diferentes modali­dades de alivio da dívida.

Segundo Charles Coitman, vice-presidente executivo do Phíladelphía Na­tional Bank, o fornecimento compulsório de novos empréstimos por parte dos bancos não é uma boa solução, pois apenas eleva o estoque da dívida e o volume dos juros. Por isto, o Philadelphia National tem defendido a tese de que uma parte dos juros deve ser restituída aos devedores. A seu ver, o problema da dívida poderá ser resolvido mediante a concessão de “senioríty” aos novos empréstimos em relação à dívida velha. 0 Philadelphia National, que apresenta uma situação peculiar por sua exposure relativamente baixa, vendeu ao longo dos últimos a­nos, com desconto, um montante importante de créditos para com os países em desenvolvimento. 0 Banco teve perdas, acha que vai continuar a ter perdas e rejeita a tese de que o alívio da dívida levará os bancos a se afastarem dos paí­ses em desenvolvimento. Ao contrário, o Philadelphia National tem interesse em aumentar suas operações com os países devedores na área de créditos comerciais. Segundo o Sr. Coltman, a chave está na concessão de “seniority” aos novos empréstimos. A título de ilustração, mencionou a hipótese de um país devedor se­parar uma parcela de dívida (25%, por exemplo), a qual concederia “seniority”, expressa num compromisso de pagamento regular dos juros e de um “spread” de 2% acima da “libor”. Esta parcela preferencial de dívida viria a ser integrada pela transformaç49 da dívida velha, convertida a uma taxa de desconto próxima, mas acima do valor do mercado secundário. Tal mecanismo, que seria atraente para um grande número de bancos pequenos e regionais, permitiria uma considerável redução e um alívio no serviço da dívida.

 

ENCONTRO COM 0 COMITÊ ASSESSOR

Em New York os Senadores tiveram a oportunidade de almoçar com banquei­ros num encontro no qual estavam presentes destacados membros do “Comitê Assessor” da dívida.

Além da reiteração dos pontos de vista da Comissão do Senado houve am­plo diálogo no qual, por uma parte, os Senadores reafirmavam especialmente a nova política do ministro Bresser Pereira (notadamente a desvinculação entre negociação com os bancos e com o FMI) e os banqueiros perguntavam sobre o déficit público e a real disposição do país de “pôr a casa em ordem”.

Neste último aspecto havia, discretamente, preocupação quanto ao clima favorável ou não ao capital estrangeiro que seria gerado pela Constituinte.

De toda a discussão o que mais impressionou a missão foi a análise do economista – senior do Banco Morgan, Sr. De Vries, sobre a economia internacional. Bem resumida a mensagem transmitida por aquele competente técnico, ela consistiuem alertar para a expectativa de um baixo crescimento do comércio internacional nos próximos anos        e para as dificuldades no plano financeiro que não deveriam dar margem a grandes transferências de capital dos países credores para   os devedores.

Noutros termos, para o Sr. De Vríes – e possivelmente com realismo os países em desenvolvimento se quiserem continuar a crescer (como nós propúnhamos) devem contar com sua própria poupança interna.

 

IV                     DEPOIMENTO DO MINISTRO BRESSER PEREIRA

No dia 5 de agosto de 1987, o Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira com­pareceu perante a Comissão para prestar esclarecimentos sobre sua estratégia de renegociação da divida brasileira. 0 Sr. Bresser Pereira regressara há pouco de, uma viagem de contatos e sondagens ao exterior, quando levara às autoridades norte-americanas, às autoridades dos bancos multilaterais e aos bancos credores o mesmo tipo de informação que ele passaria aos membros da Comissão.

“Preparamos um plano de controle macroeconômico que prevê as necessida­des de recursos externos do Brasil nos próximos anos. Esse plano macroeconômico imagina que haja compatibilidade do serviço da divida com o crescimento do País. Esse tema merece muito debate. Muitos economistas afirmam não haver essa compa­tibilidade; que é impossível para o Brasil ao mesmo tempo crescer, ter um superávit comercial de US$ 10 bilhões, e ainda pagar juros sobre uma dívida ex­terna alta, que vão direto para o déficit público. De forma que, não tendo o Brasil condições para isto, não teria como pagar a dívida. Este plano macroeco­nômico prevê que necessitaremos US$ 7,2 bilhões, dos bancos privados nos próxi­mos dois anos, para financiamento de juros. É o que eles chamam de “dinheiro novo”, mas que prefiro chamar de financiamento de juros.

“Precisaríamos ainda que os “spread” baixassem para zero. 0 pressuposto básico do programa é de que o “spread” seja zero em toda a dívida. Com essas duas condições básicas – US$ 7,2 bilhões e “spread” zero – teríamos condições de compatibilizar crescimento com a estabilidade de preços e com o serviço da dívida. A idéia é que teríamos US$ 10 bilhões de superávit comercial nos próxi­mos anos, que teríamos um déficit decorrente de US$ 3 a 4 bilhões e que teríamos uma transferência de recursos de aproximadamente US$ 7 bilhões nos próximos anos.”

Em linhas gerais, essa foi a proposta que o Sr.Bresser Pereira levou às autoridades e credores estrangeiros. A reação foi previsível: perguntaram-lhe sobre o FRI. A resposta do Ministro foi que o Brasil não pretendia, não tinha necessidade, nem via interesse em fazer um acordo com o Fundo no momento. Os mo­tivos brasileiros eram os seguintes:

“Em primeiro lugar – eu disse isso bem claramente a todas as autorida­des americanas, sem exceção, a todas as autoridades multilaterais e ao próprio gerente do Fundo, Sr. Michel Camdessua – entendemos que o poder do Fundo de ter vinculado a ele os bancos é excessivo. 0 Brasil é um país suficientemente pode­roso e responsável para não ter esse tipo de vinculação em cima de suas ativida­des e de sua política econômica.

“Em segundo lugar, não pretendemos ter esse tipo de acordo porque o Brasil tem uma decisão muito firme de proteger suas reservas. 0 Presidente Sar­ney entende que as reservas brasileiras não deveriam ser inferiores a US$ 6 bilhões. Só fizemos a suspensão dos pagamentos com um número inferior de reser­vas porque houve uma deficiência de comunicação.”

0 segundo motivo enunciado pelo Ministro tem a ver com as condicionali­dades geralmente incluídas nos acordos com o FXI. Como tem mostrado a experiência dos vários países que já assinaram tais acordos, sempre que um ou outro ob­jetivo ou condicionalidade não é satisfeito, FMI e bancos suspendem todos os pagamentos. “Suspendendo todos os pagamentos, nossas reservas começariam a bai­xar e não teríamos outra alternativa, já que não teríamos empréstimos voluntários, senão   suspendermos novamente o pagamento, de juros. De forma que a moratória viraria uma espécie de hábito o que realmente não me parece razoável”

Na conferência que fez perante o Council of the Americas e nas entre­vistas que concedeu à imprensa, o Ministro Bresser Pereira comentou sobre os as­pectos convencionais e não convencionais da negociação que ele propunha.

“Spread” zero para mim é convencional. Não convencional seria uma so­lução mais definitiva para a dívida. E essa solução mais definitiva estava sendo apontada pelo mercado financeiro internacional. Nesse mercado há um desconto sobre a dívida brasileira de 45%; este desconto já aconteceu sobre a dívida em ge­ral’ isto é, no valor das ações dos bancos, que já foram reduzidas substancial­mente devido a terem feito empréstimo que são, em grande parte, incobráveis.

“Depois, este desconto já aparece nas reservas que os bancos fizeram. A mais famosa delas’foi a recente do Citibank, mas, desde 1983, os bancos europeus e japoneses vêm fazendo reservas. Então, o mercado já determinou que devia fazer um desconto e seria muito razoável que o Brasil participasse de alguma forma desse desconto.”

0 Ministro informou à Comissão que tramitam no Congresso americano duas resoluções denominadas “Debt Management Rellef”, uma no Senado e outra na Câmara dos Deputados, destinadas a incorporar o desconto acima numa possível solução para a crise. A idéia é que o Governo norte-americano dê garantia a títulos de valor menor que a dívida, emitidos pelos países devedores e trocados pela dívida atual. o Brasil, por exemplo, tem um desconto de 45%, e poderia emitir títulos no valor de 70% a 75% da dívida. “Esses títulos seriam trocados pelos atuais débitos do Brasil, mas com uma garantia dada pelo Governo americano ou por uma entidade qualquer que este Governo apontasse, como por exemplo o Banco Mundial, Essa solução, evidentemente, atenderia aos interesses do Brasil e de seus credores, e resolveria o problema da dívida brasileira”, concluiu o Ministro.

Terminada a exposição preliminar, os Senadores Ronan Tito, Virgílio Tàvora, Jamil Haddad, Aluízio Bezerra e Raimundo Lira passaram a questionar o Ministro sobre assuntos já abordados no depoimento do Sr. Dílson Funaro: crescimento, transformação da dívida em investimento, modernização, moratória, tática de negociação, “spread” zero etc. A palavra foi dada então ao Senador Roberto Campos que, por não ser membro da Comissão (conforme se justificaria depois), decidiu não inquirir o Ministro mas tecer alguns comentários sobre as negocia­ções programadas pelo Brasil. A fala do Senador exigiu do Ministro uma réplica e, por causa de ataques explícitos ao PMDB, mereceu também uma réplica do Sena­ dor Fernando Henrique Cardoso

A Fala do Senador Roberto Campos – “Sr. Ministro, eu descreveria a postura nego­cial do seu ilustre antecessor, Ministro Dílson Funaro, como sendo uma postura de arrogância messiânica. E descrevo a postura de V. Exa. como sendo racional onírica. Racional, porque V. Exa. é um bom economista, com livros de texto que merecem aplauso e que contam com o respeito da comunidade acadêmica. Onírica, porque V. Exa. é obrigado a prestar contas a um partida que não prima pela con­sistência de seus postulados econômicos e cujo gerenciamento direto ou indireto da economia passará aos livros de textos como detentor de vários recordes: duas hiperinflações no espaço de 18 meses, uma recessão e uma moratória.

“Como sou mais velho e os velhos são presunçosos (diz mesmo o ditado espanhol: “el diablo sabe más de dínero que de diablo”), permitir-me-ia dar-lhe um conselho. Esse conselho seria não falar em “spread” zero.

“Minutos depois de V. Exa. enunciar, como um dos objetivos do Brasil, a obtenção de um “spread” zero, subiram os “spreads” sobre as nossas linhas de curto prazo em 0,25%. Reação instantânea de mercado. 0 que, certamente, terá causado prejuízo aos nossos exportadores, que tiveram que arcar com custos adi­cionais e, também aos nossos importadores que enfrentaram custos mais altos e, certamente, os buscaram transferir para o consumidor.

“Não é realista falar em “spread” zero e não há semelhança entre “spread” e deságio. 0 deságio que existe para os títulos brasileiros, e para tí­tulos de vários. outros países, é um fenômeno de mercado, não é uma decisão bancária tomada em comitês de crédito e comunicada aos acionistas. Um banco não pode dar “spread” zero a não ser que ele esteja disposto a se transformar em en­tidade filantrópica, coisa que, geralmente, não é aceita pelos acionistas. 0 “spread” zero significa que o banco se contentaria, meramente, em repassar re­cursos aos custos de captação, que ele próprio enfrenta, sem’ nada para cobrir custos operacionais. Nada de lucro e nem uma margem de risco. Perguntaria a V. Exa.: e os deságios que ele sofre no mercado? Isso é um problema que o banco tem que explicar aos acionistas. Mas ele não pode, de antemão, pronunciar-se como entidade filantrópica encarregada de meramente repassar dinheiro a custo zero.

“Não é realista, também, Sr. Ministro, essa postura, porque o Brasil não é o único País que negocia a sua dívida. Existe um emaranhado de acordos complexas com Argentina, com o México, com a Venezuela, com a Coréia do Sul, e certamente, se o Brasil obtivesse “spread” zero, todos esses países imediatamente passariam a querer renegociar suas dividas nessa base filantrópica. Não é realista, Sr. Ministro. E quanto mais V. Exa. falar em “spread”, zero, mais se curtam as linhas de curto prazo e mais acresce o “spread”, de curto prazo. E, ao contrário das linhas de longo prazo, que nós já absorvemos, as linhas de curto prazo são ainda uma vivência cotidiana, são elas que alimentam o comércio de ex­portação e importação, para nós absolutamente necessário.

“Não participo do otimismo de V. Exa. em relação aos próximos meses­ Acho que V. Exa. está empenhado, patrioticamente, numa queda-de-braço. 0 meu re­ceio é que nós dependemos vitalmente das linhas de curto prazo. E acontece que essas linhas de curto prazo, que financiam o comércio exterior, são dadas pelos mesmos bancos com os quais estamos numa queda-de-braço em relação aos créditos de longo prazo.

“Ainda um fenômeno que é peculiar à legislação americana e que deve causar inquietações: se até outubro não for feito nenhum pagamento, ainda que simbólico, é provável que as três entidades controladoras do mundo bancário te­nham que se reunir para reclassificar os créditos brasileiros. E há um certo risco de o País ser declarado um risco Isub standardI, subpadrão. Neste caso, é legalmente vedada a extensão de qualquer crédito ao País, o que nos deixaria na mesma situação em que se encontra o Peru.

“Esse perigo de reclassificação ou desclassificação do Brasil é um pe­rigo real. Eu não o contemplaria frivolamente, à base de experiência assaz longa que tenho, porque fui renegociador de dívidas do Brasil por três vezes. Pensei que a última consolidação feita em 1984, nos livrasse para sempre dessa humilhação. Vejo que essa humilhação agora se repete e vejo que estamos criando uma nova cultura, a cultura da moratória.

“Nos meus tempos a moratória era considerada humilhante acidente de percurso, do qual precisávamos nos livrar, por um sentido de decência íntima, o mais rapidamente possível. A nova cultura da moratória passou a ser um ato patriótico e ameaça destruir a economia de mercado, Sr. Ministro.

“Nós esperávamos ter um efeito dominó externo: país sobre país, declarando-se insolventes, e forçando uma reforma do sistema financeiro internacional. 0 que aconteceu foi dominó interno. A cultura da moratória é fácil, porque Estados e municípios se consideram desobrigados de pagar à União, a União não paga os seus fornecedores – temos aí as reclamações de ABINEE, re­clamações lancinantes – e os devedores que não pagam aos bancos. Essa cultura, Sr. Ministro, é perigosa porque conflita com um dos objetivos, muito sabiamente expresso por V. Exa.: a restauração da poupança privada.

“A restauração da poupança privada exige confiabilidade contratual. Aliás, o nosso desenvolvimento econômico como um todo não avançará se não reorganizarmos u m sistema de confiabilidade contratual. o que faz a moratória é divinizar, por assim dizer patrioticamente, a inadimplência, que a meu ver é sem­pre um acidente de percurso humilhante. No caso atual, aliás, é um acidente de percurso que nos ocorreu por simples descuido na condução do veículo, porque não havia precipícios internacionais, como aqueles que precederam outras moratórias brasileiras: queda dramática de preço de café, depressão mundial, alta de preço de petróleo, alta de taxa de juros.

“Na realidade, quando declaramos esta moratória a conjuntura interna­cional era favorável, o crescimento mundial normal. Em alguns países, como os do Leste asiático, há um crescimento até anormal, da ordem de 12,5% ou 10% anualizado.

“Concordo com V. Exa. em que não há motivo nenhum para considerarmos ­uma ida ao FMI um suicídio. Tenho impressão de que, no partido de V. Exa., pouca gente saberá realmente o que é o FMI. Eu sei bastante, porque sou suficientemen­te velho para ter participado da conferência da fundação. Hoje o Fundo Monetário tem 151 membros dos quais apenas 22 são países desenvolvidos; todos os outro são países subdesenvolvidos e, portanto, basicamente simpáticos às dificuldades dos subdesenvolvidos. Doze dos países membros são comunistas, e há indicações de que, como parte da própria “glasnost”, ou seja lã o que for, até Gorbachev esta­ria interessado em se juntar a essa organização, como já o fez a China Comunista.

“Persiste outra confusão – e V. Exa. prestaria um serviço ao País se a esclarecesse, particularmente no tocante ao seu próprio partido – entre recessão e FMI. Nenhuma organização internacional, como nenhum governo sensato, jamais objetiva fazer um programa recessivo. A recessão pode advir acidentalmente de outra causa, do desequilíbrio do balanço de pagamentos. Se um país tem um dese­quilíbrio de balança de pagamento e não encontra mais fornecedores e financiado­res dispostos a pagar ele tem que fazer um ajustamento, queira ou não queira, com FMI ou sem FMI. E nós estamos, sob a sua batuta Sr. Ministro, fazendo preci­samente esse ajustamento, estamos procurando ter saldos de exportação. 0 que é que significa isso? Significa contenção do consumo interno. Essa contenção pode ter aspectos recessivos, Independentemente de ir ou não ao Fundo. Ir ao Fundo talvez atenuasse o problema, porque nós teríamos maior acesso a financiamento internacional, e poderíamos manter um ritmo mais elevado de importações. 0 pro­grama do FMI podia ser anti-recessivo.

“Uma vez que o Presidente está impondo limites de tempo –provavelmente é esta a sua função – limito-me a estas considerações, desejando a V. Exa. Bom sucesso na sua empreitada, mas solicitando-lhe, talvez um pouco mais de preocupações com as conseqüências adversas que pode advir de um impasse ou de uma queda-de-braço. A mais grave dessas consequ§ncias é o total desaparecimento da contribuição de capitais de risco para a economia brasileira.”

Réplica do Ministro Bresser Pereira – “Senador Roberto Campos, eu também o considero um economista notável, e tenho dito que os economistas têm obrigação, entre si, de estarem de acordo em basicamente 80% das coisas; mas, felizmente, eles ficam em desacordo em 20%, os bons economistas. Os maus economistas podem ficar em desacordo em tudo. E acho que há um desacordo entre nós que depende, inclusive, do fato do Sr. ser de um partido e eu de outro.

“Com relação ao problema do “spread” zero, acho que não entendi o que V. Exa. falou. Há aí uma discordância, em primeiro lugar, de conceito. V. Exa. disse-me que o banco não é entidade filantrópica; banco tem que cobrir custos operacionais e deve ter uma taxa de lucro. Estou de pleno acordo com tudo isso. Acontece que o “spread” não foi feito para isso. 0 que foi feito para isso é a taxa de juros. A taxa de juros é feita para cobrir os custos operacionais e dar lucro para a empresa.

“0 que é o “spread”, salvo engano meu, é a taxa de risco. Por que o Brasil sempre pagou um “spread” mais alto do que outros países, do que paga, por exemplo, a França? Porque a taxa de risco do Brasil é mais alta do que a da França.

“No caso atual do Brasil o risco já foi realizado. Estamos simplesmente tendo um problema de financiamento de juros com outro nome. 0 nome é dinheiro, novo, que eles dão. Mas na verdade é capitalização de juros.

“Quanto à tese de que o Brasil não é 0 único país e que há outros países que seguiriam o exemplo do Brasil, esta é uma contingência da situação que vivemos. A única coisa que a gente pode discutir no caso é que se esta tese é a do bom exemplo ou do mau exemplo.

“Estou de acordo que o Brasil é um país importante, e uma decisão e uma_ conquista do Brasil se espraiará para os demais países. Por exemplo, o Brasil, até recentemente, não conseguia “spread” menor do que 1 e 1/4. A Argentina e o México já conseguiram porque mudou o clima. Eu acho que está na hora do Brasil conseguir “’spread” zero. Porque, realmente, toda essa idéia do desconto é uma idéia que está ficando nova, como também a decisão do Citíbank de fazer as suas reservas é uma idéia nova.

“Entendo perfeitamente a preocupação do Senador a respeito de quedas-de-braço, mas não se trata de uma queda-de-braço. Trata-se de o Brasil defender uma posição de interesse dele.

“V. Exa. se preocupa, também, com o meu otimismo em relação aos próxi­mos meses. Eu não vou dizer que esteja muito otimista. Eu espero resolver o problema.

“com relação às linhas de curto prazo que são essenciais para financiar as exportações brasileiras, eu gostaria de lembrar que estas linhas interessam ao Brasil, mas também interessam aos bancos credores, que ganham um bom dinheiro  com elas e têm interesse por isso mesmo em manter boas relações conosco. ASSIM, se nós não estamos tomando decisões unilaterais, eles também não devem tomar. Agora, acho que devemos preocuparmo-nos com que os bancos não tenham prejuízos maiores, que não haja a reclassificação de créditos deles com o Brasil; isto é o que pode acontecer em 20 de outubro. É muito importante que mantenhamos boas re­lações com os nossos credores. Mas, Infelizmente, em certos momentos nossos in­teresses não são exatamente os mesmos. E aí, então, temos que fazer alguma coisa que não é agradável para eles.

“Eu realmente não gosto da cultura da moratória e não estou propondo em hipótese alguma essa cultura. Importante, porém, é que não fomos nós que decidi­mos suspender o mercado, foram eles. Em agosto de 1982, depois de nos emprestarem em excesso, claramente em excesso, a nós e a muitos outros países, os ban­cos, de repente, perderam a confiança ante a quebra do México e suspenderam o mercado para quase todos os outros países, Inclusive para aqueles que tinham uma situação boa, como era o caso da Colômbia. Nessas condições, devemos fazer todo o esforço passível para evitar a moratória, mas temos que ter com muita clareza que ela é um instrumento de negociação que temos e que deve ser utilizado de ma­neira muito objetiva. Se pudermos evitá-la, ótimo. Se for inevitável, assumamo-­la, porque isso faz parte dos nossos interesses.

“Estou de acordo que, quando temos um problema de desajuste no balanço de pagamentos, temos que resolvi-lo. Uma das soluções para ele é a recessão. A outra, é a desvalorização cambial. Uma das duas é inescapável. As vezes é possível resolver o problema através de financiamento, mas como o financiamento está escasso, geralmente um país como o Brasil não tem alternativa senão desaquecer um pouco a sua economia sem entrar em recessão e, além disso, desvalorizar a taxa de câmbio que está valorizada em excesso. Com isso, recupera-se. 0 que é preciso é saber fazè-lo bem, equilíbradamente.

“0 FMI não significa necessariamente recessão estou de acordo com V. Exa. 0 que existe da parte do Fundo Monetário Internacional, historicamente,  é uma priorizarão para o ajuste do balanço de pagamentos em relação ao crescimento­ econômico. Só recentemente é que essa teoria vem sendo mudada, mas o processo de mudança é lento.”

A Réplica do Senador Fernando Henrique Cardoso “Sr. Presidente, Srs. Senado­res, Sr. Ministro.

“Em primeiro lugar, felicito-o, e a nós também, por esse momento. Par­ticipei de várias reuniões, no passado, com outros Ministros, mas nunca no pro­cesso de negociação e nunca para explicar com clareza o que estava sendo feito. Só depois da restauração da democracia e de o Congresso voltar a assumir a posi­ção de liderança nas questões políticas brasileiras, inclusive nas econômicas, é que nós assistimos a essa espécie de prévia do que seria o parlamentarismo, em que os ministros vêm, explicam, recebem perguntas precisas, curtas e objetivas e nos felicito por isso hoje e respondem também com o clareza. Isso é um avanço muito importante. Se tivéssemos utilizado tal prática no passado, não te­ríamos hoje de adotar a técnica da racionalidade onírica.

“O onirismo é um pesadelo graças às dívidas imensas que o PDS nos dei­xou e que foram contraídas sem que tivéssemos absolutamente qualquer participa­ção no processo decisório. Hoje, estamos penosamente tratando de repor a situa­ção do Brasil numa condição que permita a este Pais continuar crescendo.

“Quero dizer também – e falo pelo PMDB – que o meu partido tem, nesta matéria, um pensamento que não foi improvisado. Ainda recentemente, na Convenção do PMDB, houve uma negociação entre vários pontos de vista conflitantes. 0 Mi­nistro Bresser Pereira tem conhecimento dos resultados dessa negociação e sei que prestou no exterior as informações pertinentes a este respeitos e que a po­sição do PMDB é hoje absolutamente racional com respeito aos interesses do Brasil.

“Há várias modalidades de racionalidade. Ela, em si mesma, pode não ser substantiva – para usar uma expressão weberiana. Pode ser uma racionalidade for­mal, que atende apenas à reposição de um sistema tal como ele é dado, sem que possamos mudar as suas regras.

“Há uma outra racionalidade, que visa atender às mudanças necessárias, para que aqueles que estão na posição de país em desenvolvimento, como é o nosso caso, possam assumir no concerto internacional uma posição madura de reivindica­ção de seus interesses.

“Os banqueiros não têm por que discutir as políticas postas em prática aqui, a não ser que se trate de dinheiro novo. Isso não ocorre. Trata-se apenas de refinanciamento de juros. Quem tiver dinheiro para colocar no mercado para nele investir terá o cuidado de verificar se se trata de um bom investimento. Cabe a essa pessoa, seja banqueiro privado ou oficial, tomar as medidas necessárias para se assegurar do bom investimento. Não se trata disso, e sim de renegociar juros. Portanto, acredito que a política do Ministro Bresser Pereira é correta no sentido de que S. Exa. vai aos bancos para tentar um entendimento que é – diga-se de passagem – de grande interesse mútuo. Talvez, até seja de mais interesse dos bancos do que do Brasil. 0 nosso é contratual, pagar o que devemos. 0 dos banqueiros é mais do que isso, é assegurar-se de que continuarão a ter um bom cliente. Continuarão a tá-lo, porque o Brasil é uma economia com potencial de desenvolvimento, ao contrário do que muitos apregoam e pensam.

“Falo novamente pelo PMDB: não estamos impondo nenhuma cláusula restritiva ao investimento estrangeiro, além do razoável para um país que precisa proteger o seu crescimento.”

 

V    –  A EVOLUÇÃO DAS NEGOCIAÇÕES, A PARTIR DE INFORNAÇÕES PRESTADAS A COMISSÃO PELO MINISTRO BRESSER PEREIRA E PELO PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL, FERNANDO MILLIET.

A partir do momento em que o Governo brasileiro decidiu retomar os en­tendimentos com os bancos credores, por meio do Comitê Assessor em Nova York, esta Comissão manteve sucessivo encontros com o Ministro da Fazenda, Bresser Pereira, e com o presidente do Banco Central, Fernando Milliet.

As informações recebidas daquelas autoridades, no que se refere à es­tratégia geral da negociação, confirmaram declarações públicas do Presidente Sarney no sentido de que:

  1. a) quanto às conversações com os bancos, o governo brasileiro não iria efetuar nenhum pagamento simbólico aos credores do Brasil no exterior. “Ou che­garemos a um acordo que resulte de um lado na suspensão imediata da moratória e de outro na retomada dos fluxos de recursos externos para o país, ou fica tudo como está” (0 Estado de S. Paulo, 319/87);
  2. b) quanto ao FMI, “não vamos iniciar a negociação da dívida partindo dos organismos internacionais. Vamos negociar em primeiro lugar com banqueiros” (0 Estado de S. Paulo, 22/8/87).

A proposta de renegociação da dívida externa apresentada pelo Brasil ao Comitê Assessor em 25 de setembro de 1987 buscava combinar o enfoque convencio­nal de financiamento dos juros com uma abordagem alternativa de longo prazo que previa a conversão de débitos de médio prazo em bônus (a assim chamada “securitização”).

De acordo com as autoridades brasileiras, a proposta objetivava:

  1. a) assegurar razoável crescimento econômico e estabilidade de preços para a economia brasileira;
  2. b) reintegrar o Brasil na comunidade financeira internacional;
  3. c) encontrar uma solução de longo prazo o problema da divida que permitisse ao Brasil pagar seus compromissos nos vencimento de um cronograma consistente com a sua capacidade de pagamento e que, por outro lado proporcionasse aos bancos um tratamento razoável que lhes permitisse manter o valor dos ativos registrados em seus livros e receber os pagamento periodicidade regular
  4. d) reduzir para os investidores particulares tanto internos quanto ex­ternos as incertezas geradas pelos freqüentes e repetitivos reescalonamentos da dívida.

 

0 ENFOQUE CONVENCIONAL

A parte convencional da proposta brasileira previa a consolidação da dívida num período não inferior a três anos, a contar de 1986.

Para 1987, propunha-se o financiamento de 100% dos juros da dívida de médio prazo no período de 20 de fevereiro a 31 de dezembro, num montante de a­proximadamente US$ 4, 3 bilhões.

0 financiamento dos juros para 1988 e 1989 seria solicitado apenas aos bancos que não optassem pela “securítização” ou para aquela parcela dos créditos pendentes dos bancos e sujeita à abordagem convencional. 0 financiamento dos ju­ros Já estaria embutido no cronograma de pagamentos de longo prazo dos créditos transformados em bônus. Seriam financiados cerca de 60% dos juros da dívida de médio prazo previstos para 1988 (aproximadamente US$ 3,0 bilhões) e 1989 (aproximadamente US$ 3,1 bilhões).

Quanto às taxas de juros, propunha o ajuste imediato aplicadas ao total da divida de médio prazo, as quais não deveriam ultrapassar o limite da “litor” ou de uma taxa doméstica equivalente (“spread”).

Propunha-se ainda o estabelecimento de um teto máximo para a taxa de juros (“interest capping”), acima do qual haveria financiamento automático dos juros.

Finalmente, previam-se salvaguardas especiais para o caso de comprome­timento da capacidade de pagamento do Brasil em função de uma deterioração subs­tancial dos termos de intercâmbio comercial.

A ABORDAGEM DE LONGO PRAZO

A abordagem de longo prazo partia da premissa de que, decorridos cinco anos da eclosão da crise da dívida externa, não seria mais possível contar com os mercados financeiros para rolar voluntariamente o principal e os juros. Impunha-se assim um reescalonamento de longo prazo que permitisse ao Brasil re­tomar o pagamento regular de seus compromissos.

Com esse propósito, o Brasil Propunha-se  oferecer, em bases voluntárias de reversão a bancos que não mais desejassem participar ou desejassem reduzir sua participação no processo convencional. os bônus não estariam sujeitos a reescalonamento ou a Pedidos de “dinheiro novo” para o fi­nanciamento dos juros, precisamente porque seus prazos e a taxa de juros seriam estabelecidos estritamente de acordo com a capacidade de pagamento do Brasil. Seria incluída uma disposição que permitisse o aumento dos rendimentos, vinculando-os a avanços no desempenho futuro da economia brasileira.

O bonus ou outros instrumento do reescalonamento de longo prazo seriam emitidos com valor nominal igual ao da dívida pela qual estariam sendo trocados. Eles seriam o mecanismo principal para              a conversão da dívida em investimentos.

Nos meses de outubro e novembro, em diversas ocasiões, o Ministro Bres­ser explicou a evolução das negociações, em especial a decisão de se fazer um pagamento simbólico aos bancos credores com o fito de desbloquear as negociações e permitir a finalização de um acordo de médio e longo prazo e de negociar um acordo “stand by” com o FMI.

Esta Comissão, em todas as oportunidades, não deixou de manifestar sua preocupação com os efeitos negativos para a negociação e para o País do pagamen­to simbólico (que redundaria, na prática, na saída da moratória) e do acordo com o Fundo (pelas implicações recessivas para a economia).

As negociações com o Comitê Assessor, nesse período, ao invés de se concentrarem na proposta brasileira, por pressão dos bancos, respaldada pelo Go­verno norte-americano (Departamento de Tesouro). Voltaram-se para o problema da moratória. A solução dessa questão foi colocada como uma condição prévia para a continuação dos entendimento visando a um acordo de médio e longo prazo.

A pressão do Departamento do Tesouro. acenando A reclassificaçao pelo Interagency Country Exposure Risk Committee (ICERC) dos créditos brasileiros para “value impairedff. com conseqüências contábeis para os bancos, criou um impasse que os representantes do governo brasileiro decidiram romper, aceitando a premissa de afastar a ameaça de reclassifição.

Com isso deslocou-se a negociação da proposta brasileira para a esque­matização, a partir de roteiros preparados pelo Governo norte-americano, de um acordo provisório que regularizasse a situação da suspensão dos pagamentos de juros desde 20 de fevereiro de 1987.

Embora fazendo essa importante concessão, o governo brasileiro, pela­ voz de seu Ministro da Fazenda, informava a esta Comissão que a posição geral não havia mudado e que seus pontos principais poderiam ser assim resumidos:

  1. NEGOCIAÇÃO COM OS BANCOS

Continuavam como posições inegociáveis do governo brasileiro:

  1. a)   desvinculação dos desembolsos de recursos do FMI e dos bancos credo­res
  2. b) “securitização” da divida por meio de titulos de longo prazo com taxas de juros fixas;
  3. c) taxa de risco (“spread”) substancialmente abaixo dos 13/16% obtido pela Argentina e México;

 

  1. d) mecanismo de salvaguarda para prevenir efeitos negativos de fatores exógenos (aumento das taxas de juros e preços de petróleo);
  2. e) volume adequado de recursos (60% do total dos juros);
  3. f) jurisdição (cláusula contratual que possibilita a penhora de bens brasileiros no exterior, antes do inicio de eventual demanda judicial).

 

  1. FMI

0 Governo brasileiro decidira fazer um acorda “stand by” com FMI, sujeito a duas condições conforme nota oficial divulgada em 16 de novembro pelo próprio Ministro da Fazenda:

  1. a) preexistência de um acordo com os bancos credores;
  2. b) confirmação, nesse acordo, de que não haveria vinculação entre os desembolsos a serem efetuados pelos bancos comerciais e aqueles que decorressem) de um acordo com o FMI.

Além disso, registrava a nota oficial do Ministério que o programa eco­nômico que fosse discutido com o FMI deveria basear-se em metas que o governo brasileiro considerasse realistas e ajustadas ao interesse nacional. Merece especial referência, nesse particular, que o Presidente Sarney em repetidas de­clarações públicas, nunca deixou de reconhecer que a soberania das decisões na­cionais impedia a volta do monitoramento da economia nacional pelas rígidas regras do FMI.

 

  1. SUSPENSÃO DA MORATÓRIA

0 Ministro Bresser Pereira não considerava que o acordo provisório e o pagamento de parte dos juros atrasados significasse o fim da moratória.

Segundo ele, o governo brasileiro só suspenderia a moratória quando fí­casse concluída a negociação de um acordo de médio e longo prazo com os bancos, pelo qual o Brasil refinanciaria 60% dos pagamentos dos juros em 1987, 1988 1989. A suspensão só ocorreria quando o Brasil pudesse manter um pagamento sustentado de juras, de acordo com a capacidade de pagamento do País.

 

A SITUAÇÃO DAS NEGOCIAÇÕES NO FINAL DA GESTÃO BRESSER

No dia 15 de dezembro, três dias antes da demissão do Ministro Bresser Pereira, o governo brasileiro assinou um acordo de financiamento interino com 114 bancos estrangeiros no montante       de. US$ 3 bilhões, para equacionar o paga­mento dos juros de 1987, suspensos desde 20 de fevereiro e estimado em US$ 4,5 bilhões de suas reservas.

Conforme o estabelecido pelo acordo, nos dias 30 de dezembro e 11 de janeiro, o Brasil retiraria de suas reservas depositadas no Bank of Internacio­nal Settlement o total de US$ 500 milhões, ao mesmo tempo em que os bancos depo­sitariam US$ 1 bilhão: com isso seriam quitados os juros de outubro, novembro e dezembro. condicionado a aprovação com os bancos para o acordo médio  prazo, até 15 de janeiro (prorrogável até 29 de janeiro), à obtenção do apoio dos bancos até 15 de março e à assinatura do referido Protocolo a 15 de­ junho, o restante (US$ 1 bilhão do Brasil e US$ 2 bilhões dos bancos) seria de­sembolsado em 15 de junho, saldando-se os juros de 20 de fevereiro a 30 de setembro de 1987.

Segundo informações recebidas pela Comissão, as condições em que foi negociado esse acordo representaram grande retrocesso, se comparadas à proposta inicial do Brasil. 0 acordo de financiamento provisório foi assinado, havendo o Brasil aceito os custos mais altos de que se tem notícias, sendo o “spread” calculado em 2,3% ao ano sobre a “libor”.

Além de insistir na negociação da pauta pendente, o Governo brasileiro, conforme esclarecimentos Prestados à esta Comissão, deixou bastante claro ao Comitê de bancos que o pagamento dos juros, de forma corrente, a partir de 1º de janeiro, Só seria possível ao final da negociações, com a conclusão do acordo de médio e longo prazo. 0 argumento apresentado era o de que o País não iria pa­gar os juros de 1988 somente com recursos de suas reservas, mas sim com um financiamento adequado. Se pagasse, seria uma atitude irresponsável pela ameaça de rápida redução das reservas.

Por outro lado, o Ministro Bresser Pereira, reiteradamente, assinalou que se a negociação do protocolo com os bancos credores não fosse concluída até 29 de janeiro, ficaria evidenciada a impossibilidade de o Comitê Assessor condu­zir essa matéria. 0 Brasil não prorrogaria esse prazo, suspenderia as conversa­ções com o Comitê Assessor e procuraria formas alternativas de entendimento di­reto com os credores.

Dentre os pontos que ficaram pendentes para discussão com o Comitê As­sessor, devem ser lembrados:

  1. a) financiamento de 60% dos juros de 1987-89;
  2. b) taxa de juros substancialmente abaixo dos 13116% obtidos pela Argen­tina e México;
  3. c) mecanismo de salvaguarda, que evitariam nova suspensão de pagamento dos juros em virtude de fatores fora do controle do País, como a alta taxa de juros e a perda nos termos de troca;
  4. d) jurisdição;
  5. e) desvinculação entre os desembolsos dos bancos privados e o de pro­grama de ajuste com o FMI;
  6. f) aceitação da “securitização” da dívida.

Paralelamente às negociações de Nova York, por proposta do Banco Cen­tral, o Conselho Monetário Nacional, em reunião de 17 de novembro, aprovou a Re­solução no. 1416, que estabeleceu as regras básicas do Programa Brasileiro de Conversão da Dívida Externa em investimentos.

Com vistas a possibilitar a conversão em investimento de créditos con­tra o Banco Central, a União emitiria bônus de conversão da dívida externa.

Antes ou depois do lançamento desses bônus, o Banco Central só autori­zaria a conversão, no caso de credores participantes ou não dos contratos de r estruturação da divida externa brasileira, se os credores originais tivessem formalmente, concordado com modificações contratuais que se fizessem necessária para permitir o lançamento desses bônus e a própria conversão. A conversão de créditos contra o Banco Central somente seria permitida após o lançamento dos bônus e dependeria de subscrição prévia dos bônus pelos titulares dos créditos.

 

As negociações com o Comitê Assessor, retomadas em 25 de setembro prosseguiram com intervalos em outubro, novembro e dezembro. Interrompidas no. dia 18 de dezembro, depois do acordo de financiamento interino, deveriam ser re­tomadas no dia 11 de janeiro.

No dia 18 de dezembro, com a demissão do Ministro Bresser Pereira, foi expedido telex à comunidade financeira internacional, assegurando a intenção do Brasil de prosseguir na implementação do acordo interino e de continuar as nego­ciações para o acordo de médio e longo prazo, dentro do calendário previsto.

Caso não se chegasse a um acordo nos prazos previstos, era intenção do Ministro Bresser Pereira discutir diretamente com os bancos, deixando o Comitê Assessor em segundo plano.

Cabe neste ponto uma referência em maior detalhe ao Comitê Assessor.

Criado em 1983, por inspiração dos credores bancários com a concordância e a participação do governo brasileiro, o Comitê Assessor, na prática, de­monstrou ser um instrumento dos bancos para a defesa de seus interesses.

Essa atuação cartelizada dos bancos, se de um lado facilita a negocia­ção em nome de cerca de 750 instituições bancárias credoras, por outro lado cria uma atitude extremamente conservadora nos entendimentos, com resultados de duvidosos benefícios para o Brasil.

Acontecimento recente ressalta os inconvenientes dessa estratégia. A dúvida levantada pelos bancos credores quanto ao compromisso do governo brasi­leiro de pagar os juros de 1988 de forma corrente a partir de 1º. de janeiro, tem sido atribuída à forma como o Comitê Assessor apresentou o acordo provisório aos demais bancos. Segundo informações oficiosas, o Comitê Assessor teria afir­mado que o Brasil se havia comprometido com o aludido pagamento, ao contrário do que ocorreu na realidade.

Apesar de o Comitê Assessor funcionar mais como um cartel dos bancos, com uma atuação nem sempre isenta, o governo brasileiro, desde o início de 1983, paga todas as despesas relacionadas com as reuniões efetuadas em Nova York.

0 Banco Central, durante os últimos cinco anos, arcou com gastos consideráveis. Ainda recentemente, na reunião do Conselho Monetário Nacional de 27 de janeiro, o Presidente do Banco Central procurou legalizar essa situação, aprovando decisão que autoriza o Banco a gastar US$ 5,4 milhões para cobrir des­pesas de comunicação, de viagens de primeira classe para executivos dos bancos credores, hotéis e até de alimentação desses funcionários.

 

VI – DEPOIMENTO DOS SRS. PERNANDO MILLIET E FERNAO BRACHER

No dia 9 de novembro de 1967, a Comissão Especial da Dívida Externa ou­viu em sessão pública extraordinária os depoimentos dos Srs. Fernando Milliet e Fernão Bracher, respectivamente Presidente do Banco Central e negociador chefe do Brasil junto aos banqueiros, para que esclarecessem os entendimentos celebra­dos poucos dias antes com os banco credores privados norte-americano. O primei­ro a falar foi o Sr. Milliet, que, à maneira de Dilson Funaro seis meses antes, começou por situar a crise da dívida externa como sendo resultante de mudanças nas condições do mercado financeiro internacional, sendo estas mudanças por sua vez decorrentes dos reajustes feitos na economia americana a partir de 1979.

/Em seguida, enumerou algumas das contingências ou vicissitudes que ti­nham marcado a crise da dívida em 1987. Entre elas estava, por exemplo, o velho formato de negociação caracterizado pela assinatura de acordos preliminares com o FMI, um formato que o Brasil buscava reformar; estava também a demora nas ne­gociações; os efeitos negativos sobre os investimentos que tem tido a transferencia cada vez maior de recursos para o serviço da dívida; a crise nas contas brasileiras que levou à suspensão no pagamento de parte dos juros; e finalmente o esforço de ordenamento da economia nacional contido no chamado Plano Bresser. Passado e feito tudo isso, o Brasil pode finalmente apresentar à comunidade fi­nanceira internacional uma proposta de renegociação da dívida cujos itens repre­sentavam, segundo o Sr. Milliet, “imensos avanços”: 1) refinanciamento de juros por três anos; 2) redução substancial dos Ispreads1; 3) um teto para as taxas de juros; 4) conversão de parte da dívida em títulos de longo prazo, e 5) a desvinculação da dívida bancária de qualquer acordo que o país eventualmente faça com o Fundo Monetário Internacional.

Os credores queriam antes de mais nada que o Brasil pagasse pelo menos. três meses dos juros devidos; isto porque as negociações estavam sendo conduzidas ante o fantasma da reclassificação, ou seja, frente A possibilidade de que ICERC decretasse a dívida brasileira como “value impaired”, crédito em liquidação. Se o Brasil pagasse pelo menos trás meses ou algo em torno de 1,5 bilhões de dólares, ficariam todos – Brasil, bancos, ICERC – abaixo do prazo ­limite e do fantasma da reclassificação. Os negociadores brasileiros insistiram evidentemente que também os bancos dessem “um sinal” de que estavam dispostos a fazer uma negociação adequada aos interesses e aos objetivos do Brasil.

0 Sr. Fernão Bracher, por sua vez, relembrou. a “situação de fato” na qual as autoridades brasileiras lhe confiaram a tarefa de “encetar o caminho das negociações”. Do lado brasileiro, a situação caracterizava-se pela deterioração constante da posição do País junto aos meios financeiros internacionais, pela queda dos saldos emprestados pelo Banco Mundial, pelos saldos negativos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento, e pelos dispêndios financeiros que a­pesar da moratória, eram da ordem de US$ 8,2 bilhões este ano.

Do lado dos credores, a situação se caracterizava antes de mais nada pelo fantasma da reclassificação, um fantasma criado por eles mesmos e embutido nas regras de fiscalização do seu sistema bancário. Uma declaração de crédito em liquidação não é algo que se faz com facilidade, pois ela acarreta perdas varia­das para todas as partes. No caso as partes são o Governo norte-americano, atra­vés do ICERC, os bancos e o Brasil. Para o Governo norte-americano uma tal de­claração sempre acarreta alguma perturbação política desagradável; para os ban­cos ela acarreta uma perda específica de dinheiro e de cliente, e para o Brasil, perda generalizada de crédito. Todos, portanto, tinham sua dose de interesse em evitar a reciaísificação, e a julgar pelo tamanho das respectivas perdas a maior dose de interesse era a do Brasil.

“Na realidade nós estamos vivendo em um mundo de regulamentos, nós re­clamamos que os regulamentos não atendem os nossos interesses, questão desatualizados. Mas há a inércia, como V. Exas. sabem, dos regulamentos, da ordem estabelecida, do poder estabelecido, enfim das coisas que são como são.”

Se o processo evoluísse a tal ponto que a reclassificação fosse decla­rada  o que aconteceria caso as negociações não chegassem aos frutos esperados o Brasil teria duas opções: insistir no caminho das negociações, o qual teria se tornado ainda mais adverso, ou então radicalizar ante todos os organismos do sistema financeiro internacional, o que teria o efeito imediato de estancar a sangria de recursos mas transformaria o país numa “ilha” parecida com a Rússia dos sovietes e com a China de Mao Tsé-tung.

o Brasil poderia viver dentro do contexto radical, como uma “ilha”, o que seria sem dúvida mais difícil e muito complicado. Em todo caso, “não foi esse”, disse o Sr. Bracher, “o momento escolhido” para a radicalização. Foi pois com a instrução de negociar sem radicalizar que ele viajou para Nova York em busca Mas melhores vantagens e das melh ores condições” para o Brasil.

As negociações de outubro só chegariam a um acordo provisório, útil to­davia para orientar a situação para um acordo posterior de mais longo prazo. Tanto assim que discutiu-se muito as saídas alternativas para a reclassificação e também como criar um ambiente favorável à eventual discussão da dívida pro­priamente dita.

A solução que foi possível negociar apresentava os seguintes aspectos principais: o Brasil concordava em pagar os juros de outubro, novembro e dezembro de 1987, num total de 1,5 bilhões de dólares; desse total o Brasil desembol­saria 500 milhões e os bancos refinanciariam 1 bilhão; quanto aos juros de 20 de fevereiro a 30 de setembro, o Brasil só os pagaria no caso de se chegar a uma: negociação final que julgasse definitiva e satisfatória; e novamente na data do pagamento destes juros, preestabelecida para o dia 16/06188, o Brasil desembol­saria 1/3 e os bancos refinanciariam 2/3.

Quanto ao papel do Fundo Monetário Internacional nas negociações, não se chegou a nenhum acerto, embora houvesse grandes discussões. 0 que se conse­guiu nestas foi mostrar e reiterar a posição brasileira, que era a de negociar com os bancos em separado, a de fazer acordos em separado com os bancos e com o FMI. “Esta posição brasileira foi claramente definida: não aceitaremos vinculação do desembolso dos empréstimos bancários a um eventual acordo com o FMI. Essa era a nossa posição, a de que o Fundo para o qual pediríamos apoio a um programa nosso, não um programa dele, seria um novo Fundo, a saber, um Fundo que não ti­vesse poder, um Fundo desvinculado do desembolso dos bancos e esta é uma tese muito ousada nossa.”

Dois pontos, portanto, foram afirmados pelos negociadores brasileiros quanto ao FMI: primeiro, que houvesse desvinculação; segundo, que o tempo de so­licitar apoio do Fundo para algum programa seria, – seriam, aliás, tempo e pro­grama – do Brasil. E mesmo este passo de pedir apoio, os negociadores brasilei­ros o condicionaram a que houvesse progresso nas negociações propriamente ditas. E quais seriam esses progressos? 0 Sr. Bracher citou dois: a eliminação do fan­tasma da reclassificação e a desvinculação.

Indagações dos Senadores

Os comentários mais críticos ao processo de negociação vieram do Sena­dor Roberto Campos. 0 Senador compareceu à audiência pública da comissão Espe­cial para, mais uma vez, fazer a defesa do sistema financeiro que ele assistira nascer há quarenta anos e apresentar sua tese sobre o que realmente estava acon­tecendo com as negociações.

“Acredito que os bancos estão hoje em atroz dúvida,” disse o Senador, me somente consentiram nessa acomodação de curtíssimo prazo porque tinham um in­teresse específico de evitar a degradação da divida brasileira.” A dúvida dos banqueiros estava em saber com quem falavam: se com representantes do Governo brasileiro ou se com apenas as pessoas físicas de Milliet e Bracher.

“É extremamente difícil negociar qualquer coisa com o Governo brasileiro”, disse o Senador. 0 Governo teria deixado de ser uma pessoa jurídi­ca, com a qual se pudesse travar entendimentos contratuais, e se transformara num agregado de pessoas físicas. 0 exemplo mais claro disso seria o entendimento firmado pela Autolatina com o Ministro Dilson Funaro e não reconhecido depois pelo Ministro Bresser Pereira.

Para o Senador, o nome Funaro estava intimamente ligado à “tola aventura” da moratória. Desacreditando das explicações sobre a suspensão do pa­gamento dos juros dadas pelo Sr. Funaro (vide capítulo II), o Senador Roberto Campos atribuiu-lhe três segundas intenções: a primeira teria sido “exercer um efeito dominó sobre o resto do mundo subdesenvolvido, que se coligaria ao Brasil contra a comunidade financeira internacional”; a segunda “pareceria ser a de provocar uma reforma no sistema financeiro internacional”; e a terceira “parecia ser uma mobilização popular para glorificação do calote”. Os resultados obtidos, no entanto, teriam sido, segundo o Senador, o contrário dos desejados: “Argentina, México e Venezuela fizeram rapidamente os acordos que mais lhes con­vieram; todos acharam que o Brasil é que devia se reformar; e não houve sensibi­lização popular ao calote”

“0 Brasil desmoralizou-se no exterior, sendo a nossa imagem hoje a de um país caloteiro em finanças e pirateiro em tecnologia…. A grande asserção machista terminou com uma solução humilhante. Negociamos um acordo que a rigor só é firme em relação ao pagamento de juras que temos de fazer entre outubro e dezembro. Compare-se isso com o acordo mexicano, que é de 20 anos. Compare-se isso com o acordo Pastore, que era um acordo de 16 anos… Na realidade, não escapamos ao Fundo Monetário Internacional e acredito que o Sr. Fernão Bracher está dando uma interpretação e fazendo uma extrapolação sentimentais quanto ao que está contido na declaração conjunta. Se leio bem inglês,                                                                   não se diz ali que o FMI examinará o programa brasileiro; o que se diz é que o Brasil Procurará um programa do FXI para apoiar o seu programa. É melhor dizer as coi­sas como elas são e não há nenhuma vergonha nisso. Pelo contrário, se alguma vi­tória houve dos negociadores foi exatamente a de aceitarem o monitoramento do Fundo Monetário Internacional…

“Em suma, fizemos o pior acordo de nossa história, mas é admirável que alguém tenha conseguido negociar com o Brasil dada a atual confusão governamen­tal, onde existem pessoas físicas mas não existe pessoa jurídica, seja do Gover­no, seja de Ministérios.”

A resposta do Sr. Milliet aos comentários críticos de Roberto Campos não abordou a tese deste sobre a falta de pessoas jurídicas (autoridades compe­tentes) do lado brasileiro. Antes, buscou demonstrar que as causas do endivida­mento e da crise estavam com o lado dos credores. A excessiva liquidez do siste­ma financeiro internacional teria criado condições propícias para que o Brasil se endividasse. Em seguida ou a partir de 1980, reajustes feitos na economia norte-americana aumentaram sobremaneira a demanda dessa economia por novos créditos, fazendo com que o excesso de liquidez do sistema se transformasse em       es­cassez para os países em desenvolvimento.

De especifico aos comentários do Senador, o Sr. Milliet explicou apenas que o Brasil não estava fazendo um MYRA (Multiyears Rescheduling Agreement ou “Acordo Plurianual de Reescalonamento”) típico como o que fora negociado pelo Prof. Affonso Celso Pastore ou como os que foram negociados pelos governos mexi­cano e argentino. Esses MYRAs foram plurianuais no principal, ou seja, naquilo em que os países já não estavam mesmo próximos a pagar. Quanto aos juros, ou se­ja, quanto àquilo que os países não podem pagar na totalidade, os MYRAs acima referiram-se geralmente às necessidades do primeiro ano, sem nada dizer sobre os subsequentes. Ao contrário, o Brasil estava procurando fechar um acordo que al­terasse as regras já estabelecidas desde 1982 e 1983. “Nós não estamos nego­ciando um MYRA típico”, insistiu o Sr. Milliet; “vamos refinanciàr o principal talvez por um prazo menor, mas vamos ter um programa de financiamento dos juros por três anos, e isso foi aceito, Senador Roberto Campos, pelos credores em Nova York.”

Os comentários e indagações dos demais Senadores revelaram outras face­tas importantes da proposta brasileira de negociação, especialmente nas questões do “spread” zero e do retorno ao FXI.

Depois    de pedir uma definição de “libor” e de constatar que o Brasil concordava em pagar uma margem de juros de 7/8% acima da “litor”, mais uma taxa adicional de 118% para cada banco, arredondando a margem de juros para 1%, e mais uma taxa variável de 1/8 a 1/10% de incentivo para os bancos que aderissem ao pacote, o Senador Itamar Franco quis  saber se a sugestão de “spread” zero contida na proposta brasileira tinha sido uma “brincadeira”.

Não tinha sido brincadeira, respondeu o Sr. Fernão Bracher, mas para se entender realmente o que se fez era necessário levar em conta a distinção entre ­uma reestruturação global da dívida e um empréstimo ponte. No caso o que o Bra­sil fez foi um empréstimo ponte e neste caso seguiu-se a tradição de usar como referência a menor taxa já praticada no mercado internacional que era a do México. Mas os negociadores brasileiros não seguiram apenas a tradição estabele­cida pelo México; eles seguiram também a tradição do incentivo estabelecida pe­las negociações argentinas. Assim, os brasileiros aceitaram um “spread” de 1% mais o Incentivo que seria de 1/8% caso todos os bancos aderissem ao pacote nas primeiras duas semanas. Embora este arranjo estivesse baseado na tradição e em­bora a postura do Brasil fosse a de modificar as regras das negociações passa­das, o Sr. Fernão Bracher considerou as taxas acima uma vitória do Brasil.

o Senador Carlos Chiarelli voltou ao assunto mais tarde. 0 que iria a­contecer nas negociações definitivas com o pedido de “spread” zero se o Brasil aceitava, nas negociações preliminares, pagar as taxas acima? A aceitação tática do “spread” de até 1 e 1/8 sobre a “libor” nas negociações preliminares não iria solapar a estratégia do “spread” zero das negociações definitivas?

Atento às contradições ou inconsistências na maneira brasileira de con­duzir a negociações, o Senador Chiarellí passou à questão do FMI. Se a postura brasileira era inicialmente a de só fazer qualquer referência ao FMI depois que se chegasse às negociações mais duradouras, e se se sabia que o ajuste buscado nas ultimas negociações era provisório (apenas para superar o momento da desclassificação), então, por que foi que se introduziu na proposta brasileira a questão da desvinculação? Que vantagem trouxe aquela referência ou foi ela feita apenas para satisfazer a opinião pública interna? Ou será irreversível esse pro­cesso rumo ao FMI?

“Entendi que a idéia é admitir o contato, num determinado momento, com o FMI, mas com cláusulas, condições, etc., que o Brasil vai impor. ora, o Fundo não vai abrir mão de toda a sua estratégia de muitos anos; o FMI não lida com o Brasil como lida com os outros cento e tantos países? E eu pergunto: ate que ponto é real exigir que o FMI se transforme para aceitar que nós, o Brasil, pos­samos ter planos por nós elaborados, por nós fiscalizados, e que ele, na verda­de, vai manter-se mudado nos seus padrões e procedimentos? Até que ponto é isso aí uma convicção patriótico idealista? Até que ponto isso tem viabilidade concreta?”

concluindo, o Senador Chiarelli lembrou referências feitas pelo Sr. Milliet, num encontro anterior, sobre as necessidades brasileiras de investimen­tos e as dificuldades de obtê-los internamente. Se os investimentos não podiam vir do setor público, se o setor privado não via clima nem estava disposto a in~ vestir, isso não acarretava a necessidade de captar recursos no mercado finan­ceiro internacional e, simultaneamente não criava uma dependência insuportável para o Brasil capaz de tirar-lhe as forças na negociação?

Em resposta, o Sr. Fernando Milliet afirmou que, com relação a recursos externos, as únicas esperanças razoáveis estavam no Banco Mundial ou talvez em recursos japoneses. o máximo que se poderia esperar da comunidade bancária, a continuar a atual crise no sistema internacional, seria uma redução na transferência de recursos. E era exatamente em função das possibilidades de captação de recursos adicionais presentes no Banco Mundial e no Japão que a dissociação definitiva entre dívida bancária e acordos do Fundo se tornava da mais, importância. A continuar a atual vincularão, esses recursos novos correriam o risco de ser automaticamente apropriados pelos bancos na forma de maior pagamento de juros. Torna-se necessário, portanto, uma quebra com o passado.

0 Governo japonês tinha indicado que se dispunha a conceder recursos, evidentemente, caso o País tivesse o apoio do FMI para o seu programa econômico.Esse era o contexto no qual o Brasil estava examinando a possibilidade de um acordo com o Fundo. E o Sr. Bracher tinha deixado bem claro que o País só busca­ria tal acordo a seu próprio tempo, caso entendesse que ele traria recursos novos.

o Senador Odacir Soares, por sua vez, notou que as negociações antes proclamadas pelo Governo como eminentemente políticas, ,passaram a ser eminente­mente técnicas desde que o fantasma da reclassificação surgira no horizonte. “O Governo brasileiro, ao decretar a moratória, não teria cogitado de que em um de­terminado momento seria necessariamente reclassíficado e sofreria, em decorrên­cia disso, embaraços gravíssimos na sua economia?”.

0 Sr. Milliet respondeu que as negociações continuavam políticas, mesmo porque parte delas estavam sendo conduzidos com órgãos governamentais dos países credores.

0 Senador Odacir Soares perguntou então se o Sr. Milliet seria capaz de separar nas negociações uma conquista do Brasil.

0 Sr. Milliet começou sua resposta reafirmando que no início da crise, em 1982, estabeleceu-se um formato de negociações equivocado, baseado na teoria de que as dificuldades de financiamento eram um problema de credibilidade.

“A verdade porém é que houve uma enorme demanda de crédito por parte da economia americana, que de supridora passou a tomadora de recursos. Hoje os cre­dores sabem disso, e, pelo menos individualmente, aceitam a necessidade de uma retomada de crescimento na economia dos países endividados. Isso exige uma mu­dança no formato das negociações, no entanto, falta liderança para mudar… 0 Brasil, acho, está este ano dando um avanço, um empurrão. Apesar de não sermos uma economia do porte da americana ou da japonesa, nós, justamente por iniciati­vas políticas, estamos induzindo o sistema financeiro internacional a reconhecer que não dá mais para negociar nos termos em que tradicionalmente se negociou. Se conseguirmos uma mudança, creio que terá sido uma Iniciativa política muito bem sucedida.”

Cabe assinalar que grande parte das indagações feitas aos Srs. Fernando Milliet e Fernão Bracher foi provocada pelo fato de que nenhum dos, Senadores ti­nha tido acesso até aquele momento ao protocolo ou minuta do acordo preliminar estabelecido com os banqueiros. Não é que duvidassem da palavra dos negociado­res, explicou o Senador Itamar Franco, mas a análise do protocolo ajudaria muito no conhecimento mais preciso do que se passara nas negociações.

Acontece que a minuta reclamada pelos senadores ainda não tinha existência acabada. Naquele momento mesmo, informou-se, o Sr. Antônio de Pádua Seixas estava, lá no Banco Central, dando a ela uns retoques finais. Além dessa minuta, dois telegramas negociados, um emitido pelo Brasil e o outro emitido pelos bancos credores, completavam a base documental das últimas negociações. Esses telegramas sim, o Sr. Bracher disse, deviam ser interpretados cum granum salig.

“É verdade quando se diz que uma sua declaração é brasileira. Sim, a declaração é brasileira mas é negociada com a parte contrária, e a parte contrária, em tendo negociado esse texto, com ele, o que diremos, consentiu? Consentiu o suficiente para que estivesse no nosso telegrama, sem que houvesse necessidade de uma réplica da parte deles; não consentiu o suficiente para por a sua assinatura embaixo.”

Devido a essa condição precária dos documentos, os Senadores gastaram boa parte do tempo conferindo as informações de que dispunham, várias delas ob­tidas por vias extra-oficiais ou então vasadas na complicada língua de Shakes-peare (segundo reclamação do Senador Chiarelli).

 

 

VII – NOVOS RUMOS: FIM DA MORATÓRIA?

Com a nomeação do novo Ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega, o go­verno brasileiro passou a adotar, segundo esclarecimento prestado por Sua Exce­lência a esta Comissão, uma posição mais flexível. 0 pragmatismo nas negociações passou a significar a aceitação de um acordo mais convencional e a colocaçã6 para um segundo plano de alguns pontos mais sensíveis da discussão com os ban­cos, atitude aparentemente baseada, entre outras razões, na expectativa de que a conclusão de negociações com os bancos reabrirá o mercado financeiro internacio­nal ao Brasil.

“De acordo com as informações de que dispõe a Comissão, as novas autori­dades procuram chegar a um acordo com os bancos o mais rapidamente possível. Para tanto, procurou-se satisfazer novas condições prévias dos bancos e do Go­verno norte-americano. entre as quais a o Brasil voltar a ser corrente no pa­gamento dos juros a partir de 1º de janeiro, e a de acelerar os entendimentos para um acordo com o FMI.

Ao contrário dos Ministros Funaro e Bresser, que mantinham a Comissão permanentemente informada a respeito da evolução das negociações, o Ministro Mail­son da Nóbrega restringiu a prestação de informações, tanto à opinião pública como ao Congresso, tornando mais difícil o acompanhamento desses entendimentos.

Pelos elementos transmitidos à Comissão, bem assim pelas informações filtradas à imprensa, em especial, pelos bancos credores, pode-se afirmar ter havido uma significativa modificação na atitude do governo brasileiro em relação às negociações com os bancos credores, com o Comitê Assessor e com o FMI.

Como era de se esperar, com a mudança da equipe econômica responsável, pela negociação da dívida externa, os bancos credores e o Governo norte ­americano fizeram um primeiro teste para verificar o grau de flexibilidade do Governo brasileiro, logo no reinicio das conversações, na questão do pagamento dos juros a partir de 1º.  Janeiro.

Conforme referido anteriormente, o Governo brasileiro havia deixado re­gistro expresso, junto às autoridades norte-americanas e junto aos representan­tes dos bancos, que só poderia pagar os juros a partir de 1º. de janeiro, desce que houvesse um esforço de cooperação de todas as partes interessadas e se con­cluísse o acordo de médio e longo prazo.

Na reabertura das negociações em Nova York, o Governo brasileiro foi novamente ameaçado pelo Governo norte-americano com a reclassificação dos crédi­tos pelo ICERC, caso não fosse suspensa a moratória a partir de 1º. de janeiro. Por outro lado, os bancos se recusaram a prosseguir nas discussões sobre pro­posta brasileira sem previamente resolver essa questão.

Ao contrário do ocorrido na gestão Bresser, o Ministro Mailson autori­zou os negociadores brasileiros a alterar a posição brasileira e a aceitar uma fórmula que permitisse ao Brasil Pagar sem quaisquer condições os juros correspondentes a partir de 1º. de janeiro. Dessa forma, sem nenhum progresso na nego­ciação,                                  o governo brasileiro decidiu modificar totalmente sua estratégia, aban­donando, na prática, a proposta de 25 de setembro.

Como conseqüência, de acordo com uma nota do Ministério da Fazenda de 1º. de fevereiro, o governo brasileiro anunciou o pagamento com recursos de suas reservas de 37% dos juros de janeiro, (US$ 350 milhões), suspendendo de fato a moratória. A retomada do pagamento dos juros sem um financiamento adequado sígnificou também o abandono, na prática, da preocupação com o nível das reservas que hoje, com os pagamentos unilaterais feitos em 1988, devem situar-se bem abaixo de US$ 4 bilhões.

No mesmo dia, o Presidente e o Relator desta Comissão deram à publicidade a seguinte Nota:

NOTA DA COMISSÃO DA DIVIDA EXTERNA

“Surpresa, a Comissão da Divida tomou conhecimento da reviravolta na negociação do Governo brasileiro com o Comitê Assessor dos Bancos.

“Tínhamos a palavra recente do Ministério da Fazenda de que não haveria mudança substantiva na linha de atuação do Governo.

“Cercada de sigilo a negociação do Governo brasileiro com o Comitê As­sessor apresentou ontem um desdobramento importante do qual a Nação tomou conhe­cimento por meio de nota oficial.

“0 Governo brasileiro decidiu, sem aparente contrapartida, pagar 37% dos juros de janeiro, retirando para tanto de nossas reservas, US$ 350 milhões.

“Essa decisão contrasta com a linha que nos fora apresentada até aqui.

“Na proposta do Governo brasileiro em 25 de setembro havia inovações que procuravam modificar a forma clássica de negociação com os bancos. Ao lado da parte não convencional da proposta onde se previa a securitização de parte da dívida, o Governo brasileiro, na negociação convencional, se dispunha a Introduzir diversos pontos novos entre os quais “spread” substancialmente reduzidos, salvaguardas, financiamentos de 60% dos juros, etc.

“Com a decisão de ontem, o Brasil altera essa estratégia. Cede e, antes de discutir o acordo de médio prazo, suspende a moratória. São deixados de lado os pontos inovadores. Busca-se fazer um acordo com os bancos, o mais rapidamen­te possível, dentro de critérios que não nos foram comunicados.

“Em relação ao FMI, diz a nota do Ministério da Fazenda que o processo de reaproximação deverá iniciar-se imediatamente para preparar um acordo formal com a Instituição, contrariando assim surpreendentemente outra nota oficial do Ministério da Fazenda de meados de novembro.

“Apesar de afirmar-se que os elementos básicos da proposta de 25 de setembro continuam a fazer parte da Agenda das negociações, a prática está mos­trando que a aludida proposta parte de estratégia totalmente diferente.

“A Nação vê preocupada mais essa mudança de rumo em uma negociação que exigirá, sobretudo, continuidade e firmeza de posições.

“Medidas dessa natureza não deveriam ser tomadas sem o conhecimento do Congresso e da sociedade.

“Como. Presidente e Relator da Comissão Especial da Divida Externa do Senado Federal, acreditamos oportuno fazer o presente registro, manifestando nossa apreensão quanto a evolução das negociações. Informamos, por outro lado, que na próxima semana levaremos ao conhecimento da Comissão o Informe Preliminar sobre as negociações que acompanhamos até aqui, posicionando-nos a respeito”.

No dia 11 de fevereiro, o Ministro Mailson da Nóbrega informou à opi­nião pública que o Comitê Assessor dos Bancos havia apresentado contraproposta formal de negociação ao Governo brasileiro, 0 Ministro da Fazenda considerou o fato como altamente positivo, depois de três anos de relações extremamente ten­sas com a comunidade financeira internacional e cerca de dez dias do gesto de boa vontade do Governo brasileiro ao pagar US$ 350 milhões correspondentes a parte dos juros de janeiro.

Os principais aspectos da proposta, de base convencional e substancial­mente diversa da apresentada pelo Governo brasileiro em 25 de setembro, são:

  1. a) “new money” – os bancos estão preparados a oferecer cerca de US$ 5 bilhões de dólares para financiar parte do pagamento dos juros no período 1987 e 1988, assim distribuídos: US$ 3 bilhões em 1987 e US$ 2 bilhões em 1988 (o Go­verno brasileiro está pedindo US$ 7 bilhões, modificando o pedido inicial de US$ 11 bilhões);
  2. b) período – Os bancos oferecem 1987 e l988, deixando fora o ano de 1989;

c)taxa de risco (“spread”) – Os bancos oferecem 0,875% ao ano ( o governo brasileiro pede 0,8125%);

d)prazo de financiamento do principal – 20 anos (o Governo brasileiro pede 25 anos com 10 de carência);

  1. e) acordo prévio com o FMI para obtenção de credito “stand by” (inicio da negociação em março e assinatura em junho);
  2. f) vinculação dos desembolsos do FMI aos desembolsos dos bancos
  3. g) omitindo-se as seguintes questões: a redução dos juros em todo o estoque da divida (“carve out”); “securitização”; salvaguarda e 60% de refinanciamento

Por outro lado o Governo brasileiro, através do Ministro Mailson da Nó­brega, já admitiu publicamente ter flexibilizada sua posição, além do montante total a ser refinanciado, na questão da securitização (o Conselho Monetário Na­cional, em reunião de 27 de janeiro, aprovou modificação na Resolução 1416 do Banco Central, eliminando a condição prévia da troca de bônus para proceder a conversão), da porcentagem dos juros a ser financiado (cerca de 50% ao invés de 60%), das salvaguardas, do pagamento do restante dos juros de janeiro de 1988 (US$ 580 milhões) do período de abrangência do acordo, da jurisdição, da época da assinatura do acordo com FMI, e de todos os prazos previsto para se chegar a um protocolo com os bancos.

Nos dias 16 a 19 de fevereiro, o Ministro Mailson da Nóbrega visitou o secretário do Tesouro James Baker, o presidente do Banco Mundial, Barber Cona­ble, a diretor gerente do FMI, Michel Candessus, além de membros do Comitê Assessor de Bancos. Nesses encontros, foi exposta a nova políticado Governo brasileiro para a dívida externa e pedido apoio do Governo norte-americano para as negociações com os bancos credores e com as instituições financeiras oficiais e multilaterais.

No dia 29 de fevereiro, o Ministro da Fazenda anunciou os principais aspectos de entendimento Preliminar alcançando pelo governo brasileiro com o Comitê Assessor em Nova Iorque.

Pelo referido entendimento verifica-se que prevaleceram, na quase tota­lidade, os pontos apresentados na proposta dos bancos credores. de 11 de fevereiro.

Segundo informação do Ministério da Fazenda, os bancos concordaram em:

  1. a) necessidade de financiamento de US$ 5,8 bilhões (bem abaixo do soli­citado pelo Ministro Mailson Nóbrega e metade do pedido pelo Ministro Bresser Pereira;
  2. b) taxa de risco (“spread”) de 0,8125% para parte da dívida;
  3. c) comissão de participação de 0,375% (sobre a totalidade dos US$ 5,8 bilhões, o que implica no pagamento por duas vezes da comissão para o montante de US$ 3 bilhões);
  4. d) aumento de US$ 600 milhões nas linhas de curto prazo.

Continuam pendentes, entre outros assuntos, mudança na taxa de juros Prime Rate para a LIBOR, reempréstimo (relending) de recursos depositados no Banco Central, prazo de amortização e carência para os novos empréstimos e para o principal, jurisdição, empréstimo   ponte para cobrir parte dos juros do segundo trimestre.

Aparentemente, o governo brasileiro abandonou, entre outros, os seguin­tes pontos: “carve-out” para toda a divida, salva-guardas, securitização, desvinculação entre os desembolsos dos bancos privados e os do FMI.

Como gesto unilateral, sem contrapartida, o Brasil fez, nos últimos dias, o pagamento de US$ 780 milhões retirados das reservas, relativos à parte dos juros de janeiro (US$ 580 milhões) e a totalidade de fevereiro (US$ 200 milhões). Anuncia-se que em abril fará o pagamento dos juros referente a março (US$ 230 milhões). No segundo trimestre, o total de juros devido sobe a US$ 1,8 bilhão e o governo anuncia a negociação de um empréstimo-ponte para parte dos juros.

Finalmente, o governo brasileiro anunciou, no dia 29 de fevereiro, con­versações com o FMI visando à negociação de um acordo “stand by”, em fins de junho. Pelas informações disponíveis, os bancos credores continuam insistindo na formalização do acordo com o FMI antes da assinatura do protocolo e na vincula­ção dos desembolsos.

Até o final de março, de acordo com o Ministro Mailson, o acordo defi­nitivo entre o Brasil e os bancos credores deverá ser concluído para que, com a adesão de pelo menos 90% dos credores, possa ser assinado em fins de junho. So­mente a partir de lo. de julho, como o acordo “stand by” com o FMI negociado, e possivelmente assinado, é que começarão a ser liberadas as quantias emprestadas pelos bancos para cobrir o pagamento dos juros.

Em conseqüência disso, todos os pagamentos que o Brasil efetuou ou deverá efetuar para cobrir o serviço da divida (principal e juros) no primeiro semestre de 1988      (com exceção se, do emprestimo ponte para o segundo trimestre se for aceito pelos bancos) saíram ou sairão das reservas. Além dos pagamentos aos bancos credores, o Brasil liquida principal e juros do FMI, Banco Mundial, BID, agências oficiais, juros dos bancos, lucros, dividendo e repatriações.

Embora signifique algum avanço (sobretudo na questão do spread), em re­lação aos acordos anteriores, negociados no período 82/84 as informações divul­gadas sobre o entendimento preliminar com os bancos, se confirmadas no acordo

definitivo, representarão um claro retrocesso comparando-se com a proposta de negociação de 25 de setembro.

Preocupa a aceitação de refinanciamento de cerca de US$ 2,8 bilhões para IL988 e primeiro semestre de 1989, quando se sabe, de conformidade com núme­ros oficiosos divulgados pelo Banco Central, que, somente no primeiro semestre, o Brasil deverá pagar US$ 3,2 bilhões de juros. Para o ano de 1988, estima-se uma despesa de US$ 6,6 bilhões com juros para os bancos privados, invertendo-se radicalmente a proporção dos juros financiados pelos credores.

Levando em conta-os pagamentos efetuados em janeiro efetuados em janeiro e fevereiro , retirados das reservas, no valor de US$ 1,575 milhões, as reservas brasileira  que, em fins de dezembro de 1987, situavam-se ao redor de US$ 4,5 bilhões, devem estar hoje em cerca de US$ 3 bilhões, sem serem considerados todos os demais pagamentos de juros e Principal ao clube de Paris, FMI, Banco Mundial, BID, lucros e outros já referidos acima, nem os ingressos recitantes dos saldos mensais da balança comercial.

 

VIII DEPOIMENTO DO MINISTRO MAILSON DA NÓBREGA

(prestado em Plenário do Senado Federal, no dia 26 de abril de 1988, conforme Requerimento de Convocação nr 22, de 1988, subs­críto pelos Senhores Senadores Carlos Chiarelli, Jamil, Haddad, Maurício Corrêa, Affonso Camargo e Itamar Franco).

Nos termos do Requerimento nr 22/88, do Senado Federal, subscrito pelos Senadores Carlos Chiarelli, Jamil Haddad, Maurício Corréa, Affonso Camargo e I­tamar Franco, de 15-03-88, o Ministro Maílson da Nóbrega, da Fazenda, compareceu em Plenário desta Casa no dia 26-04-88, “…para prestar um depoimento e escla­recimentos acerca de duas importantes questões da vida nacional: a dívida exter­na e o ajustamento da folha de salários do pessoal da União às possibilidades do Tesouro Nacional.”

0 Ministro concentra sua exposição “numa avaliação da questão da dívida externa”, e nesse contexto fez “menção às medidas adotadas recentemente, seus objetivos e sua vinculação com os objetivos da política econômica do governo.”

Na primeira parte da exposição.do Ministro sobre a dívida externa bra­sileira, Sua Excelência fez um retrospecto do binómio “Desenvolvimento e Dívida Externa”. 0 Sr. Maílson reconhece que “desde a Independência, e sobretudo duran­te a República, nossa história econômica é plena de casos de dificuldades em servir a dívida externa, por razões internas ou por causas externas fora do con­trole do País.” Entende o Ministro que “a dívida externa constitui apenas uma nova manifestação da necessidade de nos adaptarmos a um ambiente externo desfavorável e em mudança, e assim garantirmos a continuidade de nosso desenvolvimento.” A dívida não pode ser analisada e avaliada de forma isolada. É preciso considerar: 1 – as condições em que a dívida foi acumulada; 2 as mu­danças no cenário internacional e que deram origem à crise recente e, 3 as ra­zões que estimularam o endividamento.

0 Ministro analisa também a aceleração do endividamento externo a partir da segunda metade dos anos 70 (influenciada por fatores Internos e externos), da mudança nos padrões de financiamentos internacionais pós crise do petróleo em 1973 (novo papel dos bancos comerciais), da opção do governo Geisel de ajustamento àquela crise pelo lado da oferta (o gigantesco programa de subs­tituição de importações no período do governo Geisei) e do papel do segundo cho­que do petróleo em 1979 e da elevação das taxas de juros Internacionais.

Em seguida faz alguns comentários sobre a crise da dívida externa do Terceiro Mundo, onde destaca o “setembro negro” de 1982, a extensão da “crise mexicana” sobre todos os países devedores, o processo de ajuste imposto a esses países e a “distribuição muito desigual do ônus do ajustamento”, as frustrações do Plano Baker, lançado em 1985; a continuidade na transferência de recursos dos países pobres para os países ricos, etc.

0 Ministro entende que “há uma clara necessidade de tempo para que se promova uma saída ordenada para a crise e essa saída ordenada deve abranger es­forços de 3 fatores básicos: os países industrializados, os bancos credores e os países devedores. Os primeiros precisam de tempo para absorver as perdas com a crise (diretas, na forma de descontos do valor dos títulos e, indireta, na forma de redução de imposto de renda). “E os países endividados também precisam de tempo para ajustar suas economias a uma nova realidade internacional. Eles têm que fazer isso de forma também ordenada, sem nenhum processo de deterioração social ou política e, para isso, precisam de financiamento adequado, enquanto se promove esse ajustamento.”

Sobre a Renegociação da Dívida Externa Brasileira:

O Ministro faz um relato sobre a estratégia de renegociação da dívida externa brasileira, a partir de 1982, em que os acordos (1982, 84 e 86) .”foram influenciados pela chamada abordagem convencional de reestruturação.” Segundo o Ministro, “o Brasil não foi capaz de aproveitar as mudanças que começaram a se operar nesse governo, já a partir de 1984.ff Naquele ano o México conseguiu prazo superior a quinze anos e redução do spread para todo o estoque da sua dívida pública. Destaca nesse período de negociações as duas moratórias do Brasil: a negociada de junho/julho de 1983 e a de fevereiro de 1987. Em ambos os casos, a suspensão de pagamentos esteve presa à proteção do nível mínimo de reservas do País. Para o Ministro Maílson, “houve uma demora no restabelecimento das nego­ciações entre o Brasil e os bancos privados, e isso acarretou custos financeiros adicionais para o País e um grande desgaste de nosso relacionamento com a comu­nidade financeira internacional como um todo, e não apenas com os bancos.”

Quando o Ministro Maílson assumiu o Ministério da Fazenda em janeiro passado, o Brasil já havia reiniciado as negociações com os bancos credores (o reinicio havia ocorrido em 25-09-67, com o Ministro Bresser, e resultou no acordo interino de dezembro daquele ano, já referido neste Relatório. Pelo acordo, parte dos juros do período da moratória seriam cobertos com refinanciamentos e os juros do quarto trimestre seriam pagos pelo Brasil). A preocupação principal do Sr. Maílson, em relação à dívida externa “foi a de assegurar a continuidade do processo negociador.”

Como a exposição do Ministro Mailson a partir desse ponto está concen­trada nas recentes negociações que tem feito com os credores e com o FMI; no conjunto de medidas adotadas internamente para reduzir o déficit público e, se­gundo crê, na nova realidade internacional que vem desafiando o desenvolvimento brasileiro, julgamos conveniente apresentá-la ipsis litteris para facilitar os debates, os encaminhamentos e as propostas desta Comissão.

“Quando assumi o Ministério da Fazenda, em janeiro passado, minha preo­cupação principal, em relação à dívida externa, foi a de assegurar a continuida­de do processo negociador. A equipe negociadora foi mantida, assim como foram mantidas as linhas básicas da proposta de 25 de setembro, pois estava convencido de. que atendia aos objetivos da negociação. Ao longo dos últimos meses foram feitos progressos importantes nos entendimentos com o Comitê Assessor de Bancos, alcançando-se resultados expressivos no que diz respeito a pontos relevantes da agenda negociadora.

A propósito, quero aproveitar esta oportunidade, de esclarecimento, de debate, mas também de prestação de contas, para trazer ao conhecimento do Senado Federal uma relação dos itens mais relevantes já acertados com os bancos:

  1. A) PRINCIPAL

A dívida do Brasil de médio e longo prazo para com os bancos comerciais estrangeiros e agências de bancos brasileiros no exterior monta a US$ 67,6 bi­lhões (posição de registro no BACEN em dez/86). A concentração de vencimentos dessa dívida ocorre no período de 1988 a 1993.

Na negociação com os Bancos, ora em curso, conseguimos reescalonar a divida vincenda no período de 1987 a 1993 (período de consolidação), como fez o México e, em seguida ao México, a Argentina, as Filipinas, Venezuela, Chile, U­ruguai e assim por diante.

Essa divida, nesse período que vai de 1988 a 1993, será reescalonada com 20 anos de prazo, é o maior prazo já conseguido por um país do Terceiro  Mundo. Com 8 anos de carência, também é o maior período de carência já conseguido por um país endividado do Terceiro Mundo.

Além disso, vencida a carência, os pagamentos serão feitos de forma crescente, de tal forma que no primeiro ano de pagamento, que se dará em 1995, pagaremos apenas 2% do total da dívida, e o último pagamento se dará no ano 2007, de 10%.

  1. B) “SPREAD” E TAXA DE JUROS

0 novo spread acordado com os bancos é de 13,16% a. a. (0.8125%) que é exatamente o spread conseguido pela Argentina e pela Venezuela, para toda a dí­vida do setor púlico. outro ganho expressivo é que não haverá mais taxa prime no contrato, todas serão regidas pela taxa libor, que tem variado a nível muito mais baixo do que a prime do mercado americano. 0 Brasil, portanto, ganha dupla­mente, ganha com a redução do spread, que é de 1,6%, e baixa pela metade; e ga­nha com a mudança do referencial de juros para cálculos dos encargos das opera­ções com os bancos. Além disso, conseguimos que os bancos renunciassem à cobran­ça dos juros de mora no período da moratória – isto é previsto em contrato e representará uma economia adicional de cerca de US$ 330 milhões para o País.

A forma como será aplicada a taxa de juros, na linguagem técnica dos bancos, o “carve out”, todos os contratos do setor público, incluindo os depósi­tos no Banco Central, serão reestruturados à nova taxa, ao novo “spread” de 13/16 (treze dezesseis avos).

É um processo complexo, porque, diferentemente de outros países, o Bra­sil pulverizou os seus tomadores, dada à própria diversificação da economia brasileira. Para se ter uma idéia, o Brasil tem mais de 400 devedores no setor público contra 30 a 40 no caso mexicano, e menos do que isto no caso argentino.

No setor privado também adotamos uma técnica, a da Resolução nr 63, que pulveriza entre muitos tomadores um mesmo empréstimo tomado por um banco brasí­leiro a um banco estrangeiro. É a conhecida Resolução nr 63 do Banco Central.

Então, são milhares de contratos que terão que ser emendados, reforma­dos, e por isso concordamos que, no caso do setor público, a nova taxa começará a vigorar a partir de 1989. 0 Brasil perde uma pequena economia de juros neste particular, mas havia ganho, em contrapartida, uma dipensa do pagamento de juros da ordem de US$ 300 milhões. 0 que ganhamos com a dispensa é significativamente superior ao que ganharemos em decorrência dessa grande dificuldade operacional de emendar os contratos.

0 Brasil consegue, também, a reprogramação do pagamento de juros: em vez de trimestral será semestral. Era uma conquista que tinha sido conseguida pelo Chile. Ela se incorporas agora, ao caso brasileiro. Isso representa um a­diamento, em termos de fluxo de caixa, da ordem de US$ 600 milhões. Quer dizer, a conjugação da nova taxa de juros, a aplicação do carve out, período de escalo­namento e a reprogramação de juros vai provocar, no período que vai do contrato até 30 de julho de 1989, uma economia de US$ 916 milhõs, de primeiro de janeiro de 1988 até 30 de JUlho de 1989. No período da consolidação, que é de 88 a 93, isto representará uma redução de US$ 2.5 bilhas nos encargos da dívida externa brasileira. Durante o período do contrato, vinte anos, a economia é da ordem de US$ 4,2 milhões.

o terceiro ponto é o da necessidade de financiamento. Um destaque deve ser feito, pela primeira vez na hitória das negociações: um país conegue definir um montante de recursos sem uma prévia definição, de acordo com o Fundo Monetário e a participação do Banco Mundial. 0 Brasil obteve US$ 6,4 bilhões de recursos adicionais do Banco, 5,8 de médio e longo prazo e US$ 600 milhões de restatelecimento de linhas de crédito que haviam sido perdidas ao longo do pe­ríodo que vai de 82 até hoje. Estes, da parte de médio e longo prazo, 5,8 são considerados brutos, ou seja, toda a economia que o Brasil fizer no período do contrato, de desembolso, que é de primeiro de janeiro de 1988 a 30 de julho de 1989, tudo que se fizer neste período de economia os bancos abaterão num montan­te a bruto definido. Não preciso dizer que, apesar deste acerto, conseguimos que o abatimento fosse a um volume menor, ou seja, estamos economizando US$ 916 milhas. Acertamos com o banco para abater apenas US$ 600 milhões. Portanto, em vez de 4,9, vamos a 5,2 bilhões de financiamento líquido de médio prazo.

0 prazo deste financiamento novo será de doze anos, com cinco de carên­cia, que é o prazo que tem sido concedido a outros países, como o México e a Argentina. Neste ponto, não diferimos, mas o “spread” será de 13/16 avos menor do que alguns países conseguiram, alguns conseguiram 13/16 na dívida velha e 7/8 ou 14/16 na divida nova. A exemplo do que também outros países fizeram, estamos pagando uma comissão, uma “fee” equivalente a 3/8% somente para aqueles bancos que aderirem a um programa até determinado prazo. Se todos aderirem, isso representará um custo de US$ 19 milhões para o Brasil, significativamente infe­rior às economias que serão propiciadas pelo acordo em discussão, e esse ponto já definido.

Linhas de curto prazo são um quarto ponto já definido e serão prorroga­das por um período de 2 anos e meio, ao invés de apenas um, que havia sido a ca­racterística dos três acordos anteriores: o de 1962, o de 1984 e o de 1986. E: prevê-se, no contrato, que todos os bancos terão que restabelecer as suas linhas de crédito.

Há uma deficiência da ordem de US$ 1 bilhão, e aqueles bancos que não restabelcerem não terão direito’a participar de operações de relending nem de operaçõS de conversao da dívida.

Acertamos, também, outro ponto, o relending: os bancos somente poderão emprestar ao setor privado os recursos que forem pagos pelo mesmo, ou seja, de­positados no Banco Central. Preserva-se, assim, uma parcela expressiva dos re­cursos para rolagem da divida do setor público.

Para o setor privado, o prazo dessas operações será de 7 anos, com 4 de carência. No “dinheiro novo”, de 6 anos, com 3 de carência. Para o setor públi­co, que também se beneficiou do processo, o mínimo será de 12 anos, com 5 de carência.

Estamos,   paralelamente, aprofundando o diálogo com o Banco Mundial, para restabelecer um fluxo positivo de recursos.

No ano de 1987, o Brasil pagou liquidamente ao Banco Mundial US$ 665 milhões, uma situação inaceitável, inconveniente para o Brasil e que precisamos reverter.

Neste contexto está a retomada do diálogo com o Fundo Monetário Inter­nacional, que é um aspecto fundamental no processo de normalização das relações do Brasil com a comunidade internaconal.

Se é verdade. que o Fundo Monetário não mudou em essência, é também ver­dade que aprendeu muito com a experiência dos últimos anos. Os programas de re­ajustamento já não buscam o equilíbrio do balanço de pagamentos e das contas pú­blicas no curtíssimo prazo. São várias as indicações desta evolução: na última reunião do Comitê Interino, ocorrida há cerca de duas semanas, consolidou-se a idéia de que programas de ajustamento devem ser de prazo mais longo, visando sempre que possível mudanças estruturais para correção de desequilíbrios. Da mesma forma, a introdução de mecanismos de contingência nos empréstimos do Fundo Monetário, recentemente aprovados, veio atender a uma demanda antiga dos países endividados.

Creio que dois importantes fatos merecem ser destacados neste momento em que o Brasil retoma as negociações com o Fundo Monetário Internacional: o primeiro deles é que o programa que vamos discutir brevemente com o Fundo Monetário teria que ser realizado de qualquer forma, com ou sem o Fundo. Portan­to, o programa antes de ser uma exigência do fundo Monetário Internacional, in­corpora as medidas de ajustamento que são uma necessidade indiscutível para a retomada do processo de desenvolvimeno.

As recentes medidas adotadas para combater o déficit público fazem par­te desse processo de reajustamento, ou seja, da conveniência do País de ajustar a sua economia, relançar um processo de investimento, baseado na eliinação, a mais ampla possível, dos desequilíbrios atuais da economia nacional. A limitação do endividamento dos estados, municípios e empresas estatais; adequação da folha de salários do setor público às possibilidades do Tesouro; a eliminação do Sub­sídio do trigo e outras medidas de ajustamento que ainda virão, não esgotam o conjunto de medidas que o governo precisa tomar para recolocar a economia nacio­nal no rumo certo. Vamos ter que olhar corajosamente a privatização de algumas empresas estatais e a modernidade na economia nacional, ou seja, a redução subs­tancial da intervenção do Estado, seja direta, seja indireta, no processo de: regulamentação. Além da necessidade de reduzir drasticamente o desequilíbrio das finanças públicas, especialmente na União a situação do desequilibrio na União é maior do que nos estados e municípios.

Há uma nova realidade internacional que não pode ser ignorada, e essa realidade se traduz, do ponto de vista doméstico, na ncessidade de elevarmos substancialmente o nível de poupança. 0 Brasil poupa, hoje, apenas 16% do PIB, contra 25% no princípio da década de 70. Para que esses objtivos sejam alcança­dos fazem-se necessárias, além da redução do déficit público, mudanças profundas na economia, visando não apenas adaptá-la ao novo cenário internacional.

Dentre estes fatores, merecem destaque a necessidade de se repensar o papel do Estado na economia – tanto em sua dimensão regulatória quanto na condi­ção de produtor direto de bens e serviços e de se rever o excesso de proteção e regulamentação na área do comércio exterior.

A redução do papel das empresas estatais e redução do processo regula­tório são dois aspectos que corresponderam, a momentos específicos do nosso pro­cesso de desenvolvimento, e, não obstante fundamentais para que avançássemos na consolidação, integração e diversificação de nossa estrutura produtiva, hoje re­presentam cabe reconhecer um freio à continuidade do crescimento.

0 segundo aspecto relacionado à retomada das negociaçõs com o FMI diz respeito ao papel catalisador desempenhado por aquela instituição. A obtenção de um acordo com o Fundo, respeitadas as diretrizes de nossa política económica,representará a abertura de importantes canais junto à Comunidade Financeira Internacional, contribuindo para ampliar os fluxos de financiamento para o nosso Pais.

Esta é uma condição particularmente importante para a retomada das ne­gociações com os governos de países credores, reunidos junto ao Clube de Paris.

Reduzir as transferências de recursos significa poder importar mais. A reabertura das agências oficiais de crédito ás nossas importações é fundamental para alavancar este processo, especialmente no momento em que precisamos recupe­rar vários anos de baixos níveis de investimento.

A normalização das relações com a comunidade financeira internacional culminará, numa quarta etapa, com a introdução de mecanismos de mercado na es­tratégia de reestruturação da dívida. Este processo já vem, na realidade, ocor­rendo com os mecanismos de conversão da dívida em Investimentos, tanto através de canais informais quanto por meio dos leilões promovidos pelo Banco Central. Contudo, as condições do País, principalmente no que se refere à condução da po­lítica monetária, impõem limites relativamente estreitos ao alcance destes mecanismos.

Apenas o reingresso do Brasil, em condições normais, voluntárias, nos mercados financeiros internacionais, poderá garantir uma solução de longo prazo para o problema da dívida. As mudanças nos padrões de financiamento internacio­nal não permitem, contudo, prever uma reversao aos moldes vigentes na década de 70, antes descritos. Creio que o reingresso do Brasil nos mercados financeiros internacionais, nos mercados de capitais internacionais, deverá ser caracteriza­ do pelos tradicionais bônus que construíram no passado o cerne do endividamento brasileiro no exterior, e, eventualmente, a um processo de securitização da dívida nos moldes, com algumas   adaptações, no caso mexicano.

Ao final, gostaria de voltar ao sentido inicial desta minha intervenção. Existe uma nova realidade internacional desafiando a economia brasileira. A continuidade de nosso desenvolvimento econômico está na razão di­reta de nossa capacidade de responder de forma adequada a esta nova realidade. Reconhecer o esgotamento da abundancia de financiamentos externos dos anos 70 não significa aceitar a realidade de escassez absoluta e de recessão dos anos 80.

Nosso objetivo é lançar as bases para um crescimento sustentado na dé­cada que se aproxima, através de uma nova abordagem do processo de desenvolvimento. necessário modernizar o parque industrial, liberalizar o co­mércio exterior e redefinir o papel do Estado na economia, reduzindo a interven­ção e a regulamentação excessivas. Incluindo corajosa revisão de subsídios e in­centivos fiscais. A estrutura de financiamento da economia brasileira precisa ser repensada, buscando novas modalidades de financiamento externo e a redução do serviço da dívida, mas ao mesmo tempo levando em consideração a necessidade de nos apoiarmos cada vez mais na poupança doméstica. Isto é muito importante. É preciso também que o que o Estado, liberado de funções que possam ser exerci­das a contrato pelo setor privado, se dedique em maior grau aos programas soci­ais, especialmente aos destinados a amparar as populações menos favorecidas do País.

No plano externo, devemos evitar uma política errática que oscile entre o conformismo e a confrontação. é preciso assegurar continuidade ao processo negociador. o estágio de desenvolvimento atingido pela economia brasileira não permite seu Isolamento, sob pena de sério risco de retrocesso.

É ilusório imaginar que um país sozinho passa mudar todo um sistema. Reconhecer que a estratégia que vem sendo seguida desde 1982, mesmo com as me­lhorias recentes, representa uma distribuição Injusta do ônus da crise em desfa­vor dos países endividados não nos autoriza a buscar soluções imediatistas e u­tópicas para a complexa questão da divida externa.

Por outro lado, tampouco devemos nos acomodar a uma atitude de confor­mismo e de passividade. Estamos empenhados na obtenção de um acordo adequado às necessidades do País, que permita minimizar os efeitos adversos da dívida exter­na sobre a nossa capaciade de investimento, sobre o déficit público e sobre a inflação. A eliminação das incertezas associadas ao problema da dívida é funda­mental para que possamos avançar no sentido de recuperar as bases do crescimento e da estabilidade econômica, e assim eliminar as profundas distorções sociais geradas pelo processo inflacionário.

0 governo optou pelo caminho da negociação, buscando mudanças progres­sivas que tragam uma solução mais justa para o problema da dívida. A própria e­volução dos fatos no contexto internacion`al tenderá a estimular soluções adequa­das neste sentido. De outra parte, para que o processo de negociação em curso possa, em todas as suas fases, produzir os resultados que dele se espera, é im­prescindível que o Brasil reconstrua sua base de credibilidade. A conciliação entre a necessidade de crescimento e o cumprimento de nossos compromissos externos envolve a busca constante de novos mecanismos que permitam aliviar o estoque da dívida e reduzir o seu serviço. A negociação da dívida não se esgota em uma ou duas etapas. Ela é um processo recorrente, por isso mesmo, exige firmeza de posições, continuidade e credibilidade na política econômica, acima de tudo determinação política para fazer frente aos desafios.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.”

INTERPELAÇõES DOS SENHORES SENADORES

  1. Informacões do Pode Executivo à CEDEB sobre as negociações*

0 debate franco e aberto sobre a questão da dívida externa tem carac­terizado a atuação da CEDEB. Nesse sentido, os ex-Ministros da Fazenda, do atual governo, sempre atenderam aos convites da Comissão para tratar do assunto, espe­cialmente do processo de endividamento, da suspensão do pagamento dos juros, das negociações em curso, das alternativas viáveis, etc.

Senador Carlos Chiarelli – A interrupção no fluxo de informações à CEDEB sobre as recentes negociações, por parte do Ministro Maílson da Nóbrega, a despeito de.solicitações da Comissão, foi objeto de questionamento pelo Senador Carlos Chiarelli, solicitando ao Ministro que revisse tal postura “para que ti­véssemos condições efetivas de debater esta condução nova e inusitada, e ao mes­mo tempo antiga, da sistemática de negociação da dívida externa.”

0 Senador Carlos Chiarelli perguntou ao Ministro se o acordo por ele anunciado já estava definitivamente firmado ou se se tratava de “intenção do go­verno chegar a esses itens todos que V. Exa. nos trouxe à colação?” Lembrou ao Ministro o artigo 18, inciso I, aprovado no proj’eto da nova Constituição, que atribui competência exclusiva ao Congresso Nacional para aprovar ou não acordos internacionais do País, inclusive dessa natureza. Mostrou-se também preocupado com a informação corrente na imprensa popular de que o Brasil está deixando de receber US$ 4 bilhões, retidos no Banco Mundial, porque “faltaram determinadas providências, determinadas Informações, determinadas prioridades,, no campo social, à ação governamental brasileira.”

Embora o Ministro Maílson tivesse o “maior interessem” em esclarecer, “de público”, as dúvidas levantadas pelo Senador Chíarelli, então Líder do PFL, o fato é que o tempo de resposta do Ministro às interpelações do Senador havia se esgotado quando chegou à dívida externa. Infelizmente o Regimento do Senado ainda não permite a tréplica.

  1. Opinião do Ministro Naílson sobre o encaminhamento da questão da dí­vida

Para o Senador João Lobo, o encaminhamento da questão da dívida externa brasileira passou, recentemente, por dois enfoques diametralmente opostos: um, sob o comando do ex-Ministro Delfim Netto, segundo o qual “dívida externa não se pagaval se rolava, se compunha, … “ e que, ainda nas palavras do nobre Senador, “naturalmente expressa o pensamento do regime anterior, do regime militar…”’ 0 outro enfoque, conduzido pelo ex-Ministro Dilson Funaro “que defendia a idéia­chave do PMDB… que queria a moratória, aquela posição de independência frente aos credores internacionais, … que a dívida externa deveria ser negociada”, e que continua convicto de que ma coisa mais importante, na hora presente, é a dí­vida externa brasileira que, talvez, se.não cuidada com urgência, provocará sérios desastres no sucateamento do nosso parque produtivo.”

COM base nessa interpretação, o Senador João Lobo pergunta ao Ministro Maílson qual o enfoque e posicionamento, dentre esses dois, que Sua Excelência irá escolher no presente momento?

o Ministro Maílson disse não se filiar “nem a uma corrente não a­ outra..” porque:

  1. 0 Brasil ainda não está amadurecido para pagar a sua dívida, pois seus níveis de poupança são inferiores às suas necessidades de investimento;
  2. o Brasil precisa importar capitais para complementar sua poupançat se se pretende crescer a uma taxa de 6/7% ao ano;
  3. a dívida externa do Brasil, assim como de todo o Terceiro Mundo, tem 0 componentes de excesso de corrente do choque dos juros ocorridos entre 1981-82;
  4. todos devemos trabalhar para reduzir o estoque da dívida a longo prazo, seja através dos descontos no mercado sedundário, seja atra­vês da conversão em capital de risco e/ou reestruturação intraregio­nal (América Latina) da dívida. Nas palavras do Ministro, “nosso ob­letivo é secjuir-uma tendência internacional de redução Progressiva da dívida, através de mecanismos do mercado.” (grifo nosso).
  5. o objetivo , segundo Sua Exceléncia, é criar condições para o endi­vidamento adicional do Pais, nos limites convenientes “como ocorreu em todas as economias que passaram de um estágio de desenvolvimento para o de país industrializado.”

Em resumo, diz o Ministro, “buscamos uma negociação adequada d externa que permita:

  1. a redução dos encargos da dívida;
  2. o prolongamento dos prazos de pagamento;
  3. o prolongamento dos prazos de carência;
  4. a criação de condições para redução do estoque paulatinamente dessa dívida;
  5. criar as condições para o retorno coordenado, voluntário do País ao mercado internacional de capitais, como é do interesse da economia nacional e da área social.”

0 Senador João Lobo encerra sua Interpelação certo de que o Ministro Maílson “tem o mesmo enfoque que o Ministro Delfin Netto: é preciso que o Brasil se integre à coletividade internacional novamente.”, e que, “evidentemente, não vamos redescobrir a roda…”

  1. Sobre a “proposta” do Brasil aos bancueiros e ao FMI

0 Senador Fernando Henrique Cardoso ressalva, Inicialmente, que a mora­tória não foi um programa do PMDB, mas uma “decisão política do Presidente da República e que o fêz por uma razão técnica…”

0 Líder do PMDB e Relator desta Comissão surpreende-se com os avanços que o Ministro Maílson – tal qual um funcionário da ONU – acredita ter havido nas negociações. Não obstante a sensação de falta de posição política e de go­verno no País, não faltam gestos de boa vontade do Brasil nessa questão da dívida. Embora reconheça que o quadro internacional hoje exija medidas efetivas de reajustes, condena as medidas preconizadas pelo FMI, pois “as mudanças da po­lítica do Fundo são naquela linha do funcionário da ONU – são gestos de boa von­tade, mas não são substantivas. Na prática o reajustamento que está sendo pro­posto à economia brasileira é convencional.”

0 Ministro Raílson afirmara à CEDEB, no início de sua gestão, “que man­teria os mesmos critérios, senão os mesmos objetivos que já estavam colimados à negociação que já vinha sendo feita pelo Sr. Ministra Bresser Pereira”, que man­teria a mesma linha negociadora, a qual recebeu o apoio e gestões desta Comissão. 0 Senador mostrou-se, mais uma vez, surpreso com “as definições que o Sr. Maílson apresentou, em Plenário, sobre o acordo da dívida. Segundo o Minis­tro “conseguimos um prazo de 20 anos para o principal, com 8 anos de carência; conseguimos que este pagamento seja feito de forma crescente de 2% no início e a 10% na última parcela; conseguimos baixar o spread; conseguimos que a prime-rate não seja a taxa de referência; conseguimos que o carve out seja aplicado ao se­tor público…

0 Senador Fernando Henrique Cardoso traz à tona o equívoco do Ministro Mallson quando Sua Exa. apresenta os pontos acima referidos “como se isto fosse a negociação proposta porque a negociação proposta com relação ao spread não era esta. 0 spread, dizia-se, seria zero; nunca acreditei no spread zero. De qual­quer maneira, o spread que se obteve é um spread convencional, é o spread que o México já havia obtido. Nenhuma vantagem substancial nesta matéria.

Quanto ao carve out, é só para o setor público, não se aplica ao setor privado. E mais ainda: pensava-se que esse carve out seria computado a partir de primeiro de janeiro de 1987. V. Exa. nos anuncia aqui – eu não sabia, estava a­chando que seria em 1988, mas não, vai ser em 1989. Não houve avanço nenhum, creio eu.

Com relação ao montante de recursos, ouvi, inúmeras vezes, o Ministro Bresser Pereira, em nome do governo, dizendo o seguinte: mPrimeiro, não seriam pagos juros, não seraia feita sequer a suspensão provisória da moratória se não tivesse havido uma negociação global.” Houve a suspensão provisória da morató­ria, pagamos os juros antes de haver a negociação global. Ainda sob a condução do Ministro Bresser, nós o interpelamos mais uma vez e S. Exa. disse: “não; se não houver um acordo até o dia 29 de janeiro, nós, novamente, vamos evitar que nos arrisquemos a uma situação igual à anterior, ou seja, que o País fique sem divisas suficientes.” Não obstante, foram pagos cerca de US$ 2 bilhões, sob o conceito de pagamento de juros, e não houve acordo global. Portanto, não vejo que tenha havido, nesta matéria, um grande avanço.

E mais ainda, disse V. Exa. que o montante desse acordo é muito infe­rior ao montante que se imaginava inicialmente, ou seja, perguntava V. Exa. como vão ser pagos os juros deste ano; haverá um empréstimo-ponte? Já está definido o empréstimo-ponte para permitir os juros deste ano? Mais ainda, V. Exa. fala num fee de 3/8% para os bancos que cederiam ao acordo. Esse acordo em que ponto está? Quantos bancos firmaram acordo? 0 País precisa saber. Já o disse o Senador Carlos Chiarelli que esse acordo terá que ser aprovado pelo Congressof provavelmente. V. Exa. nos traz como já resolvido. Não vejo que seja assim.

E, finalmente, nessa parte, a questão que V. Exa. não deixou b sobre a vinculação ou não dos desembolsos à aprovação do FMI.

Li na Gazeta Mercantil declarações do Secretãrio-Geral da Fazenda, Mi­chal Gartenkraut, e creio que de V. Exa. também, nas quais até a expressão “monitoramento” foi usada. Veja, repito, não tenho horror a palavras, apenas quem tinha era o Presidente da República, que declarou, inúmeras vezes, que não,­ aceitaria monitoramento. Pergunto a V. Exa.: agora vai-se aceitar? Ou será o chamado monitoramento espontâneo? Quer dizer, corremos nós a fazer tudo aquilo que eles desejam para depois dizer:mnão, não foram eles, fomos nós.”

Eu preferiria que se dissesse claramente ao País. Se tem que se fazer o monitoramento, por circunstâncias que podem ser compreensíveis, compreenderemos, gostando ou não gostando, é a realidade que se há de impor. Agora, dizer que não, que não está havendo monitoramento e, ao mesmo tempo, fazer o monitoramen­to, acredito que criará para o governo uma situação difícil de ser explicada, porque vai ter que usar subterfúgios o tempo todo para dizer: é, mas não é bem assim, parece que foi. Nós é que queremos o que eles querem.

  1. Exa. disse e o disse com razão que se esgotou o modelo de financiamento. Não entendi bem a referência que féz ao meu Relatório, como se eu tivesse criticado a utilização de fundos externos. Não, eu não critico. Mas V. Exa. disse, e é verdade, que houve um esgotamento desse tipo de financiamento. Acredito que V. Exa. mais adiante volte a insistir na tese de que um dos benefí­cios da nossa normalização-de relações com o Fundo Monetário Internacional é que esse mercado voluntário de capitais reaparecerá. Pois estive, como sabe V. Exa., conversando com o Comité Assessor dos Bancos em Nova York; lã estava presente o Economista-Chefe do Banco Morgan, o Sr. De Vries, que fèz uma exposição que me pareceu bastante realista e nos relatou algo que V. Exa. disse e desdisse: “Dada a situação internacional, era melhor que cada país contasse com a poupança in­terna, porque dificilmente haveria o afluxo de recursos para esses países, até porque os países desenvolvidos – Estados Unidos e da Europa – estão atraindo, de novo, capitais; onde há excedentes financeiros hoje é na Ásia, e esses exceden­tes dirigir-se-ão mais facilmente aos países que oferecem oportunidade de merca­do, posto que ninguém pode pedir ao capitalista que.ele invista por gesto de boa vontade, ele o faz por uma questão real de interesses.”

Acredito, portanto, que V. Exa., quando diz, por um lado, que teremos de regularizar as.nossas negociações com o Fundo, para que possamos obter recur­sos, faz uma aposta, que eu diria arriscada, porque não creio que esses recursos venham a partir desse gesto de boa vontade. Em segundo lugar, disse V. Exa., no final, ao responder ao Senador Carlos Chiarelli, o oposto disto; disse V. Exa. que os recursos são difíceis e que temos de contar com a poupança interna, e que o reajuste é feito para obter poupança. A contradição lógica às vezes ocorre no discurso e não tem importância. Importante é saber como o governo está encarando a retomada efetiva do desenvolvimento, e as medidas que V. Exa. está implemen­tando são medidas que vão desacelerar a economia – V. Exa. mesmo reconheceu, parcialmente, respondendo ao Senador Carlos Chiarelli que essas medidas que vão desacelerar a economia.”

Sobre as questões da poupança, do mecado voluntário e sobre o Comitê dos Bancos, o Ministro Maílson da Nóbrega afirmou:”acho que fui mal entendido. 0 que eu digo é que devemos nos basear crescentemente na poupança interna. É pre­ciso haver um esforço de recuperação dos níveis de poupança, para que ele volte, pelo menos no campo interno, ao que foi no início da década de 70, em que o País como um todo poupava, do lado interno, algo como 23% do PIB, e hoje não poupa mais do que 16, 17%.

“V. Exa. questiona a questão do mercado voluntário e traz uma informa­ção do Comitê de Bancos. Tenho uma informação de quem trabalha no mercado que o Brasil deve frequentar. Realmente, o Comitê de Bancos, a participação de bancos comerciais financiando projetos em países como o Bras il, é definitivamente coisa do passado. EstiVer agora, em Caracas com o Presidente da maior casa de lançamento de bônus do mercado japonês, que me disse esperar que o Brasil fosse primeiro país da América Latina a voltar a frequentar o mercado de bônus com grandes possibilidades. Talvez V. Exa. não saiba, mas pouco antes da moratória, o Brasil estava com todo o processo preparado para o lançamento de um grande vá­lume de bônus, da ordem de US$ 50 milhões, grande para as dificuldades, no mer­cado alemão. Acredito que se OS países do Terceiro Mundo voltarem ao mercado in­ternacional, e acredito que sim, o Brasil, sem dúvida alguma, será o primeiro candidato, não nos volumes que ele obteve na década de 70; não através de em­préstimos bancários, mas através de mercado de bônus, porque isso já é uma rea­lidade no mercado de Londres, no mercado de Tóquio, no mercado de Nova York, em países com menor grau de potencial em termos de desenvolvimento econômico do que o Brasil, como é o caso da Malásia, da Indonésia, da índia, sem contar os tra­dicionais frequentadores do mercado de bônus, como a Suécia, como a Austrália, como a Nova Zelándia, como países do sudeste asiático, como: Coréia, Taiwan, Cingapura e assim por diante.

“Outro ponto: V. Exa. diz que estamos fazendo uma aposta arriscada, na medida em que estamos renegociando com o Fundo ou negociando com os bancos. A­proveito para responder tanto à indagação de V. Exa. quanto à do Senador Carlos Chiarelli.”

Ue fato, não há nenhum acordo firmado, mas este é o processo de nego­ciação que vem sendo seguido desde 1982 em todos os casos de estruturação de dí­vida por país. Portanto, não há novidades. 0 que talvez cumpra esclarecer, Sena­dor, é que até hoje não há um só caso, um único caso, em que pontos acordados do Comitê Assessor não tenham sido ratificados pela maioria expressiva, a chamada massa crític da comunidade internacional. Em todos os casos, o acordo fechado com os bancos se materializou num contrato definitivo, apoiado por mais de 90% da comunidade internacional, que é o mínimo requerido para que o contrato entre em vigor. Portanto, não diria que estamos fazendo uma aposta arriscada, estamos trabalhando, efetivamente, estes pontos acordados, que serão os que virão a pre­valecer na tradição internacional, os pontos que vão figurar em acordos. V. Exa. diz, também, que não seguimos a estratégia do Ministro Bresser Pereira. Em prí­meiro lugar, cabe um esclarecimento. Se os pontos levantados pelo Ministro Bres­ser Pereira, muito bem levantados, eu participei de algumas discussões, como Secretário-Geral, se esses pontos fossem o acordo, então, não haveria negocia­Ção, bastaria levar esse papel, que é o do Brasil, os bancos assinariam; assim como se o papel dos bancos, pelo relatório que eles fizeram, fosse o acordo, também não precisaríamos negociar, iríamos lã e assinaríamos o que eles queriam. 0 que houve no processo – e é normal em um processo de negociação.- foi a con­vergência de extremos para pontos que sejam satisfatoriamente aceitos por ambas as partes, senão, volto a dizer, não se justifica um processo de negociação. Ne­gociar é ceder em pontos e aproveitar em outros, de forma que, no conjunto, se obtenha um acordo satisfatõrio para ambas as partes. Isto é tradicional no pro­cesso de negociação, desde as mais remotas épocas.

“Vou fazer, aqui, uma ligeira passagem sobre a proposta que o governo brasileiro, pelas mãos do ex-Ministro Bresser Pereira e do Dr. Fernão Bracher, apresentou aos bancos, e vamos ver se ficamos fora ou não.

EM primeiro lugar, período de consolidação estabelecido: o Brasil que­ria que fosse de 1966 a 1989 – conseguimos até 1993, portanto fomos além, se bem que, é verdade, o Brasil está preparado para discutir, adicionalmente, um prazo maior. Há isto, também, no texto.

Então, conseguimos mais do que nos havíamos proposto inicialmente.

Prazo a ser negociado: negociamos o maior prazo que um país do Terceiro Mundo já conseguiu.

Taxa de juros: o custo total dos juros devidos pelo Brasil não deve ex­ceder a libor ou a uma taxa doméstica equivalente  é isto que está na proposta.

Ora, o que prevalecia, na época de negociação, era um taxa de 1,6. Que­ríamos que ela fosse de 1,6 para zero e chegamos a 0,8, o que é o que todos os países de porte semelhante ou que fizeram negociações recentes obtiveram, e, com isto, vamos ter uma economia, para o País, de US$ 4,2 bilhões.

Portanto, é uma convergència para uma posição. Normalmente, os bancos gostariam que a taxa ficasse em 1,6; gostaríamos que ficasse em zero e saímos pelo meio.

Diz o Ministro Bresser, na sua proposta, “mecanismos especiais: seriam estabelecidas disposições para um limite máximo de taxa de juros e para os pro­cedimentos a serem seguidos no caso de deterioração substancial nos termos de intercàmbio comercial.” Esta ainda é uma questão em aberto e que estamos lutando por ela. Não exatamente, quer dizer, não estamos esperando que sala exatamente isto, mas uma coisa satisfatória para o Brasil.

Este é um esclarecimento que gostaria de trazer à consideração de V. Exa.

o quinto ponto é o financiamento dos juros. 0 Ministro Bresser propunha: US$ 3 milhões para 1988; US$ 3,1 bilhões para 89; e mais US$ 4,3 bi­lhões para 87, o que dá um total de US$ 11,1 ou 2 bilhões.

Mas ele gostaria de ter 3 bilhões para 87, aliás, 4 bilhões para 87, 3 bilhões, a grosso modo, para 88, e mais 3 bilhões para 89. Deixe-me repassar aqui. Espero que o Senador desconte este tempo: 88, 3,1 bilhões; 89, 3,1 e 87, 4,2. Então, temos 10,4. Conseguimos para 1987 e 1988, e um pouco de 1989, mas basicamente 1987 e 1988, em vez de 7,3, 6,4, ou seja, abandonamos, no processo de negociação, e abandonamos conscientemente, o pedido de financiamento de juros: para 1989 e nos concentramos em 1987 e 1988 e conseguimos 6,4 milhões contra uma previsão inicial de 7,3 milhões. Os bancos haviam começado com 4, de modo que acho que conseguimos um número razoável. Agora, é preciso um esclarecimento, Senador. Na época dessas projeções, o Brasil trabalhava com projeções de balança de pagamentos muito menos favoráveis do que se trabalha hoje. Trabalhávamos, por exemplo, com balança comercial um pouco acima de US$ 10 bilhões; hoje já traba­lhamos com US$ 12,6 bilhões, e se vamos ter um resultado muito melhor do que o previsto, não há porque nos endividarmos. Se condenamos o processo de endivida­mento, devemos dele fugir quando isto for possível.

Outro ponto levantado por V. Exa., a questão do monitoramento da vinculação. 0 ponto levantado pelo Ministro Bresser, e que está sendo preserva­do, é: o Brasil não aceita a vinculação automática entre desembolso do Fundo e desembolso dos bancos, mas admite a negociação paralela, admite que os dois se conduzam paralelamente e cheguem até mesmo ao ponto de chegada. 0 que não se quer é a vinculação. Esta posição está tendo mantida.

Quanto ao monitoramento a partir do momento em que vamos assinar cordo stand by de 12, 18 meses, Isso não está definido ainda, é da praxe dc tema que o Brasil vai apresentar certos pontos do desempenho que mostrem q1 está seguindo aquele programa. Chame-se isso monitoramento, cumprimento de dos, não importa, mas claramente o Brasil vai cumprir um acordo com o Monetário Internacional ou, pelo menos, vai procurar cumprir. Qual é a vantangem disso aí para à País? Em primeiro lugar, o acordo não é para viabilizar o acordo com os bancos, Senador, mesmo porque o acordo está sendo alcançado nas suas li’nhas básicas, e, como eu disse, ele sempre é confirmado pela comunidade interna­cional antes do acordo com o Fundo. Mas o Fundo Monetário é importante – e nisso reconhecia o Ministro Bresser Pereira pelo seu poder de catalização, ou seja, o Brasil esta há um ano – é o único páis da America Latina ou pelo menos , da America do Sul – sem receber financiamentos das agencias oficiais. E tradicional­mente financiamos 40% de nossas importações com apoio das agências oficiais do mundo industrializado que se reúnem no Clube de Paris. 0 governo japonês tem uma regra legal que o impede de negociar programas de ajuda a um país que não esteja em situação regular perante o governo. E nós-não estamos. Estamos atrasa–­dos com o pagamento do principal para as agências oficiais no ámbito do Clube de Paris. Então, o acordo é importante para viabílizar agora um acordo com o Clube de Paris. E o Clube de Paris é fundamental para viabilizar o acesso do Brasil ao programa Nakasone, que é um programa estabelecido para ajuda ao Terceiro Mundo e que pode ser de fundamental importAncia. para o restabelecimento do fluxo de re­cursos para financiamento, para pagamento e, portanto, do aumento da capacidade de investimento da economia nacional.”

0 Senador Fernando Henríque Cardoso levanta alguns pontos adicionais para que o Ministro possa responder no.decorrer das outras questões que possam vir a ser colocadas pelos outros Srs. Senadores:

“Sr. Ministro, realmente V. Exa., ao responder ao nobre Senador João Lobo, disse que não estava de acordo nem com a estratégia do Ministro Dilson Fu­naro nem com a estratégia do Ministro Delfim Netto. Na verdade, a resposta que V. Exa. dá mostra que V. Exa. está de acordo com a estratégia do Ministro Delfim Netto. Isso não é desdouro, (o Deputado Delfim acabou de se ausentar do Plenário), mas V. Exa. estar de acordo com a estratégia do ministro Delfim metto com uma diferença que temo. É que V. Exa. vai tentar cumprir a carta de inten­ções e o Ministro Delfim Netto não tentava. De modo que temos aí uma desvanta­gemf porque, se V. Exa., pelo seu estilo de homem probo, de homem que tem uma visão técnica e não política das coisas – o Ministro Delfim Netto tinha uma vi­são mais política – vai aplicar essas regras, essas regras vão ter um custo elevado. V. Exa. mostrou aqui que nunca esteve de acordo com a moratória, porque a moratória causaria tudo isso que causou – foi a liás a observação que fiz, na época, ao Presidente da República. Então, V. Exa. não estava de acordo com a po­lítica do Presidente da República no momento em que decretou a moratória que, evidentemente, provocou tudo isso. 0 Brasil é “mau pagador” – os japoneses não podem dar os recursos – precisa, pois, ir ao Fundo, argumenta V. Exa. Lamento que tenhamos ficado um ano e meio sob um regime de moratória e depois, quando esse regime é suspenso, ele é suspenso sem que se tire nenhum ganho efetivo da moratória havida.

Sabe V. Exa. que nas reuniões que tivemos, o Senador Carlos Chiarelli estava presente,-o Senador Raimundo Lira também, bem co mo o Senador Virgílio Távora, que infelizmente não está aqui, nos Estados Unidos com o Sr. Baker, e com outros dirigentes americanos; naquele momento eles só nos falavam de uma coisa; chamava-se: “menu approach”, cardápio. É preciso que os países ofereçam cardápio de alternativas, diziam, e entre elas havia a questão do waver, dos bancos, para que houvesse a securitização da dívida. Tudo isso era bem visto. Por que? Porque estávamos numa posição política de moratória. Para sair da mora­tória eles aceitariam até mesmo fazer certas concessões.

Como saímos da moratória sem que tivéssemos conseguido antes alguns re­sultados, a nossa posição negociadora se enfraqueceu.

Entendo v. Exa., quand se contenta com algumas vantagens bem Inferiores às que havia nos proposto no início. V. Exa. está fazendo do seu Angulo o que melhor lhe parece para o Brasil. Do nosso ãngulo, o Governo perdeu uma posição. E não quero discutir se era justo ou não a moratória. Foi feita, e uma vez feita a moratória, por que não se tirar proveito dela? Não se tirou proveito dela.

E V. Exa. está fazendo agora ilma negociação convencional; absolutamente convencional. Tudo aquilo que aparecia como salvaguarda com relação à variação do preço do petróleo, que o México tentou também, a questão relativa à salva­guarda quanto à variação da taxa de juros, a securitização da dívida, tudo isso desapareceu no horizonte, e estamos nos contentando com o que podemos contentar-nos, por termos perdido uma posição negociadora.

Não é culpa de V. Exa. Um governo que tem quatro Ministros não pode ob­ter recursos, tem uma estratégia em ziguezague, não temuma estratégia negocia­dora firme lá fora.

Pergunto a V. Exa também o seguinte: não sei se os dados são do Boletim do Banco Central, ou se são corretos, porque entre 1983 e 1986 pagamos US$ 42,9 bilhões da dívida, e a dívida cresceu de 81,3 para 101 bilhões de dólares. Entre 1986 e 1987, pagamos US$ 11 bilhões, e a dívida pulou de 101 para US$ 121,3 bilhões. Por que estou dando esses dados? Porque se repete aqui a mesma questão com relação ao salário do funcionalismo e os gastos financeiros. Sei que é difi­cílimo sair da entaladela, mas a entaladela é maior do que parece, pois todo esse esforço são pingos d’água. Isso é que nos assusta, quando se pensa qual é a estratégia global de crescimento. Não me assustam medidas drásticas, elas terão que ser tomadas; assustam-me porque são parciais e dão ao País a impressão de que só um la do.vai pagar. Não me assusta que tenhamos urna linguagem clara ao dízer qual é a situação real do Brasil no mercado internacional de capitais ou o que se consegue ou se deixa de conseguir com este ou aquele acordo; assusta-me é o não se dizer, é o fazer-de-conta, como se está fazendo de conta agora, que es­tamos “espontaneamente” tomando medidas que depois coincidem com as do Fundo. preferível dizer que nós estamos tomando as medidas que são do receituário do: Fundo – e defender o receituário – para garantir o crescimento futuro da economia. Assusta-me, portanto, muito mais o modo político pelo qual se está, de alguma maneira, “empurrando com a barrigaff, mas não aquela farta barriga do Mi­nistro Delfim Netto, que empurrava para não pagar lá fora; agora se está empur­rando com a barriga para que a opinião pública não perceba o que se está real­mente fazendo; para que ela não sinta que o que se está fazendo tem um custo muito maior do que parece à primeira vista e que, infelizmente, esse custo vai ter que ser pago por nós, políticos, que teremos que explicar ao povo por que as maravilhas prometidas não se realizaram. As consequências dessa nova frustração vão ser grandes.

“Sei que V. Exa., como técnico, não é responsável por isso. Mas V. Exa., como brasileiro, há de convir que tenho razão e há de estar tão preocupado quanto nós, quanto a aceitar vantagens tão pequenas diante do tamanho imenso do problema da dívida, com o acordo que está sendo feito.”

0 Senador João Menezes, após tecer severas críticas à moratória – pois, em sua opinião “mergulhamos num caos econômico-financeiro que até hoje estamos sofrendo as consequências” – também pergunta ao Ministro Maílson sobre a evolu­ção das negociações, concentrando-se basicamente em dois aspectos da questão: prazo de 20 anos para pagamento e spread reduzido. De acordo com o Senador “essas são as primeiras medidas positivas que realmente defendem o interesse do País”, desde que frequenta o Congresso Nacional. Ainda com relação à falta de informações, o Senador propõe ao Ministro que esclareça à nação o que está acon­tecendo neste País.

0 Sr. Maílson confirma o prazo de 20 anos, com 8 de carência; redução do spread a partir do oitavo ano e pagamento de prestações crescentes (2% para a primeira parcela e 10% para a última), “de acordo com a capacidade de pagamento do País.”

As interpelações da maioria dos Senadores deixaram registrado o fosso que existe entre o que faz e pretende o Poder Executivo na questão da dívida, por um lado, e a escassez de informações ao Parlamento e à sociedade sobre a ma­téria, por outro. 0 Senador José Fogaça faz indagações ao Ministro Maílson tam­bém com o objetivo de “esclarecer à sociedade brasileira, muito mais do que a este próprio Parlamento.”

0 Ministro dissera que as recomendações e exigências do FMI não estavam orientando a política económica brasileira, e que as medidas adotadas decorriam de decisões internas do governo brasileiro. Porém, para o Senador José Fogaça, se as medidas não são ditadas pelo FMI, então há uma afinidade meramente casual – “uma vez que elas já constituem o cerne, o núcleo das próprias decisões de po­lítica econõmica do governo. Já vimos duas manifestações claras desta política: o congelamento da URP para os servidores públicos federais e, agora, o corte dos subsídios ao trigo.-

Como dívida externa tem a ver com comércio exterior, o Senador José Fo­gaça pergunta “por que fizemos um acordo com a Argentina, que não prevê a impor­tação de produtos in natura, mas a importação de produtos beneficiados?” Cita os casos do comércio de produtos agrícolas in natura (soja, arroz e trigo), prejudicando a utilização da capacidade instalada para beneficiamento já existente no Rio Grande do Sul, por exemplo.

Para reflexão dos membros desta CEDEB, registramos os seguintes argu­mentos do Ministro Maílson sobre os pontos relevantes que foram levantados pelo senador Fogaça:

Quanto às medidas à ia FMI, já adotadas:

1 – “Por que o trigo, simultaneamente à suspensão temporária da apli­cação da URP Por uma simples razão, Senador. Não tem o Ministério da Fazenda dúvida alguma quanto ao fato de que a Inflação de hoje é resultado direto dos desequilíbrios de ontem nas finanças do Governo, um déficit gigantesco, incapaz de ser absorvido por um mercado de capitais, por um mercado financeiro, que já destina 70% de suas disponibilidades a financiar gastos do governo. Ou seja, es­tamos caminhando rapidamente para uma situação em que o governo se apropriará de toda a poupança financeira, não restando recursos para os Estados, para os Muni­cípios, para as empresas, para a agricultura, até para o consumidor. É interes­sante observar que só diretamente o governo absorve hoje 53% da poupança finan­ceira, contra 30% no início desta década e, indiretamente mais 17%, isto é, a­quelas parcelas da poupança financeira que não estão computadas na Dívida Públi­ca, como os CDBs, os depósitos a prazo, que os bancos privados e os bancos dos Estados tomam no mercado para financiar Estados, Municípios, empresas estatais. A eliminação dos desequilíbrios de hoje é que vai determinar os níveis de infla­ção de amannã.

Portanto, eliminar o subsídio do trigo simultaneamente é Parte de um processo geral de ajustamento do setor Público às possibilidades da economia E aí gostaria de realçar mais um ponto: do Ponto de vista da despe sa de pessoal como um todo, os gastos de salário da União em 1988, deverão ser superiores aos de 1987. 0 que se fèz foi reduzir um Pouco os aumentos reais. que ja estavam assegurados .

2 – Ainda quanto ao subsídio ao trigo, que me esqueci de aludir, de mencionar, é que uma distorção causada pelo subsídio, além daquelas que mencionei: o trigo se tornou artificialmente mais barato que o milho, do que a mandioca, e levou a uma redução do consumo desses produtos, que são cultivados, vale assinalar, feijão, milho, mandioca, por produtores de baixa renda.

Outra distorção do subsídio do trigo, e houve uma época em que ele cor­reppondia a US$ 1 bilhão, ou equivalente, é que o subsídio do trigo, sozinhof ficou maior do que o próprio orçamento do Ministério da Saúde. Então, não é jus­to, do ponto de vista social, que somente um conjunto de pessoas, aqueles consu­midores de pão, ainda que em grande parte nas classes menos favorecidas, possam receber do governo subsídio maior do que aquele que o governo gasta em saúde, em campanhas de imunização, em campanha de esclarecimento, em assistência às clas­ses menos favorecidas.

3 – Com relação ao acordo com a Argentina, o ministro fóz a seguinte análise: “antes diria que o Brasil é, no mundo, um dos países de coeficiente de importção mais baixo, ou seja, somos uma das economias mais fechadas do universo. Isto decorre de uma série de problemas, como balanço de pagamento, substituição de importações, controle de importações. Só para se ter uma idéia,

  • coeficiente de importações brasileiro, ou seja, o volume de importações sobre
  • Produto Nacional é de apenas 6% no ano de 1985, o último dado disponível para outros países, mas, se tem 7,6% no México, 16,5% na Venezuela, obviamente in­fluenciado pelo petróleo, 11,9% na Colómbia, 17,1% no Chile e 10,9% no Peru. Se se for aos países industrializados, o coeficiente de importações da Alemanha é de 21,4% do PIB, do Reino Unido é de 23,1%, da França é de 19,5%, dos Estados Unidos é de 9,2%, do Japão é de praticamente 7%, da Holanda 43%.

Então,    o que importa, do ponto de vista da economia nac ional, não é a contenção das importações; o que importa é a ampliação do comércio exterior, de! tal forma, que exportemos mais e importemos menos. Isto promove a integração, expõe a indústria nacional à competição internacional, porque este é um dos re­sultados do processo de modernização e de exposição da indústria brasileira ao mercado internacional.

A propósito, mencionaria um dado interessante, pouco explorado nos úl­timos anos: o grau de maturidade que está atingindo a indústria brasileira, em grande parte, por um processo de modernização, induzido pelo próprio governo, mas, sobretudo, pelo processo de exportação. Em 1970, apenas 40% dos bens de ca­pital, forne cidos a projetos industriais, acordos de participação homologados pela CACEX, eram fornecidos por empresas nacionais, 60% eram supridos por importações.

Hoje, em 1987, 90% dos acordos de participação homologados pela CACEX provêm – quer dizer – 90% das importações provirão do mercado nacional, e apenas 10% de importações. Isto mostra que o comércio exterior é realmente o mecanismo de modernização que gera, promove a eficiência, além de todos os benefícios que isso acarreta para a economia nacional, em termos de emprego, em termos de ren­da, em termos de modernização.

É neste contexto que está a integração com a Argentina.

A integração regional é uma estratégia que vem sendo utilizada com grande sucesso em outras regiões do mundo. 0 caso mais clássico é o da Comunidade Econômica Européia. Nós, da América Latina, no momento de crise, no momento de dificuldades de balanço de pagamentos, temos que buscar a integração. No ge­ral, ela tende a favorecer as economias-dos países que se integram, dos países,, que promovem as uniões aduaneiras, dos países que promovem um processo de integração.

É claro que isto causa problemas, há problemas de adaptação. Foi assim na Comunidade Econômica Européia, foi assim na Comunidade do Carvão e do Aço, foi assim em outras uniões aduaneiras, que hoje são, indiscutivelmente, um su­cesso em outras partes do mundo.

Tenho a impressão de que Brasil e Argentina têm muito a ganhar com o processo de integração. Reconheço as dificuldades que isto acarreta: os produto­res de maçã da Argentina não estão satisfeitos, os produtores de trigo do Brasil não estão satisfeitos, algumas indústrias brasileiras não estão satisfeitas, al­gumas indústrias argentinas não estão satisfeitas, mas é um processo natural, é um processo normal, e acho – sou partidário da ampliação desse processo de inte­gração – que vai resultar, não tenho dúvida alguma, se bem implementado, em be­nefício para os dois países.”

  1. Sobre os Custos da Renegociacão e da Moratória

0 Senador Marcondes Gadelha indaga ao Ministro o que aconteceria, por exemplo, no campo da dívida externa se simplesmente as coisas ficassem como estão. Ou seja, se o Brasil continuasse “empurrando com a barriga”, como vem fa­zendo; ou se adotasse medida drástica, mais drástica, mais radical, de conti­nuar, de prosseguir com a moratória?” Segundo o Senador, no primeiro caso, há uma indagação: “será que a atitude de negociar não vai inibir a degradação dos débitos do Brasil no mercado sedundário e reativar ou sustentar o valor nominal dessa dívida? No segundo caso “existe uma espécie de Isebastianismol do Plano Cruzado. Há uma espécie de nostalgia da moratória, há um obstinado regressismo a propostas messiânicas e salvacionistas.” Solicita, então, ao Ministro que esta-: beleça um cotejo entre “as vantagens de negociarmos de forma tão penosa, tão so­frida, … “ – como essa apresentada pelo Sr. Maílson – e as medidas alternati­vas, uma vez que, “como dizem esses arautos da moratória ou de medidas semelhantes … 11, já perdemos, de qualquer forma, essa credibilidade junto à co­munidade financeira internacional?” 0 Senador antecipa ao Ministro sua convicção de que “nós não a recuperaríamos pelo fato de voltarmos a-negociar e não haveria ingresso de dinheiro novo neste País.”

o Ministro Maílson entende que a moratória, apesar de justificável nas circunstâncias, foi um erro – “da própria forma como foi feita, dirigida unica­mente aos bancos” à “demora na retomada das negociaçõesm e, portanto, não cabe ao governo nele insistir.

Para fundamentar sua argumentação o Ministro utiliza-se de custos visí­veis e invisíveis da moratória, concluindo que o custo é de US$ 2,5 bilhões, mesmo sem considerar que os juros do período da moratória serão pagos no futuro.

A análise dos custos da moratória não foi, porém, acompanhada de possí­veis benefícios. Por exemplo, computa-se os recursos líquidos negativos do FMI (US$ 1,8 bilhões), como custo, mas não se considera os benefícios econõmicos, sociais e políticos da não submissão do País às regras do ”stand by” do Fundo.

De qualquer formar registramos aqui o depoimento do Sr. Maílson sobre o assunto:

“Acho que não cabe discutir a moratória de fevereiro de 1987. Como a­firmei na minha exposição, foi uma imposição dos fatos. 0 que cabe discutir é se ela trouxe reais vantagens para o País, se ela melhorou a posição negociadora do País, se ela promoveu alguma economia de recursos para o Brasil. Um ano e pouco depois da moratória, a conclusão é que não.

Acho que o governo não incorre em nenhum erro ao admitir que, embora justificável nas círcunstãncias, porque era uma questão de proteger as reservas internacionais do País, a demora na retomada das negociações e a própria forma como a moratória foi feita, dirigida unicamente aos bancos, trouxeram alguns problemas muito sérios para a economia brasileira. Em primeiro lugar, atingiram a credibilidade do País, a Imagem do País, e não foi a primeira vez que isso ocorreu. Gostaria de, só a título de-curiosidade, ler aqui para V. Exa. uma ex­posição de motivos do Ministro Oswaldo Aranha, quando propôs ao Presidente Getú­lio Vargas medidas de negociação para suspender a moratória de 1931. Diz ele duas coisas importantes:

“Por não possuirmos capitais acumulados, o desenvolvimento dás nossas riquezas tem de ser feito ainda por algum tempo com o concurso finan­ceiro do exterior.”

Esta verdade permanece até hoje, uma vez que o Brasil ainda não tem o dom de se transformar em um exportador de capitais.

Mais à frente diz o Ministro Oswaldo Aranha:

A operação de que trata o decreto, que submeto à apreciação de V. Exa. regulariza completamente, de acordo com as partes interessadas, o atraso de pagamento em que ficou o Governo Federal, desde alguns anos passados, e aqui eu friso, que tanto mal estava causando ao bom nome do Brasil.”

Palavras muito atuais do Ministro da Fazenda de então, Oswaldo Aranha. Não podemos medir isto em termos financeiros. 0 Brasil ampliou as suas reservas deixando de pagar US$ 4,5 bilhões aos bancos? Não. 0 ganho de reservas do País é de apenas US$ 500 milhões. E para onde foram os US$ 4,5 bilhões que o Brasil não pagou aos bancos internacionais? É porque o Brasil continuou pagando aos outros credores sobre os quais não foi decretada a moratória; continua pagando ao Fundo Monetário; continuou pagando ao Clube de Paris; continuou pagando ao Banco Mun­dial,                 e, apesar de estar pagando regularmente a estas instituições, não se bene­ficiou da retomada de empréstimos em seu favor.

Então, imaginar que a moratória decretada só em cima dos bancos levaria   a que as outras organizações continuassem a financiar o País, eu acho que foi uma avaliação equivocada da situação.

Como se pode imaginar que um governo, por exemplo, o francês, vá conti­nuar financiando um país nas suas importações necessárias se esse mesmo país a­meaça   a sobrevivência, a estabilidade do seu sistema financeiro? E a instabili­dade no sistema financeiro representa a instabilidade da própria economia. Vamos ver outras pontos. Essa questão já foi divulgada pelo governo e alguém, um dos teóricos da confrontação, questionou os dados do Brasil, porque não estava le­vando em conta os juros que ele haveria de pagar. Aí fêz uma confusão entre com­petência e fluxo de caixa, que é o mínimo que um entendido de contabilidade de­veria ter. A comparação que se fèz e que estou fazendo agora é exclusivamente em termos de fluxo de caixa, porque, se o Brasil não pagou juros – a menos que te­nhamos a intenção de repudiar a dívida – eles vão ser pagos um dia.

Só para concluir, Sr. Presidente, verifico – e veja, volto a dizer não cabe questionar a moratória em si; cabe ter a humildade de, vendo que seus resultados não foram os esperados, rever a situação para evitar problemas maio­res para o País, para a sociedade brasileira, para os trabalhadores.

Mesmo considerando o não pagamento de juros, na tese daqueles que di­ziam que estávamos, no mínimo, sendo desonestos, vamos ver que a moratória tam­bém influenciou na destruição de negócios – ou seja, o custo invisível da moratória. Conseguimos captar alguns deles – operações que o Brasil estava pres­tes a realizar foram suspensas por conta da moratória. Este é o caso, por exem­pio, de uma operação com a Comunidade Européia do Carvão e do Aço, de US$ 285 milhões, que não foram desembolsados; uma operação com o ALABANK, com a Coopera­ção Financeira de Fomentos do Banco Mundial, de US$ 60 milhões – o ALABANK deu US$ 100 milhões em uma operação que envolvia vários bancos, num total de US$ 1,6 bilhões; operações que estavam prontas para serem concluídas e que tudo indica que seriam, não fosse a decretação da moratória.

Quanto o País perdeu em termos de fluxo de caixa, pagando ao Fundo Monetário-e não recorrendo ao stand by, que é um direito que tem? Quanto perdeu de desembolso do Banco Mundial de operações de co-financiamen~o para financiar o programa hidrelétrico, por conta da moratória?

Se somarmos todas essas perdas; se somarmos aquilo que o Banco Central perdeu de linhas de crédito voluntário, da ordem de US$ 500 milhões; se somarmos os recursos que o Banco Central teve que colocar nos bancos brasileiros, porque houve uma diminuiÇão das linhas de curto prazo no mercado interno bancário, em favor dos bancos brasileiros, da ordem de US$ 700 milhões; se somarmos tudo is­to, vamos verificar que o Brasil perdeu, em fluxo de caixa,   diretamente imputáveis à moratória, US$ 5,2 bilhões.

Por não ter feito um acordo com o Fundo Monetário, deixou de receber,entre o que deixou de receber e o que pagou, US$ 1,8 bilhões. Isto gera US$ bilhões de perda, e deixou de pagar US$ 4,5 bilhões aos bancos privados.

Portanto, mesmo sem considerar que esse juro vai ser pago lá na frente, o custo é de US$ 2,5 bilhões.

Volto a dizer: cabe a qualquer pessoa, a qualquer governo, a qualquer ente, uma vez verificado o erro, nele não insistir. E a normalização’ das rela­pões financeiras do Brasil com a Comunidade Financeira Internacional está neste contexto.”

  1. Sobre a Suspensão da Moratória

Os Senadores Carlos Chiarelli e Fernando Henrique Cardoso levantaram a questão do pagamento de juros sem que houvesse perspectiva de acordo com os banqueiros. De modo contraditório ao que afirmava quando analisava os custos da moratória, conforme relatado acima, o Ministro Maílson disse:

“Pagamos os juros de janeiro e fevereiro da ordem de US$ 994 milhões; pagamos de nossa reserva, e apostamos no acordo. E vela, não susipendemos -A moratória. A moratória está em vigor. A resolucão nr 1263 continua em Pleno vi­gor . o que usamos foi o poder de barganha do Pais.

Argumentamos: “pagamos os juros de janeiro se vocés nos derem o montan­te adequado de recursos; pagamos os juros de fevereiro se vocés definirem conos­co uma taxa de juros; pagamos os juros de março – e ainda não foram pagos – se fizermos um acordo.” Então, o Brasil também usou seu poder de barganha para for­çar os bancos a chegar a um acordo e os pontos acordados são a demonstração de que a estratégia funcionou, e em todos os casos, Srs. Senadores, os pontos acor­dados, volto a repetir, foram confirmados posteriormente. 0 Brasil seria o único caso na história recente das negociações internacionais.

E, finalmente, mesmo tendo pago cerca de US$ 1 bilhão nos meses de ja­neiro e fevereiro, o nível de reservas em fins de março é semelhante ao de de­s~ro, por que? Porque o Brasil conseguiu restabelecer a credibilidade; conse­quiu restabelecer as linhas de crédito e as reservas das exportações, e o resul­tado é US$ 1 bilhão que não afetou o nível global de reservas do País e facili­tou um acordo que está caminhando para o seu final a curto prazo. É um resultado muito maior, muito melhor do que uma perda de US$ 5 milhões de reservas em con­sumo, em investimentos, que é isso que foi provocado por uma exacerbação de consumo e investimento do Plano Cruzado.”

0 Senador Lourival Baptista solicitou, por escrito, esclarecimentos do Ministro da Fazenda sobre as providências de sua Exa. para resolver a dívida ex­terna brasileira, hoje da ordem de US$ 121 bilhões.

0 Senador Jarbas Passarinho aplaudiu “a estratégia dos cinco pontos para a administração da dívida”, apresentada pelo Ministra, entendendo que “o que é fundamental para todos nós, brasileiros, é que administrem essa dívida, que cheguem a uma conclusão”, e que perdemos muito tempo de março de 1985 até o momento, pois o montante de recursos decorrentes da redução do spread agora ob­tida – de mais -de 2% para 0,81% – já teria produzido nesses 3 anos uma economia de US$.1 bilhão. o Senador, numa manifestação de apoio do PDS à volta do Brasil ao FMI e à reaproximação do País com a comunidade financeira Internacional, af irma:

“Por outro lado, não temos o preconceito que a esquerda do PMDB tem com relação ao Fundo Monetário Internacional. Achamos que a Argentina não perdeu a sua soberania, que a Venezuela não a perdeu, que a Hungria não a perdeu, que a Polónia não a perdeu, que a Iuguslávia não a perdeu, e precisamos ter a coragem de realmente chegar a um entendimento em que não sejamos, evidentemente, objeto de uma imposição, de uma estratégia vinda de fora para dentro, mas que tenhamos a convicção de que é preciso negociar e restaurar na comunidade internacional a credibilidade do Brasil.

De modo que, neste ponto, estou aqui para aplaudir V. Exa… Pelo meu partido eu criticava o mecanismo epidérmico de alguns Ministros, ou de um Mínis­tro, particularmente, que era o Ministro Dilson Funaro. Achávamos que aquela re­tórica do Brasil soberano – “o Brasil nunca mais vai ao FMI”, etc quem pagaria por aquilo seríamos todos nós, e estamos pagando até agora.

  1. Exa. começou, aliás – faço justiça ao Ministro Bresser Pereira que iniciou a retomada desse contato – com muita coragem está fazendo.

0 que espero de V. Exa., que conheci no passado, que me ajudou a resol­ver os déficits da Previdência e que o mágico inventou que tinha zerado, mas graças a uma grande campanha de televisão, o que espero de V. Exa. é que exatã­mente permaneça como está, com a coragem de tomar causas impopulares. E o que precisamos no Brasil é de coragem para poder tirar o País da desordem econômica em que foi lançado e que pode traduzir também em desordem social. Se V. Exa. pode receber, em nome desta parcela de oposição, uma palavra que seja de apoio, por obséquio, a receba.”

A redução do spread, entretanto, é insignificante, pois incide apenas sobre a dívida do setor público e é a taxa convencional (obtida pelo México, por exemplo). Também não se sustenta a idéia de que o FMI mudou e que seja factível agora a não vinculação de desembolsas do Fundo aos dos bancos ou que as metas das Cartas de Intenção (norma estatutária do Fundo) sejam descumpridas e renova­das, sem custos para o Pais, como no segundo período da gestão Delfim Netto (PDS); que os termos do acordo “stand byff entre o FMI e o Brasil serão diferen­teS dos firmados com os demais países, especialmente com a sensação de falta de governo e de posição política Já referidas. E finalmente que isso não levará a uma profunda recessão econômica no País, com desdobramentos políticos e sociais.

0 FMI, de fato, mudou desde a sua criação: outrora, funcionava como um “fundo de socorro” aos países membros que sofriam desequilíbrios conjunturais em seus balanços de pagamentos, para que houvesse estabilidade cambial na economia mundial; há mais de uma década, porém, o FMI foi transformado, inequivocamente, em uma instituição funcional – em um avalista técnico internacional dos grandes banqueiros mundiais. Em nome do “reajustamento econômico”, policia as economias das nações devedoras para que estas gerem excedentes comerciais destinados ao pagamento de juros aos banqueiros. Não se trata aqui de especulação teórica, mas de evidências comprovadas por todos os acordos feitos pelo Fundo até hoje.

 

UMA AVALIAÇÃO DO RELATOR

No Capítulo VII tratamos dos novos rumos que a gestão Maílson Nóbrega estava dando às negociações da dívida externa. Questionamos àquela época se ha­víamos chegado ao fim da moratória de 27 de fevereiro de 1987 e o que é pior: “sem nenhuma vantagem que se esperava dela obter pela negociação que ela induziu” (nota do Presidente e do Relator desta Comissão distribuída à imprensa em primeiro de fevereiro próximo passado).

A dúvida que levantávamos em fevereiro está confirmada pelo que se de­preende da exposição que o Ministro Maílson da Nóbrega fêz ao Plenário desta Casa em 25 de abril próximo passado. À negociação que ora se faz é convencional e abandona, na prática, cinco pontos fundamentais da proposta Bresser, de 25 de setembro de 1987:

1 – a tese de securitização;

2 – as salvaguardas (limites máximos para taxa de juros e procedimentos especiais para possíveis deteriorações nos termos de intercâmbio);

3  – financiamento de juros para o período 1987-89, no montante de’US$ 10,4 bilhões;

4 – spread zero para toda a dívida;

5 – carve outfi para todo o estoque de débitos.

No primeiro caso, procede-se a uma conversão da dívida sem a condução prévia da troca de bônus (Resolução 1416 do CMN, de 27-01-88); o Ministro acre­dita no mercado secundário e não avança na tese de securitização…

Os limites máximos para juros e perdas decorrentes de queda substancial dos termos de troca do País são questões em aberto, segundo afirmava o Ministro.

Os bancos fizeram uma contraproposta de refinanciamento dos juros de 1987-88 no montante de.US$ 6,4 bilhões contra a proposta brasileira de US$ 10,4 bilhões para o triênio1987-89.

0 monitoramento da economia pelo FM1 é condição do acordo fistand bym que o Fundo faz com qualquer país. Durante a vigência do acordo (12 ou 18 meses), o País se compromete a cumprir determinadas metas de um programa de a­justamento econõmioco e os desembolsos são viculados ao desempenho daquela economia. Já vimos os efeitos desse tipo de acordo no Brasil. Ademais, a ques­tão igualmente séria é que, nas palavras do Sr. Ministro: “o Brasil não aceita a vinculação automática entre desembolsos do Fundo e desembolso dos bancos, mas admite a negociacão Paralela, admite gue. os dois se conduzam T)aralelamente…”

0 ponto fundamental é que o Brasil continua sendo vit–mado pelo sistema financeiro internacional,causando sérios danos econômicos e sociais ao País. Enquanto não for desatado o nó da dívida externa de forma soberana, o Brasil não sairá da estagnação econômica que tem caracterizado o presente decênio (os anos 80 já estão sendo chamados de “Década Perdida”), não acelerará o seu desenvol­vimento à altura da revolução tecnológica deste final de século e, seguramente, não resgatará a dívida social não incorporará à sua economia capitalista os milhares e milhares de pobres e miseráveis.

A situação que ora arrocho salarial direto dos trabalhadores no setor público e indireto de toda a força de trabalho (via eliminação do sub sídio ao trigo, por exemplo, sem qualquer política de renda compensatória), sub­missão da política econômica às regras e monitoramento do FMI, acomodação aos interesses dos grandes bancos internacionais, etc – não passa de uma encenação da inequívoca demonstração da falta de governo no País. Não é à toa que os ban­queiros acenaram com o possível reescalonamento do principal da dívida para 20 anos, 8 de carência, etc, mas no essencial – refinanciamento de juros, taxas de juros, spread, descontos, monitoramento, etc – não cederam um milímetro e se fi­ xaram nos refinanciamentos de parcela dos juros (50%) apenas par!~ este ano (1987 foi ano de moratória e o juro terá que ser refinanciado de fato, pois o País não tem caixa para pagá-lo). Em suma, o horizonte em todas as frentes sobre o País (aqui e no exterior… ) não passa de 1988: é o sinal do limite.

Um país capitalista que ainda não se organizou politicamente para rea­lizar coisas “triviais” como eleições diretas para Presidente da República, em plena reta final de transição do regime autoritário para o democrático e que tem em seu comando um Presidente sem voto popular, não terá condições de negociar soberanamente com os credores sua gigantesca dívida externa (a maior do Terceiro Mundo). Simplesmente falta-lhe representatividade, legitimidade, enfim, autori­dade – por mais boa vontade que tenha para com a Comunidade Financeira Internacional. Isso é realismo e economia não é coisa passional.

Para concluir, uma renegociação da dívida externa – que defenda e pro­teja os interesses do País no curto, médio e longo prazos – passaf necessariamente, por uma reforma estrutural doméstica (da eliminação de subsídios, da ineficiència dos gastos governamentais, da reforma institucional nos setores públicos e financeiros, etc), cujo vulto excede as possibilidades do governo que hoje temos.

Portanto, este Relatório propõe à CEDEB os seguintes pontos:

1que a CEDEB comunique diretamente ao Presidente da República a es­tranheza de seus membros à forma de encaminhamento das negociações externas, especialmente o retorno ao FMI e a suspensão da moratória sem vantagens palpáveis para o País;

2 que a CEDEB esclareça à nação sobre o que há de novo no “embroglio” da dívida/negociação e o papel reservado ao Poder Legislativo nos termos da Constituição vigente e da nova carta sobre a matéria;

3 que a CEDEB promova um debate com autoridades nacionais e interna­cionais sobre o assunto, no sentido de desprovincializar interpreta­ções e de originar o encaminhamento de soluções adequadas à questão da dívida.

4 que a CEDEB insista na retomada do fluxo regular de informações dos negociadores brasileiros aos membros da Comissão e, por essa via, ao Poder legislativo;

5 que a CEDEB continue acompanhando as negociações, alertando o Exe­cutivo e o País para o desvio que os acordos possam, eventualmente, trazer à meta fundamental do País:crescer sua economia para garan­tir o desenvolvimento social;

6 que a CEDEB, como fêz na gestão Bresser Pereira, não se negue a dar sustentação legislativ a a medidas de negociação que tenham sido discutidas com ela e possam, efetivamente, ajudar a negociação soberana da dívida externa, o que, infelizmente, não tem ocorrido na a­tual fase da gestão da nossa economia.

CONCLUSÕES

  1. Da análise apresentada no capítulo I deste relatório fica evidente, em primeira lugar, que a ampliação do endividamento externo foi uma opção de política econõmica tomada durante o governo Geisel, na gestão do prof. Mário Henri­que Simonsen e do Sr. João Paulo dos Reis Velloso, como meio para financiar a expansão do processo de substituição de importações de bens de capital e de in­sumos básicos.

Graças àquela decisão de política econômica, a dívida externa bruta saltou de US$ 12,5 bilhões em 1973 para US$ 43,5 bilhões em 1978 e, em termos líquidos, de 11,9 bilhões para 31,6 bilhões de dólares.

2.A partir de 1979 com o segundo choque do petroleo e a exacerbacão a crise fiscal norte-americana, a situacão do endividamento dos Raíses subdesenvolvidos             agravou-se consideravelmente. Ocorreram dois choques exógenos à economia brasileira: o primeiros pela elevação dos preços do barril de petróleo Pela OPEP; o segundo, pelo aumento inusitado da taxa de juros provocado pelos défi­cits fiscais dos Estados Unidos e pela política ortodoxa de combate à inflação naquele país. Tornou-se cada vez mais difícil obter recursos externos para “rolar” a dívida.

3.Some-se a isso a prática abusiva de contratos sob a cláusula leonina dos “juros flutuantes”, que passou a ser praticada a partir de 1971. A bola de neve financeira disparou. As estimativas do Banco Central e nossas próprias ava­liações mostram que cerca de 1/4 da dívida brasileira deve-se à elevação da taxa  juros sobre o estoque da divida (juros sobre juros e “spreads”) que não cor­responderam a um investimento real do pais. Ou seja, mais de 25 milhões de dóla­res foram o resultado da aceitação pelo Brasil de taxas de juros flutuantes. Adicionando-se a isso a deterioração dos termos de troca no período, o mercado secundário de títulos brasileiros no exterior sabidamente opera com um deságio de 50% do valor de face. Uma expressão do valor real de nossa dívida, porquanto determinada pelo próprio mercado financeiro internacional.

4.Não fosse este aspecto, lã de si grave, da extorsão financeiro a que o pais está submetido e que, queiram ou não, chama a responsabilidade dos credores para a situação atual, cabe ressaltar que os bancos continuaram emprestando e estimulando empréstimos aos países subdesenvolvidos quando já era evidente qua a dívida criaria situações de insolvabilidade. Daí os “spreads” e “fees” cobrados pelos bancos para que o risco fosse coberto por antecipação.

5.A partir desta situação o processo de transferência real de recursos do Brasil para o exterior Inverteu a expectativa quanto ao papel do capital externo no processo de       desenvolvimento: passamos a “transferir” recursos para o exterior, ao invés de recebè-los.

6.Depois de setembro de 1982 (o “setembro negro”),houve compromisso firmado pelo ministro Delfim Netto no sentido de aumentar o superávit da balança comercial. 0 êxito obtido (passou-se de um superávit de US$ 6 bilhões em 1983 para 13bilhões de dólares em 1984), possibilitou a continuidade da transferência da recursos.

Com um agravante: para a obtenção de tais superávits impós-se uma poli­tica recessionista, inspirada pelo FMI, que levou ao desemprego milhões de trabalhadores E mais ainda: a desorganização e a incapacidade do Estado (e dos governos) impedem que os superávits comerciais sejam “esterilizados”. Em outras palavras, como a divida está praticamente estatizada e o Estado brasileiro não dispõe de recursos líquidos (poupança) para saldar seus compromissos no exte­rior, o serviço da divida externa é transformado em dívida pública interna, seja na forma de colocação de títulos do governo junto ao público, seja na forma de emissão primária e desmesurada de moeda. 0 resultado imediato disso é a distor­ção das políticas fiscal e monetária, e, consequentemente, o aumento da taxa de juros e dos índices de inflação. A sociedade, portanto, banca a desorganização financeira do Estado – provocada especialmente pela dívida externa através da Inflação.

Assim, a Mívida externa” passou a condicionar a política econômica in­terna, afetando o crescimento econômico, o nível da inflação, as taxas de juros, o nível de emprego, os investimentos produtivos e o endividamento público.

7.Foi esta herança, pesada herança, que coube à Nova República gerir: como manter o crescimento da economia e o bem estar social de um país cujo endi­vidamento externo, nas condições drásticas a que chegou, passou, na prática, a ditar toda a política econômica do país e transformou-o em “exportador” de capitais”? As transferências de recursos reais do Brasil para o exterior no pe­ríodo 1983-86 atingiram US$ 45,3 bilhões. Portanto, uma média anual acima de 11 bilhões de dólares. Essas transferências corresponderam, em média, a 20% ao ano da poupança nacional e a 4,1% do PIB. Trata-se de cifra superior à da histórica transferência da Alemanha na segunda metade dos anos 20 para cobrir reparações de guerra, com resultados políticos conhecidos.

A Negociação da divida na Nova Reipública

  1. A análiseda política do governo Sarney com respeito à dívida mostrou uma grande descontinuidade. Cada um dos quatro ministros da Fazenda nos últimos três anos adotou estratégia distinta a saber
  2. a) na gestão Dornelles (que não foi objeto de análise da Comissão) a política econômica visava ao controle do déficit público e à possibilidade de uma negociação altiva, embora nos moldes clássicos, com os bancos internacio­nais;
  3. b) o ministro Funaro não só, através do Plano Cruzado, procurou inovar métodos na política interna, como pretendeu, com a moratória e mesmo antes dela, colocar ênfase no aspecto político da renegociação da dívida. Não seria exagera­do dizer que havia a pretensão de contribuir para uma “nova ordem econômica internacional”. 0 “endurecimento nas negociações e a busca de um acôrdo de lon­go prazo, com independência frente ao FMI, para permitir a continuidade do cres­cimento econômico deram a tônica das gestões da dívida;
  4. c) o ministro Bresser Pereira, sem colocar de lado a preocupação com o crescimento, buscou, de novo, entendimentos, não só com os banqueiros como, in­dependentemente de condicionalidades, com o FMI, com vistas a normalizar o relacionamento do Brasil com a comunidade financeira internacional;
  5. d) já o ministro MailsonNóbrega está tentando um acordo o mais rapida­mente possível, deixando de lado a maioria dos pressuspostos de negociação que o próprio governo Sarney havia considerado condição indispensável para a retomada das negociações e, sobretudo, a preocupação com um nível adequado das reservas.

9   Assim, se a moratória de fevereiro de 1987 foi considerada pelo governo como uma “moratória técnica” para proteger as reservas cambiais do país e se sua justificativa baseava-se em que ela forçaria uma renegociação em melhores condi­ções, agora faz-se pagamentos de juros com prejuízo das reservas, abre-se mão da consistência em uma renegociação que livrasse o país e a cada ano voltar aos ba ncos e pa rece que se aceita uma negociação simultânea com os bancos e o FMI.

  1. Com efeito, o Governo toma medidas concretas para tornar o Brasil cor­rente nos pagamentos dos juros no 19 trimestre de 1988 e busca-se um “empréstimo-ponte” para resolver as aflições para pagar os juros no 2º trimestre. Não se fala propriamente em “dinheiro novo”, para investimentos, mas em recursos para cobrir parte dos pagamentos de juros no período da moratória. Abdica-se, aparentemente (pois o ministro deixou de informar à Comissão os termos reais da negociação) daquilo que era a pedra de toque da política anterior: encontrar uma solução negociada de longo prazo para o problema da dívida exter­na, de acordo com nossa capacidade de pagamento.

Ainda que não seja assim (e torcemos para que não seja) o tão falado “menu approach” – que incluiria nas negociações opções entre securitização da dívida e conversão de parte dela em Investimento – ou deixa de incluí-las ou, no caso da conversão, faz-se em moldes tais que passa a ser um “bom negócio” para os investidores, mas não tão bom para o país.

  1. Tendo havido (como parece) o abandono da posição negociadora de longo prazo, o abandono da parte “não convencional” da proposta do governo brasileiro, a defesa imediata do nível das reservas e tendo-se, na prática, suspendido a mo­ratória, cabe a pergunta: então, por que foi feita a moratória?
  2. Tudo isto revela a falta de firmeza do Governo na condução da política do país com relação à dívida e o despreparo da máquina tecno-burocrática nas ne­gociações externas: o zigue-zague das propostas revela improviso e os resultados obtidos magros revelam uma administração imprópria da dívida.

A “saída” atualmente encontrada parece, também, inadequada em face dos interesses do país. De fato, se é certo que é necessário assegurar a continuida­de do crescimento econômico, como fazè-lo com o nível de transferência real de recursos que o Brasil terá de continuar fazendo para honrar o acordo ora em marcha?

Mais ainda, esta Comissão não pode menos do que insistir em sua preocu­pação com a adoção eventual de políticas recessivas inspiradas pelo FMI, por­quanto as mudanças que parecem ser hoje apregoadas pela cúpula daquela institui­ção até agora nunca se materializaram na transformação de suas propostas em te­mas das políticas econômicas dos países devedores.

  1. Cabe ressaltar ainda que até hoje não nos foi trazida qualquer proposta de política econômica que mostre claramente como o governo enfrentará o nó gór­dio que prende as taxas de juros internas, a inflação e o endividamento público resultante da Ilinternaçãon das consequèncias da dívida externa. Enquanto isto não for feito, o déficit público continuará demolindo as ilusões de controle da inflação.
  2. Não queremos deixar de registrar, nestas conclusões, a preocupação de muitos Senadores com a questão da “legitimidade” da dívida – posto que os con­tratos são leoninos e foram feitos à revelia do Congresso Nacional e com a questão da “jurisdição”, ou seja do foro capaz de dirimir querelas entre credo­res e devedores. A análise do cap. I traz elementos que corroboram estas preocupações.
  3. Chama a atenção, também, que o governo brasileiro continue pagando os gastos do “Comitê Assessor”, ou seja, dos funcionários dos bancos credores que negociam a dívida. Parece uma situação esdrúxula esta de entregar-se aos credo­res o assessoramento da divida e sufragar-se todos seus gastos de viagem, repre­senta-ão, etc.
  4. Por fim, como sugestão para a continuidade dos trabalhos – se assim en­tender a Comissão parece-nos que há quatro pontos que merecem maior atenção:
  5. a) a análise, proposta pelo senador Virgílio Távora, do “comércio internacional”, que permitirá elucidar melhor os mecanismos que levaram o país­ao atual endividamento;
  6. b) a seleção de um conjunto de projetos – por exemplo, as siderúrgicas ou as hidro-elétricas – para aí sim, fazer-se uma avaliação quanto à procedência e Uso dos recu_rsos exter – nos. Parece-nos que tal estratégia tem vantagem sobre a tão decantada “auditagem” da dívida que, no conjunto – dada sua extensão e dura­ção acabará por revelar pouco mais do que já se sabe em termos gerais. A análise em profundidade dos efeitos do uso dos recursos tomados no exterior, em­bora tenha a ver mais com a política econômica interna do que com a dívida propriamente dita, permitirá responsabilizar historicamente os autores das decisões. que levaram o país ao atual impasse;
  7. c) solicitar ao Banco Central informações detalhadas sobre os pagamen­tos f.eitos pelos governos brasileiros ao Comitê Assessor de Bancos desde 1983;
  8. d) solicitar ao Ministro da Fazenda que retome o fornecimento regular de informações sobre a negociação da dívida por meio de seu comparecimento à Comissão.

ANEXOS

“0 FINANCIAMENTO DO DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO

NO PERtODO 1987 – 1991”

(Documento elaborado pelo Ministério da Fazenda, apresentado aos credores externos em março de 1987)

 

CAPITULO IV – FONTES EXTERNAS DE FINANCIAMENTO

Ainda que significativo, o esforço de poupança interna não será sufi­ciente para assegurar o financiamento do nível de investimento requerido. Torna­se necessário, assim, reduzir em cerca de metade a parcela da poupança bruta trãnsferida para o exterior (ver Tabela 4).

Por falta de financiamento adequado do exterior e em virtude das eleva­das taxas de juros internacionais, a economia brasileira tem sido forçada nos anos 80 a efetuar forte ajustamento externo com graves prejuízos em termos de desajuste interno. Saldos comerciais sem precedentes foram obtidos no período, à custa essencialmente de drástica compressão das importações, que caíram de US$ 22,9 bilhões em 1980 para US$ 12,9 bilhões em 1986 (tabela 4). 0 preço do ajus­tamento externo foi elevado, traduzindo-se na pior recessão dó pós-guerra, acom­panhada de aceleração da inflação, redução dos padrões de consumo de boa parte da população e colapso dos níveis de investimento. A renda interna “per capital, caiu 13,5% entre 1980 e 1983.

Há também claras evidências de que o processo de modernização tecnoló­gica da indústria brasileira foi interrompido nos anos de recessão, acompanhando a queda no nível de atividades, na taxa de investimento e no nível de importações. Naturalmente isso acarreta uma perda de competitividade do setor industrial brasileiro e coloca a possibilidade de expansão das exportações na dependência exclusiva de desvalorizações inflacionárias do cãmbio. Ademais, as políticas de estabilização que vêm sendo tentadas no Brasil são frequentemente frustradas por instabilidades originadas do setor externo. A própria dificuldade de reduzir de forma mais acelerada o déficit do setor público está associada à excessiva transferência de recursos para o exterior.

Em 1985 e 1986, a recuperação do nível de atividade econômica baseou-se essencialmente na utilização da capacidade ociosa existente e na recuperação parcial dos níveis de salário real. Foi a existência dessa capacidade ociosa que permitiu conciliar alto crescimento com a manutenção de saldos comerciais extre­mamente elevados até a segunda metade de 1986. Utilizada plenamente essa capaci­dade, o crescimento passa a depender do aumento da taxa de investimento, o que requer redução da transferência de recursos para o exterior e aumento das importações. No período 1987-1991, mantidas as atuais perspectivas para o comér­cio internacional, a economia brasileira não poderá gerar saldos comerciais da ordem de US$ 12-13 bilhões anuais, como em 1984 e 1985, sem comprometer seus ob­jetivoS de crescimento e de estabilidade.

Por outro lado, é esse crescimento que, ao reverter a tendência de con­tinuada deterioração da competitividade internacional da economia, assegurará a retomada da capacidade de pagamento do País. Os saldos comerciais a serem gera­dos, embora inferiores aos dos últimos anos, ainda representam um esforço signi­,ficativo se comparados com padrões internacionais e, portanto, importante con­tribuição brasileira à normalização de suas relações financeiras internacionais.

Admitindo-se um nível de financiamento externo adequado, a economia brasileira estará preparada para gerar um saldo comercial, que aumentará dos US$ 8 bilhões projetados para 1987 até US$ 11 bilhões em 1991. Estes saldos comerci­ais resultarão de uma política de comércio exterior que assegure um crescimento médio das exportações de 7% ao ano e das importações de 9% ao ano, no período 1987-1991. Dado um déficit médio de cerca de US$ 1,4 bilhão na conta de serviços não-fatores, o saldo comercial projetado manterá a transferência média de recur­sos reais em torno de US$ 8 bilhões anuais, cerca de 2 a 2,5% do PIB (ver Tabela 5).

Os recursos liberados pela redução da transferência serão integralmente utilizados na ampliação da taxa de investimento agregado. Não haverá, portanto# elevação da relação consumo agregado/PIB. Pelo contrário, esta última deverá reduzir-se em função do esforço interno de poupança já referido. Embora signifi­cativo, este esforço não impedirá o crescimento do consumo “per capita” ao longo dos próximos anos.

Mantidas as taxas de juros nos níveis atuais, a carga líquida de juros sobre a dívida brasileira deverá situar-se em torno de US$ 9 a 10 bilhões anuais. As despesas líquidas com a remessa de lucros, dividendos e outros servi­ços de fatores deverá ficar em torno de US$ 2 bilhões. As reservas internacio­nais terão de crescer cerca de US$ 1 bilhão de dólares ao ano, de modo a,acompa­nhar o crescimento das importações e permitir uma recuperação da relação reservas/importações. Descontada a transferência líquida de recursos de cerca de US$ 8 bilhões em média, chega-se a uma necessidade anual média de financiamento externo da ordem de US$ 4 bilhões no período 1987-1991 (ver Tabela 6).

A proposta brasileira de reestruturação da dívida externa tem como ob­jetivo fundamental cobrir este hiato de recursos externos até 1991. De um ponto de vista intertemporal, seria obviamente preferível que este hiato de recursos fosse coberto em sua maior parte por uma redução de taxa de juros que incide so­bre a dívida brasileira. No entanto, há limites para os ganhos a serem obtidos com a redução negociada das taxas de juras, o que torna indispensável combiná-la com um refinanciamento automático dos pagamentos de juros.

Assim, a proposta brasileira conterá os seguintes elementos centrais:

  1. a) redução expressiva do custo médio da dívida;
  2. b) refinanciamento parcial dos juros devidos no período 1987/1991;
  3. c) adoção de diversos mecanismos de conversão, inclusive para investi­mentos em projetos, com vistas a controlar o crescimento do endividamento e re­duzir a vulnerabilidade da economia a flutuações da taxa de juros internacional.

Embora não implique cancelamento de divida ou taxas concessionais de juros, a proposta brasileira requer a participação de bancos comerciais, agên­cias oficiais e multilaterais, bem como do’s investidores estrangeiros. Neste sentido, o que se busca é fortalecer o relacionamento da economia brasileira com a economia mundial, criando a estabilidade necessária para o ingresso de inves­timentos estrangeiros, ampliando a capacidade de importar e favorecendo a cor­respondente absorção de tecnologia.

A negociação dívida externa não visa solucionar problemas imediatos de liquidez, e sim recompor mecanismos de financiamento de médio e longo prazos da economia. A evolução da crise da dívida vem demonstrando que os programas de ajustamento de curto prazo implementados a partir de 1982 não tem contribuido para restaurar condições internas e externas capazes de permitir um crescimento estável das economias endividadas- Muito ao contrário, esses programas de ajus­tamento desorganizaram internamente as economias nacionais e agravaram, em escala mundial, os desequilíbrios comerciais e financeiros, cuja permanência pode colocar em risco as possibilidades de crescimento da economia internacional. Neste caso, também estará em risco a saúde do sistema financeiro internacional, ameaçada pela continuada redução da capacidade dos países devedores de enfrentar os custos excessivos do atendimento de seus compromissos.

 

TABELA 4

BALANÇA COMERCIAL, 1980-1986

US$ BILHÕES

 

PERIODO      EXPORTAÇÕES     IMPORTAÇÕES     SALDO        SALDO/PIB

(FOB)                       (FOB)                                 %

(1) (2)                    (3=1-2)            (4)

_______________________________________________________________________________________________________

 

1980               20,1                      22,9               -2,8             -1,17

1981               23,3                      22,1                1,2             0,45

1982               20,2                      19,4                0,8             0,30

1963               21,9                      15,4                6,5             3,18

1984               27,0                      13,9               13,1              6,19

1985               25,6                      13,2               12,4              5,62

1986(A)           22,4                      12,9                9,5             3,58

______________________________________________________________________________________________

(A)          Preliminar.

FONTES:  Banco Central do Brasil e Fundação Getúlio Vargas

 

TABELA 5

PROJEÇÃO DA TRANSFER2NCIA DE RECURSOS REAIS AO EXTERIOR, 1987-1991

US$ BILHÕES

___________________________________________________________________________________________________

 

DISCRIMINAÇÃO                         1987     1988     1989     1990     1991     1987/91(MÉDIA)

 

1 –   Saldo Comercial (A)               8,0       8,9       9,5     10,2     11,0       9,5

2 –   Serviços não Fatores             -1,0      -1,3      -1,5     -1,6      -1,7       -1,4

(líquido)

3 –   Transferência Recursos           7,0       7,6       8,0       8,6       9,3         8,1

Reais (1+2)

4 –   Transferência Recursos           2,4       2,4       2,3       2,2       2,2       2,3

Reais/PIB (%)

___________________________________________________________________________

 

(A) Fretes, seguros, viagens internacionais e outros.

 

FONTES: Banco Central do Brasil e Fundação Getúlio Vargas

 

 

TABELA 6

NECESSIDADES LIQUIDAS DE FINANCIAMENTO EXTERNO, 1987-1991

(A)

US$ BILHÕES

______________________________________________________________________________________________

 

DISCRIMINAÇÃO                            1987  1988      1989        1990        1991      1987/91(MÉDIA)

______________________________________________________________________________________________

 

1 – Juros (líquido)                           9,0      9,2     9,6      9,6      10,0     9,5

2 – Lucros e Outros Serviços            2,0      1,7     1,8      1,8       1,9     1,8

de Fatores (líquido)

 

3 – Variação das Reservas               010     1,0     1,0       1,0     1,0     018

4 – Transferências Recursos             7,0      7,6     8,0       8,6     9,3     8,1

Reais para Exterior (B)

5 – Necessidades líquidas                 4,0      4,3     4,4       3,8     3,6     4,0

Financiamento Externo           (1+2+3-4)

______________________________________________________________________________________________

(A)  Supõe LIBOR de 6,5% e condições atuais de mspread”.

(B)   Inclui capitais autônomos, capitais compensatórios, transferências unilaterais e monetização de ouro. Exclui reinvestimentos.

FONTE: Banco Central do Brasil

 

PLANO DE CONTROLE MACROECONÓMICO

(Documento divulgado pelo Ministério da Fazenda em julho de 1987)

CAPtTULO IV – AJUSTAMENTO EXTERNO

Para o restante de 1987 e o ano de 1988, à economia brasileira fará um esforço de ajustamento externo, que envolve metas de exportações de US$ 23,1 bi­lhões no corrente ano e US$ 25,1 bilhões no próximo. Com isto, o Governo pre­tende garantir o suprimento requerido de importações de insumos, básicos e equi­pamentos para viabilizar o objetivo de crescimento da economia brasileira, assim como melhorar as condições de negociação da divida externa.

Desta forma, a estratégia de ajustamento externo envolve dois aspectos principais: a manutenção de saldos comerciais compatíveis com a situação presen­te da economia brasileira, e a retomada das negociações relativas à dívida externa. A iniciativa brasileira de retomar as negociações externas terá como ponto de partida o presente plano de controle macroeconômico.

4.1     Política de comércio Exterior

Durante o período 1987-1991, as exportações se constituirão em variável fundamental na obtenção de superávit comercial, além de fonte de crescimento da renda e do emprego. 0 superávit comercial estimado em US$ 8,6 bilhões em 1987 e US$ 10 bilhões de 1988 a 1991 deverá ser obtido, ademais, pelo crescimento das exportações e não pela compressão das importações.

A estratégia definida neste plano inclui uma política comercial mais abrangente, cujos objetivos vão além da expansão das exportações, englobando como perspectiva a elevação dos montantes totais do comércio exterior e a am­pliação do intercâmbio com todos os países, em especial com os da América Latina.

A ênfase ao setor exportador estará sendo conferida, principalmente, pela manutenção de uma política cambial realista. Neste sentido, vale destacar que, mesmo durante o período de congelamento temporário de preços e salários, vem sendo mantida a política de miní-desvalorização diária do cruzado.

A estratégia de promoção de exportações requererá não apenas uma admi­nistração ágil da sistemática de exportações, mas também o acesso a insumos a preços internacionalmente competitivos. A agilidade na administração da política de exportação implica em desburocratização e simplificação de normas administrativas. Os controles serão apenas os indispensáveis e sempre que possí­vel “a posteriori'”, com uso de preços referenciais apenas para coibir abusos. Ademais, deverá ser reduzida a interferência de diversos órgãos federais na ex­portação, cuja tramitação burocrática implica em ônus sobre os produtos exporta­dos e redução da competitividade.

o acesso a nsumos a preços internacionalmente competitivos requer a manutenção, extensão e generalização do regime “drawback”, inclusive para expor­tadores indiretos. o maior engajamento dos exportadores indiretos se constitui em fator da maior relevância para o aumento da competitividade de produtos manu­faturados exportáveis e estará sendo viabilizado principalmente pela simplifica­ção burocrática atualmente existente.

De igual importância, constitui a redução dos impostos e tributos ainda remanescentes, que oneram os produtos manufaturados exportados.

Reconhece-se que o acesso ao financiamento à produção e comercialização se constitui em elemento vital ao processo exportador. Assim, além da extensão aos exportadores indiretos, buscar-se-á maior simplificação, agilização e uniformidade no sistema de alocação de crédito à exportação.

Uma política agressiva de exportação exige, ainda, a utilização de ins­trumentos Modernos, já praticados por nossos concorrentes internacionais. Dentre esses instrumentos, destaca-se o seguro de crédito à exportação. A agilização e simplificação dos procedimentos requeridos para o seguro contra riscos comerci­ais e extraordinários deverá se constituir em instrumento de dinamismo às expor­tações, razão pela qual vem sendo estudado pelo Governo, prevendo-se proximamen­te sua implementação.

A política de comércio exterior requer, ainda, uma racionalização da política de importações. Assim, as importações serão controladas, preferencial­mente, pelo sistema de preços, refletido pela taxa de câmbio e pelas tarifas. Tal racionalização estará condicionada, obviamente, pelo desempenho das exporta­ções, pelo nível de reservas internacionais e pelas negociações internacionais bilaterais e multilaterais.

As diretrizes básicas da política de racionalização compreendem:

  1. a) reforma tarifária;
  2. b) diminuição das isenções e reduções tarifárias;
  3. c) redução gradual das barreiras não-tarifãrías;
  4. d) utilização de instrumentos Modernos de defesa contra as práticas de “dumping” ou de outras políticas desleais de comércio por parte de nossos par­ceiros comerciais.

A reforma tarifária, cujos estudos técnicos estão sendo desenvolvidos pela Comissão de Política Aduaneira, deverá adequar as tarifas de importação à atual estrutura produtiva brasileira. Compreendendo atualmente alíquotas nomi­nais bastante elevadas, que variam entre 0% e 105% e, mantendo essencialmente a estrutura da reforma executada em 1957, a legislação tarifãria apresenta, contu­do, o paradoxo de resultar em uma tarifa efetiva bastante reduzida.

Por força de inúmeras reduções e isenções tarifárias, apenas cerca de 20% das importações (exclusive petróleo) pagam Integralmente os impostos sobre elas incidentes. Por outro lado, as importações são oneradas ainda por outros tributos, a exempl o do imposto sobre operações de cãmbio – IOF, com alíquotas que podem alcançar 25% do valor (FOB) importado.

Assim, a reforma tarifária, que implicará na alteração das alíquotas do imposto de importação de cerca de 11 mil itens, conjugada à diminuiçã o das isen­ções e reduções atualmente em vigor, contribuirá consideravelmente para a sim­plificação da política de importação, permitindo ainda a eliminação de diversas restrições não-tarifárias.

Por outro lado, a defesa contra práticas desleais de comércio por parte de nossos parceiros comerciais estará se efetivando através de instrumentos mais modernos, prevendo-se a substituição dos preços de referência e pautas de valor mínimo pelos previstos nos códigos “anti-dumping” e de subsídios, implementados no corrente ano.

A política de comércio exterior, tanto pela promoção de exportações, quanto pela racionalização da política de importação, deverá possibilitar um maior engajamento da economia brasileira, e em especial das pequenas e médias empresas, no comércio exterior. A despeito de um parque industrial moderno e competitivo, o Brasil participa tão-somente com cerca de 1,2% das exportações mundiais e destina menos de 10% do produto interno para o mercado externo.

4.2     Parâmetros Para a Renegociacão da Dívida Externa

A outra face dos esforços do Governo para restabelecer o equilíbrio ex­terno da economia brasileira é dado pela renegociação da dívida externa. Neste aspecto, o interesse brasileiro é o de buscar formas de convivência com os ban­cos estrangeiros que melhor atendam aos objetivos de longo prazo do País.

4.2.1.    Acordo de Ajustamento com Mudancas Estruturais e Crescimento

0 Governo procurará, com base neste plano, inverter a colocação tradi­cional do problema da dívida externa. Até o presente, nos exemplos de renegocia­ção já experimentados, após a crise de’ 1982, determinava-se, primeiro a quanti­dade máxima de crédito adicional que o país poderia obter dos bancos oficiais e privados. A partir deste dado, dificilmente modificável, impunha-se o ajustamen-

1

to das variáveis internas, sendo, quase sempre, sacrificadas neste processo as aspirações de crescimento econômico do país, em nome-da necessidade de promover o reajustamento de suas contas externas.

Essa abordagem tradicional tem na verdade, uma longa história. Tão logo ficou caracterizado a crise financeira de 1982, montaram-se os pacotes anuais de reescalonamento do principal, que implicaram em uma substancial transferência de recursos reais (ver Tabela 14), 0 que deixava pouco espaço para o crescimento econômico. Estes esquemas contavam sempre, e obrigatoriamente, com o manto de acordos junto ao Fundo Monetário Internacional, cuja filosofia era ainda muito presa ao diagnóstico de que qualquer desequilíbrio do balanço de pagamentos se deve, sempre a desajustes internos causados por excesso de gastos do setor público. /

Em 1985 e 1986, apesar de o País estar pagando rigorasamente a totali­dade dos juros bancários, houve grandes dificuldades para se chegar a um acordo com os bancos credores. Tal acordo só entrou em vigor em setembro de 1986, após difíceis e demoradas negociações, tendo-se passado todo o ano de 1985 na expec­tativa de um acordo com o FMI, que não tinha a menor condição política de ser implementado. Além disso, e não obstante todo aquele esforço de pagamento pon­tual dos juros devidos, não foi possível ao Brasil concretizar qualquer operação de captação de novos recursos nos mercados financeiros internacionais no biênio 1985/1986.

Cabe, agora, percorrer a estrada em sentido inverso. Parte-se de uma taxa de crescimento do PIB requerida para, pelo menos, absorver os nossos con­tingentes de mão-de-obra que anualmente afluem ao mercado de trabalho. Isso pos­to, verifica-se o déficit em transações correntes do balanço de pagamentos im­plicado por aquele crescimento. Feitos os cálculos macroeconômicos pertinentes, o hiato de recursos para o fechamento do balanço de pagamentos é coberto pelo financiamento dos juros bancários.

Em síntese, procura-se agora inverter a colocação tradicional da ques­tão da dívida extrena, determinando-se primeiro a taxa de crescimento mínima aceitável para, em seguida, deduzir-se o montante de financiamento externo necessário.

Esta é a grande mudança que se opera na filosofia de renegociaÇão da dívida externa e que representa, em última análise, uma estratégia de ajustamen­to externo-com-financiamento. Em outras palavras, abandona-se a hipótese subja­cente nas renegociações anteriores de que não há mais espaço para refinanciamen­to dos juros da dívida externa. Pressupõe-se agora a necessidade de uma maior flexibilidade no financimento do balanço de pagamentos, através da substituição dos tradicionais “pacotes de dinheiro novo” por mecanismos mais automáticos e estáveis de mobilização dos recursos necessários ao ajuste externo da economia brasileira. Ao mesmo tempo que sugere um sistema mais flexível de financiamento externo, o Governo se dispõe a aumentar a poupança do setor público através de uma elevação da carga tributária líquida e de um rigoroso controle e contenção dos gastos públicos. Dessa forma, respeita-se a condição de que a poupança in­terna deve ser crescente, de modo a evitar que se substitua poupança interna por poupança externa, o que significaria aumentar a dívida externa para financiar o consumo.

0 financiamento parcial dos juros é, portanto, condição absolutamente necessária do ajuste estrutural durante o período de transição até que a dívida externa deixe de ser excessiva, o que se evidenciará pela melhoria dos parãme­tros usualmente aceitos para tal medição: relação entre a dívida e as exporta­ções, entre os juros e as exportações, entre a dívida e o PIB, e assim por diante.

Neste sentido, o plano mostra um percurso viável na direção do pagamen­to da dívida externa que, medida a preços de 1986, cairia de US$ 108,8 bilhões em 1987, para US$ 107,2 bilhões, em 1991, embora o crescimento do PIB no patamar de 7% a.a. vá requerer, como indicam os resultados do modelo macroeconõmico, u­tilização maior de poupança externa, que, de 0,7% do PIB, em 1988, subiria para 1,0% do PIB, em 1991.

A não ser por uma repetição do fenômeno do início dos anos 80, o esfor­ço previsto pára as exportações garante seu crescimento a taxas superiores à taxa de juros, o que implica em queda da relação “dívida líquida/exportação”, de 4.29 em 1987, para 3.42 em 1991. Analogamente, a razão entre juros liquidos e exportações também se reduz ao longo do mesmo período, do nível atual de 36%, para 25.7%.

O nível projetado dos indicadores de liquidez internacional em 1991 relação      “divida líquida/exportações” de 3,42 e relação “Juros líquidos/exportações” de 25,7% – talvez ainda não permitam operações normais de mercado em 1992, mas certamente apontam na direção correta e, mais do que isso, os indicadores melhoram consistente e continuadamente ao longo do horizonte de planejamento considerado.

4.2.2. A Negociacão da Dívida em 1987 – 1988

Em 20 de janeiro do corrente ano, o Brasil concluiu as negociações com o Clube de Paris, regularizando a questão dos empréstimos de organismos oficiais e empréstimos privados com garantias de governos. os principais itens do acordo foram o reescalonamento do principal e juros relativos a 1985 e 1986 e a nego­ciação das amortizações do principal da dívida contratada até 31.03.83, a vencer no 1º. semestre de 1987.

Em 20 de fevereiro, o Brasil suspendeu o pagamento da parcela dos juros relativos á dívida bancária comercial de médio prazo e revelou a intenção de iniciar as negociações relativas ao financiamentodos mesmos. Em virtude de várias circunstâncias, entre as quais se ressalta a não abertura de crédito pe las agências oficiais com a consequente ocorrência de um fluxo financeiro nega tivo, o Governo brasileiro manteve entendimento com o Clube de Paris no sentido de adiar o pagamento do principal a vencer no 2o. semestre.

0 objetivo principal do Governo na negociação da dívida externa é o de assegurar financiamento do balanço de pagamentos compatível com ocrescimento econômico do País. Nesse sentido, o Governo não abre mão de definir a política econômica mais conveniente aos interesses do desenvolvimento interno.

Em consequência, não serão aceitas fórmulas que venham a comprometer a estabilidade político-social do País, embora seja propósito das autoridades encontrar soluções negociadas para a questão.

Em suma, procurar-se-á

  1. a) reestruturar a dívida externa de forma a delimitar as transferências de recursos reais para o exterior, considerados a capacidade normal de pagamen­tos do País e o interesse dos credores em receber em dinheiro uma parte dos juros;
  2. b) obter, sem condicionalidade outra que não a do pagamento dos jurosdevidos, a liberação de desembolsas que financiem parte das despesas de juros;
  3. c) Consolidar a dívida em prazos mais dilatados e com taxas reais de juros menores;
  4. d) apresentar alternativas, inovadoras e de mercado, como capitaliza­ção, emissão de títulos e regras de conversão da dívida em investimento;
  5. e) preservar e aumentar o nível das reservas internacionais do País.

Além disso, salvaguardas deverão ser introduzidas nas negociações a fim de evitar que situações fora do controle do Governo brasileiro modifiquem, de forma negativa, o que for acordado, desequilibrando economicamente os ajustes que venham a ser alcançados. Nesse contexto, incluem-se a variação das taxas de juros, aumentos não previstos nos preços do petróleo, a intensificação de práticas protecionistas, o crescimento a taxas relativamente baixas do comércio mundial e o declínio dos termos de troca.

Com base nesses pressupostos foram realizadas as previsões para o ba­lanço de pagamentos para os anos de 1987 e 1988. Partindo-se de um objetivo de crescimento econõmico de 5% em 1987 e 6% em 1986, as principais contas do balan­ço de pagamentos em transações correntes já foram estimadas na seção 2.2, do Ca­pítulo II, onde se supõe também que:

  1. a) a Libor se situe ao nível de 6,5% a.a para os juros de 1987, subindo para 7,5% a.a., em 1988;
  2. b) a renegociação do principal da divida com os bancos comerciais se faça por um sistema “carve out” de juros, repactuando-se imediatamente todos os “spread” e taxas-base incidentes sobre o estoque dessa dívida vencida e vincenda até 1993 – US$ 56 bilhões, aproximadamente – e substituindo-se pela Libor pura, sem “spread” algum. Qualquer custo adicional que eventualmente venha a ser a­ crescentado implicaria evidentemente em aumento das necessidades de refinancia­mento a cada ano. Isto vale não só para as margens mas igualmente para oscila­ções na taxa de juros base-Libor;
  3. c) o preço do barril de petróleo se situe em US$17,8 em 1988.

Para 1987, admite-se, além da Libor supra, um superávit da balança co­mercial de US$ 8,6 bilhões e ainda:

  1. a) que os desembolsos brutos do Banco Mundial (inclusive IFC) atinjam US$ 1.435 milhões e os do BID, US$ 300 milhões;
  2. b) os novos financiamentos de importações concedidos ou garantidos por agências governamentais e os créditos de fornecedores privados perfaçam US$ 750 milhões;
  3. c) o Banco Central monetize liquidamente o equivalente a US$ 300 mil­hões da produção doméstica de ouro;
  4. d) o principal da dívida com as agências governamentais elegíveis para reescalonamento (contratada antes da “cut-off date11de 31.03.83) e vincendo no

 

2º. semestre de 1987 seja refinanciado; e,

  1. e) do total de US$ 9,6 bilhões de juros devidos, US$ 4,3 bilhões sejam refinanciados.

A redução esperada de reservas internacionais de US$ 957 milhões em 1987 seria compensada, em grande parte, por um aumento de US$ 554 milhões em 1988. Além disso, como se pode esperar certa monetização da produção interna de ouro em 1988, no valor US$ 200 milhões ou US$ 300 milhões, é razoável estimar­se que ao final do próximo ano as reservas internacionais se recomponham ao ní­vel que apresentavam em 31.12.86.

Com base nas premissas acima apresenta~se, no quadro a seguir (Tabela 15), as projeções do balanço de pagamentos, para os exercícios de 1987 e 1988.

A apresentação da conta de capital do balanço de pagamentos de forma diferente da usual objetiva proporcionar maior transparência dos valores efetí­vamente transferidos para o exterior ou ingressados na economia, em cada ano. Assim estão aglutinadas em sub-item específico-as operações de refinanciamentoS explicitando as parcelas relativas ao principal e aos juros, conforme a respec­tiva origem institucional.

Assume-se, no exercício de projeção, que o valor da dívida de curto prazo cresceria de 1987 para 1988, pela transferéncia do Projeto D para o Proje­,o C dos montantes relativos aos vencimentos, em 1988, da dívida de médio prazo junto aos bancos brasileiros. De resto, admite-se inalterado o valor do Projeto C aos níveis atuais.

Relativamente aos organismos internacionais (BID, BIRD e IFC), a hipó­tese para 1988 foi de equilíbrio dos fluxos financeiros, com os novos ingressos neutralizando as saídas de juros e amortizações. Quanto ao FMI, seriam liquida­das as obrigações vincendas com respectivos juros, sem expectativa de ingressos novos (ver Tabela 16).

No tocante às agências governamentais de financiamento, aí incluídas não apenas as operações diretas mas também as garantidas, continuariam sendo transferidos todos os valores vinculados às negociações já celebradas no àmbito do Clube de Paris. Supõem-se, por outro lado, refinanciados os vencimentos do principal de 1987 e 1988 referentes a operações contratadas anteriomente à “cut­-off date” – 31.03.83; os respectivos juros, entretanto, continuariam sendo pagos normalmente. As operações contratadas posteriomente à “cut-off date” são servi­das normalmente e, em contrapartida, o País receberia novos financiamentos esti­mados em 18,9% das importações de bens de capital em 1988. As hipóteses para 1987 refletem as expectativas formadas em função do comportamento que vem sendo observado em passado recente (ver Tabela 17).

Note-se que o financiamento global às importações é um pouco mais ele­vado que o ingresso proveniente das agências governamentais, tanto em 1987 como em 1988 pela contribuição dos fornecedores privados (“suppliers e buyers credits”), sem garantias de governos estrangeiros, cujo serviço da dívida também se supõe regularmente transferido. Assim, o financiamento às importações se a­presentaria da seguinte forma: (ver Tabela 18).

Adicionalmente, foram ainda assumidas as seguintes hipóteses no tocante à conta de capital:

  1. a) a dívida de bônus continuaria sendo liquidada normalmente, como vem ocorrendo desde a crise de 1982;
  2. b) os investimentos diretos teriam um fluxo neutro em termos de novos ingressos e repatriações. Com isto, admite-se implicitamente que as conversões em investimentos dos juros bancários lastreariam as novas inversões estrangeiras na economia. Na’medida em que isto ocorresse e pelos valores em que se materializasse, automaticamente se reduziriam as necessidades de refínanciamento de juros dos bancos. Quanto às remessas de lucros e dividendos, seguiriam seu curso histórico, à base de 5% a.a. do capital investido;
  3. c) os novos empréstimos Intercompanhias (“intercompany loanso) compen­sariam. as amortizações dessa categoria de endividamento.

Como consequência da evolução do balanço de pagamentos, a estrutura da dívida externa manteria, ao final de 1988, praticamente o mesmo perfil de dezem­bro de 1986, como se observa no quadro abaixo: (ver Tabela 19).

Observa-se, portanto, um razoável equilíbrio entre os aportes de recur­sos das diferentes fontes institucionais de financiamento no biênio 1987/1988, de acordo com as hipóteses assumidas para a projeção.

É de se notar, mais uma vez, que a possibilidade de conversão de parte dos juros bancários em investimentos diretos cuidaria de ajustar o pequeno au­mento da participação da dívida com os bancos estrangeiros no total, que pode­ria, inclusive, se transformar em diminuição.

 

TABELA 14

TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS REAIS AO EXTERIOR, 1983-1987

US$ BILHÕES

______________________________________________________________________________________________

 

DISCRIMINAÇÃO                            1983          1984          1985          1986        1987

(A)  (B)

______________________________________________________________________________________________

 

1           Saldo Comercial                               6,5          13,1           12,5            8,3          8,6

2           Serviço não Financeiros                    -2,4        -1,7             -1,7          -2,1         -2,0

(líquido) (C)

3           Transferência de Recursos                 4,1        11,4            10,9            6,2          6,6

Reais (1+2)

4           Transferência de Recursos                 2,0          5,4              4,8            2,3          2,4

Reais/PIB (em %)

______________________________________________________________________________________________FONTES: Banco Central e IBGE

(A) Preliminar.

(B) Estimativa.

  1. C) Transporte, seguros, viagens internacionais, governamentais e outros.

 

TABELA 15

BALANÇO DE PAGAMENTOS

US$ MILHÕES

______________________________________________________________________________________________

 

Discriminação                                                  1987(E)            1988(P)

______________________________________________________________________________________________

 

BALANÇA COMERCIAL   FOB                              8.600               9.863

Exportações                                                23.100              25.104

Importações                                                14.500              15.241

SERVIÇOS                                                   -12.300            -11.968

Juros                                                          -9.000              -8.388

outros (1)                                                    -3.300              -3.580

TRANSAÇOES CORRENTES                               -3.700              -2.105

MOVIMENTO DE CAPITAIS                                 3.413               3.503

INVESTIMENTO DIRETO (liq.)                                   o                     o

EMPRÉST.FINANC.MÉDIO E LONGO PRAZOS         4.165               2.292

VALORES EFETIVAMENTE TRANSFERIDOS           -523                 -555

FINANCIAMENTOS DE IMPORTAÇÃO (2)             -255                  428

Novos ingressos                                           750               1.116

Amortizações                                            1.005                  688

.EMPRÉSTIMOS DE ORGANISMOS INTERN.           727                  873

Novos ingressos                                        1.735               1.946

Amortizações                                            1.008               1.073

BANCOS ESTRANGEIROS                                    o                     o

Novos ingressos                                              o                     o

Amortizações                                                  o                     o

BANCOS BRASILEIROS (AG.EXTERIOR)            -429              -1.246

Novos ingressos                                              o                     o

Amortizações                                               429               1.246

INTERCOMPANHIAS                                             o                    -8

Novos ingressos                                           203                  221

Amortizações                                               203                  229

BONUS (Amortizações)                                  -566                 -602

OPERAÇõES DE REFINANCIAMENTO                 4.688               2.847

AGÊNCIAS (Clube de Paris)                             348                     o

PRINCIPAL VINCENDO NO EXERCício           -1.063                 -958

REFINANCIAMENTO TOTAL                          1.411                  958

Principal                                                 1.063                  958

Juros                                                        348                     o

BANCOS ESTRANGEIROS                              4.340               2.847

PRINCIPAL VINCENDO NO EXERCtCIO         -8.716              -8.642

REFINANCIAMENTO TOTAL                        13.056              11.489

Principal                                                 8.716               8.642

Juros                                                     4.340               2.847

CAPITAIS A CURTO PRAZO                               -997               1.246

OUTROS CAPITAIS                                           245             (3) -35

SUPERAVIT(+)DÉFICIT(-)                                   -287               1.398

FINANCIAMENTO DO RESULTADO                          287              -1.398

HAVERES (AUMENTO = -)                                    957                 -554

OBRIGAÇÕES – FMI (4)                                 -1.070                 -844

OBRIGAÇÕES A CURTO PRAZO                           400                     o

_______________________________________________________________________

FONTE:     Banco Central do Brasil

(1)           Inclui transferências unilaterais.

(2)           Inclui desembolsos de Agências Governamentais (moedalmercadoria) e créditos de fornecedores privados.

(3)          Reflete a monetização de ouro no montante de US$ 300 milhões.

(4)          Reflete a amortização ao FMI.

(E)          Estimativa.

(P)          Projeção.

 

TABELA 16

BRASIL: ESTIMATIVA DE FLUXOS FINANCEIROS DE ORGAN. INTERNACIONAIS

US$ MILHÕES

_______________________________________________________________________________________________________

 

DISCRIMINAÇÃO                      1983 1984 1985     1986      1987   1988(P)

_______________________________________________________________________________________________________

 

BIRD (1)

Ingressos                               1.204 1.300 760    1.608     1.435      1.539

Amortizações                          273 312   429 458     Bis        872

Juras                                     176 192   393 515    571        667

Líquido                                   755 796   -62 635      46           o

BID

Ingressos                               270 336   454 362    300        407

Amortizações                          137 147   177 199    190        201

Juros                                     93 110     139 178    158        206

Líquido                                   40 79     138 -15     -48           o

FMI

Ingressos                               2.152 1.796   —         —          —            -­

Amortizações                          —   —     63 613   1.070        844

Juros                                     68 204     336 382    321        295

Líquido                                   2.084 1.592 -399    -995    -1.391    -1.139

TOTAL

Ingressos                               3.626 3.432 1.214 1.970     1.735      1.946

Amortizações                          410 459   669 1.270 2.078    1.917

Juros                                     337 506   868 1.075 1.050    1.168

Líquido                                   2.879 2.467 -323    -375    -1.393    -1.139

_______________________________________________________________________________________________________

FONTE:     Banco Central do Brasil

(1)           Em 1987 e 1988 inclui a IFC.

(P)           Projeção.

 

TABELA 17

BRASIL: ESTIMATIVA DE FLUXOS FINANCEIROS EFETIVOS DE AGÊNCIAS GOVERNAMENTAIS

US$ MILHÕES

_______________________________________________________________________________________________________

 

DISCRIMINAÇÃO                                     1983      1984       1985       19à6      1987       1988(P)

_______________________________________________________________________________________________________

  1. Agências

Ingressos                            1.070        919       738        282        600          797

Amortizações                         452          47       411        816        530          273

Juros                                    283        419       116        179        621          632

Líquido                                  335        453       211       -713       -551         -108

  1. Clube de Paris (1)

Amortizações                             –        137       187        259          92          117

Juros                                        –            –       193        408        497          581

Líquido                                      –       -137     -380       -667       -589         -698

  1. Total (a+b)

Ingressos                            1.070        919       738        282        600          797

Amortizações                         452        184       598     1.075        622          390

Juros                                    283        419       309        587     1.118       1.213

Líquido                                  335        316     -169    -1.380    -1.140         -806

_______________________________________________________________________________________________________

FONTE:     Banco Central do Brasil

Obs.:        exclui US$ 348 milhões de juros de mora refinanciados em 1987.

(1)          Pagamentos relativos a valores negociados.

(P)          Projeção.

 

TABELA 18

FINANCIAMENTOS AS IMPORTAÇÕES

US$ MILHÕES

___________________________________________________________________________________________________

 

ANO               IMPORTAÇOES FINANCIADAS         IMPORTAÇÃO DE      PARTICIPAÇÃO

médio e longo prazos                    BENS DE CAPITAL                       %

______________________________________                                          ____________________

Agéncias  “Suppliers/             Total

Governam.                           Buyers credits”

1                 2                3=1+2            4                 1/4     2/4    3/4

___________________________________________________________________________________________________

 

1987(E)      600               150                    750           3.300              18.2       4.5 22.7

1988(P)      797               319                   1.116          4.215              18.9       7.6 26.5

___________________________________________________________________________________________________

FONTE:    Banco Central do Brasil

(E) Estimativa.

(P) Projeção.

TABELA 19

EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA DA DtVIDA

EXTERNA BRASILEIRA POR NATUREZA DO CREDOR

_________________________________________________________________________________________

 

DISCRIMINAÇÃO                           1986(E)                           1988(P)

US$ MILHÕES PART.%          US$ MILHÕES PART.%

_________________________________________________________________________________________

 

INSTITUIÇõES OFICIAIS           28.269            25.6             28.688            24.9

Organ.Internacionais           13.657            12.4             13.343            11.6

Agências Oficiais                 14.612            13.2             15.345            13.3

 

INSTITUIÇÕES PRIVADAS         82.135            74.4             86.438            75.1

Bancos Estrangeiros(*)        72.045            75.3             77.806            67.6

Bancos Brasileiros(**)          2.969              2.7               2.969             2.6

Inst. não bancárias               7.121              6.4               5.663             4.9

 

TOTAL                                 110.404          100.0            115.126          100.0

_________________________________________________________________________________________

FONTE:     Banco Central do Brasil

(*) Inclui a dívida de curto prazo (Projetos 3 e 4).

(**) Exclusive a parcela com “funding” do Projeto 4.

(E) Estimativa.

(P) Projeção.

 

 

“PROPOSTAS E PROJETOS DE LEI SOBRE DtVIDA EXTERNA APRESENTADOS

NO CONGRESSO NORTE-AMERICANO”

(Documento preparado pela Embaixada brasileira em Washington)

As principais propostas e projetos de lei sobre dívida foram discutidas: no âmbito da “Omnibus Trade Bill” (“United States Trade Enhancement Act of 1987”), em tramitação no Congresso. A “Omnibus Trade Bill” da Câmara dos Repre­sentantes (que incorporou a maioria dos pontos centrais dos projetos de lei dos deputados a seguir mencionados) foi aprovada em 30/04/87; a do Senado encontra­se no plenário.

 

SENADO

I – Senador Bill Bradlev (Democrata-New Jersey). É o parlamentar de maior proje­ção em questões de dívida externa. Apresentou, em junho de 1986, proposta, em contraposição ao chamado Plano Baker, para buscar solucionar o problema da dívi­da dos países em desenvolvimento, cujos pontos principais são os seguintes: a) tal como no Plano Baker, o Banco Mundial e outros bancos multilaterais de desen­volvimento aumentariam seus empréstimos aos países participantes em US$ 3 bi­lhões por ano, em um período de três anos, perfazendo US$ 9 bilhões; b) em co­traste com Plano Baker, não haveria a requisição de novos empréstimos dos ban­cos comerciais; c) para os países que concordarem em promover reformas econômi­cas, haveria a redução de três pontos percentuais na taxa de juros para um pe­ríodo de três anos, em todos os empréstimos comerciais e bilaterais oficiais pendentes, além de cancelamento de 3% do principal por ano, no mesmo período; tais medidas implicariam uma redução da dívida de cerca de US$ 42 bilhões em relação aos bancos comerciais, e US$ .15 bilhões em relação aos governos credo­res, igualmente em um período de três anos; esse elenco de medidas seria acorda­do anualmente, por três anos consecutivos, numa Reunião de Cúpula Dívida­Comércio, presidida pelo Presidente do Banco Mundial e com a participação de re­presentantes dos EUA, Canadá, Europa e Japão, em paralelo com futuras negocia-: ções multilaterais sobre comércio; d) em contrapartida, os devedores teriam de empreender reformas econômicas, de acordo com suas próprias prioridades internas (ao contrário do Plano Baker, que impõe medidas específicas), para gerar cresci­mento, liberalizar o comércio, reverter a fuga de capitais e estabilizar a admi­nistração da dívida.

Pouco depois da decisão brasileira de suspender pagamentos, o Senador Bradley, em intervenção perante a Subcomissão sobre Finanças Internacionais, Co­mércio e Política Monetária da Comissão de Bancos da CAmara dos Representantes (4/03187), sob o título “Brazilian Moratorium, Crisis Management, and Inter­American Partnership”, destacou três lições da iniciativa brasileira: a) a natu­reza política do problema da dívida: “As democracias não tolerarão os lideres que escolherem pagar a dívida em detrimento do crescimento e da luta contra a pobreza”; b) a impropriedade dos empréstimos de emergência feitos pelos bancos aos países devedores para que possam continuar a pagar a dívida: “The danger for debtors is that this scares their domestic investors, who invest abroad instead of at home. The Country is left with higher debt, no new productive assets, and the same old shortfall. The danger for creditors is that emergency loans let banks treat bad loans as if they where goodu; c) a confusão entre os papéis dos devedores ~ que deveriam procurar atrair novos empréstimos – e dos credores que deveriam estar buscando como administrar a dívida velha. Em vez disto, os países em desenvolvimento estão obcecados com a administração dos empréstimos anteriores, enquanto os credores estão obcecados com novos empréstimos.

Para corrigir esta situação seria necessária uma liderança americana em cinco áreas: a) concentrar o esforço dos devedores e de seus banqueiros no pro­jeto de reforma estrutural; b) restituir aos líderes latino-americanos a respon­sabilidade básica pelas reformas econômicas; c) atribuir aos bancos a responsa­bilidade pela administração da dívida, pela resposta adequada aos esforços de reforma, inclusive 11substantial interest relief and possibly debt forgiveness”; d) aproveitar a oportunidade política decorrente da realização de eleições na metade dos maiores devedores latino-americanos em 1988, fato que não passou des­percebido a Gorbachev, que deverá visitar tais países pouco antes; e) finalmen­te, como mecanismo, a negociação anual entre os membros do Grupo dos 10 de uma lista de ação em relação aos paises devedores, seguida de um entendimento entre o G-10 e os bancos.

II Senador Paul Sarbanes (Democrata-Maryland). Defendeu proposta relativa à criação de uma “International Debt Facility”, para adquirir a dívida dos países em desenvolvimento de credores privados, com um desconto apropriado. Tal propos­ta, incorporada no anteprojeto de lei da Comissão de Bancos do Senado, foi, i­gualmente, defendida na CAmara dos Representantes pelo Deputado John LaFalce (Democrata-New York).

 

III – Senador William Proxmire (Democrata-Wisconsin, Presidente da Comissão de Bancos) e Senador Phil Gramm (Republicano-Texas). Introduziram, dia 1/04/87, projeto de lei que objetiva proporcionar aumento da segurança e solvência de instituições financeiras norte-americanas envolvidas com empréstimos internacionais. Segundo o projeto, os reguladores federais (“Comptroller of the Currency, FED e Federal Deposit Insurance Corporation”) identificariam, para fins de reserva, a diferença entre o valor contabilizado pelos bancos comerciais e o valor de mercado dos empréstimos a países devedores com problemas. Os bancos então necessitariam constituir reservas no prazo de 12 meses, equivalentes a 10% de tal desconto, as quais cresceriam adicionalmente 10% ao ano até que, no prazo de 10 anos, igualassem 100% do risco de empréstimos, ou seja, os bancos teriam reservas totais contra perdas decorrentes de sua “exposure” aos países em desenvolvimento. Nesse ínterim, os países interessados, a fim de contarem com ajuda dos bancos, teriam que substituir empréstimos comerciais por investimento em capital de risco.

ANTEPROJETO DE LEI SOBRE DtVIDA APROVADO PELA COMISSÃO DE BANCOS DO SENADO

0 anteprojeto aprovado pelo Senado       prevê a criação de uma “International Debt Management Authority”. 0 Secretário do Tesouro é instado a entabular negociações com os países industrializados e em desenvolvimento para propor o estabelecimento de um “Intermediário Financeiro Multilateral” que seria autorizado a: adquirir de credores privados dívida dos p aíses em desenvolvimento com um desconto apropriado; entrar em negociações com o s países devedores para reestruturar a dívida de modo a aliviar o seu peso; assistir os bancos credores no oferecimento de empréstimos voluntários aos países em desenvolvimento. Tal entidade receberia apoio      dos paises.industrializados, sobretudo daqueles com superávits em conta  corrente; seria auto-suficiente e não requereria contribui­ção rotineira de nenhum governo membro; teria data definida de término; contaria com os recursos de ouro do FMI como garantia para a obtenção de financiamento.

0 anteprojeto prevê ainda uma alteração dos regulamentos que afetam a dívida internacional. Os bancos comerciais devem estabelecer reservas suficientes para cobrir os riscos inerentes a empréstimos internacionais e apresentarflexibilidade para reestruturar os termos e condições dos atuais empréstimos, de forma que concessão adicional de empréstimos não seja a única alternativa disponível. As agências federais apropriadas devem realizar estudos Sobre as barreiras às conversões de dívida em Investimento, os quais deverão ser apresen­tados ao Congresso até 15/01/88; por fim, o Departamento do Tesouro deve proce­der a um exame sobre as possíveis medidas regulamentares para encorajar a redu­ção do endividamento dos países em desenvolvimento junto aos bancos.

 

CÁMARA DOS REPRESENTANTES

Os aspectos principais dos projetos de lei sobre dívida apresentados por Deputados – a maioria dos quais foram incorporados no “Omnibus Trade Bill” aprovado pela Câmara- são os seguintes:

I – Deputado John LaFalce (Democrata-New York). Apresentou projeto vi­sando à criação de uma “International Debt Facility”, afinal incluída no “Omnibus Trade BilL” da Câmara. Segundo LaFalce, o tratamento adequado da divida requer uma nova atitude, que pode ser consubstanciada nos seguintes pontos: a) o peso da divida tem que ser reduzido para viabilizar novos fluxos privados de capital. Isto não significa cancelar a dívida, mas tornar as relações dívida/exportações e pagamento de juros/exportações mais viáveis; b) os custos de um alívio da dívida devem ser repartidos equitativamente entre credores pri­vados, países devedores e o mundo industrializado. Uma das modalidades de alívio poderia ser a adoção de uma taxa de juros de referência; c) não existe solução única, nem de curto prazo. A solução está no compromisso de longo prazo de uti­lizar uma série de mecanismos para reduzir o estoque da dívida. 0 projeto de lei do Deputado LaFalce abordava os seguintes tópicos:

  1. a) flexibilização dos regulamentos bancários, de modo a facilitar a re­duÇão de pricipal e/ou juros, a venda de dívida com desconto, e a disciplinar de modo mais favorável a constituição de reservas para perdas e os requisitos de capital;
  2. b) estabelecimento de uma “International DeDt Facility” com o objetivo de assistir os bancos credores no fornecimento voluntáro de novos recursos aos grandes países devedores; estimular a transferência de recursos dos países superávitários aos endividados; adquirir empréstimos dos bancos com um desconto; estabelecer mecanismo de transferência do ganho com o desconto aos países deve­dores, à luz de um programa de reforma econômica apresentado pelo país devedor;

 

  1. c) os recursos para este novo serviço poderiam advir da captação no mercado, com garantias concedidas pelo Banco Mundial ou FMI;
  2. d) em vez de condicionalidades, o projeto atribui aos próprios devedo­res a responsabilidde de definir seus modelos de ajustamento.

II – Deputado Bruce Morrison (Democrata- Connecticut). Apresentou projeto de um “dett deconcentration and growth promotion act”, com dois objetivos principais: reduzir a “exposurem dos bancos norte-americanos em relação aos países endivida­dos e promover efetivo crescimento nos países em desenvolvimento, de modo a in­crementar o comércio dos EUA com estes países. 0 projeto previa: a) negociações do Secretário do Tesouro com os países industrializados, para a criação de uma IIInternational Facility” filiada ao Banco Mundial, para comprar a dívida dos credores privados; b) negociações do novo organismo com o país devedor, para a reestruturação da dívida, mediante uma diversidade de instrumentos, tais como recompra, conversão de dívida em investimento, securitização e garantia da dívi­da; c) realitação de uma reforma dos regulamentos bancários nos EUA, de modo a permitir o funcionamento deste novo organismo.

III – Deputado Charles Schumer (Democrata-New York). Circulou um “Options Plan for the Third World Debt Relief”, com o objetivo de assegurar fluxos de recursos para os países devedores e o máximo de flexibilidade aos bancos, de modo a tor­nar mais atrativo o alívio da dívida. 0 Plano consistia, basicamente, em ofere­cer aos bancos, por ocasião das negociações de reescalonamento, uma série de op­ções para alívio da divida, a saber: novos empréstimos; cancelamento de parcela do principal, hipótese que pode convir mais aos bancos com pequena “exposure”; capitalLização ou outra forma de redução do pagamento de juros; conversão de dí­vida em investimento; uma combinação de algumas destas opções. 0 Plano previa também uma reforma dos regulamentos bancários de modo a tornar possível o alívio da dívida.

COMENTÁRIOS SOBRE AS INICIATIVAS DA CÂMARA DOS REPRESENTANTES E DO SENADO SOBRE IVIDA EXTERNA

Observa-se uma convergência, nas duas Casas, em torno de duas propostas: uma, de criação de uma IlInternational Debt Facility” para comprar dí­vida e repassar o desconto aos países devedores (Senador Sarbanes e Deputado LaFalce); outra, de reformulação dos regulamentos bancários de modo a facilitar a renegociação da dívida em termos mais favoráveis para os países devedores. Se a “Trade Bill” for aprovada e contiver um capítulo sobre dívida, as disposições principais deverão ser as mencionadas anteriormente, às quais poderão adicionar­se regras mais flexíveis para conversão de dívida em investimento.

O Impacto de uma eventual legislação sobre divida ainda não é claro. 0 Executivo já manifestou suas objeções à criação de uma entidade internacional sobre dívida. Uma vez que, nos termos da Constituição, as negociações internacionais são prerrogativa do Executivo, o Congresso não disporá de meios (exceto a exigéncia de relatórios sobre o andamento dos entendimentos) para impulsionar OU cobrar da administração a negociação de um acordo para a criação de tal entidade. No que diz respeito à mudança dos regulamentos bancários, o texto dos projetos de lei, tanto da Cámara quanto do Senado, são demasiadamente vagos para

tornarem-se mandatorios. Assim, as disposições da lei poderão ou não traduzirem­ se em regulamentos específicos. A inovação mais completa e imediata, nestas condições, poderá ser, provavelmente, uma flexibilização dos regulamentos para con­versão de dívida em Investimento.

Os efeitos políticos e o impacto sobre a opinião pública de uma legís­lação sobre divida, contudo, não podem ser desprezados. 0 intenso debate parla­mentar sobre dívida nos últimos meses e a eventual apr ovação de uma legislação específica sobre o assunto refletem a crítica e a rejeição, pelos parlamentares, da política, vista como Insuficiente e estreita,.do Departamento do Tesouro, a­valiação compartilhada por amplos setores da comunidade acadêmica e da opinião pública. Por isto, ainda que o Executivo não venha a aceitar integralmente as determinações que vierem a ser aprovadas pelo Congresso, certamente se verá com­pelido a avançar na busca de soluções mais flexíveis e inovadoras para o proble­ma da dívida.

 

VERSÃO PRELIMINAR DO CAPITULO VIII

VIII – DEPOIMENTO DO MINISTRO MAILSON DA NÓBREGA

(prestado em Plenário do Senado Federal, no dia 26 de abril de 1988, conforme Requerimento de Convocação nr 22, de 1988, subs­crito pelos Senhores Senadores Carlos Chíarelli, Jamil Haddad, Maurício Corréa, Affonso Camargo e Itamar Franco).

Nos termos do Requerimento nr 22188, do Senado Federal, subscrito pelos Senadores Carlos Chiarellí, Jamil Haddad, Maurício Corrêav Affonso Camargo e I­tamar Franco, de 15-03-88, o Ministro Maílson da Nóbrega, da Fazenda, compareceu em Plenário desta Casa no dia 26-04-88, “ … para prestar um depoimento e escla­recimentos acerca de duas importantes questões da vida nacional: a dívida exter­na e o ajustamento da folha de salários do pessoal da União às possibilidades do Tesouro Nacional.”

0 Ministro concentra sua exposição “numa avaliação da questão da divida externa”, e nesse contexto fèz “menção às medidas adotadas recentemente, seus objetivos e sua vinculação com os objetivos da política econômica do governo.”

Na primeira parte da exposição do Ministro sobre a dívida externa brasileira, Sua Excelência féz um retrospecto do binômio “Desenvolvimento e  Dívida Externa”. 0 Sr. Maílson reconhece que “desde a Independência, e sobretudo duran­te a República, nossa história econômica é plena de casos de dificuldades em servir a dívida externa, por razões internas ou por causas externas fora do con­trole do País.” Entende o Ministro que “a dívida externa constitui apenas uma nova manifestação da necessidade de nos adaptarmos a um ambiente externo desfavorável e em mudança, e assim garantirmos a- continuidade de nosso desenvolvimento.” A dívida não pode ser analisada e avaliada de forma isolada. É preciso considerar: 1 – as condições em que a divida foi acumulada; 2 as mudanças no cenário internacional e que deram origem à crise recente e, 3 as ra­zões que estimularam o endividamento.

0 Ministro analisa também a aceleração do endívidamento externo a partir da segunda metade dos anos 70 (influenciada por fatores internos e externos), da mudança nos padrões de financiamentos internacionais pós crise do petróleo em 1973 (novo papel dos bancos comerciais), da opção do governo Geisel de ajustamento àquela crise pelo lado da oferta (o gigantesco programa de subs­tituição de importações no período do governo Geisel) e do papel do segundo cho­que do petróleo em 1979 e da elevação das taxas de juros internacionais.

Em seguida faz alguns comentários sobre a crise da divida externa do Terceiro Mundo, onde destaca o “setembro negroff de 1982, a extensão da “crise mexicana” sobre todos os países devedores, o processo de ajuste imposto a esses países e a “distribuição muito desigual do ônus do ajustamento”, as frustrações do Plano Baker, lançado em 1985; a continuidade na transferência de recursos dos países pobres para os países ricos, etc.

0 Ministro entende que “há uma clara necessidade de tempo para que se promova uma saída ordenada para a crise, e essa saída ordenada deve abranger es­forços de 3 fatores básicos: os países industrializados, os bancos credores e os países devedores. Os primeiros precisam de tempo para absorver as perdas com a crise (diretas, na forma de descontos do valor dos títulos e, indireta, na forma de redução de imposto de renda). “E os países endividados também precisam de tempo para ajustar suas economias a uma nova realidade internacional. Eles têm que fazer isso de forma também ordenada, sem nenhum processo de deterioração social ou política e, para isso, precisam de financiamento adequado, enquanto se promove esse ajustamento.”

REQUERIMENTO DE CONVOCAÇÃO DO SR. MINISTRO

“REQUERIMENTO NR 22, DE 1988“

Exmo. Sr. Presidente do Senado Federal:

Nos termos do art. 38 da Constituição Federal, combinado com o art. 418, inciso I, do Regimento Interno do Senado, vimos mui respeitosamente reque­rer a V. Exa. a convocação do Sr. Ministro Maílson da Nóbrega, da Fazenda, a fim de que, perante o Plenário, preste informações sobre estudos que, segundo a im­p~ensa, estão sendo efetuados, com o objetivo de alterar a política salarial do governo, relativamente aos servidores públicos da administração direta e indire­ta, bem como sobre a problemática que envolve a dívida externa brasileira.

0 requerimento que ora formulamos reveste-se de grande importAncia e da maior urgência, na medida em que a situação dos servidores públicos, quanto à percepção de vencimentos, encontra-se sob clima de completa insegurança, inclu­sive com declarações divergentes entre os titulares da fazenda e da Sedap. Com efeito, enquanto o Ministro Aluízio Alves, em entrevista ao jornal “0 Estado de São Paulo”, edição de domingo, 13 do co rrente mês, declara que, de primeiro de janeiro de 1986 a 31 de dezembro de 1987, a defasagem salarial dos servidores registrou uma média de 80 a 110% e que, com a URP, a folha de pagamento chegou a 40% da receita líquida do governo, o Ministro Maílson da Nóbrega, no mesmo jor­nal, defende, com ênfase, que a despesa com pessoal alcança a 70% e que houve um aumento real de 20% no ganho dos servidores.

ora, essas divergências precisam ser devidamente esclarecidas, não ape~ nas porque se trata de uma diferença bastante ponderável, mas também porque o Senado Federal, a opinião pública e os servidores têm o direito de ter cabal co­nhecimento da real situação e dos motivos que estão levando a governo a, mais uma vez, buscar resolver problemas econômico-financeiros com o sacrifício dos assalariados – servidores públicos, justamente um dos segmentos mais sofridos da sociedade.

Na mesma oportunidade, o Ministro será ouvido, também, sobre a divida externa, pois esta, como sabemos, tem liames diretos com a política salarial em geral, sendo notórias suas implicações com déficit público, com o crescimento econômico e com a geração de novos empregos. É que o Ministro, convidado recen­temente a comparecer à Comissão Especial da Dívida Externa, comunicou estar com dificuldades em sua agenda para o atendimento. Sendo assim, esta será a oportu­nidade para o atendimento aos dois importantes assuntos, com real economia de tempo.

Por isso, tendo em vista a importAncia dos problemas enfocados e a ne­cessidade de que a sociedade, como um todo, tenha acesso à verdade dos fatos, tem toda procedência o presente requerimento, a fim de que, com a maior urgên­cia, seja ouvido o Ministro, dIretamente envolvido em tão relevantes matérias.

Sala das Sessões, 15 de março de 1988. – Carlos Chiarelli Jamil Had­dad Mauricio Corrêa Affonso Camargo Itamar Franco.

SOBRE A RENEGOCIAÇÃO DA DtVIDA EXTERNA BRASILEIRA

0 Ministro faz um relato sobre a estratégia de renegociação da dívida externa brasileira, a partir de 1982, em que os acordos (1982, 84 e 86) “foram influenciados -pela chamada abordagem convencional de reestruturação.” Segundo o Ministro, “o Brasil não foi capaz de aproveitar as mudanças que começaram a se operar nesse governo, já a partir de 1984.0 Naquele ano o México conseguiu prazo superior a quinze anos e redução do “spread” para todo o estoque da sua dívida pública. Destaca nesse período de negociações as duas moratórias do Brasil: a negociada de junho/julho de 1983 e a de fevereiro de 1987. Em ambos os casos, a suspensão de pagamentos esteve presa à proteção do nível mínimo de reservas do País. Para o Ministro Maílson, “houve uma demora no restabelecimento das nego­ciações entre o Brasil e os bancos privados, e isso acarretou custos financeiros, adicionais para o País e um grande desgaste de nosso relacionamento com a comu­nidade financeira internacional como um todo, e não apenas com os bancos.”

Quando o Ministro Maílson assumiu o Ministério da Fazenda em janeiro passado, o Brasil já havia reiniciado as negociações com os bancos credores (o reinicio havia ocorrido em 25-09-87, com o Ministro Bresser, e resultou no acor­do interino de dezembro daquele ano, já referido neste Relatório. Pelo acordos parte dos juros do período da moratória seriam cobertos com refinanciamentos e os juros do quarto trimestre seriam pagos pelo Brasil). A preocupação principal do Sr. Maílson, em relação à dívida externa “foi a de assegurar a continuidade do processo negociador.”

como a exposição do Ministro Maílson a partir desse ponto está concen­trada nas recentes negociações que tem feito com os credores e com o FMI; no conjunto de medidas adotadas internamente para reduzir o déficit público e, se­gundo crê, na nova realidade internacional que vem desafiando o desenvolvimento brasileiro, julgamos conveniente apresentá-la “ipsis litteris”’ para facilitar os debates, os encaminhamentos e as propostas desta Comissão.

“Quando assumi o Ministério da Fazenda, em janeiro passado, minha preo­cupação principal, em relação à dívida externa, foi a de assegurar a continuida­de do processo negociador. A equipe negociadora foi mantida, assim como foram mantidas as linhas básicas da proposta de 25 de setembro, pois estava convencido de que atendia aos objetivos da negociação. Ao longo dos últimos meses foram feitos progressos importantes nos entendimentos com o Comitê Assessor de Bancos, alcançando-se resultados expressivos no que diz respeito a pontos relevantes da agenda negociadora.

“A propósito, quero aproveitar esta oportunidade, de esclarecimento, de debate, mas também de prestação de contas, para trazer ao conhecimento do Senado Federal uma relação dos itens mais relevantes já acertados com os bancos:

  1. A) PRINCIPAL

“A dívida do Brasil de médio e longo prazo para com os bancos comerci­ais estrangeiros e agências de bancos brasileiros no exterior monta a US$ 67,6 bilhões (posição de registro no BACEN em dez/86). A concentração de vencimentos dessa dívida ocorre no período de 1988 a 1993.

“Na negociação com os Bancos, ora em curso, conseguimos reescalonar a dívida vincenda no período de 1987 a 1993 (período de zonsolidação), como fêz o México e, em seguida ao México, a Argentina, as Filipinas, Venezuela, Chile, U­ruguai e assim por diante.

“Essa dívida, nesse período que vai de 1988 a 1993, será reescalonada com 20 anos de prazo, é o maior prazo já conseguido por um país do Terceiro Mundo. Com 8 anos de carência, também é o maior período de carência já consegui­do por um país endividado do Terceiro Mundo.

“Além disso, vencida a carência, os pagamentos serão feitos de forma crescente # de tal forma que no primeiro ano de pagamento, que se dará em 1995, pagaremos apenas 2% do total da dívida, e o último pagamento se dará no ano 2007, de 10%.

“B) “’SPREAD” E TAXA DE JUROS

no novo Ispreadl acordado com os bancos é de 13,16% a. a. (0.8125%) que é exatamente o spread conseguido pela Argentina e pela Venezuela, para toda a dívida do setor púlico. Outro ganho expressivo é que não haverá mais taxa ‘prime’ no contrato, todas serão regidas pela taxa Iliborl, que tem variado a nível muito mais baixo do que a ‘prime’ do mercado americano. 0 Brasil, portan­to, ganha duplamente, ganha com a redução do Ispreadl, que é de 1,6%, e baixa pela metade; e ganha com a mudança do referencial de juros para cálculos dos en­cargos das operações com os bancos. Além disso, conseguimos que os bancos renun­ciassem à cobrança dos juros de mora no período da moratória – isto é previsto em contrato e representará uma economia adicional de cerca de US$ 330 milhões para o País.

“A forma como será aplicada a taxa de juros, na linguagem técnica dos bancos, o Icarve outI, todos os contratos do setor público, incluindo os depósi­tos no Banco Central, serão reestruturados à nova taxa, ao novo “spread” de 13/16 (treze dezesseis avos).

“É um processo complexo, porque, diferentemente de outros países, o Brasil pulverizou os seus tomadores, dada à própria diversificação da economia brasileira. Para se ter uma idéia, o Brasil tem mais de 400 devedores no setor público contra 30 a 40 no caso mexicano, e menos do que Isto no caso argentino.

“No setor privado também adotamos*uma técnica, a da Resolução nr 63, que pulveriza entre muitos tomadores um mesmo empréstimo tomado por um banco brasileiro a um banco estrangeiro. É a conhecida Resolução nr 63 do Banco Central.

“Então, são milhares de contratos que terão que ser emendados, reforma­dos, e por isso concordamos que, no caso do setor público, a nova taxa começará a vigorar a partir de 1989. 0 Brasil perde uma pequena economia de juros neste particular, mas havia ganho, em contrapartida, uma dipensa do pagamento de juros da ordem de US$ 300 milhões. 0 que ganhamos com a dispensa é significativamente superior ao que ganharemos em decorrência dessa grande dificuldade operacional de emendar os contratos.

“0 Brasil consegue, também,’a reprogramação do pagamento de juros: em vez de trimestral será semestral. Era uma conquista que tinha sido conseguida pelo Chile. Ela se incorpora, agora, ao caso brasileiro. Isso representa um a­diamento, em termos de fluxo de caixa, da ordem de US$ 600 milhões. Quer dizer, a conjugação da nova taxa de juros, a aplicação do Icarve outI, período de esca­lonamento e a reprogramação de juros vai pro*car, no período que vai do contra­to até 30 de julho de 1989, uma economia de US$ 916 milhõs, de primeiro de ja­neiro de 1986 até 30 de julho de 1989. No período da consolidação, que é de 88 a 93, isto representará uma redução de US$ 2.5 bilhõs nos encargos da dívida ex­terna brasileira. Durante o período do contrato, vinte anos, a economia é da or­dem de US$ 4,2 milhõs.

“0 terceiro ponto é o da necessidade de financiamento. Um destaque deve ser feito, pela primeira vez na hitória das negociações: um país conegue definir um montante de recursos sem uma prévia definição, de acordo com o Fundo

Monetário e a participação do Banco Mundial. 0 Brasil obteve US$ 6,4 bilhões ‘de recursos adicionais do Banco, 5,8 de médio e longo prazo e US$ 600 Milhões de restabelecimento de linhas de crédito que haviam sido perdidas ao longo do pe­ríodo que vai de 82 até hoje. Estes, da parte de médio e longo prazo, 5,8 5&0 considerados brutos, ou seja, toda a economia que o Brasil fizer no período do contrato, de desembolso, que é de primeiro de janeiro de 1988 a 30 de julho de 1989, tudo que se fizer neste período de economia os bancos abaterão num montan­te a bruto definido. Não preciso dizer que, apesar deste acerto, conseguimos que o abatimento fosse a um volume menor, ou seja, estamos economizando US$ 916 milhõs. Acertamos com o banco para abater apenas US$ 600 milhões. Portanto, em vez de 4,9, vamos a 5,2 bilhões de financiamento liquido de médio prazo.

“0 prazo deste financiamento novo será de doze anos, com cinco de ca-, rência, que é o prazo que tem sido concedido a outros países, como o México e a Argentina. Neste ponto, não diferimos, mas o Ispread, será de 13/16 avos menor do que alguns países conseguiram, alguns conseguiram 13/16 na dívida velha e 7/8 ou 14/16 na dívida nova. A exemplo do que também outros países fizeram, estamos pagando uma comissão, uma Ifeel equivalente a 3/8% somente para aqueles bancos que aderi.rem a um programa até determinado prazo. Se todos aderirem, isso representará um custo de US$ 19 milhões para o Brasil, significativamente infe­rior às economias que serão propiciadas pelo acordo em discussão, e esse ponto já definido.

“Linhas de curto prazo são um quarto ponto já definido e serão prorro­gadas por um período de 2 anos e meio, ao invés de apenas um, que havia sido a característica dos três acordos anteriores: o de 1982, o de 1984 e o de 1986. E prevê-se, no contrato, que todos os bancos terão que restabelecer as suas linhas de crédito.

“Há uma deficiência da ordem de US$ 1 bilhão, e aqueles bancos que não restabelcerem não terão direito a participar de operações de relending nem de operaçõs de conversao da dívida.

“Acertamos, também, outro ponto, o relending: os bancos somente poderão emprestar ao setor privado os recursos que forem pagos pelo mesmo, ou seja, de­positados no Banco Central. Preserva-se, assim, uma parcela expressiva dos re­cursos para rolagem da dívida do setor público.

“Para o setor privado, o prazo dessas operações será de 7 anos, com 4 de carência. No ‘dinheiro novo’, de 6 anos, com 3 de carência. Para o setor pú­blico, que também se,beneficiou do processo, o mínimo será de 12 anos, com 5 de carência.

“Estamos,paralelamente, aprofundando o diálogo com o Banco Mundial, para restabelecer um fluxo positivo de recursos.

“No ano de 1987, o Brasil pagou liquidamente ao Banco Mundial US$ 665 milhões, uma situação inaceitável, inconveniente para o Brasil e que precisamos reverter.

“Neste contexto está a retomada do diálogo com o Fundo Monetário Inter­nacional, que é um aspecto fundamental no processo de normalização das relações do Brasil com a comunidade internaconal.

I?Se é verdade que o Fundo Monetário não mudou em essência, é também verdade que aprendeu muito com a experiência dos últimos anos. Os programas de reajustamento já não buscam o equilíbrio do balanço de pagamentos e das contas públicas no curtíssimo prazo. São várias as indicações desta evolução: na última reunião do Comitê Interino, ocorrida há cerca de duas semanas, consolidou-se a idéia de que programas de ajustamento devem ser de prazo mais longo, visando sempre que possível Mudanças estruturais para correção de desequilítrios. Da mesma forma, a introdução de mecanismos de contingência nos empréstimos do Fundo Monetário, recentemente aprovados, veio atender a uma demanda antiga dos países endividados.

“Creio que dois importantes fatos merecem ser destacados neste momento em que o Brasil retoma as negociações com o Fundo Monetário Internacional: o primeiro deles é que o Programa que vamos discutir brevemente com o Fundo Monetário teria que ser realizado de qualquer forma, com ou sem o Fundo. Portan­to, o programa antes de ser uma exigência do fundo Monetário Internacional, in­corpora as medidas de ajustamento que são uma necessidade indiscutível para a retomada do processo de desenvolvimeno.

“As recentes medidas adotadas para combater o déficit público fazem parte desse processo de reajustamento, ou seja, da conveniência do País de ajus­tar a sua economia, relançar um processo de investimento, baseado na eliminação, a mais ampla possível, dos desequilibrios atuais da economia nacional. A limita­ção do endividamento dos estados, municípios e empresas estatais; adequação da folha de salários do setor público às possibilidades do Tesouro; a eliminação do subsídio do trigo e outras medidas de ajustamento que ainda virão, não esgotam o conjunto de medidas que o governo precisa tomar para recolocar a economia nacio­nal no rumo certo. Vamos ter que olhar corajosamente a privatização de algumas empresas estatais e a modernidade na economia nacional, ou seja, a redução subs­tancial da intervenção do Estado, seja direta, seja indireta, no processo de regulamentação. Além da necessidade de reduzir drasticamente o desequilíbrio das finanças públicas, especialmente na União – a situação do desequilíbrio na União é maior do que nos estados e municípios.

“Há uma nova realidade internacional que não pode ser ignorada, e essa realidade se traduz, do ponto de vista doméstico, na ncessidade de elevarmos substancialmente o nível de poupança. 0 Brasil poupa, hoje, apenas 16% do PIB ” contra 25% no princípio da década de 70. Para que esses objtivos sejam alcança­dos fazem-se necessárias, além da redução do déficit público, mudanças profundas na economia, visando não apenas adaptá-la ao novo cenário internacional.

“Dèntre estes fatores, merecem destaque a necessidade de se repensar o papel do Estado na economia – tanto em sua dimensão regulatória quanto na condi­ção de produtor direto de bens e serviços – e de se rever o excesso de proteção e regulamentação na área do comércio exterior.

“A redução do papel das empresas estatais e redução do processo regula­tório são dois aspectos que corresponderam, a momentos específicos do nosso pro­cesso de desenvolvimento, e, não obstante fundamentais para que avançássemos na consolidação, integração e diversificação de nossa estrutura produtiva, hoje re­presentam – cabe reconhecer – um freio à continuidade do crescimento.

“0 segundo aspecto relacionado à retomada das negociaçõs com o FMI diz respeito ao papel catalisador desempenhado por aquela instituição. A obtenção de um acordo com o Fundo, respeitadas as diretrizes de nossa política econõmica, representará a abertura de importantes canais junto à Comunidade Financeira In­ternacional, contribuindo para ampliar os fluxos de financiamento para o nosso Pais.

“Esta é uma condição particularmente importante para a retomada das ne­gociações com os governos de países credores, reunidos junto ao Clube de Paris.

“Reduzir as transferências de recursos significa poder importar mais. A reabertura das agências oficiais de crédito às nossas importações é fundamental para alavancar este processof especialmente no momento em que precisamos recupe­rar vários anos de baixos níveis de investimento.

“A normalização das relações com a comunidade financeíra internacíonal, culminará, numa quarta etapa, com a introdução de mecanismos de mercado na es­tratégia de reestruturação da dívida. Este processo já vem, na realidade, ocor­rendo com os mecanismos de conversão da dívida em investimentos, tanto através de canais informais quanto por meio dos leilões promovidos pelo Banco Central. Contudo, as condições do País, principalmente no que se refere à condução da po­lítica monetária, impõem limites relativamente estreitos ao alcance destes mecanismos.

“Apenas o reingresso do Brasil, em condições normais, voluntárias, nos mercados financeiros internacionais, poderá garantir uma solução de longo prazo para o problema da dívida. As mudanças nos padrões de financiamento internacio­nal não permitem, contudo, prever uma reversao aos moldes vigentes na década de 70, antes descritos. Creio que o reingresso do Brasil nos mercados financeiros internacionais, nos mercados de capitais internacionais, deverá ser caracteriza­do pelos tradicionais bônus que construíram no passado o cerne do endividamento brasileiro no exterior, e, eventualmente, a um processo de securitização da dívida nos moldes, com algumas adaptações, no caso mexicano.

“Ao final, gostaria de voltar ao sentido inicial desta minha intervenção. Existe uma nova realidade internacional desafiando a economia brasileira. A continuidade de nosso desenvolvimento econômico está na razão di­reta de nossa capacidade de responder de forma adequada a esta nova realidade. Reconhecer o esgotamento da abundAncia de financiamentos externos dos anos 70 não significa aceitar a realidade de escassez absoluta e de recessão dos anos 80.

“Nosso objetivo é lançar as bases para um crescimento sustentado na dé­cada que se aproxima, através de uma nova abordagem do processo de desenvolvimento. É necessário modernizar o parque industrial, liberalizar o co­mércio exterior e redefinir o papel do Estado na economia, reduzindo a interven­ção e a regulamentação excessivas. Incluindo corajosa revisão de subsídios e in­centivos fiscais. A estrutura de financiamento da economia brasileira precisa ser repensada, buscando novas modalidades de financiamento externo e a redução do serviço da divida, mas ao mesmo tempo levando em consideração a necessidade de nos apoiarmos cada vez mais na poupança doméstica. Isto é muito importante. É preciso também’que o que o Estado, liberado de funções que possam ser exerci­das a contrato pelo setor privado, se dedique em maior grau aos programas soci­ais, especialmente aos destinados a amparar as populações menos favorecidas do País.

“No plano externo, devemos evitar uma política errática que oscile en­tre o conformismo e a confrontação. é preciso assegurar continuidade ao processo negociador. 0 estágio de desenvolvimento atingido pela economia brasileira não permite seu isolamento, sob pena de sério risco de retrocesso.

“E ilusório imaginar que um país sozinho possa mudar todo um sistema. Reconhecer que a estratégia que vem sendo seguida desde 1982, mesmo com as me­lhorias recentes, representa uma distribuição injusta do ônus da crise em desfavor dos países endividados não nos autoriza a buscar soluções imediatistas e u­tópicas para a complexa questão da dívida externa.

“Por outro lado, tampouco devemos nos acomodar a uma atitude de confor­mismo e de passividade. Estamos empenhados na obtenção de um acordo adequado às necessidades do País, que permita minimizar os efeitos adversos da dívida exter­na sobre a nossa capaciade de investimento, sobre o déficit público e sobre a inflação. A eliminação das incertezas associadas ao problema da dívida é funda­mental para que possamos avançar no sentido de recuperar as bases do crescimento e da estabilidade econômica, e assim eliminar as profundas distorções sociais geradas pelo processo inflacionário.

“O governo optou pelo caminho da negociação, buscando mudanças progressivas que tragam uma solução mais justa para o problema da–divida~-A própria–e­volução dos fatos no contexto internacional tenderá a estimular soluções adequa­das neste sentido. De outra parte, para que o processo de negociação em curso possa, em todas as suas fases, produzir os resultados que dele se espera, é Im­prescindível que o Brasil reconstrua sua base de credibílidade.

“conciliação entre a necessidade de crescimento e o cumprimento de nossos compromissos externos envolve a busca constante de novos mecanismos que permitam aliviar o estoque da divida e reduzir o seu serviço. A negociação da dívida não se esgota em uma ou duas etapas. Ela é um processo recorrente, por isso mesmo, exige firmeza de posições, continuidade e credíbilidade na política econômica, acima de tudo determinação política para fazer frente aos desafios.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.”

INTERPELAÇÕES DOS SENHORES SENADORES

Informacões do Poder Executivo à CEDEB sobre as negociacões

0 debate franco e aberto sobre a questão da dívida externa tem carac­terizado a atuação da CEDEB. Nesse sentida, os ex-Ministros da Fazenda, do atual governo, sempre atenderam aos convites da Comissão para tratar do assunto, espe­cialmente do processo de endividamento, da suspensão do pagamento dos juras, das negociações em curso, das alternativas viáveis, etc.

– Senador Carlos- Chíarelli – A interrupção no fluxo de informações à CEDEB sobre as recentes negociações, por parte do Ministro Maílson da Nóbrega, a despeito de solicitações da Comissão,. foi objeto de questíonamento pelo Senador Carlos Chiarelli, solicitando ao Ministro que revisse tal postura -para que- ti­véssemos condições efetivas-de debater esta ::ondução nova e inusitada, e ao mes­mo tempo antiga, da sistemática de negociação da dívida externa.”

0 Senador Carlos, Chiarelli perguntou ao Ministro se o acordo por ele anunciado já estava definitivamente firmado ou se se tratava de “intenção do go­verno chegar a esses itens todos que V. Exa. nos trouxe à colação?” Lembrou ao Ministro o artigo 18, Inciso I, aprovado no projeto da nova Constituição, que atribui competência exclusiva ao Congresso Nacional para aprovar ou não acordos internacionais do País, inclusive dessa natureza. Mostrou-se também preocupado com a informação corrente na imprensa popular de que o Brasil está deixando de receber US$ 4 bilhões, retidos no Banco Mundial, porque “faltaram determinadas providências, determinadas informações, determinadas prioridades, no campo so­cial, à ação governamental brasileira.”

Embora o Ministro Maílson tivesse o “maior interesse” em esclarecer, Nde público11, as dúvidas levantadas pelo Senador Chiarelli, então Líder do PFL, o fato é que o tempo de resposta do Ministro às interpelações do Senador havia se esgotado quando chegou à dívida externa. Infelizmente o Regimento do Senado ainda não permite a tréplica.

Opinião do Ministro Maílson sobre o encaminhamento da cuestão da dívida

Para o Senador João Lobo, o encaminhamento da questão da dívida externa brasileira passou, recentemente, por dois enfoques diametralmente opostos: um, sob o comando do ex-Ministro Delfim Netto, segundo o qual “divida externa não se pagava, se rolava, se compunha, …”  e que, ainda nas palavras do nobre Senador, “naturalmente expressa o pensamento do regime anterior, do regime militar…  0 outro enfoque, conduzido pelo ex-Ministro Dilson Funaro “que defendia a idéia­chave do PMDB… que queria a moratória, aquela posição de independência frente aos credores internacionais, … que a divida externa deveria ser negociada”, e que continua convicto de que ma coisa mais importante, na hora presente, é a dí­vida externa brasileira que, talvez, se não cuidada com urgência, provocará sé­rios desastres no sucateamento do nosso parque produtivo.”

Com base nessa interpretação, o Senador João Lobo pergunta ao Ministro Maílson “qual o enfoque e posicionamento, dentre esses dois, que Sua Excelência irá escolher no presente momento?”

o ministro Maílson disse não se filiar unem a uma corrente não a outra..” porque:

1 – 0 Brasil ainda não está amadurecido para pagar a sua dívida, pois seus níveis de poupança são inferiores às suas necessidades de investimento;

2 – o Brasil precisa importar capitais para complementar sua poupançar se se pretende crescer a uma taxa de 6/7% ao ano;

3 – a dívida externa do Brasil, assim como de todo o Terceiro Mundo, tem componentes de excesso de corrente do choque dos juros ocorridos entre 1981­82;

4 -todos devemos trabalhar para reduzir o estoque da dívida a longo prazo, seja através dos descontos no mercado sedundãrio, seja através da conver­são em capital de risco e/ou reestruturação intraregional (América Latina) da dívida. Nas palavras do Ministro, “nosso objetivo é seguir uma tendência inter­nacional de reducão Progressiva da dívida, através de mecanismos do mercado.” (grifo nosso).

5 – o objetivo, segundo Sua Excelência, é criar condições para o endi­vidamento adicional do País, nos limites convenientes “como ocorreu em todas as economias que passaram de um estágio de desenvolvimento para o de país industrializado.”

Em resumo, diz o Ministro, buscamos uma negociação adequada da dívida externa que permita:

1 – a redução dos encargos da dívida;

2 – o prolongamento dos prazos de pagamento;

3 – o prolongamento dos prazos de carência;

4 – a criação de condições para redução do estoque paulatinamente dessa dívida;

5 – criar as condições para o retorno coordenado, voluntário do Pais ao mercado internacional de capitais, como é do interesse da economia nacional e da área social.”

o Senador João Lobo encerra sua interpelação certo de que o Ministro Maílson “tem o mesmo enfoque que o Ministro Delfin Netto: é preciso que o Brasil se integre à coletividade internacional novamente.”, e que, “evidentemente, não vamos redesconrir a roda…”

Sobre a “Proposta” do Brasil aos banqueiros e ao FMI

 O Senador Fernando Renríque Cardoso ressalva, inicialmente, que a mora­tória não foi um programa do PMDB, mas uma ndecisão política do. Presidente da República e que.o féz por uma razão técnica…”

0 Líder do PMDB e Relator desta Comissão surpreende-se com os avanços que o Ministro Maílson – tal qual um funcionário da ONU – acredita ter havido nas negociações. Não obstante a sensação de falta de posição política e de go­verno no País, não faltam gestos de boa vontade do Brasil nessa questão da dívida. Embora reconheça que o quadro internacional hoje exija medidas efetivas de reajustes, condena as medidas preconizadas pelo FMI, pois “as mudanças da po­lítica do Fundo são naquela linha do funcionário da ONU – são gestos de boa von­tade, mas não são substantivas. Na prática o reajustamento que está sendo pro­posto A economia brasileira é convencional.”

0 Ministro Xaílson afirmara à CEDEB, no início de sua gestão, “que man­teria os mesmos critérios, senão os mesmos objetivos que já estavam colimados à negociação que já vinha sendo feita pelo Sr. Ministro Bresser Pereira”, que man­teria a mesma linha negociadora, a qual recebeu o apoio e gestões desta Comissão. 0 Senador mostrou-se, mais uma vez, surpreso com mas definições que o Sr. Maílson apresentou, em Plenário, sobre o acordo da dívida. Segundo o minis­tro “conseguimos um prazo de 20 anos para o principal, com 8 anos de carência; conseguimos que este pagamento seja feito de forma crescente de 2% no início e a 10% na última parcela; conseguimos baixar o “’spread”; conseguimos que a prime­rate’ não seja a taxa de referência; conseguimos que o Icarve outI seja aplicado ao setor público…

0 Senador Fernando Henrique Cardoso traz à tona o equívoco do Ministro Maí13on quando Sua Exa. apresenta os pontos acima referidos “como se isto fosse a negociação proposta, porque a negociação proposta com relação ao “spread” não era esta. 0 “spread”, dizia-se, seria zero; nunca acreditei no Ispreadl zero. De qualquer maneira, o Ispread, que se obteve é um “spread”’ convencional, é o Ispreadl que o México já havia obtido. Nenhuma vantagem substancial nesta matéria.

“Quanto ao “carve out”, é só para o setor público, não se aplica ao se­tor privado. E mais ainda: pensava-se que esse “carve out” seria computado a partir de primeiro de janeiro de 1987. V. Exa. nos anuncia aqui – eu não sabia, estava achando que seria em 1988, mas não, vai ser em 1989. Não houve avanço ne­nhum, creio eu.

“Com relação ao montante de recursos, ouvi, inúmeras vezes, o Ministro Bresser Pereira, em nome do governor dizendo o seguinte: ‘Primeiro, não seriam pagos juros, não seria feita sequer a suspensão provisória da moratória se não tivesse havido uma negociaçãq global.’ Houve a suspensão provisória da morató­ria, pagamos os juros antes de haver a negociação global. Ainda sob a condução do Ministro Bresser, nós o interpelamos mais uma vez e S. Exa. disse: ‘não; se não houver um acordo até o dia 29 de janeiro, nós, novamente, vamos evitar que nos arrisquemos a uma situação igual à anterior, ou seja, que o País fique sem divisas suficientes.’ Não obstante, foram pagos cerca de US$ 2 bilhões, sob o conceito de pagamento de juros, e não houve acordo global. Portanto, não veio que tenha havido, nesta matéria, um grande avanço.

“E mais ainda, disse V. Exa. que o montante desse acordo é muito infe­rior ao montante que se imaginava inicialmente, ou seja, perguntava V. Exa. como vão ser pagos os juros deste ano; haverá um empréstimo-ponte? Já está definido o empréstimo-ponte para permitir os juros deste ano? Mais ainda, V. Exa. fala num fee de 3/8% para os bancos que cederiam ao acordo. Esse acordo em que ponto está? Quantos bancos firmaram acordo? 0 País precisa saber. Já o disse o Senador Carlos Chiareili que esse acordo terá que ser aprovado pelo Congresso, provavelmente. V. Exa. nos traz como já resolvido. Não vejo que seja assim.

“E, finalmente, nessa parte, a questão que V. Exa. não deixou bem él-a­ra, sobre a vinculação ou não dos desembolsos à aprovação do FMI.

“Li-na Gazeta Mercantil declarações do Secretário-Geral da Fazenda, Mi­chal Gartenkraut, e creio que de V. Exa. também, nas quais até a expressão Imonitoramentol foi usada. Veja, repito, não tenho horror a palavras, apenas quem tinha era o Presidente da República, que declarou, inúmeras vezes, que não aceitaria monitoramento. Pergunto a V. Exa.: agora vai-se aceitar? Ou será o chamado monitoramento espontâneo? Quer dizer, corremos nós a fazer tudo aquilo que eles desejam para depois dizer:lnão, não foram eles, fomos nós.”Eu preferiria que se dissesse claramente ao País. Se tem que se fazer o monitoramento, por circunstâncias que podem ser compreensíveis, compreendere,­mos, gostando ou não gostando, é a realidade que se há de impor. Agora, dizer que não, que não está havendo monitoramento e, ao mesmo tempo, fazer o monitora­mento, acredito que criará para o governo uma situação difícil de ser explicada, porque vai ter que usar subterfúgios o tempo todo para dizer: é, mas não é bem assim, parece que foi. Nós é que queremos o que eles querem.

“V. Exa. disse – e o disse com razão – que se esgotou o modelo de financiamento. Não entendi bem a referência que fêz ao meu Relatório, como se eu tivesse criticado a utilização de fundos externos. Não, eu não critico. Mas V. Exa- disse, e é verdade, que houve um esgotamento desse tipo de financiamento. Acredito que V. Exa. mais adiante volte a insistir na tese de que um dos benefí­cios da nossa normalização de relações com o Fundo Monetário Internacional é que esse mercado voluntário de capitais reaparecerá. Pois estive, como sabe V. Exa., conversando com o Comitê Assessor dos Bancos em Nova York; lá estava presente o Economista-Chefe do Banco Morgan, o Sr. De Vries, que féz uma exposição que me pareceu bastante realista e nos relatou algo que V. Exa. disse e desdisse: ‘Dada a situação internacional, era melhor que cada pais contasse com a poupança in­terna, porque dificilmente haveria o afluxo de recursos para esses países, até porque os países desenvolvidos – Estados Unidos e da Europa – estão atraindo, de novo, capitais; onde há excedentes financeiros hoje é na Ásia, e esses exceden­tes dirigir-se-ão mais facilmente aos países que oferecem oportunidade de merca­do, posto que ninguém pode pedir ao capitalista que ele invista por gesto de boa vontade, ele o-faz por uma questão real de interesses.,’

“Acredito, portanto, que V. Exa., quando diz, por um lado, que teremos de regularizar as nossas negociações com o Fundo, para que possamos obter recur­sos, faz uma aposta, que eu diria arriscada, porque não creio que esses recursos venham a partir desse gesto de boa vontade. Em segundo lugar, disse V. Exa., no final, ao responder ao Senador Carlos Chiarelli, o oposto disto; disse V. Exa. que os recursos São difíceis e que temos de contar com a poupança interna, e que o reajust~e é feito para obter poupança. A contradição lógica às vezes ocorre no discurso e não tem importância. Importante é saber como o governo está encarando a retomada efetiva do desenvolvimento, e as medidas que V. Exa. está implemen­tando são medidas que vão desacelerar a economia – V. Exa. mesmo reconheceu, parcialmente, respondendo ao Senador Carlos Chiarelli que essas medidas que vão desacelerar a economia.”

Sobre as questões da poupança, do mercado voluntário e sobre o Comitê dos Bancos, o Ministro Maílson da Nóbrega afirmou: “acho que fui mal entendido. 0 que eu digo é que devemos nos basear crescentemente na poupança interna. É preciso haver um esforço de recuperação dos níveis de poupança, para que ele volte, pelo nalanzs no campc interuc, ao que foi no Lnício da década de 70, em que o País como um todo Poupava, do lado interno, algo como 23% do PIB, e hoje não poupa mais do que 16, 17%.

“V. Exa. questiona a questão do mercado voluntário e traz uma informa­ção do Comitê de Bancos. Tenho uma informação de quem trabalha no mercado que o rasil       deve frequentar. Realmente, o Comité de Bancos, a participação de bancos comerciais financiando projetos em países como o Brasil, é definitivamente coisa do passado. Estive, agora, em Caracas com o Presidente da maior casa de lança­ mento de bônus -do mercado japonês, que me disse esperar que o Brasil fosse o primeiro país da América Latina a voltar a frequentar o mercado de bônus com grandes possibilidades. Talvez V. Exa- não saiba, mas pouco antes da moratória, o Brasil estava com todo o processo preparado para o lançamento de um grande vo­lume de bônus, da ordem de US$ 50 milhões, grande para as~dificuldades, no mer­cado alemão. Acredito que se os países do Terceiro Mundo,voltarem ao mercado in­ternacional, e acredito que sim, o Brasil, sem dúvida alguma, será o primeiro candidato, não nos volumes que ele obteve na década de 70; não através de em­préstimos bancários, mas através de mercado de bônus, porque isso já é uma realidade no mercado de Londres, no mercado de Tóquio, no mercado de Nova York, em países com menor grau de potencial em termos de desenvolvimento econômico do que o Brasil, como é o caso da Malásia, da Indonésia, da Indía, sem contar os tra­dicionais frequentadores do mercado de bônus, como a Suécia, como a Austrália, como a Nova Zelãndia, como países do sudeste asiático, como: Coréia, Taiwan, Cingapura e assim por diante.

 

“Outro ponto: V. Exa. diz que estamos fazendo uma aposta arriscada, na medida em que estamos renegociando com o Fundo ou negociando com os bancos. A­ proveito para responder tanto à indagação de V. Exa. quanto à do Senador Carlos Chiarelli.

“De fato, não há nenhum acordo firmado, mas este é o processo de nego­ciação que vem sendo seguido desde 1982 em todos os casos de estruturação de dí­vida por país. Portanto, não há novidades. 0 que talvez cumpra esclarecer, Sena­dor, é que até hoje não há um só caso, um único caso, em que pontos acordados do Comitê Assessor não tenham sido ratificados pela maioria expressiva, a chamada massa crítica da comunidade internacional. Em todos os casos, o acordo fechado com os                    bancos se materializou num contrato-definitivo, apoiado por mais de 90% da comunidade internacional, que é-o mínimo requerido para que o contrato entre em vigor. Portanto, não diria que estamos fazendo uma aposta arriscada, estamos trabalhando, efetivamente, estes pontos acordados, que serão os que virão a pre­valecer na tradição internacional, os pontos que vão figurar em acordos. V. Exa. diz, também, que não seguimos a estratégia do Ministro Bresser Pereira. Em pri­meiro lugar, cabe um esclarecimento. Se os pontos levantados pelo Ministro Bres­ser Pereira, muito bem levantados, eu participei de algumas discussões, como Secretário-Geral, se esses pontos fossem o acordo, então, não haveria negocia­ção, bastaria levar esse papel, que é o do Brasil, os bancos assinariam; assim como se o papel dos bancos, pelo relatório que eles fizeram, fosse o acordo, também não precisaríamos negociar, iríamos lá e assinaríamos o que eles queriam. o que        houve no processo – e é normal em um processo de negociação – foi a con­vergència de extremos para pontos que sejam satisfatoriamente aceitos por ambas as partes, senão, volto a dizer, não se justifica um processo de negociação. Ne­gociar é ceder em pontos e aproveitar em’outros, de forma que, no conjunto, se obtenha um acordo satisfatório para ambas as partes. Isto é tradicional no pro­cesso de negociação, desde as mais remotas épocas.

“Vou fazer, aqui, uma ligeira passagem sobre a proposta que o governo brasileiro, pelas mãos do ex-Ministro Bresser Pereira e do Dr. Fernão Bracher, apresentou aos bancos, e vamos ver se ficamos fora ou não.

“Em primeiro lugar, período de consolidação estabelecido: o Brasil queria que fosse de 1986 a 1989                                conseguimos até 1993, portanto fomos além, se bem que, é verdade, o Brasil está preparado para discutir, adicionalmente, um prazo maior. Há isto, também, no texto.

“Então, conseguimos mais do que nos havíamos proposto inicialmente.

“Prazo a ser negociado: negociamos o maior prazo que UM País do Tercei­ro Mundo já conseguiu.

“Taxa de juros: o custo total dos juros devidos pelo Brasil não deve exceder a “Libor” ou a uma taxa doméstica equivalente – é isto que está na proposta.

“Ora, o que prevalecia, na época de negociação, era um taxa de 1, 6. Queríamos que ela fosse de 1,6 para zero e chegamos a 0,8, o que é o que todos os países de porte semelhante ou que fizeram negociações recentes obtiveram, e, com isto, vamos ter uma economia, para o País, de US$ 4,2 bilhões.

“Portanto, é uma convergência para uma posição. Normalmente, os bancos: gostariam que a taxa ficasse em 1,6; gostaríamos que ficasse em zero e saímos pelo meio.

“Diz o Ministro Bresser, na sua proposta, ‘mecanismos especiais: seriam estabelecidas disposições para um limite máximo de taxa de juros e para os pro­cedimentos a serem seguidos no caso de deterioração substancial nos termos de intercâmbio comercial.’ Esta ainda é uma questão em aberto e que estamos lutando por ela. Não exatamente, quer dizer, não estamos esperando que saia exatamente isto, mas uma coisa satisfatória para o Brasil.

“Este é um esclarecimento que gostaria de trazer à consideração de V. Exa.

“0 quinto ponto é o financiamento dos juros. 0 Ministro Bresser propunha: US$ 3 milhões para 1988; US$ 3,1 bilhões para 89; e mais US$ 4,3 bi­lhões para 87, o que dá um total de US$ 11,1 ou 2 bilhões.

“Mas ele gostaria de ter 3 bilhões para 87, aliás, 4 bilhões para 87, 3 bilhões, a grosso modo, para 88, e mais 3 bilhões para 89. Deixe-me repassar aqui. Espero que o Senador desconte este tempo: 88, 3,1 bilhões; 89, 3,1 e 87, 4,2. Então, temos 10,4. Conseguimos para 1987 e 1988, e um pouco de 1989, mas basicamente 1967 e 1988, em vez de 7,3, 6,4, ou seja, abandonamos, no processo de negociação, e abandonamos conscientemente, o pedido de financiamento de juros para 1989 e nos concentramos em 1987 e 1988 e conseguimos 6,4 milhões contra uma previsão inicial de 7,3 milhões. Os bancos haviam começado com 4, de modo que acho que conseguimos um número razoável. Agora, é preciso um esclarecimento, Senador. Na época dessas projeções, o Brasil trabalhava com projeções de balança de pagamentos muito menos favoráveis do que se trabalha hoje. Trabalhávamos, por exemplo, com balança comercial um pouco acima de US$ 10 bilhões; hoje já traba­lhamos com US$ 12,6 bilhões, e se vamos ter um resultado muito melhor do que o previsto, não há porque nos endividarmos  Se condenamos o processo de endivida­mento, devemos dele fugir quando isto for possível.

“Outro ponto levantado por V. Ex.a., a questão do monitoramento da vinculação. 0 ponto levantado pelo Ministro Bresser, e que está sendo preserva­do, é: o Brasil não aceita a vinculação automática entre desembolso do Fundo e desembolso dos bancos, mas admite a negociação paralela, admite que os dois se conduzam paralelamente e cheguem até mesmo ao ponto de chegada. 0 que não se quer é a vinculação. Esta posição está sendo mantida.

“Quanto ao monitoramento a partir do momento em que vamos assinar um acordo stand by de 12, 18 meses, isso não está definido ainda, é da praxe do sistema que o Brasil vai apresentar certos pontos do desempenho que mostrem que ele está seguindo aquele programa. Chame-se isso monitoramento, cumprimento de acordos, não importa, mas claramente o Brasil vai cumprir um acordo com o Fundo Monetário Internacional ou, pelo menos, vai procurar cumprir. Qual é a vantagem disso aí para o País? Em primeiro lugar, o acordo não é para viabilizar o acordo com os bancos, Senador, mesmo porque o acordo está sendo alcançado nas suas li­nhas básicas, e, como eu disse, ele sempre é confirmado pela comunidade interna­cíonal antes do acordo com o Fundo. Mas o Fundo Monetário é importante – e nisso reconhecia o Ministro Bresser Pereira – pelo seu poder de cataliZaÇAO, ou seja, o Brasil está há um ano – é o único país da América Latina ou, pelo menoar da América do sul – sem receber financiamento das agências oficiais. E tradicional­mente financiamos 40% de nossas importações com apoio das agências oficiais do mundo industrializado que se reúnem no Clube de Paris. o governo japonês tem uma regra legal que o impede de negociar programas de ajuda a um pais que não esteja em situação regular perante o governo. E nós não estamos. Estamos atrasa­dos com o pagamento do principal para as agências oficiais no âmbito do Clube de Paris. Então, o acordo é importante para viabilizar agora um acordo com o Clube de Paris. E o Clube de Paris é fundamental para viabilizar o acesso do Brasil ao programa Nakasone, que é um programa estabelecido para ajuda ao Jerceiro Mundo e que pode ser de fundamental importAncia para o restabelecimento do fluxo de re­cursos para financiamento, para pagamento e, portanto, do aumento da capacidade de investimento da economia nacional.”

0 Senador Fernando Henrique Cardoso levanta alguns pontos adicionais para que o Ministro passa responder no decorrer das outras questões que possam vir a ser colocadas pelos outros Srs. Senadores:

“Sr. Ministro, realmente V. Exa., ao responder ao nobre Senador João Lobo, disse que não estava de acordo nem com a estratégia do Ministro Dilson Fu­naro nem com a estratégia do Ministro Delfim Netto. Na verdade, a resposta que V. Exa. dá mostra que V. Exa. está de acordo com a estratégia do ministro Delfim Netto. Isso não é desdouro, (o Deputado Delfim acabou de se ausentar do Plenário), mas V. Exa. estar de acordo com a estratégia do ministro Delfim Netto com uma diferença que temo. É que V. Exa. vai tentar cumprir a carta de inten­ções e o Ministro Delfim Netto não tentava. De modo que temos aí uma desvanta­gem, porque# se V. Exa., pelo seu estilo de homem probo, de homem que tem uma visão técnica e não política das coisas – o Ministro Delfim Netto tinha uma vi­são mais política – vai aplicar essas regras, essas regras vão ter um custo elevado. V. Exa. mostrou aqui que nunca esteve de acordo com a moratória, porque a moratória causaria tudo isso que causou – foi a liás a observação que fiz, na época, ao Presidente da República. Então, V. Exa. não estava de acordo com a po­lítica do Presidente da República no momento em que decretou a moratória que, evidentemente., provocou tudo isso. 0 Brasil é “mau pagadoru – os japoneses não podem dar os recursos – precisa, pois, ir ao Fundo, argumenta V. Exa. Lamento que tenhamos ficado um ano e meio sob um regime de moratória e depois, quando esse regime é suspenso, ele é suspenso sem que se tire nenhum ganho efetivo da moratória havida.

“Sabe V. Exa. que nas reuniões que tivemos, o Senador Carlos Chiarelli estava presente, o Senador Raimundo Lira também, bem como o Senador Virgilio Távora, que infelizmente não está aqui, nos Estados Unidos com o Sr. Baker, e com outros dirigentes americanos; naquele momento eles só nos falavam de uma coisa; chamava-se: “menu approach”, cardápio. É preciso que os países ofereçam cardápio de alternativas, diziam, e entre elas havia a questão do waver, dos bancos, para que houvesse a securitização da dívida. Tudo isso era bem visto. Por que? Porque estávamos numa posição política de moratória. Para sair da mora­tória eles aceitariam até mesmo fazer certas concessões.

“Como saímos da moratória sem que tivéssemos conseguido antes alguns resultados, a nossa posição negociadora se enfraqueceu.

“Entendo V. Exa., quando se contenta com algumas vantagens bem inferio­res às que havia nos proposto no início. V. Exa. está fazendo do seu ângulo o que melhor lhe parece para o Brasil. Do nosso ângulo, o Governo perdeu uma posição. E não quero discutir se era justo ou não a moratória. Foi feita, e uma vez feita a moratória, por que não se tirar proveito dela? Não se tirou proveitó dela.

“E V. Exa. está fazendo agora uma negociação convencional; absolutamen­te convencional. Tudo aquilo que aparecia como salvaguarda com relação à varia­ção do preço do petróleo, que o México tentou também, a questão relativa à sal­vaguarda quanto à variação da taxa de juros,.a securitizaÇão da divida, tudo isso desapareceu no horizonte, e estamos nos contentando com o que podemos contentar-nos, por termos perdido uma posição negociadora.

“Não é culpa de V. Exa. Um governo que tem quatro Ministros não pode obter recursos, tem uma estratégia em ziguezague, não tem uma estratégia nego­ciadora firme lá fora.

“Pergunto a V. Exa também o seguinte: não sei se os dados são do Bole­tim do Banco Central, ou se são corretos, porque entre 1983 e 1986 pagamos US$ 42,9 bilhões da dívida, e a divida cresceu de 81,3 para 101 bilhões de dólares. Entre 1986 e 1987, pagamos US$ 11 bilhões, e a dívida pulou de 101 para US$ 121,3 bilhões. Por que estou dando esses dados? Porque se repete aqui a mesma questão com relação ao salário do funcionalismo e os gastos financeiros. Sei que é dificílimo sair da entaladela, mas a entaladela é maior do que parece, pois todo esse esforço são pingos d’água. Isso é que nos assusta, quando se pensa qual é a estratégia global de crescimento. Não me assustam medidas drásticas elas terão que ser tomadas; assustam-me porque são parciais e dão ao País a im­pressão de que só um lado vai pagar. Não me assusta que tenhamos uma linguagem clara ao dizer qual é a situação real do Brasil no mercado internacional de ca­pitais ou o que se consegue ou se deixa de conseguir com este ou aquele acordo; asausta-me é o não se dizer, é o fazer-de-conta, como se está fazendo de conta agora, que estamos ‘espontaneamente’ tomando medidas que depois coincidem com as do Fundo. É preferível dizer que nós estamos tomando as medidas que são do receituário do Fundo – e defender o receituário – para garantir o crescimento futuro da economia. Assusta-me, portanto, muito mais o modo político pelo qual se está, de alguma maneira, ’empurrando com a barriga,, mas não aquela farta barriga do Ministro Delfim Netto, que empurrava para não pagar lá fora; agora se está empurrando com a barriga para que a opinião pública não perceba o que se está realmente fazendo; para que ela não sinta que o que se está fazendo tem um custo muito maior do que parece à primeira vista e que, infelizmente, esse custo vai ter que ser pago por nós, políticos, que teremos que explicar ao povo por que as maravilhas prometidas não se realizaram. As consequências dessa nova frustração ~ão ser grandes.

“Sei que V. Exa., como técnico, não é responsável por isso. Mas V. Exa., como brasileiro, há de convir que tenho razão e há de estar tão preocupado quanto nós, quanto a aceitar vantagens tão pequenas diante do tamanho imenso do problema da dívida, com o acordo que está sendo feito.”

0 Senador João Menezes, após tecer severas críticas à moratória – pois, em sua opinião “mergulhamos num caos económico-financeiro que até hoje estamos sofrendo as consequéncias” – também pergunta ao Ministro Maílson sobre a evolu­ção das negociações, concentrando-se basicamente em dois aspectos da questão: prazo de 20 anos para pagamento e “spread” reduzido. De acordo com o Senador “essas são as primeiras medidas positivas que realmente defendem o interesse do País”, desde que frequenta o Congresso Nacional. Ainda com relação à falta de informações, o Senador propõe ao Ministro que esclareça à nação o que está acon­tecendo neste País.

0 Sr. Maílson confirma o prazo de 20 anos, com 6 de carência; redução do “spread” a partir do oitavo ano e pagamento de prestações crescentes (2% para a primeira parcela e 10% para a última), “de acordo com a capacidade de pagamen­to do País.”

As interpelações da maioria dos Senadores deixaram registrado o fosso que existe entre o que faz e pretende o Poder Executivo na questão da dívida,    por um lado, e a escassez de informações ao Parlamento e à sociedade sobre a ma­téria, por outro.’0 Senador José Fogaça faz indagações ao Ministro Maílson tam­bem com o objetivo de “esclarecer à sociedade brasileira, muito mais do que a este próprio Parlamento.”

0 Ministro dissera que as recomendações e exigências do FMI não estavam orientando a política econômica brasileira, e que as medidas adotadas decorriam de decisões internas do governo brasileiro. Porém, para o Senador José Fogaça, se as medidas não são ditadas pelo FMI, então há uma afinidade meramente casual – “uma vez que elas já constituem o cerne, o núcleo das próprias decisões de política econômica do governo. Já vimos duas manifestações claras desta política:   o congelamento da URP para os servidores públicos federais e, agora, o corte dos subsídios ao trigo.­

Como dívida externa tem a ver com comércio exterior, o Senador José Fo­ gaça pergunta “por que fizemos um acordo com a Argentina, que não prevê a impor­ tação de produtos in natura, mas a importação de produtos beneficiados?” Cita os casos do comércio de produtos agrícolas in natura (soja, arroz e trigo), preju­dicando a utilização da capacidade instalada para teneficiamento já existente no Rio Grande do Sul, por exemplo.

Para reflexão dos membros desta CEDEB, registramos os seguintes argu­mentos do Ministro Mailson sobre os pontos relevantes que foram levantados pelo Senador Fogaça:

Quanto às medidas à la FMI, já adotadas:

1 – “Por que o trigo, simultaneamente à suspensão temporária da apli­cação da URP? Por uma simples razão, Senador. Não tem o Ministério da Fazenda dúvida- alguma quanto ao fato de que a inflação de hoje é resultado direto dos desequilítrios de ontem nas finanças do Governo, um déficit gigantesco, incapaz de ser absorvido por um mercado de capitais, por um mercado financeiro, que já destina 70% de suas disponibilidades a financiar gastos do governo. Ou seja, es­   tamos caminhando rapidamente para uma situação em que o governo se apropriará de toda a poupança-financeira, não restando recursos para os Estados, para os Muni­cípios para as empresas, para a agricultura, até para o consumidor. É ínteres­sante observar que só diretamente o governo absorve hoje 53% da poupança finan­ceira, contra 30% no início desta década e, indiretamente mais 17%, isto é, a­ quelas parcelas da poupança financeira que não estão computadas na divida publica­, como os CDBs, os depósitos a prazo, que os bancos privados e os bancos dos Estados tomam no mercado para financiar Estados, Municípios, empresas estatais. A eliminação dos desequilíbrios de hoje é que vai determinar os-níveis de infla­ção de amanhã.

“Portanto, eliminar o subsídio do trigo simultaneamente é Parte de um processo geral de ajustamento do setor Público às Possibilidades da economia . E aí gostaria de realçar mais um ponto: do Ponto de vista da despesa de Pessoal , como um todo, os gastos de salário da União , em 1988, deverão ser                                                                               superiores aos de 1987. 0 que se fêz foi reduzir um oouco os aumentos reais, que !à estavam assegurados.

“2 – Ainda quanto ao subsídio ao trigo, que me esqueci de aludir, de mencionar, é que uma distorção causada pelo subsídio, além daquelas que mencionei: o trigo se tornou artificialmente mais barato que o milho, do que a mandioca, e levou a uma redução do consumo desses produtos, que são cultivados, vale assinalar, feijão, milho, mandioca, por produtores de baixa renda.

“Outra distorção do subsídio do trigo, e houve uma época em que ele correspondia a US$ 1 bilhão, ou equivalente, é que o subsídio do trigo, sozinho, ficou maior_~do que o próprio orçamento do Ministério da Saúde. Então, não é jus­to, do ponto de vista social, que somente um conjunto de pessoas, aqueles consu­miáores de pão, ainda que em grande parte nas classes menos favorecidas, possam receber do governo subsídio maior do que aquele que o governo gasta em saúde, em campanhas de imunização, em campanha de esclarecimento, em assistência às clas­ses menos favorecidas.”

3 – Com relação ao acordo com a Argentina, o Ministro fêz a seguinte análise: “antes diria que o Brasil é, no mundo, um dos países de coeficiente de importção mais baixo, ou seja, somos uma das economias mais fechadas do universo. Isto decorre de uma série de problemas, como balanço de Pagamento,: substituição de importações, controle de importações. Só para se ter uma idéia,coeficiente de importações brasileiro, ou seja, o volume de importações sobre Produto Nacional é de apenas 6% no ano de 1985, o último dado disponível para outros países, mas, se tem 7,6% no México, 16,5% na Venezuela, obviamente in­fluenciado pelo petróleo, 11,9% na Colômbia, .17,1% no Chile e 10,9% no Peru. Se se for aos países industrializados, o coeficiente de importações da Alemanha é de 21,4% do PIB, do Reino Unido é de 23,1%, da França é de 19,5%, dos Estados Unidos é de 9,2%, do Japão é de praticamente 7%, da Holanda 43%.

“Então, o que importa, do ponto de vista da economia nacional, não é a contenção das importações; o que importa é a ampliação do comércio exterior, de tal forma, que exportemos mais e importemos menos. Isto promove a integração, expõe a indústria nacional à competição internacional, porque este é um dos re­sultados do processo de modernização e de exposição da indústria brasileira ao mercado internacional.

“A propósito, mencionaria um dado interessante, pouco explorado nos úl­timos anos: o grau de maturidade que está atingindo a indústria brasileira, em grande parte, por um processo de modernização, induzido pelo próprio governo, mas, sobretudo, pelo processo de exportação. Em 1970, apenas 40% dos bens de ca­pital, forne cidos a projetos industriais, acordos de participação homologados pela CACEX, eram fornecidos por empresas nacionais, 60% eram supridos por importações.

“Hoje, em 1987, 90% dos acordos de participação homologados pela CACEX provém – quer dizer – 90% das importações provirão do mercado nacional, e apenas 10% de importações. Isto mostra que o comércio exterior é realmente o mecanismo de modernização que gera, promove a eficiência, além de todos os benefícios que isso acarreta para a economia nacional, em termos de emprego, em termos de ren­da, em termos de modernização.

“É neste contexto que está a integração com a Argentina.

“A integração regional é uma estratégia que vem sendo utilizada com grande sucesso em outras regiões do mundo. 0 caso mais clássico é o da Comunida­de Econômica Européia. Nós, da América Latina, no momento de crise, no momento de dificuldades de balanço de pagamentos, temos que buscar a integração. No ge­ral, ela tende a favorecer as economias dos países que se integram., dos países que promovem as uniões aduaneiras, dos países que promovem um processo de integração.

“É claro que isto causa problemas, há problemas de adaptação. Foi assim na Comunidade Econômica Européia, foi assim na Comunidade do Carvão e do Aço, foi assim em outras uniões aduaneiras, que hoje são, indiscutivelmente, um su­cesso em outras partes do mundo.

“Tenho a -ImPressão de que Brasil e Argentina têm muito a ganhar com o processo de integraÇãO- Reconheço as dificUldades,que isto acarretas os produto­res de maçã da Argentina não estão satisfeitos, os produtores de trigo do Brasil não estão satisfeitos, algumas ndústrías brasileiras não estão satisfeitasO al­gumAs indústrias-argentinas não estão satisfeitas, mas é um processo natural, é um processo normal# e acho – sou partidário da ampliação desse processo de inte­gração – que vai resultar, não tenho dúvida alguma, se bem implementado, em be­nefíciO para os dois países.”

Sobre os Custos da Renegociacão e da Moratória

0 Senador Marcondes Gadelha indaga ao Ministro “o que aconteceria, por exemplo, no campo da dívida externa se simplesmente as coisas ficassem como estão. Ou seja, se o Brasil continuasse ’empurrando com a barriga,, como vem fazendo; ou se adotasse medida drástica, mais drástica, mais radical, de conti­nuar, de prosseguir com a moratória?” Segundo o Senador, no primeiro caso, há uma indagação: “será que a atitude de negociar não vai inibir a degradação dos débitos do Brasil no mercado sedundário e reativar ou sustentar a valor nominal dessa dívida? No segundo caso existe uma espécie de Isebastianísmo, do Plano Cruzado. Há uma espécie de nostalgia da moratória, há um obstinado regressismo a propostas messiãnicas e  salvacionistas.” Solicita então ao Ministra que estabe­leça um cotejo entre “as vantagens de negociarmos de forma tão penosa, tão so­frida, como essa apresentada pelo Sr. Maílson – e as medidas alternati­vas, uma vez que, ncomo dizem esses arautos da moratória ou de medidas semelhantes…. já perdemos, de qualquer forma, essa credibilidade junto à comu­nidade financeira internacional?” 0 Senador antecipa ao Ministro sua convicção de que “nós não a recuperaríamos pelo fato de voltarmos a negociar e não haveria                                                                                          ingresso de dinheiro novo neste País.

0 Ministro Maílson entenda que a moratória, apesar de justificável nas circunstâncias, foi um erro – “da própria forma como foi feita, dirigida unica­mente aos bancos” à “demora na retomada das negociações” – e, portanto, não cabe ao governo nele insistir.

Para fundamentar sua argumentação o Ministro utíliza-se de custos visí­veis e invisíveis da moratória, concluindo que o custo é de US$ 2,5 bilhões, mesmo sem considerar que os juros do período da moratória serão pagos no futuro.

A análise dos.custos da moratória não foi, porém, acompanhada de possí­veis benefícios. Por exemplo, computa-se os recursos líquidos negativos do FMI (US$ 1,8 bilhões), como custo, mas não se considera os benefícios econômicos, sociais e políticos da não submissão do País às regras do Ostand by” do Fundo.

De qualquer forma, registramos aqui o depoimento do Sr. Maílson sobre o assunto:

“Acho que não cabe discutir a moratória de fevereiro de 1987. Como a­firmei na minha exposição, foi uma imposição dos fatos. 0 que cabe discutir é se ela trouxe reais vantagens para o País, se ela melhorou a posição negociadora do País, se ela promoveu alguma economia de recursos para o Brasil. Um ano e pouco depois da moratória, a conclusão é que não.

“Acho que o governo não incorre em nenhum erro ao admitir que, embora justificável nas circunstâncias, porque era uma questão de proteger as reservas internacionais do País, a demora na retomada das negociações e a própria forma como a moratória foi feita, dirigida unicamente aos bancos, trouxeram alguns problemas muito sérios para a economia brasileira. Em primeiro lugar, atingiram a credibilidade do País, a imagem do País, e não foi a primeira vez que isso ocorreu. Gostaria de, só a título de curiosidade, ler aqui para V. Exa. uma ex­posição de motivos do Ministro Oswaldo Aranha, quando propós ao Presidente Getú­lio Vargas medidas de negociação para suspender a moratória de 1931. Diz ele duas coisas importantes:

“Por” não possuirmos capitais acumulados, o desenvolvimento das nossas riquezas tem de ser feito ainda por algum tempo com o concurso financeiro do exterior.

“Esta verdade permanece até hoje, uma vez que o Brasil ainda não tem o dom de se transformar em um exportador de capitais.

“Mais à frente diz o Ministro Oswaldo Aranha:

“ operação de que trata o decreto, que submeto à apreciação de V. Exa.. regulariza completamente, de acordo com as partes interessadas, o atraso de pagamento em que ficou o Governo Federal, desde alguns anos passados, e aqui eu friso, que tanto mal estava.causando ao bom nome do Brasil.?

“Palavras muito atuais do Ministro da Fazenda de então, Oswaldo Aranha. Não podemos medir isto em termos financeiros. 0 Brasil ampliou as suas reservas deixando de pagar US$ 4,5 bilhões aos bancos? Não. 0 ganho de reservas do País é de apenas US$ 500 milhões. E para onde foram os US$ 4,5 bilhões que o Brasil não pagou aos bancos internacionais? É porque o Brasil continuou pagando aos outros credores sobre os quais não foi decretada a moratória; continua pagando ao Fundo Monetário; continuou pagando ao Clube de Paris; continuou pagando ao Banco Mun­dial, e, apesar de estar pagando regularmente a estas instituições, não se bene­ficiou da retomada de empréstimos em seu favor.

“Então, imaginar que a moratória decretada só em cima dos bancos leva­ria a que as outras organizações continuassem a financiar o País, eu acho que foi uma avaliação equivocada da situação.

“Como se pode imaginar que um governo, por exemplo, o francês, vá con­tinuar financiando um país nas suas importações necessárias se esse mesmo país ameaça a sobrevivência, a estabilidade do seu sistema financeiro? E a instabili­dade no sistema financeiro representa a instabilidade da própria economia. Vamos ver outros pontos. Essa questão já foi divulgada pelogoverno e alguém, um dos teóricos da confrontação, questionou os dados do Brasil, porque não estava le­vando em conta os juros que ele haveria de pagar. Aí fêz uma confusão entre com­petência e fluxo de caixa, que é o mínimo que um entendido de contabilidade de­veria ter. A comparação que se féz e que estou fazendo agora é exclusivamente em termos de fluxo de caixa, porque, se o Brasil não pagou juros – a menos que te­nhamos a intenção de repudiar a dívida – eles vão ser pagos um dia.

“Só para concluir, Sr. Presidente, verifico – e veja, volto a dizer -não cabe questionar a moratória em si;-ca]De ter a humildade de, vendo que seus resultados não foram os esperados, rever a situação para evitar problemas maio­res para o País, para a sociedade brasileira, para os trabalhadores.

mo considerando o não pagamento de juros, na tese daqueles que di­ziam que estávamos, no mínimo, sendo desonestos, vamos ver que a moratória tam­bém influenciou na destruição de negócios – ou seja, o custo invisível da moratória. Conseguimos captar alguns deles – operações que o Brasil estava pres­tes a realizar foram suspensas por conta da moratória. Este é o caso, por exem­plo, de uma operação com a Comunidade Européia do Carvão e do Aço, de US$ 285 milhões, que não foram desembolsados; uma operação com o ALABANK, com a Coopera­ção Financeira de Fomentos do Banco Mundial, de US$ 60 milhões – o ALABANK deu US$ 100 milhões em uma operação que envolvia vários bancos, num total de US$ 1,6 bilhões; operações que estavam prontas para serem concluídas e que tudo indica que seriam, não fosse a decretação da moratória.

anto o País perdeu em termos de fluxo de caixa, pagando ao Fundo Monetário e não recorrendo ao Istand byl, que é um direito que tem? Quanto per­deu de desembolso do Banco Mundial de operações de co-financiampnto para finan­ciar o programa hidrelétrico, por conta da moratória?

e somarmos todas essas perdas; se somarmos aquilo que o Banco Central perdeu de linhas de crédito voluntário, da ordem de US$ 500 milhões; se somarmos os recursos que o Banco Central teve que colocar nos bancos brasileiros, porque houve uma diminuição das linhas de curto prazo no mercado interno bancário, em favor dos bancas brasileiros, da ordem de US$ 700 milhões; se somarmos tudo is­to, vamos verificar que o Brasil perdeu, em fluxo de caixa, diretamente imputáveis à moratória, US$ 5,2 bilhões.

“Por não ter feito um acordo com o Fundo Monetário, deixou de receber, entre o que deixou de receber e o que pagou, US$ 1,8 bilhões. Isto gera US$ 7 bilhões de perda, e deixou de pagar US$ 4,5 bilhões aos bancos privados.

“Portanto, mesmo sem considerar que esse juro vai ser pago lá na fren­te, o custo é de US$ 2,5 bilhões.

“Volto a dizer: cabe a qualquer pessoa, a qualquer governo, a qualquer ente, uma vez verificado o erro, nele não insistir. E a normalização das rela­ções financeiras do Brasil com a Comunidade Financeira Internacional está neste contexto.”

Sobre a Suspensão da-Moratória

Os Senadores Carlos Chiarelli e Fernando Henrique Cardoso levantaram a questão do pagamento de juros sem que houvesse perspectiva de acordo com os banqueiros. De modo contraditório ao que afirmava quando analisava os custos da moratória, conforme relatado acima, o Ministro Maílson disse:

“Pagamos os juros de janeiro e fevereiro da ordem de US$ 994 milhões; pagamos de nossa reserva, e, apostamos no acordo. E vela, _não suspendemos a moratória. A moratória está em vigor. A resolucão nr 1263 continua em Pleno vi­0 que usamos foi o poder de barganha do País .

“Argumentamos: ‘pagamos os juros de janeiro se vocés nos derem o mon­tante adequado de recursos; pagamos os juros de fevereiro se vocês definirem co­nosco uma taxa de juros; pagamos os juros de março – e ainda não foram pagos -se fizermos um acordo.’ Então, o Brasil também usou seu poder de barganha para forçar os bancos a chegar a um-acordo e os pontos acordados são a demonstração de que a estratégia funcionou, e em todos os casos, Srs. Senadores, os pontos acordados, volto a repetir, foram confirmados posteriormente. 0 Brasil seria o único caso na história recente das negociações internacionais.

“E, finalmente, mesmo tendo pago cerca de US$ 1 bilhão nos meses de ja­neiro e fevereiro, o nível de reservas em fins de março é semelhante ao de de­sembro, por que? Porque o Brasil conseguiu restabelecer a credibilidade; conse­guiu restabelecer as linhas de crédito e as reservas das exportações, e o resul­tado é US$ 1 bilhão que não afetou o nível global de reservas do País e facili­tou um acordo que está caminhando para o seu final a curto prazo. É um resultado muito maior, muito melhor do que uma perda de US$ 5 milhões de reservas em con­sumo, em investimentos, que é isso que foi provocado por uma exacerbação de consumo e investimento do Plano Cruzado.”

o Senador Lourival Baptista solicitou, por escrito, esclarecimentos do Ministro da Fazenda sobre as providências de sua Exa. para resolver a dívida ex~ terna brasileira, hoje da ordem de US$ 121 bilhões.

O Senador Jarbas Passarinho aplaudiu ma estratégia dos cinco pontos para a administração da dívida”, apresentada pelo Ministro, entendendo que “o que é fundamental para todos nós, brasileiros, é que administrem essa divida, que cheguem a”uma conclusão”, e que perdemos muito tempo de março de 1985 até o momento, pois o montante de recursos decorrentes da redução do Ospreadm agora obtida – de mais de 2% para 0,81% já teria produzido nesses 3 anos uma econo­mia de US$ 1 bilhão. o Senador, numa manifestação de apoio do PDS à volta do Brasil ao FMI e à reaproximação do País com a comunidade financeira internacio­nal, afirma:

“Por outro lado, não temos o preconceito que a esquerda do PMDB tem com relação ao Fundo Monetário Internacional. Achamos que a Argentina não perdeu a sua soberania, que a Venezuela não a perdeu, que a Hungria não a perdeu, que a Polônia não a perdeu, que a Iugusiávia não a perdeu, e precisamos ter a coragem de realmente chegar a um entendimento em que não sejamos, evidentemente, objeto de uma imposição, de uma estratégia vinda de fora para dentro, mas que tenhamos a convicção de que é preciso negociar e restaurar na comunidade internacional a credibilidade do Brasil.

“De modo que, neste ponto, estou aqui para aplaudir V. Exa. … Pelo meu partido eu criticava o mecanismo epidérmico de alguns Ministros, ou de um Ministro, particularmente, que era o Ministro Dilson Funaro. Achávamos que aque­la retórica do Brasil soberano – ‘o Brasil nunca mais vai ao FMII, etc – quem pagaria por aquilo seríamos todos nós, e estamos pagando até agora.

“V.Exa. começou, aliás faço justiça ao Ministro Bresser Pereira que iniciou a retomada desse contato com muita coragem está fazendo.

“0 que espero de V. Exa., que conheci no passado, que me ajudou a re­solver os déficitS da Previdênc±a e que o mágico inventou que tinha zerado, mas graças a uma grande campanha de televisão, o que espero de V. Exa. é que exata­mente permaneça como está, com a coragem de tomar causas impopulares. E o que precisamos no Brasil é de coragem para poder tirar o Pais da desordem econômica em que foi lançado e que pode traduzir também em desordem social. Se V. Exa. pode receber, em nome desta parcela de oposição, uma palavra que seja de apoio, por obséquio, a.receba.m

A redução do “spread”, entretanto, é insignificante, pois incide apenas sobre a dívida do setor público e é a taxa convencional (obtida pelo México, por exemplo). Também não se sustenta a idéia de que o FMI mudou e que seja factível agora a não vinculação de desembolsos do Fundo aos dos bancos ou que as metas das Cartas de Intenção (norma estatutária do Fundo) sejam descumpridas e renova­das, sem custos para o País, como no segundo período da gestão Delfim Netto (PDS); que os termos do acordo 11stand by11 entre o FMI e o Brasil serão diferen­tes dos firmados com os demais países,-especialmente com a sensação de falta de governo e de posição política já referidas. E finalmente que isso não levará a uma profunda recessão econômica no País, com desdobramentos políticos e sociais.

0 FMI, de fato, mudou desde a sua criação: outrora, funcionava como um “fundo de socorro” aos países membros que sofriam desequilíbrios conjunturais em seus balan;os de pagamentos, para que houvesse estabilidade cambial na economia mundial; há mais de uma década, porém, o FMI foi transformado, inequivocamente, em uma instituição funcional – em um avalista técnico internacional dos grandes banqueiros mundiais. Em nome do “reajustamento econômico”, policia as economias das nações devedoras para que estas gerem excedentes comerciais destinados ao pagamento de juros aos banqueiros. Não se trata aqui de especulação teórica, mas de evidências comprovadas por todos os acordos feitos pelo Fundo até hoje.

UMA AVALIAÇÃO DO RELATOR

No Capítulo VII tratamos dos novos rumos que a gestão Mailson Nóbrega estava dando às negociações da dívida externa. Questionamos àquela época se ha­víamos chegado ao fim da moratória de 27 de fevereiro de 1987 e o que é pior: “sem nenhuma vantagem que se esperava dela obter pela negociação que ela induziu” (nota do Presidente e do Relator desta Comissão distribuída à imprensa em primeiro de fevereiro próximo passado).

A dúvida que levantávamos em fevereiro está confirmada pelo que se de­preende da exposição que o Ministro Maílson da Nõbrega fèz ao Plenário desta Casa em 25 de abril próximo passado. A negociação que ora se faz é convencional e abandona, na prática, cinco pontos fundamentais da proposta Bresser, de 25 de setembro de 1987:

1 – a tese de securitização;

2 – as salvaguardas (limites máximos para taxa de juros e procedimentos esDeciais nara possíveis deteriorações nos termos de inte.rcâmbio);

3  – financiamento de juros para o período 1987-89, no montante de US$ 10,4 bilhões;

4 – “spread” zero para toda a dívida;

5 – ficarve out” para todo o estoque de débitos.

No primeiro caso, procede-se a uma conversão da dívida sem a condução prévia da troca de bônus (Resolução 1416 do CXN, de 27-01-88); o Ministro acre­dita no mercado secundário e não avança na tese de securítização…

os limites máximos para juros e perdas decorrentes de queda substancial dos termos de troca do País são questões em aberto, segundo afirmava o Ministro.

Os bancos fizeram uma contraproposta de refinanciamento dos juros de 1987-88 no montante de US$ 6,4 bilhões contra a proposta brasileira de US$ 10,4 bilhões para o triênio 1987-89.

O monitoramento da economia pelo FMI é condição do acordo “stand byw que o Fundo faz com qualquer país. Durante a vigência do acordo (12 ou 18 meses), o País se compromete a cumprir determinadas metas de um programa de a­justamento econômioco e os desembolsos ‘são viculados ao desempenho daquela economia. Já vimos os efeitos desse tipo de acordo no Brasil. Ademais, a ques­tão igualmente séria é que, nas palavras do Sr. Ministro: “o Brasil não aceita a vinculação automática entre desembolsos do Fundo e desembolso dos bancos, mas admite a negociacão maralela, admite gue os dois se conduzam Paralelamente…

0 ponto fundamental é que o Brasil continua sendo vitimado pelo sistema financeiro internacional, causando sérios danos econômicos e sociais ao País. Enquanto não for desatado o nó da dívida externa de forma soberana, o Brasil não sairá da estagnação econômica que tem caracterizado o presente decênio (os anos 90 -4á estão sendo chamados de “Década Perdida’% não acelerará o seu desenvol­vimento à altura da revolução tecnológica deste final de século e, seguramente, não resgatará a dívida social – não incorporará à sua economia capitalista os milhares e milhares de pobres e miseráveis.

ANEXO

REQUERIMENTO DE CONVOCAÇÃO DO SR. MINISTRO

REQUERIMENTO NO 22, DE 1988

Exmo. Sr. Presidente do Senado Federal:

Nos termos do art. 38 da Constituição Federal, combinado com o art. 418, inciso I, do Regimento Interno do Senado, vimos mui respeitosamente reque­rer a V. Exa. a convocação do Sr. Ministro Maílson da Nóbrega, da Fazenda, a fim de que, perante o Plenário, preste informações sobre estudos que, segundo a im­prensa, estão sendo efetuados, com o objetivo de alterar a política salarial do governo, relativamente aos servidores públicos da administração direta e indire­ta, bem como sobre a problemática que envolve a dívida externa brasileira.

0 requerimento que ora formulamos reveste-se de grande importância e da maior urgência, na medida em que a situação dos servidores públicos, quanto à percepção de vencimentos, encontra-se sob clima de completa insegurança, inclu­sive com declarações divergentes entre os titulares da fazenda e da Sedap. Com efeito, enquanto o Ministro Aluízio Alves, em entrevista ao jornal “0 Estado de São Paulo”, ediÇãc de domingo, 13 do corrente mês, declara que, de primeiro de janeiro de 1986 a 31 de dezembro de 1987, a defasagem salarial dos servidores registrou uma média de 80 a 110% e que, com a URP, a folha de pagamento chegou a 40% da receita líquida do governo, o Ministro Maílson da Nóbrega, no mesmo jor­nal, defende, com ênfase, que a despesa com pessoal alcança a 70% e que houve um aumento real de 20% no ganho dos servidores.

Ora, essas divergências precisam ser devidamente esclarecidas, não ape­nas porque se trata de uma diferença bastante ponderável, mas também porque o Senado Federal, a opinião pública e os servidores têm o direito de ter cabal co­nhecimento da real situação e dos motivos que estão levando o governo a, mais uma vez, buscar resolver problemas econõmico-financeiros com o sacrifício dos assalariados servidores públicos, justamente um dos segmentos mais sofridos da sociedade.

Na mesma oportunidade, o Ministro será ouvido, também, sobre a dívida externa, pois esta, como sabemos, tem liames diretos com a política salarial em geral, sendo notórias suas implicações com déficit público, com o crescimento econômico e com a geração de novos empregos. É que o Ministro, convidado recen­temente a comparecer à Comissão Especial da Dívida Externa, comunicou estar com dificuldades em sua agenda para o atendimento. Sendo assim, esta será a oportu­nidade Dara o atendimento aos dois importantes assuntos, com real economia de tempo.

Por isso, tendo em vista a importância dos problemas enfocados e a ne­cessidade de que a sociedade, como um todo, tenha acesso à verdade dos fatos, tem toda procedência o presente requerimento, a fim de que, com a maior urgência, seja ouvido o Ministro, diretamente envolvido em tão relevantes matérias.

Sala das Sessões, 15 de março de 1988.

–       Carlos Chiarelli

–        Jamil Had­dad

–       Maurício Corré-a

–       Affonso Camargo

–       Itamar Franco.