Como os movimentos populares dominaram as redes para defender o Brasil do retrocesso ambiental

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A recente mobilização contra o chamado “PL da Devastação” pode marcar uma virada de chave na comunicação política no Brasil. Avançando em um terreno dominado pela extrema direita, movimentos sociais — compostos por organizações da sociedade civil,  voluntários, artistas e povos tradicionais, servidores públicos, entre outros — conseguiram disputar a hegemonia digital nas redes sociais para defender os interesses coletivos do país.

Aprovado na Câmara dos Deputados com amplo apoio de um Congresso cada vez mais comprometido com interesses privados, o projeto representa o maior ataque à legislação ambiental desde a redemocratização. Mas, diferente de outros momentos em que retrocessos passaram despercebidos pela maioria da população, desta vez o barulho veio do povo, da sociedade civil organizada. E ele tem ecoado longe.

A virada se deu nas redes. Durante anos, a extrema direita dominou o território digital com ações coordenadas e altíssimo financiamento de grupos econômicos nacionais e internacionais. Utilizou as big techs como canal para disseminação de propaganda, desinformação e manipulação, sem qualquer regulação efetiva. Mas agora, o jogo começou a virar.

Com criatividade, inteligência estratégica e apoio coletivo, movimentos populares passaram a explorar os mesmos recursos tecnológicos. O site PLdaDevastacao.org virou ponto de convergência das ações contra o projeto, reunindo abaixo-assinados, conteúdos explicativos e ferramentas de mobilização. A Converge Brasil, uma das articulações que lideram a resistência, atuou de forma coordenada para amplificar a pauta, tornando o assunto impossível de ser ignorado. Outras organizações, como a Nossas, também ajudaram a amplificar o movimento.

Na primeira semana de junho, durante a Semana do Meio Ambiente, ocorreram mobilizações em todo o país. Foram estas mobilizações, inclusive, que levaram a luta dos grandes centros para o polo digital.

Também de maneira estratégica, os próprios militantes passaram a cobrar figuras públicas diretamente em seus perfis, exigindo posicionamento e engajamento em defesa do meio ambiente. Isso tudo de maneira estratégica. Vídeos com personalidades como Dira Paes, Ney Matogrosso, Wagner Moura, Marcos Palmeira, Isabel Fillardis e muitos outros circularam nas redes, impulsionados por uma estratégia que alia a exposição orgânica com pressão coordenada. O resultado disso é uma exposição cada vez maior na mídia, ocupação dos primeiros lugar nos trending topics e um barulho impossível até agora ignorado, mas impossível de não ser ouvido.

As mobilizações ganharam o reforço dos servidores do meio ambiente, por meio da ASCEMA Nacional, que representa servidores do Ibama, ICMBio, Ministério do Meio Ambiente e Serviço Florestal Brasileiro, bem como de entidades que representam servidores estaduais e municipais. Estes servidores têm alertado que o PL da Devastação representa o desmonte do SISNAMA e compromete profundamente a política socioambiental do país. Em outras palavras, desmonta a base técnica que sustenta a prevenção de desastres como Brumadinho e Mariana e enfraquece o combate às mudanças climáticas.

Um diferencial importante dessa nova fase é o uso de inteligência artificial. Ferramentas como a criação de vídeos satíricos com IA, como os que criticam o presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, viralizaram. Perfis como Brasil – Sátira do Poder” @movimento_democracia mostraram que é possível usar a tecnologia para informar com criatividade, ampliando o alcance da mensagem. Esses conteúdos atingiram milhares de pessoas, revelando que as novas linguagens digitais também podem ser mobilizadas pelo campo democrático.

Agora, o foco da campanha é claro: pressionar o presidente Lula a vetar integralmente o projeto. Um ato nacional está marcado para os próximos dias, com ações presenciais e mobilização em massa nas redes, com o objetivo de mostrar que a sociedade brasileira não aceitará calada esse retrocesso. Afinal, em um país que vai sediar a COP 30, seria inaceitável aprovar uma legislação que desmonta os pilares da proteção ambiental. O risco é transformar a conferência em Belém em uma vitrine de greenwashing, enquanto na prática se abre caminho para a destruição de tudo o que ainda resta.

Mais do que uma campanha pontual, o levante contra o PL da Devastação mostra que os movimentos populares compreenderam, finalmente, a importância das redes como instrumento de mobilização. E mais: mostraram que é possível usar essas ferramentas com propósito, criatividade e ética.

As redes sociais não podem continuar sendo terra sem lei, dominadas por interesses escusos. A regulamentação das big techs é urgente, mas enquanto ela não vem, cabe à sociedade ocupar esses espaços para defender a democracia, os direitos coletivos e o futuro do planeta. Porque, como essa mobilização provou, quando o povo entende a linguagem do jogo, ele pode lutar de igual pra igual contra gigantes do capital.

Por um Brasil vivo, com floresta em pé e democracia em rede.

Fernando Cruz Moraes

Jornalista, Assessor de Comunicação da Auditoria Cidadã da Dívida, da ASCEMA Nacional e da Campanha Nacional por Direitos Sociais.