CPI da Divida – Analise Tecnica Preliminar N 5 – Divida Externa – Capitulo 3

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CPI DA DÍVIDA PÚBLICA
ANÁLISE PRELIMINAR No. 5 

CAPÍTULO III 

  • NEGOCIAÇÃO COM BANCOS COMERCIAIS QUE RESULTOU NA EMISSÃO DOS DENOMINADOS “BÔNUS BRADY 
  • EMISSÕES DE TÍTULOS DA DÍVIDA EXTERNA E TROCAS POR DÍVIDA EXTERNA E INTERNA, REALIZADAS LOGO APÓS O PLANO BRADY 
  • DIFERENÇA DE US$ 32,7 BILHÕES NO ESTOQUE DA DÍVIDA EXTERNA ANUNCIADA PELO BANCO CENTRAL EM 2001

O presente Capítulo trata da negociação com bancos comerciais – sendo a maioria formada por bancos privados internacionais – que resultou na emissão dos denominados “bônus Brady” em 1994, bem como das emissões aceleradas de títulos da dívida externa que ocorreram a partir de 1995 até 2002. Trata, ainda, da diferença de US$ 32,7 bilhões no estoque da dívida externa, anunciada pelo Banco Central em setembro de 2001.

III.1 – NEGOCIAÇÃO COM BANCOS COMERCIAIS QUE RESULTOU NA EMISSÃO DOS DENOMINADOS “BÔNUS BRADY”

APRESENTAÇÃO

O Plano Brady significou a troca, por sete diferentes tipos de títulos (bônus), de parte da dívida externa que se encontrava conformada em acordos pactuados em 1988 com bancos privados internacionais. Foi uma operação que não representou ingresso de recursos ao país, pois ocorreu tão somente uma troca direta da dívida anterior e de juros vencidos, por uma nova roupagem revestida em forma de títulos.

Cabe observar, inicialmente, que os acordos celebrados na década de 80 envolveram dívidas do setor público e do setor privado, não tendo o Banco Central, até o momento, atendido aos requerimentos de informações que solicitaram o detalhamento das dívidas privadas que foram convertidas em dívida pública. É importante ressaltar também que embora a dívida objeto desses acordos celebrados com bancos privados na década de 80 se revestissem sob a forma contratual, tal dívida era amplamente negociada por esses bancos credores no mercado secundário de títulos.

O Plano Brady começou a ser negociado anos antes da emissão dos títulos que se deu em 15.04.1994. A dívida anterior e os juros vencidos foram transformados nos seguintes tipos de títulos ou bônus que receberam a seguinte denominação: Par Bond, Discount Bond, FLIRB, C Bond, Debt Conversion Bond, New Money Bond e EI Bond. Além desses, houve ainda o Phase-in Bond, que era o bônus temporário até a conversão das opções dos credores pelo Discount Bonds.

A Comissão Negociadora Brasileira, comandada por Pedro Sampaio Malan, na função de negociador-chefe para assunto de dívida externa[1] a partir de 1991, era composta por dezenas de integrantes[2], destacando-se Armínio Fraga Neto, que presidia o Banco Central, e Murilo Portugal Filho, secretário do Tesouro.

Ainda em 1991, a Comissão Brasileira e o Comitê Assessor dos Bancos determinaram a necessidade da adoção de medidas preparatórias para a conversão de parte da dívida externa contratada com bancos privados internacionais, nos moldes do Plano Brady, sendo que os contratos relacionados a tais medidas não haviam sido proporcionados à CPI pelo Banco Central nem pelo Ministério da Fazenda, embora solicitados. Após sucessivas reiterações, o Banco Central informou à CPI[3] que “as pesquisas para a localização do referido documento ainda não foram concluídas”, referindo-se aos instrumentos solicitados pela CPI[4]: Solicitação de Renúncia, Waiver and Amendment Request, Term Sheet 1992 – Financing Plan e Acordo de Princípios sobre a Reestruturação da Dívida Externa.

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional atendeu apenas parcialmente à solicitação da CPI[5], enviando cópia, em inglês, de comunicação assinada pelo Ministro Marcílio Marques Moreira em 20 de junho de 1991, dirigida à “Comunidade Financeira Internacional”, denominada Waiver Request (Solicitação de Renúncia) acompanhada de cópia de cópias de minutas relacionadas ao arranjo de juros atrasados, também em inglês.

Por sua vez, o Senado Federal disponibilizou à CPI[6] cópia da Exposição de Motivos nº. 167/91, bem como resumos dos instrumentos que haviam sido enviados pelo Executivo para a instrução da Resolução nº. 20/1991, relativa à autorização da operação de regularização de juros atrasados em 1991. O Senado disponibilizou à CPI cópias dos relevantes votos em separado, contrários à referida negociação, de autoria dos senadores Ruy Bacelar e Eduardo Suplicy, que foram vencidos.

 

Cabe transcrever alguns trechos do voto em separado, vencido, do senador Ruy Bacelar:

 

Voto em separado, vencido, do Senador Ruy Bacelar, na Comissão de Assuntos Econômicos:

 “… análise técnica e jurídica que constatou a existência de irregularidades jurídicas que afrontam a Constituição Federal, além de numerosas lacunas e omissões que não permitem a nós, Senadores, o exercício amplo de nossa competência fiscalizadora.”

 

“… complexa e tão cheia de omissões seria uma prática temerária, além de incompatível com o nobre exercício da função de Senador da República. Atendendo aos mais elevados interesses nacionais, encaminhei um pedido de vista da documentação, adiando por cinco dias a deliberação final da Comissão de Assuntos Econômicos.

 

“Desde logo emerge uma questão nuclear: Que juros são esses? Como foram calculados? Quais as disposições contratuais que os ensejaram?”

 

“Ora, se nem mesmo o Governo sabe o quanto deve, como pode estar a solicitar uma autorização do Senado para pagar?

 

“Acontece que os contratos de setembro de 1988 contêm numerosas clausulas cuja constitucionalidade já foi questionada por diversos especialistas. Segundo o Relatório da Comissão Mista destinada ao Exame Analítico e Pericial dos Atos e Fatos Geradores do Endividamento Externo, as irregularidades jurídicas atingem o núcleo central do contrato de reescalonamento, de setembro de 1988, o qual conteria clausulas “desenganadoramente nulas de pleno direito, por aberrantemente infringentes da Constituição (seja a atual, seja a de 1967/ 69).”

 

“A lacuna mais grave está na ausência de um demonstrativo estatístico da ampliação da capacidade de pagamento do Governo…”

 

“… no ambiente obscuro em que nós senadores estamos sendo forçados a analisar este acordo, tudo o que recebemos foi relatório apócrifo, sem nenhuma assinatura, intitulado “Acordo de Refinanciamento dos Atrasos da Dívida Externa – Consistência Macroeconômica”. Este relatório contém três páginas de texto e um punhado de tabelas contendo números impenetráveis, sem qualquer referência a fontes ou metodologia.”

 

“… fluxo de pagamento aos credores externos, que não respeita o limite imposto pelo artigo 2º, parágrafos 1º e 2º, da Resolução nº 82, de 1990, do Senado Federal.”

 

 

Outros aspectos importantes foram levantados pelo Senador Eduardo Suplicy:

 

Voto em separado, vencido, do Senador Eduardo Suplicy, na Comissão de Assuntos Econômicos:

 

“O referido contrato foi, na Comissão de Assuntos Econômicos, objeto de análise onde foram constatadas várias impropriedades, além de lacunas e omissões, que dificultaram uma profunda e correta apreciação do mesmo.”

 

“2º) Os termos do acordo proposto isenta de quaisquer impostos os bônus dos juros devidos, contrariando a Constituição da República Federativa do Brasil em seu artigo 150, inciso II, (…)”

 

“3º) O Sumário dos Termos do Acordo contém clausula sobre o pagamento com despesas de hospedagem, transporte e honorários advocatícios efetuadas pelo Comitê Assessor de Bancos, que são explicitamente proibidas pela Resolução 82/90, artigo 4º, parágrafo 11.

Este Senador obteve informação junto ao Banco Central de que nas negociações de 1987/88 estas despesas somaram 20 milhões de dólares…”

 

“Isto equivale a dizer que nossos Estados e Municípios, que sabemos inadimplentes em sua maioria, para com os depósitos exigidos pela Resolução 1564, do Banco Central,terão agora de arcar com as obrigações adicionais acordada na renegociação apreciada.”

 

 “… Outro agravante decorre do fato de a garantia do pagamento advir das cotas do Fundo de Participação dos Estados e do Fundo de Participação dos Municípios, pois sendo a União a arrecadadora e repassadora de tais recursos, ela em caso de inadimplência de Estados e Municípios, já disporá de autorização legal para reter as referidas cotas.”

 

Apesar dos votos contrários, foi aprovada a Resolução do Senado 20/91, possibilitando a realização das negociações prévias ao Plano Brady. Evidencia-se a necessidade de aprofundamento das investigações de tais operações prévias, a fim de certificar se não teria havido negociação de dívidas já prescritas, conforme mencionado ao final do capítulo II da presente análise.

 

A novação – transformação de uma dívida em outra – deve ter uma causa legítima. A dívida externa contratual com bancos privados vinha sendo objeto de graves questionamentos de ordem legal, como ressaltado pelo Senador Rui Bacelar[7], podendo ter havido inclusive prescrição dessa dívida[8], sendo que atos ilícitos não geram conseqüências lícitas – princípio elementar de ordem jurídica.

 

Cabe ressaltar também o indício de nulidade dos acordos da Fase IV das renegociações com bancos privados internacionais, cuja formalização se completou em 03/11/1988, com a última assinatura, conforme documento da Notaria Pública de Nova Iorque disponibilizado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional à CPI[9]. Tais acordos da Fase IV não chegaram a ser submetidos ao Congresso Nacional, conforme determina expressamente a Constituição Federal promulgada em 05/10/1988, o que demanda estudo jurídico especializado, especialmente diante do que consta do Parecer PGFN/COFE/Nº. 217/89, de 31.03.1989, citado no Capítulo II da presente análise.

 

Em 1992, foram tomadas as providências para a conversão da dívida nos moldes do Plano Brady, com a aprovação da Resolução nº. 98/92, do Senado Federal, que “autorizou o reescalonamento e refinanciamento da dívida externa de médio e longo prazo junto a bancos comerciais, a conceder garantias, a assumir dívidas externas de entidades federais extintas ou dissolvidas”, nos moldes do denominado Plano Brady, “no valor de até US$ 57,000,000,000.00 (cinqüenta e sete bilhões de dólares norte americanos), na conformidade do Sumário de Principais Termos ( Term Sheet), do Pedido de Dispensa de Cumprimento de Obrigações e dos demais documentos que acompanham a Mensagem Presidencial nº 707, de 13 de novembro de 1992”.

 

O Senado Federal enviou à CPI cópia do processado relativo à aprovação da referida Resolução nº. 98, aprovada em 23 de dezembro do conturbado ano de 1992. Observa-se que a Mensagem Presidencial Nº. 707[10] fora recebida no Senado em 16.11.1992 – um mês após a morte de Ulisses Guimarães e Severo Gomes, e em meio ao julgamento do impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, e sucessivas substituições de ministros da Fazenda, portanto, em contexto conturbado. A Resolução nº. 98/92 foi aprovada em poucas semanas, às vésperas do Natal, no dia 23.12.1992, com voto em separado, contrário, do Senador Eduardo Suplicy, também vencidos os senadores Ruy Bacelar, Pedro Teixeira e Nelson Wedekin, ou seja, em poucas semanas o Senado aprovou a vultosa negociação, apesar dos votos em contrário, que alertavam para questões relevantes, parcialmente transcritas a seguir, dada sua importância histórica:

 

VOTO EM SEPARADO

SENADOR EDUARDO MATARAZZO SUPLICY (PT-SP)

 

“Infelizmente, a pressa com que se procura obter uma decisão do Senado Federal inviabiliza uma discussão aprofundada.”

(…)

“A propaganda oficial da época dizia que era um dos melhores acordos alcançados por um país devedor, que ele traria um alívio substancial para o serviço da dívida externa, que proporcionaria recursos novos para a retomada do desenvolvimento, etc, etc. No entanto, o que presenciamos após o acordo foi fuga do capital, aceleração inflacionária e interrupção do crescimento econômico. Este fato é admitido pelo Relator, Senador José Fogaça, que, na página 3 de seu Parecer reconheceu que o acordo de 1988 resultou na imposição de sacrifícios desproporcionais ao Brasil e teve vida curta. Após realizar em 1988 vultosas transferências financeiras para o exterior, as reservas brasileiras desceram ao (sic) crítico e o governo Sarney teve que suspender novamente os pagamentos.”

(…)

“As negociações anteriores a 1989 foram desfavoráveis ao País em parte devido à não-participação do Legislativo. As negociações eram realizadas praticamente a portas fechadas entre funcionários do Banco Central e Ministério da Fazenda e os banqueiros estrangeiros. A atitude dos negociadores brasileiros era, em muitos casos, ditatorial. Assumiam enormes compromissos em nome da Nação e não se julgavam no dever de prestar maiores esclarecimentos. O Senado Federal nada mais podia fazer além de carimbar os acordos.”

(…)

“Apesar da tabela do negociador fazer revelações importantes, devo manifestar minha discordância em relação à metodologia utilizada. Ao calcular os descontos efetivos, o negociador deduz dos descontos brutos o financiamento de garantias, mas logo depois soma o pré-pagamento de principal e depósito de juros.”

(…)

“Quanto à metodologia utilizada pelo negociador brasileiro, ela tende a superestimar o impacto de curto e médio prazo dos descontos, apresentando critérios mais favoráveis aos bancos do que a própria metodologia empregada em estudos oficiais do FMI e do BIRD. Neste particular os negociadores brasileiros estão sendo mais realistas do que o rei. Eles estão tentando mostrar uma generosidade que os credores não tiveram com o Brasil.”

(…)

“Além de implicar a realização de pagamentos maciços ao exterior, este acordo ainda estabelece compromissos desvantajosos de conversão da dívida externa. Nesse particular, o acordo brasileiro é inferior inclusive ao acordo do México. Enquanto o programa de conversão da dívida mexicana captou um desconto de 52%, o que aliás não o impediu de atrair participação entusiástica dos bancos credores, o protocolo brasileiro prevê o compromisso da conversão ao par de parte substancial dos ativos do menu. No entanto, a conversão ao par da dívida brasileira, está em evidente contradição com o artigo 5º da Resolução nº 82/1990 do Senado Federal, o qual estabelece que os créditos da dívida externa só poderão ser utilizados no Programa Nacional de Desestatização se sofrerem deságio prévio através de mecanismos de mercado.

Um país como o Brasil, que há vários anos está tendo dificuldades para realizar um ajuste fiscal, não pode se dar ao luxo de abrir mão de dinheiro vivo na realização das privatizações. Esse acordo da dívida externa está procurando impor o compromisso de aceitação de títulos desvalorizados sem desconto e, ainda por cima, contrariando os parâmetros fixados pelo Senado Federal na Resolução nº 82,

A propósito das novas regras sobre a conversão, existem vários pontos que merecem ser elucidados. Por exemplo, quais as razões que levaram o governo Collor a negociar um acordo que concede tratamento preferencial às agências e subsidiárias de bancos brasileiros no exterior? De acordo com a Exposição de Motivos, esses bancos brasileiros poderão utilizar seus créditos no programa de privatização sem oferecer qualquer deságio e sem obrigação de aportar dinheiro novo. Não me ocorre nenhuma razão de ordem econômica para abrir uma exceção à Resolução nº 82/1990, incluindo acordo do programa de conversão da dívida tão desvantajoso. O Governo sequer se deu ao trabalho de apresentar uma justificativa técnica para tentar tal violação aos parâmetros fixados pelo Senado.”

(…)

“Outro aspecto problemático do acordo está no fato de que ele está sendo apresentado no contexto de uma tentativa de restringir a liberdade do Presidente Itamar Franco, que terá que aceitar o tutelamento do FMI. O Brasil terá que adequar seu programa de ajustamento às políticas do FMI e do BIRD. O acordo pode significar o começo do enquadramento do governo Itamar à agenda do chamado Consenso de Washigton.

Aqui cabe citar importante manifestação de um economista brasileiro, o Dr. Pedro Malan. Em um artigo relativamente recente, publicado na Revista de Economia Política, edição julho-setembro de 1991, o Dr. Pedro Malan observa à página 10 que:

 

“O triste desempenho da maioria dos países latino-americanos por quase uma década, bem como o desempenho de muitos países africanos por quase duas décadas… suscita dúvidas fundamentais sobre se a agenda de Washington seria suficiente para restaurar o crescimento e o desenvolvimento econômico uma vez atingida a estabilidade e eliminada as piores formas de distorção de preços.”

 

Neste trecho, o negociador da dívida externa reconhece que o liberalismo de Washington pode não ser o melhor caminho para o desenvolvimento econômico do Terceiro Mundo. Esta citação está sendo feita rigorosamente dentro do contexto: o título deste artigo é “Crítica ao Consenso de Washington”. O Dr. Pedro Malan atribui aos equívocos da chamada agenda de Washington parte das responsabilidades pelo triste desempenho da América Latina durante a década de oitenta e de alguns países africanos durante as duas últimas décadas.”

(…)

“O que aconteceu foi justamente o contrário. O Brasil passou quase toda a década de oitenta se sacrificando para atender aos compromissos da dívida externa. Não vivemos na marginalidade, muito pelo contrário. Vivemos sob o tutelamento rigoroso, com rédeas curtas. Os credores impuseram severas restrições à nossa política econômica. O Brasil passou uma década orientando sua economia para o pagamento da dívida externa. Realizamos uma gigantesca transferência de recursos financeiros para os credores externos. Durante quase toda a década de oitenta, a dívida externa foi nossa prioridade número 1. E, em nome do pagamento dela, o governo brasileiro deu calote em sua dívida social, jogou dezenas d emilhões de brasileiros abaixo da linha da pobreza, arruinou a classe média, empobreceu ainda mais o País.

É bem verdade que o Brasil decretou duas moratórias durante os anos oitenta, mas ambas as moratórias foram resultantes de crises cambiais. O Ministro Dilson Funaro iniciou sua gestão pagando pontualmente a dívida externa. Quando percebeu que o pagamento se tornara impossível, ele decretou uma moratória para preservar o nível mínimo de reservas. Eles jamais desejou desligar o Brasil da comunidade financeira internacional; ele apenas reivindicou condições de pagamento justas. Quanto ao Ministro Maílson, que era tido como homem de confiança dos banqueiros internacionais, ele só decretou moratória porque não conseguiu cumprir os compromissos de pagamento que ele próprio assumiu. Portanto, é injusto atribuir nossas dificuldades econômicas às moratórias que o Brasil teve a contragosto, que declarar.”

(…)

“Senhores, não há motivo lógico que justifique uma aprovação precipitada e incondicional deste acordo.”

 

A CPI constatou que na mesma época da negociação do Plano Brady, em 1992, o país se encontrava em negociação com credores diversos, no denominado “Clube de Paris”, conforme EM – Exposição de Motivos nº. 065/92, de 16/03/1992, na qual se evidencia, uma vez mais, a assunção de dívidas do setor privado:

Exposição de Motivos nº. 065/92, de 16/03/1992

(…)

  1. A dívida objeto de reestruturação diz respeito unicamente às obrigações contraídas diretamente pela União ou por ela garantidas, já que, com base no conceito de capacidade de pagamento que tem norteado a atual etapa de renegociação da dívida externa brasileira, os valores relativos à dívida do setor privado a partir de 01.01.91 – bem assim à da Petróleo Brasileiro S/A e da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) a partir 01.04.91 – foram excluídas do universo de “dívida afetada” e definidos como livremente remissíveis aos credores no exterior. Os valores relativos as obrigações outras que não aquelas contraídas diretamente pela União ou por ela garantidas e depositadas junto ao Banco Central do Brasil, por força de regulamentação, até 31.03.91, no caso da Petrobrás e da Cia. Vale do Rio Doce (CVRD), e até 31.12.90, no caso dos demais devedores, também estão incluídos no universo da dívida a ser reestruturada.

(…)

  1. O exercício de reestruturação previsto abrangerá os valores de principal e de juros relativos à dívida indicada em 6, acima com vencimento até 31.12.91 (os “atrasados” ) e de 01.01.92 a 31.08.93 (a “dívida consolidada”) .

(…)

Marcílio Marques Moreira

Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento

 

Depreende-se que as dívidas do setor privado até 01.01.1991 foram incluídas na renegociação, o que se confirma por meio do Parecer nº. 79/1992 (proferido pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal – CAE – que analisou a referida Exposição de Motivos, a fim de aprovar a Resolução nº. 7, de 30.04.1992, aprovada com voto contrário, em separado, do Senador Eduardo Suplicy), do qual constou explicitamente que  “A renegociação tomou por base o conceito de capacidade de pagamento que abrange a chamada “dívida afetada”. No caso do Clube de Paris, a dívida afetada abrange as obrigações contraídas diretamente pela União ou por ela garantidas, assim como as dívidas do setor privado depositadas no Banco Central até 31.12.90. (…)

 

Cabe ressaltar alguns trechos da avaliação da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal contidas no precitado parecer:

 

“Além de não estar obtendo nenhuma redução do montante de sua dívida o Brasil não conseguiu se quer um perfil de pagamento dos mais favoráveis. (…) Esses números mostram que a dívida brasileira junto ao Clube de Paris foi reescalonada no limite da pressão máxima. Considerando que o Brasil é um país que sacrificou praticamente toda a década de oitenta por conta da crise da dívida externa, era de se esperar um pouco mais de flexibilidade por parte dos nossos credores. (…)

É lamentável que os países ricos tenham esquecido tão rápido as lições da Historia. O Brasil, desde 1982, vem tendo que realizar transferências financeiras líquidas ao exterior superiores, em média, a 3% do PIB, sendo que em vários anos deste período tivemos que transferir mais de 5% do PIB. Não é admissível que um país subdesenvolvimento, com problemas sociais tão graves, continue sendo submetido a sacrifícios proporcionalmente aos que foram impostos à Alemanha.

 

A mesma E.M. 065/92 destaca que “O valor total a ser reestruturado engloba as obrigações originais contraídas anteriormente a 31.03.1983 (…)”.

 

Tal fato denota a existência de parcelas de dívida vencida desde 1983, aspecto relevante face ao “Estatuto de Limitações[11]” relacionado à prescrição de dívidas, previsto nas leis de Nova Iorque, que regiam todos os contratos firmados com bancos privados na década de 80 e que determina a prescrição de dívidas quando estas não são pagas pelo espaço de seis anos.

 

Constata-se, portanto, que além da conturbada conjuntura política interna – com impeachment do presidente da República e constante troca de ministros da Fazenda, dentre outros fatos – a conjuntura externa era marcada por pressão conjunta dos credores, com negociações simultâneas no âmbito do Clube de Paris para acordar minuta compreendendo débitos desde 1983; no âmbito do Comitê de Bancos Privados, para acordar a conversão da dívida nos moldes do Plano Brady, além de acordo com o FMI, que era pré-requisito para o acordo com os bancos privados, conforme cláusulas em todos os contratos do Plano Brady disponibilizados à CPI:

 

  1. COMPROMISSOS

(a) Compromissos Afirmativos. O Emitente estipula e concorda que, enquanto qualquer Bônus permanecer não-pago, o Emitente:

(…) Manter-se-á como membro do FMI, do BID e do BIRD e manterá seu direito de utilizar os recursos gerais do FMI

 

Constou também da Minuta acordada no Clube de Paris em 24, 25 e 26 de fevereiro de 1992:

“Os representantes do Fundo Monetário Internacional descreveram a situação econômica do Brasil e os elementos principais do programa de ajuste empreendido pelo Governo do Brasil e apoiado pelo ‘arranjo stand-by’ com o Fundo Monetário Internacional, aprovado pela Diretoria Executiva do fundo em 29 de janeiro de 1992. Esse arranjo ‘stand-by’ abrange o período que se estende até 31 de agosto de 1993 e envolve compromissos específicos nos campos econômico e financeiro.

 

De fato, do Acordo de 1992 do governo brasileiro com o FMI constaram, explicitamente, os compromissos do Brasil em vários campos, cabendo ressaltar os seguintes, que mencionam o programa de privatizações, a reestruturação da dívida dos estados e municípios, a liberalização de transações com o exterior, a desindexação dos salários, esforço para reescalonar as dívidas com bancos privados e Clube de Paris:

“24. Um programa ambicioso de privatização, que deverá render aproximadamente US$18,0 bilhões nos próximos anos, foi iniciado, em outubro de 1991, com a venda da USIMINAS – uma companhia siderúrgica, que é a maior da América Latina. Outras três empresas públicas menores foram desde então leiloadas. Ademais, o Governo pretende levar adiante o programa de privatização por meio da venda da maioria acionária que detém em aproximadamente 10 companhias nos setores de siderurgia, petroquímica, fertilizantes e transporte. O Governo também venderá sua participação minoritária em 16 outras empresas do setor petroquímico. O programa de privatização está aberto à participação de investidores estrangeiros e, no ritmo atualmente contemplado, deverá render anualmente o equivalente a 0,5 por cento do PIB em 1992-1993.

(…)

  1. Para obter um ajuste adicional das finanças, em outubro o Governo Federal submeteu ao Congresso propostas de mudanças institucionais que buscam modificações na repartição de receita entre os Governos Federais, Estaduais e Municipais para 1992 e 1993, a proibição de novas emissões de títulos da dívida pública pelos Estados, e um programa de reestruturação da dívida onde o Governo Federal assumirá a dívida dos Estados em troca da adoção de um programa de ajuste por um prazo de dois anos, o que facilitará a reestruturação dos gastos estaduais; a tributação de ganhos de capital auferidos através de subsídios ao crédito habitacional, os quais, de outra forma, poderiam comprometer os esforços de estabilização fiscal nos próximos anos; e a tributação da distribuição de combustíveis, cujos recursos estão sendo aplicados na construção e manutenção de estradas. (…)

(…)

  1. O programa econômico do Governo continua a dar ênfase à liberalização das transações internas e externas. Os controles de preço estabelecidos em 31 de janeiro de 1991 foram gradualmente eliminados, aplicando-se, agora, apenas a uma pequena cesta de produtos básicos e a certos setores oligopolistas. A gama de preços monitorados também tem sido substancialmente reduzida, e deverá ser eliminada à medida em que a inflação decline. Progresso adicional na redução da intervenção estatal na economia e na promoção de investimentos externos diretos deverá ser alcançado com mudanças institucionais que trarão investimentos privados em áreas até aqui reservadas ao setor público, tais como telecomunicações, mineração, transporte e comercialização de petróleo, e com um tratamento igualitário para empresas de capital nacional e estrangeiro. (…)

(…)

  1. No contexto dos esforços visando menor intervenção no mercado de trabalho. O Governo tem adotado medidas para reduzir a indexação salarial no processo de negociação dos salários. A indexação dos salários dos servidores públicos federais foi abolida e em setembro de 1991 nova legislação foi aprovada, reduzindo a abrangência da indexação dos demais salários. Um sistema de proteção salarial até a faixa de três salários mínimos foi adotado com reajustes a cada quatro meses com base na inflação passada combinado com antecipações bimestrais de no mínimo 50 por cento da inflação ocorrida nos dois meses anteriores, A política salarial será permanentemente avaliada de forma a ser compatível com a redução da inflação e com a retomada do crescimento econômico, que se almejam alcançar.

(…)

  1. O Governo continuará a realizar todos os esforços para normalizar suas relações com a comunidade financeira internacional de modo coerente com o seu compromisso de reintegração do Brasil na economia mundial, e de forma compatível com o esforço para realizar o ajuste fiscal e para assegurar uma taxa adequada e sustentável de crescimento econômico. Neste contexto, o Governo deverá:

 

  1. a) realizar todo o esforço possível para alcançar, até março de 1992, acordo com os credores oficiais sobre a eliminação de atrasados. Para este fim, o Governo procurará refinanciar os atrasados e as obrigações correntes do serviço da dívida com os credores do Clube de Paris relativamente à dívida elegível do setor público não-financeiro. (…);

 

  1. b) buscar aumentar os desembolsos do Banco Mundial, do BID e credores oficiais, inclusive de recursos para o apoio às reformas estruturais em curso;

 

  1. c) continuar os esforços para alcançar um acordo abrangente e duradouro com os bancos privados internacionais credores que satisfaça às necessidades de financiamento externo durante o programa, ao mesmo tempo que contribua satisfatoriamente para um balanço de pagamento viável no médio prazo. (…) continuar a pagar todo o serviço da dívida vincenda correspondente à dívida bancária não-elegível; fará pagamentos parciais de juros vincendos sobre dívidas elegíveis devidas aos bancos credores pelo restante do setor público não-financeiro; e permitir o uso de títulos da dívida externa no seu programa de privatização. A fim de auxiliar o financiamento das operações de redução da dívida, o Governo está solicitando a reserva de 25 por cento de cada saque a ser efetuado no âmbito deste acordo “stand-by. (…)

 

  1. Face ao pesado ônus do serviço da dívida tanto sobre as finanças públicas quanto sobre o balanço de pagamentos no médio prazo, o governo limitará a contratação líquida de novos empréstimos externos pelo setor público, inclusive empréstimos de curto prazo pelo setor público não-financeiro (…).”

 

 

Esse resgate histórico é importante para compreender a conjuntura em que foi pactuada a relevante negociação da dívida externa com bancos privados, nos moldes do plano Brady, que é objeto do presente capítulo, no qual se buscou verificar as condições dessa negociação, embora os principais documentos, referentes às conciliações entre as dívidas anteriores (contratuais) e os novos bônus emitidos, não tenham sido proporcionados pelo Banco Central à CPI, apesar de reiteradas solicitações.

 

É fundamental obter os dados de tais conciliações por várias razões, especialmente para se determinar a transformação de dívidas privadas em dívidas públicas, bem como para determinar se houve a renegociação de dívidas que já se encontravam prescritas, o que configuraria relevante dano ao patrimônio público nacional.

 

Relativamente à assunção de dívidas privadas, o Banco Central prestou[12] à CPI as seguintes informações, com a sugestão de constituição de grupo de trabalho:

 

“Com referência ao Ofício nº. 162/10-P, informo que as parcelas de dívida externa privada que foram transformadas em dívida pública a cargo deste BCB são aquelas que permaneceram em depósito sob o Acordo MYDFA e foram trocadas por bônus em abril de 1994. Dado o tempo decorrido e dificuldades já descritas em notas anteriores, não há como realizar, no curto prazo, pesquisa para identificar as milhares de parcelas em suas diferentes moedas, que foram convertidas em bônus. Ademais, os dados estão registrados em sistemas informatizados que já foram desativados, cuja operação é complexa e para a qual esta Autarquia não dispõe de especialistas com os conhecimentos necessários. Haveria que se constituir grupo de trabalho para se estudar os termos dos contratos e a seguir proceder à pesquisa, tarefa que não é possível desenvolver com os atuais recursos da Unidade.”  

 

Dada a relevância do fato de que dívidas privadas foram transformadas em dívida a cargo do Banco Central; considerando os montantes envolvidos no Acordo MYDFA (US$ 61 bilhões) e na troca por bônus em abril de 1994 (quase US$ 50 bilhões), de fato é necessário constituir o grupo de trabalho sugerido pelo Banco Central, para o aprofundamento das investigações e completa apuração dos fatos.

 

A CPI constatou que a negociação do Plano Brady brasileiro não levou em consideração o baixo valor de mercado das dívidas anteriores que, embora fossem “contratuais”, eram amplamente negociadas pelos bancos privados internacionais no mercado secundário e possuíam um preço em tais mercados. A Costa Rica, por exemplo, na mesma época, recomprou boa parte de sua própria dívida em mercado secundário com desconto de 84%[13].

 

Enquanto a dívida externa contratual era negociada no mercado secundário cotada a baixo valor de mercado, conforme várias evidências citadas na presente análise, os negociadores brasileiros assumiram o compromisso de que o Brasil não poderia adquirir qualquer parcela da dívida, enquanto o país não integralizasse as garantias colaterais exigidas para a concretização da operação de troca da dívida, que veio a ser realizada em 15 de abril de 1994, ou seja, enquanto qualquer banco poderia comprar parcelas da dívida externa comercial brasileira a baixo preço, no mercado secundário, o Brasil destinava seus recursos para a compra de títulos da dívida norte-americana para integralizar as garantias colaterais.

 

A CPI apurou uma série de indícios de irregularidades na emissão do bônus Brady, que foi objeto de negociação em Luxemburgo, pois sua negociação nos Estados Unidos ou em qualquer outra Bolsa de Valores regular não era permitida, uma vez que tais bônus emitidos possuíam uma série de restrições: não atendiam às exigências da Lei de Valores de 1933 e não puderam ser registrados na SEC[14], pois os títulos emitidos por ocasião do Plano Brady não foram objeto de oferta pública, tendo ocorrido unicamente uma troca direta com os bancos que detinham alguma parcela da dívida externa negociada com os mesmos em 1988, nos moldes de uma operação “privada”.

 

Os bônus Brady resultantes da troca dessa dívida contratual desvalorizada foram posteriormente acatados como moeda para as privatizações de empresas estatais brasileiras. A CPI constatou também que a partir de 1998, tais títulos passaram a ser convertidos em títulos da Dívida Interna brasileira[15], tendo também sido objeto de troca por outros títulos da dívida externa (por exemplo, C-Bond por A-Bond, em 2005) e objeto de resgate antecipado em 2006[16].

 

As emissões de títulos da dívida externa a partir de 1995 tiveram como justificativa a substituição de dívida interna por externa, ou seja, a natureza da dívida externa mobiliária a partir de 1995 foi exclusivamente financeira – dívida para pagar dívida, interna e externa.

 

Não se vislumbra justificativa legítima para a troca da dívida efetuada nos moldes do plano Brady, a não ser do ponto de vista dos credores, que se encontravam dispersos, com parcelas de dívida externa eivada de graves questionamentos jurídicos. Do ponto de vista do Brasil, a operação foi onerosa e ainda exigiu garantias colaterais, beneficiando unicamente aos credores.

 

Os documentos disponibilizados pelo Tribunal de Contas da União à CPI revelam que a conversão da dívida externa com bancos privados, nos moldes do Plano Brady, não foi objeto de auditoria por aquela Corte de Contas, tendo havido apenas investigação parcial sobre o preço de aquisição de parte de garantias colaterais e investigação pontual sobre a dispensa de aporte de dinheiro novo pelos bancos brasileiros, em desacordo às disposições de um dos contratos do Plano. Também não foi objeto de investigação pelo TCU a transformação de dívidas privadas em dívida pública, sendo relevante a sugestão do Banco Central de constituição de um grupo de trabalho para o aprofundamento das investigações.

 

A principal conclusão da presente análise preliminar é a necessidade de realização de completa auditoria dessa vultosa negociação, bem como o aprofundamento das investigações, considerando os graves indícios de novação de dívida possivelmente prescrita, além de novação de dívida de baixo valor de mercado em bônus posteriormente utilizados no processo de privatizações, ou trocados por dívida interna, por dívida externa ou resgatados antecipadamente, por valor de face, em operações que sempre resultaram em ônus para o Erário.

 

 

III.1.1 – CONJUNTURA

 

No plano internacional, é importante registrar que o Plano Brady foi implementado simultaneamente em mais de 20 países, com algumas diferenciações entre as negociações, mas todas com o mesmo viés: proposta de aparente desconto no valor da dívida existente[17], mediante sua transformação em títulos mais facilmente negociáveis no mercado secundário, e exigência de garantias colaterais representadas por títulos do Tesouro norteamericano.

 

Internamente, a conjuntura nacional, à época da discussão das medidas preparatórias que determinaram o marco da conversão de grande parte da dívida externa com bancos privados nos moldes do Plano Brady – dezembro/1992, quando foi aprovada a Resolução 98/92 – era de grande instabilidade política, diante do impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello e sucessivas trocas de Ministro da Fazenda. Adicionalmente, havia forte abalo emocional diante do desaparecimento de Ulisses Guimarães e da morte de Severo Gomes e respectivas esposas.

 

Durante o período das negociações do Plano Brady houve grande rotatividade de ministros da Fazenda:

  • Marcílio Marques Moreira, de 10/05/1991 a 02/10/1992;
  • Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho, de 02/10/1992 a 16/12/1992;
  • Paulo Roberto Haddad, de 16/12/1992 a 01/03/1993;
  • Eliseu Resende, de 01/03/1993 a 19/05/1993;
  • Fernando Henrique Cardoso, de 19/05/1993 a 30/05/1994.

 

Conforme depoimento do economista Dércio Garcia Munhoz à CPI, em 25.11. 2009, as finanças do Estado também se encontravam caóticas:

 

            “Bom, com essas coisas todas, nós entramos depois nos anos 90, com o Governo do Collor, e o Governo do Collor fez o seguinte: pegou um ano de 89 caótico em termos de finanças públicas, em que o Tesouro chegou a pagar, ou o Banco Central, em fevereiro e março de 1989, logo depois do Plano Verão, em 2 meses, 35% de juros em reais. Ou seja, o que se levaria 10 anos aplicando em títulos americanos, depende da taxa de juros, evidentemente, pagou-se em 2 meses apenas, no início de 89, fevereiro e março. O que aconteceu é que, a partir de 89, se perdeu o controle das finanças públicas. E o próprio Governo teve dificuldade de controlar o Ministério da Fazenda, nós todos sabemos. O Ministério da Fazenda se tornou praticamente autônomo, atuando junto com o Banco Central e com o sistema bancário.

            Quando vem o Governo Collor, no início de 90, ele faz o seguinte — a primeira equipe do Governo Collor: não dá correção inflacionária nos títulos públicos e provoca uma redução brutal na dívida pública, em março, abril de 90, foi mais ou menos da ordem de 50 bilhões de dólares a redução. Reduziu um terço o valor real da dívida pública. Claro que ele pagaria caro por isso, mesmo que depois ele mudasse Ministro e colocasse uma equipe bem a molde da linha liberal, mas ele não conseguiu segurar mais as coisas.”

 

As dificuldades de cumprimento das obrigações do endividamento externo, surgidas desde a crise de 1982, decorrentes principalmente do forte impacto provocado pela elevação unilateral das taxas de juros internacionais pelo FED norte-americano[18], foram agravadas com as onerosas renegociações e mecanismos criados na década de 80.

 

O volume de recursos transferidos ao exterior no período analisado no capítulo II da presente análise, de 1983 a 1992, foi espantoso: US$ 170 bilhões em juros e amortizações, sendo que a transferência líquida no período foi da ordem de US$ 88 bilhões. O saldo da dívida em 1983 era de US$ 85,49 bilhões e em 1992 atingiu US$ 128,66 bilhões[19], ou seja, embora “devedor”, o país tornou-se exportador de capitais ao exterior, com uma significativa transferência líquida anual de recursos, conforme demonstra o gráfico seguinte.

 

Tal circunstância levou o país a algumas suspensões temporárias de pagamento das obrigações com o exterior, embora grandes somas tenham sido destinadas diretamente aos credores por ocasião dos empréstimos assumidos pelo Banco Central junto aos bancos privados internacionais, quando foram firmados acordos denominados de “Dinheiro Novo”, conforme CGA-1983 e CGA-1984 (Acordo de Crédito e Garantia de 1983 e 1984[20]).

 

As significativas transferências de recursos por parte do Brasil ao exterior são retratadas no gráfico a seguir, elaborado com base nos dados fornecidos pelo Banco Central à CPI:

 

 

Gráfico – Transferências líquidas relativas à dívida externa total

Fonte: Dados do Banco Central – Nota Técnica DEPEC – 2009/248.

Nota: Transferência líquida = Empréstimos recebidos – Amortizações – Juros pagos e refinanciados + líquido de curto prazo. A metodologia utilizada pelo BACEN excluiu empréstimos inter-companhias.

 

Costuma-se, injustamente, destacar as moratórias técnicas[21] a que o país precisou recorrer no período analisado (1983 a 1992), sem, contudo, ressaltar a impressionante transferência líquida de capitais ocorrida no mesmo período, conforme evidenciado no gráfico acima, período em que o chamado “dinheiro novo” não significou novo recurso para investimento no país, mas apenas nova dívida contraída para liquidar compromissos anteriores.

 

Cabe ressaltar também que a maior parte da dívida externa correspondia a dívida contratada com bancos privados (“Empréstimos em Moeda”), como evidenciado no gráfico a seguir, construído com dados extraídos dos Relatórios anuais publicados pelo Banco Central.

 

 

Dívida Externa Registrada no Banco Central – US$ milhões – 1969 a 1994

Fonte: Relatórios Anuais do Banco Central disponibilizados à CPI da Dívida.

 

O gráfico permite visualizar nitidamente que, a partir do início da década de 90, iniciou-se o processo de substituição da dívida contratual por bônus (operações indicadas em azul no gráfico), com o lançamento do IDU Bonds e BIB. Em 1994 essa dívida foi transformada nos bônus Brady[22].

 

O mesmo gráfico também evidencia que não houve redução na dívida externa total quando da negociação nos moldes do Plano Brady, em 1994, mas apenas a substituição de uma dívida por outra.

A principal limitação das investigações da operação se deveu à falta de acesso às conciliações dessa transformação, como se descreve a seguir.

 

III.1.2 –  OUTRAS LIMITAÇÕES À INVESTIGAÇÃO DO PLANO BRADY[23]

A presente análise ficou significativamente prejudicada diante da ausência de resposta, por parte do Banco Central, ao item II do Requerimento de Informações nº. 56/09 da CPI da Dívida Pública, que solicitava as seguintes informações preliminares sobre a conversão de parte da dívida externa brasileira nos moldes do Plano Brady:

 

“II – Relativamente às negociações do governo brasileiro com os bancos privados, que resultaram na emissão dos “Brady”, se requer:

 

  1. a) Cópia completa do documento original em língua estrangeira e cópia da respectiva tradução das CONCILIAÇÕES:

 

A1) de dívidas anteriores que foram “transformadas” nos vários tipos de bônus que integraram o Plano Brady.

 

A2) dos montantes distribuídos correspondentes a cada instituição credora conforme previsto nos contratos, a cargo do DEDIV, do Banco Central.

 

  1. b) Memória de Cálculo e respectivos detalhes das dívidas consolidadas e reconciliadas que foram consideradas passíveis de conversão nos termos do referido acordo, indicando na forma abaixo:

 

 

Nome do acordo existente (dívida anterior) Valor contratado Detalhe dos valores pagos a título de amortização e juros desde a data do Acordo até a sua conversão em Brady Valor consolidado Pendente de pagamento (discriminar amortização e juros pendentes) Outros valores computados para conversão em Brady Valor transformado em Brady Tipo de Brady emitido, indicando o valor do mesmo
             
             
             

 

 

 

  1. c) Detalhe das garantias adquiridas pelo governo brasileiro em cumprimento ao estabelecido nos contratos firmados no âmbito do Plano Brady, informando na forma abaixo:

 

 

Tipo e valor do bônus Brady vinculado à garantia Valor da garantia Data de compra da garantia Tipo de bônus comprado como garantia, especificando o rendimento obtido pelo mesmo e a data de vencimento Fonte de financiamento par a aquisição da respectiva garantia, indicando os empréstimos tomados e respectivos valores e demais condições Parcela das garantias depositadas nas reservas internacionais do país
           
           
           
           

 

  1. d) Relativamente ao Plano Brady, apresentar listagem das opções exercidas pelos respectivos credores da dívida externa brasileira, quando da conversão nos respectivos tipos de Bônus Brady. Apresentar cópias ilustrativas dos telex de compromisso (Commitment Telex) enviados pelos credores relativos à referida conversão.

 

  1. e) Apresentar cópia do estudo elaborado pelo Departamento da Dívida Externa do Banco Central – DEDIV – acerca da conveniência de se antecipar a entrega das garantias, para 1995.

 

  1. f) Apresentar extratos referentes ao controle das referidas garantias (tanto das garantias conformadas em títulos ou bônus como em parte das reservas) ao longo dos anos até sua referida utilização, discriminando os saques efetuados e a referida destinação dos recursos.

 

  1. g) Informar se foram efetuados os registros previstos na Lei de Valores de 1933, referentes aos diversos tipos de Bônus emitidos no âmbito do Plano Brady. Em caso negativo, informar a qual registro foram submetidos tais bônus.”

 

O Banco Central enviou à CPI o Ofício 938.1/2009/BCB-Secre juntamente com Nota Derin/Gabin-2009/154, de 13/11/2009, “solicitando prazo adicional de 60 dias para as avaliações supramencionadas.”

Posteriormente, relativamente a esse mesmo pedido de informações sobre as conciliações da troca da dívida antiga pelos bônus Brady, em 10/12/2009[24], informou o Banco Central à CPI que “as informações solicitadas no item II são de grande complexidade e exigem atenta pesquisa da documentação, além de avaliação a ser feita pela área de informática sobre a viabilidade de se reativar os sistemas utilizados para esta negociação. Para sua resposta, faz-se necessária criteriosa pesquisa nos documentos e entendimento de seu teor, corroborando a necessidade do prazo adicional de 60 dias.”

 

A CPI concedeu prazo adicional de 15 dias para o atendimento do solicitado[25].

 

O Banco Central voltou a ratificar[26] a necessidade de prazo adicional, informando que “até o momento, a unidade de informática deste Bacen está avaliando a possibilidade de reativação dos sistemas e ainda não concluiu sua análise.

 

Posteriormente, foi aprovado o Requerimento de Informações Nº. 72[27], cujo item 2 requereu:

“Conciliação entre os valores da dívida externa brasileira discriminada por devedor e credor antes e após cada “renegociação” objeto de cada Acordo resultante das negociações da dívida externa com bancos privados internacionais em 1983 (Fase I), 1984 (Fase II), 1986 (Fase III), 1988 (Fase IV), 1992 e 1994 (Fase V).”

 

Em atendimento ao referido requerimento 72, o Banco Central enviou à CPI[28] o esclarecimento transcrito a seguir:

 

  • “Quanto ao item “2”, cumpre-nos tecer algumas considerações quanto ao processo de conciliação e renegociação da dívida externa brasileira. Durante o período, como os devedores originais estavam impossibilitados de efetuar o pagamento diretamente aos credores externos, foi estabelecido que, na data do vencimento da obrigação, os devedores deveriam procurar instituição financeira e fechar um contrato de câmbio simbólico. O valor da moeda nacional era então transferido pra este Banco Central, mantendo todas as informações da dívida em um programa desenvolvido para tanto pelo Departamento da Informática desta Autarquia, a saber: credor original; valor devido de principal e juros (dívida original); vencimento; “value-date” (data em que o devedor efetuava o pagamento no banco); número do Certificado de Registro; identificação de se tratar de operação com aval ou não do governo.
  • De forma geral, após a definição de qual período seria renegociado, o banco agente da operação encaminhava uma lista contendo nome do credor e devedor original, vencimento e o número de Certificado de Registro. De posse da lista do credor, iniciava-se o processo de conciliação, ou seja, fazia-se uma comparação entre aquela lista e o valor depositado no Banco Central sob cada Certificado de Registro. As divergências entre as listas eram resolvidas consultando-se o esquema de pagamento detalhado no Certificado de Registro. Eventuais discrepâncias eram informadas ao credor ou ao devedor, conforme o caso, para que fossem realizadas as correções pertinentes, sempre com base nos dados do Certificado de Registro, documento acreditado por ambas as partes.
  • Ao término desse processo de conciliação, que era manual, chegava-se ao valor final e o acordo bilateral era assinado, cujas cópias disponíveis neste Banco Central já foram encaminhadas à CPI através das Notas Técnicas Derin/Gabin – 2009/121, de 23.09.09; 2009/138, de 07.10.09; 2009/139, de 09.10.09; 2009/143, de 19.10.09 e 19.10.09 e 2009/149, de 29.10.09. Os valores constantes dos contratos assinados, portanto, já eram os valores conciliados e a conciliação manual não era guardada”.

 

 

O Ministério da Fazenda limitou-se a enviar à CPI[29] cópia da mesma Nota do Banco Central, supra mencionada.

 

 

Considerando que tal explicação não atendeu ao solicitado pela CPI, foi reiterado o pedido[30], nos seguintes termos:

“Neste sentido, considerando que o Banco Central assumiu o papel de devedor e que o Ministério da Fazenda representava a República como garantidor nos Acordos firmados com bancos privados internacionais nas respectivas Fases de negociação, reitero o pedido de informações, solicitando que o Banco Central [e o Ministério da Fazenda] disponibilize a apresentação das conciliações dos valores objeto das mencionadas negociações (ainda que manuais), especialmente dos Acordos de Crédito de 1983 (US$ 4,4 bilhões), de 1984 (US$ 6,5 bilhões), Multi-Year Deposit Facility Agreement (US$ 61 bilhões), em 1988, e da transformação em títulos objeto do Plano Brady em 1994.”

 

Em resposta, o Banco Central enviou à CPI[31] os seguintes esclarecimentos (O Ministério da Fazenda enviou à CPI [32] tão somente cópia de Nota produzida pelo Banco Central):

 

  1. “Sobre o Ofício nº. 152/10-P – Item 2.II – em aditamento às informações prestadas na citada Nota-Derin/Gabin-2009/172, informo que os trabalhos de conciliação de dívida, com vistas ao fechamento dos números sob os diversos contratos, em suas fases distintas de renegociação, exigiram a atuação do Banco Agente – Citibank-NY – e deste Bacen como intermediários do processo. De um lado, o Bacen, na qualidade de órgão depositário e representante dos devedores, e de outro o Citibank, como representante dos credores.
  2. As divergências objeto de conciliação eram, na sua maioria, oriundas de aplicação diversa, pelo devedor e credor correspondente, de data de vencimento de uma operação (parcela de principal ou de juros), também ocorrendo por diferença de taxas, erro de cálculo, alteração de credores (que negociavam seus ativos entre si no mercado secundário), mudança de moeda, etc.
  3. As informações relativas a cada operação (identificação do credor, certificado de registro, vencimento, data de depósito, moeda, valor), enviadas a este Bacen pelos devedores, eram inseridas em sistemas informatizados, enquanto o Banco Agente, de sua parte, adotava idêntico procedimento, coletando os dados fornecidos pelos credores. O cruzamento desses arquivos apontava as discrepâncias, gerando análises e procedimentos de verificação de dados e documentos, até se alcançar a conformidade por cada credor e devedor.
  4. Na década de 80, período mais crítico do endividamento, devido à crescente inadimplência por parte dos mutuários e às moratórias decretadas pelo País, os processos de conciliação exigiram a estruturação de grupos de trabalho constituídos por dezenas de especialistas, tanto neste Bacen quanto no Citibank-NY. Toda comunicação se dava por troca de mensagens via fax e telex. O fechamento dos números, ao longo desse processo que durou mais de uma década, produziu um volume imensurável de documento, dos quais grande parte perdeu qualidade de legalidade.
  5. A tempestividade exigida para conciliação da dívida sob os diversos contratos e a própria dinâmica do mercado e do processo de conciliação não permitiram a consolidação em números estanques antes da assinatura de cada acordo. Os números constantes dos CRs e ROFs representam as dívidas conciliadas e contratadas segundo os termos de cada renegociação.
  6. Sobre esse assunto, ratificamos, portanto, as informações prestadas na citada Nota-Derin/Gabin-2009/172, mormente o constante do seu item 5: ‘Ao término desse processo de conciliação, que era manual, chegava-se ao valor final e o acordo bilateral era assinado, cujas cópias disponíveis neste Banco Central já foram encaminhadas à CPI através das Notas Técnicas Derin/Gabin – 2009/121, de 23.09.09; 2009/138, de 07.10.09; 2009/139, de 09.10.09; 2009/143, de 19.10.09 e 2009/149, de 29.10.09. Os valores constantes dos contratos assinados, portanto, já eram os valores conciliados e a conciliação manual não era guardada’.”

 

São evidentes as contradições entre as afirmações contidas na Nota  Derin/Gabin-2010/006 supra, ou seja:

 

  • no parágrafo 7 se afirmou que não era possível “a consolidação em números estanques antes da assinatura de cada acordo” e no parágrafo 8 se afirmou que “os valores constantes dos contratos assinados , portanto, já eram os valores conciliados”;

 

  • no parágrafo 5 se afirmou que “As informações relativas a cada operação (identificação do credor, certificado de registro, vencimento, data de depósito, moeda, valor), enviadas a este BCB pelos devedores, eram inseridas em sistemas informatizadose que o “cruzamento desses arquivos apontava as discrepâncias, gerando análises e procedimentos de verificação de dados e documentos, até se alcançar a conformidade por cada credor e devedor” enquanto que no parágrafo 5 do Ofício anterior e 10 supra se afirmou que “Ao término desse processo de conciliação, que era manual, chegava-se ao valor final” e que “a conciliação manual não era guardada’.”

 

  • Em Ofício anteriormente enviado à CPI[33] o Banco Central havia informado que “até o momento, a unidade de informática deste Bacen está avaliando a possibilidade de reativação dos sistemas e ainda não concluiu sua análise.

 

A referida resposta demonstra uma deficiência de controle interno do Banco Central em relação aos registros referentes às vultosas negociações da dívida externa com bancos privados ocorridas na década de 80 e que depois foram transformadas em bônus Brady.

 

É relevante o fato de o Banco Central não possuir arquivos acessíveis de operação de troca de dívida externa que se encontrava a seu próprio cargo, especialmente considerando que essa troca envolveu montante superior a US$ 43 bilhões, além da compra de garantias colaterais superiores a US$ 3,8 bilhões, o que denota grave falha de controle interno.

 

Relativamente ao pedido de cópia do estudo elaborado pelo Departamento da Dívida Externa do Banco Central – DEDIV – acerca da conveniência de se antecipar a entrega das garantias, para 1995 informou o Banco Central, em 10/12/2009, que “pesquisas estão em andamento para a busca de tal estudo”.

 

Outra limitação importante foi a ausência de detalhamento das dívidas privadas que foram convertidas em dívida pública por ocasião dos acordos celebrados na década de 80 com os bancos privados, tendo em vista que o Banco Central se limitou a prestar[34] à CPI as seguintes informações, com a sugestão de constituição de grupo de trabalho:

 

“Com referência ao Ofício nº. 162/10-P, informo que as parcelas de dívida externa privada que foram transformadas em dívida pública a cargo deste BCB são aquelas que permaneceram em depósito sob o Acordo MYDFA e foram trocadas por bônus em abril de 1994. Dado o tempo decorrido e dificuldades já descritas em notas anteriores, não há como realizar, no curto prazo, pesquisa para identificar as milhares de parcelas em suas diferentes moedas, que foram convertidas em bônus. Ademais, os dados estão registrados em sistemas informatizados que já foram desativados, cuja operação é complexa e para a qual esta Autarquia não dispõe de especialistas com os conhecimentos necessários. Haveria que se constituir grupo de trabalho para se estudar os termos dos contratos e a seguir proceder à pesquisa, tarefa que não é possível desenvolver com os atuais recursos da Unidade.”  

 

Dada a relevância do fato de que dívidas privadas foram transformadas em dívida a cargo do BCB, e considerando os montantes envolvidos no Acordo MYDFA (US$ 61 bilhões) e na troca por bônus em abril de 1994 (quase US$ 50 bilhões), de fato é necessário constituir o grupo de trabalho sugerido pelo Banco Central.

 

 

Cumpre ressaltar ainda que não foram enviados alguns contratos de fundamental importância para as investigações da operação de troca:

  • Collateral Pledge Agreements, relativos aos contratos das garantias exigidas na negociação para o principal e juros dos Bônus PAR e DISCOUNT e para os juros dos Bônus FLIRB, entregue à CPI somente no dia 10/12/2009 a minuta do mesmo em inglês. Consta uma folha com assinaturas, sem data, cujo tipo de letra e de impressão difere completamente das demais folhas da minuta enviada à CPI;
  • Phase-In Bonds, referente ao contrato dos bônus temporários até a conversão das opções dos credores pelo Discount Bonds;
  • C-Bonds[35], referente ao contrato dos bônus que permitiam a capitalização de juros, e que foram posteriormente trocados, em 2005, por títulos A-Bond.

 

Mediante Ofício 53/09-P, de 21.10.2009, a CPI reiterou a solicitação dos referidos contratos, tendo o Banco Central respondido[36] que “ainda não foram concluídas as pesquisas para localização desse documento”.

 

A CPI solicitou ao Senado Federal[37] os documentos previstos no artigo 16 da Resolução do Senado nº. 98/92, que autorizou a reestruturação da dívida nos moldes do Plano Brady, que previa o envio, pelo Poder Executivo, de “comunicação ao Senado Federal informando a participação relativa das diversas fontes de financiamento das garantias iniciais (initial collateral) e submetendo a distribuição consolidada das opções definitivas aos credores.

 

O Senado encaminhou à CPI o Ofício nº. 2649/2009-SF, juntamente com a documentação relativa à aprovação da Resolução nº. 90, de 04.11.1993, especialmente a Exposição de Motivos nº. 332/MF, do então ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, recebida no Senado Federal em 15.10.1993[38].

 

Constou da referida E.M. 332/MF, datada de 8 de outubro de 1993[39], a seguinte distribuição genérica, porém, ainda não definitiva, como ressaltado no item 4 do mesmo documento:

 

“Distribuição das Escolhas dos Bancos Credores Pelas Seis Opções do Menu Brasileiro Para Permuta do Principal da Dívida Externa do Setor Público.

  1. Em 8 de outubro de 1993, credores estrangeiros detentores de 95,11% do valor da dívida objeto do acordo haviam encaminhado ao Banco Central suas opções pelos instrumentos do menu brasileiro de permuta de dívida antiga. Nesta data, após a realização dos ajustes acordados entre o Brasil e o Comitê Assessor de Bancos, a distribuição das opções apresentou-se como segue: 33,16% para o Bônus ao Par, 35,00% para o Bônus de Desconto, 5,41% para o Bônus de Redução Temporária de Juros, 26,56% para o Bônus de Redução Temporária com Juros de Capitalização, 5,77% para o Bônus de Conversão de Dívida e 0,00% para a Opção de Reestruturação. Para as agências de bancos brasileiros no exterior, a distribuição das opções foi: 4,21% para o Bônus de Redução Temporária de Juros com Capitalização e 95,79% para o Bônus de Conversão de Dívida.”

 

Apesar de terem sido informadas as opções de forma estimada, em momento algum foi proporcionada ao Senado – nem à CPI – a conciliação detalhada das dívidas antigas com os novos bônus emitidos, o que significou grande limitação aos trabalhos de investigação por parte da CPI, razão pela qual sugerimos a continuidade dos trabalhos de investigação por parte do Ministério Público. É essencial detalhar a natureza das dívidas objeto de conversão, discriminando-se as parcelas referentes a “principal” – discriminando-se adicionalmente a origem de dívidas do setor público e do setor privado – bem como as parcelas provenientes de “juros” que foram convertidas em bônus, o que configura Anatocismo explícito, proibido pela legislação brasileira. Há que verificar, adicionalmente, se não teriam sido renegociadas dívidas que já poderiam estar prescritas, como já mencionado.

 

A mesma E.M. 332/MF destacava que “o acordo sobre a dívida externa de médio e longo prazo do setor público acarretará benefícios para o Brasil que vão além da redução do estoque da dívida” (…) “alívio do fluxo de caixa do setor externo, proteção contra flutuação de taxas de juros no mercado internacional, financiamento escalonado das garantias, possibilidade de redução da dívida mediante conversão dos bônus no processo de privatizações, redução do ‘risco Brasil’, com conseqüente diminuição dos spreads cobrados sobre débitos brasileiros e maior flexibilidade na administração do passivo externo por meio de operações de mercado.

 

Tais assertivas não se verificaram na prática, como se analisa no presente capítulo, pois logo após a conversão da dívida houve aumento dos pagamentos ao exterior; a entrega de garantias colaterais foi antecipada, e não houve a devida transparência em relação à aplicação e administração dessas onerosas garantias[40]; o desconto anunciado pelo governo foi simplesmente aparente, pois não se considerou o baixo valor de mercado da dívida; o montante registrado no Passivo do Banco Central (US$ 27,6 bilhões) era bem inferior ao valor da dívida convertida, dentre outros aspectos analisados a seguir.

 

Tendo em vista que, por ocasião da emissão dos bônus Brady, a dívida externa brasileira se encontrava registrada no passivo do Banco Central (que assumiu o papel de devedor nos acordos com bancos privados internacionais decorrentes das fases I a IV realizadas na década de 80[41]) e que, em fevereiro de 2006, o Tesouro procedeu ao resgate antecipado de US$ 6,64 bilhões de bônus Brady, o mesmo Requerimento de Informações nº. 56/09 da CPI, foi dirigido ao Ministro da Fazenda que, por meio do Aviso nº. 421, de 13/11/2009, limitou-se a juntar cópia da Nota Derin/Gabin-2009/154 elaborada pelo Banco Central, que já havia sido encaminhada à CPI por aquela autarquia.

 

Dessa forma, nem o Banco Central nem o Ministério da Fazenda prestaram à CPI as informações acerca da conciliação de valores que fizeram parte da emissão de bônus da dívida externa em 1994, operação que envolveu cerca de US$ 50 bilhões em bônus e compra de garantias colaterais.

 

Constata-se assim, a ausência de diversas informações essenciais acerca da operação de transformação da dívida externa nos moldes do Plano Brady, o que demanda o aprofundamento das investigações, tendo em vista a repercussão dessa negociação tanto na evolução da dívida externa como interna, como se analisa a seguir.

 

            Diante do exposto, a presente análise preliminar se restringiu aos documentos a que a CPI teve acesso, no curto espaço de tempo destinado à investigação e marcado por tantas limitações, como explicado na Introdução à presente análise.

 

 

III.1.3 – ATUAÇÃO DA COMISSÃO NEGOCIADORA BRASILEIRA

 

A Comissão Negociadora Brasileira da dívida externa era comandada por Pedro Sampaio Malan, na função de negociador-chefe para assunto de dívida externa[42] a partir de 1991. A mesma era composta por dezenas de integrantes[43], destacando-se Armínio Fraga Neto, que presidia o Banco Central, e Murilo Portugal Filho, secretário do Tesouro, tendo ambos comparecido à CPI da Dívida Pública.

 

É importante ressaltar que a comissão negociadora do Plano Brady para o Brasil não levou em consideração as ilegalidades e ilegitimidades apontadas pelas três Comissões no Congresso Nacional que analisaram o tema do endividamento externo brasileiro na década de 80.

 

Esse fato foi objeto de pergunta feita pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP), durante audiência pública da CPI realizada em 18 de novembro de 2009, ao ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga Neto, que foi membro da comissão negociadora da conversão da dívida nos moldes do Plano Brady:

 

O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE (…) Então, a primeira questão que faço ao Armínio Fraga, como participante do Banco Central, é a seguinte. Consta de registros do Banco Central que o senhor participou da comissão que renegociou a dívida externa com bancos privados, que resultou no Plano Brady. Consta que em 1992 o Brasil teria firmado alguns contratos referentes a essa negociação. O Banco Central ainda não localizou esses contratos que envolveriam negociações superiores a 50 bilhões de dólares. Estamos fazendo esse requerimento de informações e eles não nos passam. Eu queria saber se o senhor tem informações sobre isso. Houve a assinatura de algum contrato em 1992, onde se realizou esse pacto e, se houve uma renúncia, que tipo de renúncia foi feita naquela ocasião em relação a esses acordos firmados em 1992 no Banco Central, relativos ao Plano Brady?

A outra pergunta é: por que na negociação com os bancos não foram consideradas as ilegalidades do endividamento que haviam sido denunciadas em 3 Comissões do Congresso Nacional que aqui nesta Casa enfrentaram o endividamento com os bancos privados? Uma delas refere-se a uma coisa extremamente grave, que é o impacto da elevação unilateral dos juros. Quer dizer, contratos que foram feitos à base de juros flutuantes. Segundo, dívida de juros sobre juros, que recebe o nome de anatocismo. Mas poderíamos chamar isso de usura. É o termo mais claro e conhecido. Que eu saiba é proibido. Terceiro, cláusulas ilegais que feriram a soberania nacional e a corresponsabilidade dos credores que nunca foi cobrada. Por que na negociação com os bancos não foram consideradas essas ilegalidades do endividamento apontadas por comissões do Congresso Nacional?

Ou seja, essa negociação é feita como se nada tivesse acontecido de ilegal em todo o processo. Eu entendo que esta CPI deve investigar isso e dar uma resposta e uma solução para o endividamento ilegal, que vem da dívida externa brasileira e depois é assimilado e passa para a dívida interna brasileira.

Outra questão, Armínio Fraga. Durante sua gestão à frente do Banco Central houve várias emissões de títulos da dívida externa brasileira no exterior por meio de agentes. Nós fizemos uma pesquisa aqui e vimos que tais títulos não eram registrados, inclusive por informações vindas do Banco Central, no órgão americano correspondente à Comissão de Valores Mobiliários, a SEC –– V.Exa. deve conhecer melhor do que eu essas questões ––, como prevê a lei de valores dos Estados Unidos, parece-me pós-crise de 1929, que é de 1933. O contrato permitia operações adicionais da chamada over a lot — traduzindo, emissão adicional de papéis —, tendo o título da dívida brasileira como lastro, sem qualquer limite, ficando tais operações inteiramente a cargo do agente no exterior.

A minha pergunta é: qual é a relação entre as operações adicionais de over a lot e o incontrolável mercado de derivativos, que são, como vimos, causadores de monumentais impactos agora na crise econômica? Os títulos da dívida brasileira estão servindo de lastro para operações sobre as quais o Brasil não exerce controle algum? É disso que se trata esse tipo de operação?

 

O SR. ARMÍNIO FRAGA (…) Com relação aos contratos de 1992, na verdade a negociação foi concluída, mas os contratos demoraram bastante a serem assinados. Agora, eles existem, e me surpreende que esses contratos não estejam disponíveis. Eles existem e eu acho que eles estão disponíveis. A dívida é dívida do Tesouro. Eu suponho que isso não esteja na mão do Banco Central, mas isso… É provável que o Banco Central tenha cópia também.

               Agora, os contratos, na prática, foram contratos de redução de dívida. Foi todo o exercício do Plano Brady. Era uma redução da nossa dívida, que ocorreu.  E o que se emitiu foram bônus. Quer dizer, foram sete, se não me engano, instrumentos de dívida, que eu acho que até é público. Os instrumentos da emissão são esses títulos com vários prazos diferentes, com certas garantias e tudo mais. Mas, enfim, eu não tenho… Os contratos foram assinados inclusive depois. Eu era Diretor do Banco Central à época, saí em novembro de 2002. Até a minha saída, eles não tinham sido assinados. Alguma coisa do Clube de Paris se assinou, também foi renegociado, também com desconto, mas os contratos do Plano Brady foram assinados depois. Mas isso é independente; mesmo que tivessem sido assinados na minha época, obviamente eu não teria acesso ao material. Mas existe, isso eu tenho certeza de que existe.

               A sua pergunta: por que não foram consideradas as ilegalidades, como contratos com juro flutuante, anatocismo, corresponsabilidade dos credores? Eu penso que, até onde o Governo entendia à época, a avaliação era de que não havia… Há uma discordância, o Governo não acredita que esses contratos eram ilegais. O que veio de juro sobre juro, que nós conseguimos reduzir muito na negociação, foi quando nós paramos de pagar; aí houve uma negociação sobre o juro atrasado, sim, que a meu ver foi amplamente favorável ao Brasil, porque nós conseguimos uma baita de uma redução, maior até do que do principal em alguns casos, mas eu não me lembro dos números exatos. Já se vão aí quase 18 anos, é muito detalhe. Foi uma negociação extremamente complexa, mas os dados existem também.

               E a corresponsabilidade dos credores, ela de alguma forma foi levada em conta, porque eles deram um desconto — um desconto até bom, eu achei, na época. Na época, a gente brigava para conseguir mais, mas depois, quando acabou, me parecia — enfim, não estou querendo elogiar uma negociação da qual eu fiz parte —, mas eu achei que foi um desconto satisfatório.

               Quanto à emissão de bônus externos sem registro na SEC e também com essas regras de sobrealocação e a relação com derivativos. O tipo de título que nós emitimos, acho que não era uma emissão para o público pequeno. Então eu posso estar falando aqui algo que não seja totalmente preciso, mas uma resposta iria a algo na linha — aí eu vou me permitir, prefiro não falar do que não falar, espero que V.Exa. me dê esse espaço. Assim, que eu me lembre, era isso: não eram títulos que precisariam ser registrados na SEC porque eles não foram distribuídos para o público, esses todos que foram emitidos aí ao longo do tempo, pelo tamanho de cada título individual.

E a questão da alocação, é uma praxe no mercado se reservar um espaço. Isso ocorre nas emissões de ações também. Nas emissões de ações, eles chamam, em inglês, de “sapato verde”. Já devem ter escutado essa expressão.

O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE – Está falando dos adicionais, é isso?

O SR. ARMÍNIO FRAGA  – É, os adicionais, que é o tal do overallotment. É praxe de mercado também um pouquinho a mais; se o mercado estiver quente, aproveita-se e faz-se a emissão.

Quanto à relação com derivativos, se os títulos servem de lastro para derivativos, eles servem sim. Existe um mercado muito ativo, muito complicado, cheio de problemas, que é o mercado que chamam de swap de default, que são, no fundo, contratos de seguro; é o que eles são na prática, um seguro contra uma moratória de um emissor, tanto privado quanto público. E são mercados muito pouco transparentes e que usam sim como lastro títulos do emissor. Então, quando é um mercado que funciona, vamos dizer, como um seguro contra um default de um país, esses contratos em geral fazem referência a títulos emitidos pelo próprio país. E é realmente um mercado extremamente complexo, mas…

O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE – Mas isso não é uma gestão temerária, operar com essas questões, dando como lastro?

O SR. ARMÍNIO FRAGA – Isso tudo acontece… Por exemplo, no caso da nossa dívida externa, é um mercado que acontece fora do Brasil, nos grandes centros financeiros, e que em alguns casos se mostrou bastante complicada, sem dúvida. E existe um movimento hoje no mundo na direção de se trazer para mercados organizados, centralizados e transparentes, que são as bolsas. Eu hoje presido o Conselho de Administração da nossa Bolsa no Brasil e acho que esse é um movimento que está ganhando força nos formuladores de política. Eu fiz parte dessa discussão enquanto Governo, inclusive na reforma do sistema de pagamentos que nós fizemos aqui no Brasil — também me desculpem por me gabar, mas foi um grande avanço, porque todo banco que quebrava acabava ficando na conta do Governo, na conta da viúva, com o sistema de pagamento que nós tínhamos. Isso não é mais assim.

Nós também introduzimos nessa lei, que foi uma lei de 2001, a autorização… Criamos autoridade para que o Banco Central do Brasil fiscalize, sim, todas as clearings, que são onde esses mercados futuros e outros derivativos, aqui no Brasil, tendem a acontecer. Aqui no Brasil, ao contrário do que acontece lá fora, boa parte dessas negociações ocorrem na Bolsa, o que eu penso que é positivo. Não é uma garantia a prova de bala, porque a própria Bolsa tem que ser muito bem administrada, porque, se houver problemas com ela, como quase aconteceu no início de 1999, isso também pode trazer risco sistêmico. Daí a nossa preocupação, do Banco Central, em pedir ao Congresso esse poder que o Congresso nos deu. Então, eu acho que tudo aqui está mais ou menos nos caminhos.

Agora, realmente, a questão do mercado de derivativos… Eu não acho que eles devam ser demonizados, mas com certeza muita coisa aconteceu durante essa crise, que está fazendo muita gente pensar na utilidade disso, nos riscos, no espaço para manipulação, e assim por diante.

 

Depreende-se, do depoimento do Sr. Armínio Fraga à CPI, que simplesmente havia uma “discordância” em relação às ilegalidades apontadas pelo Congresso Nacional, por ocasião das Comissões anteriores[44], razão pela qual sugerimos o aprofundamento das investigações e análise jurídica por parte do Ministério Público, pois tais ilegalidades não foram levadas em consideração pela comissão negociadora da dívida externa.

 

 

III.1.4 – AUSÊNCIA DE CONTRATOS ASSINADOS

 

Cumpre ressaltar que a afirmação do Sr. Armínio Fraga, em seu depoimento à CPI, acerca da demora em firmar os contratos do Plano Brady, que “até novembro de 2002” não haviam sido firmados, significa que à época da emissão dos bônus sequer havia contrato firmado, o que enseja um forte indício de ilegalidade, razão pela qual sugerimos o aprofundamento das investigações por parte do Ministério Público.

 

 

III.1.5 – AUSÊNCIA DE REGISTRO NA SEC – DESCUMPRIMENTO DE FORMALIDADES LEGAIS

 

Os bônus emitidos no âmbito do Plano Brady foram emitidos com restrições de venda, não podendo ser listados em qualquer Bolsa de Valores, nem anunciados ou ofertados publicamente nos Estados Unidos ou outras bolsas regulares, embora a legislação que regia os acordos de tais bônus fossem as leis de Nova Iorque.

 

A razão para tal restrição decorreu do fato de tais títulos não atenderam aos requisitos da Lei de Valores de 1933[45], pois não foram ofertados ao público em geral, tendo ocorrido tão somente uma troca direta, na qual os ‘bancos’ detentores de alguma parte da dívida externa brasileira receberam, de acordo com a opção escolhida, os novos bônus.

 

Ou seja, não houve uma colocação ou oferta pública de títulos, como exige a Lei de Valores para títulos emitidos por países, mas tratou-se de uma troca previamente combinada, nos moldes de uma oferta privada, aspecto cuja investigação deve ser aprofundada.

 

Diante dessas restrições, a operação foi realizada em Luxemburgo, sob as Casas de Compensação Euroclear e Cedel, pois tais emissões não poderiam se dar em Bolsas de Valores dos Estados Unidos ou outras bolsas regulares de outros países.

 

 

Adicionalmente, em razão de se tratar de uma oferta “Privada”, os bônus emitidos pelo Brasil no âmbito do Plano Brady não puderam ser registrados na SEC[46], o que constitui uma flagrante irregularidade.

 

Tais aspectos não foram mencionados no Parecer da Procuradoria da Fazenda Nacional PGFN/COF Nº.1.197/93[47], que chegou a expressar que “Os títulos serão emitidos, simultaneamente, no dia da permuta, nos Estados Unidos da América, destinados aos compradores classificados como domésticos, para fins da legislação americana que rege a matéria (Security Law), e não domiciliados, desde que se enquadrem nos requisitos legais e em outro país, provavelmente Inglaterra, para os demais compradores.”

 

Na realidade, embora a lei regente dos contratos do Plano Brady fosse as leis de Nova Iorque, tais contratos não cumpriam a Lei de Valores daquele país, por isso a negociação se deu em Luxemburgo, conhecido paraíso fiscal, e não nos Estados Unidos.

 

Essa investigação merece ser aprofundada pelo Ministério Público em todos os seus aspectos – financeiros, jurídicos e legais – dado o exíguo prazo de funcionamento da CPI e expressivas limitações de acesso aos documentos.

 

Segundo relato da ex chefe-adjunta do Departamento de Dívida Externa do Banco Central[48], em seu livro, os credores manifestaram sua adesão ao plano por meio de um telex de compromisso (commitment telex), por meio do qual optaram e indicaram o tratamento ao qual desejariam ver convertida sua parcela de créditos da dívida pública, indicando uma opção A (Bônus Par) ou opção B (Bônus Discount), que eram os bônus que contavam com 100% de garantia de capital principal e garantia de um ano para os juros. Portanto, não tendo sido uma oferta pública, não foram atendidos os requisitos mínimos para o registro na SEC. A CPI requereu ao Banco Central e ao Ministério da Fazenda cópia dos referidos telex, não tendo tal requerimento sido atendido[49].

 

De fato, os bônus “Brady” foram emitidos com uma série de restrições, conforme consta das traduções dos contratos disponibilizados à CPI:

 

“ARTIGO III

RESTRIÇÕES ÀS TRANSFERÊNCIAS: BÔNUS GLOBAIS CONTAS VINCULADAS

SEÇÃO 3.01. Restrições Gerais a Transferências, etc. (a) Cada Adquirente reconhece que os Bônus não foram e não serão registrados nos termos da Lei de 1993.”

 

Importante observar que a Lei Regente dos contratos era a de Nova Iorque:

 

“SEÇÃO 9.18 – LEI REGENTE, ETC . ESTE ACORDO SERÁ REGIDO POR E INTERPRETADO EM CONFORMIDADE COM AS LEIS DE NOVA YORK, ESTADOS UNIDOS.”

 

Dos formatos dos bônus constantes das cópias dos contratos enviados à CPI consta, textualmente:

“QUALQUER PESSOA DOS ESTADOS UNIDOS (CONFORME DEFINIDA NO CÓDIGO DE RECEITA FEDERAL DOS ESTADOS UNIDOS) QUE DETENHA ESTA OBRIGAÇÃO ESTARÁ SUJEITA A LIMITAÇÕES NOS TERMOS DAS LEIS DE IMPOSTO DE RENDA DOS ESTADOS UNIDOS, INCLUINDO AS LIMITAÇÕES DETERMINADAS NAS SEÇÕES 165(j) E 1287 (a) DO CÓDIGO DA RECEITA FEDERAL.

ESTE BÔNUS ESTÁ SUJEITO A CERTAS RESTRIÇÕES DE VENDA DETERMINADAS NO ACORDO DE ADMINISTRAÇÃO DOS BÔNUS CITADO NOS TERMOS E CONDIÇÕES NO VERSO DESTE BÔNUS.

ESTE BÔNUS NÃO PODE SER LISTADO EM QUALQUER BOLSA DE VALORES”

 

Constata-se, portanto, que embora a Lei Regente fosse a norte-americana, os bônus “Brady” emitidos não observaram a obrigação legal de registrar os bônus, tal como previsto na Lei de Valores daquele país.

 

Por essa razão, tais bônus possuíam uma série de restrições e não foram registrados na SEC, uma vez que não foram sido obedecidas as formalidades exigidas na Lei de Valores dos Estados Unidos para uma “Oferta Pública” de bônus soberanos naquele país, por isso a negociação se deu em Luxemburgo, conhecido paraíso fiscal.

As ofertas dos bônus Brady se apresentaram como uma “Colocação Privada” sob a “Regra 144 A” (que permite a venda de ações e valores não registrados de maneira privada, unicamente a compradores qualificados: QIB – Qualified Institutional Buyers) e a “Regulação S” (que proíbe qualquer esforço de venda dentro dos Estados Unidos, devendo se realizar em transações Off-Shore).

As “Colocações Privadas” que foram aplicadas às emissões dos Bônus Brady sob a “Regra 144 A” e a “Regulação S”, contêm características especiais:

  • Criam um mercado semi-privado, ao qual só podem ter acesso aqueles compradores/ vendedores qualificados como QIB (Qualified Institutional Buyers);
  • As transações levadas a cabo nesse mercado secundário especial não podem realizar-se em nenhum outro tipo de mercado primário;
  • Determinam restrições a qualquer anúncio da emissão ou venda dos bônus nos Estados Unidos.

 

Dos formatos de “Certificado” anexo aos contratos de emissão dos bônus disponibilizados à CPI constou a seguinte condição:

 

“(1) a venda de tais Bônus de Juros Elegíveis está sendo realizada em decorrência de uma transação que satisfaz as condições da Regra 904 do Regulamento S nos termos da Lei de Títulos dos Estados Unidos de 1933, com suas respectivas emendas (“Regulamento S”);

 

(2) a oferta de tais Bônus não foi feita a uma pessoa nos Estados Unidos e

            (a) à época na qual originou-se a ordem de compra, o comprador se encontrava fora dos Estados Unidos, ou o abaixo assinado ou qualquer pessoa agindo em seu nome acredita razoavelmente que o comprador se encontrasse fora dos  Estados Unidos; ou

            (b) a transação foi formalizada nas ou através das instalações da Bolsa de Valores de Luxemburgo (ou uma outra bolsa de valores identificada pela Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos com um “mercado externo de títulos designado” para os efeitos da Regra 904 do Regulamento S), e nem o abaixo assinado nem qualquer pessoa agindo em seu nome tem consciência que a referida transação foi pré-arranjada junto a um comprador nos Estados Unidos; e

 

(3) nenhum dos abaixo assinados, qualquer afiliado dos mesmos ou qualquer pessoa que aja em seu nome envolveu-se em quaisquer esforços de venda dirigida relativos à oferta e à venda de tais Bônus de Juros Elegíveis.

 

Os termos utilizados neste instrumento têm os significados que lhes foram dados pelo Regulamento S.

 

A não ser que seja definido de outra forma neste instrumento, os termos em maiúscula neste certificado são utilizados conforme definidos no Acordo de Administração dos Bônus de Juros Elegíveis datado de 29 de Novembro de 1993, entre a República Federativa do Brasil, The Chase Manhattan Bank (National Association), como Agente de Administração dos Bônus Agente de Autenticação, Agente Pagador, Agente de Registro, Agente de Transferência, Agente de Conversão e Agente de Cálculo, e o Chase Manhattan Bank Luxembourg S.A., como Agente Pagador e Agente de Transferência.”

 

Depreende-se, do texto acima transcrito, as significativas restrições impostas aos referidos bônus.

 

 

O curto período de duração da CPI não permitiu o aprofundamento das investigações acerca desse aspecto, que carrega um forte indício de ilegalidade, razão pela qual sugerimos o prosseguimento dos trabalhos de investigação por parte do Ministério Público.

 

Este constitui mais um argumento que fortalece a exigência de realização da Auditoria da Dívida prevista na Constituição Federal.

 

 

III.1.6 – VALOR DA DÍVIDA NO MERCADO SECUNDÁRIO

 

A dívida externa brasileira que se encontrava em mãos de bancos privados – e que foi objeto de conversão nos diversos tipos de Bônus Brady – vinha sendo negociada no mercado secundário há vários anos.

 

De acordo com o Tribunal de Contas da União[50], dentre os procedimentos de fiscalização e controle da dívida pública devem ser realizados procedimentos relacionados à “Valoração e Medição”, destacando-se: “Utilização de preços de mercado para verificar os valores publicados nos instrumentos de dívida pública, instrumentos de mercado monetário e derivativos.”

 

A verificação feita pelo TCU relativamente à negociação Brady limitou-se à investigação das compras de parte das garantias colaterais, não tendo sido realizados os procedimentos acima mencionados em relação à conversão da dívida externa, embora em duas decisões sejam mencionados os baixos valores de mercado da dívida externa “antiga” que foi submetida à conversão nos bônus Brady:

 

  • Decisão 156/1997 – Plenário TCU:

 

*Na verdade, os altos deságios com que eram transacionados os papéis representativos do Multi-Year Deposit Facility Agreement (MYDFA) – trocados por bônus em abril/94, ao amparo do Plano Brasileiro de Financiamento de 1992, ensejavam a realização de muitos negócios no mercado secundário de títulos da dívida, tendo sido os bancos estrangeiros, e não os brasileiros, os mais ativos nesse mercado. O quadro referido mostra a evolução da posição das agências de bancos brasileiros no exterior de 1989 até 1994, vindo os dois bancos mencionados[51] aumentando sua participação já a partir de 1990.

 

  • Decisão 275/2001 – Segunda Câmara:

 

“ZERO COUPON BOUNDS

  1. Zero Coupon Bounds são títulos do Tesouro norte-americano que não pagam juros e nem amortizações periódicas antes do seu vencimento. Dessa forma, ao comprar um título deste tipo no mercado, com vencimento para trinta anos, o comprador irá desembolsar aproximadamente 15% a 20% do valor de face do título, que só atingirá 100% do seu valor de face no seu vencimento. Isso não impede que o título seja revendido antes do seu vencimento com atualização devida.

11.1 Nos exames levados a efeito pela equipe, encontrou-se o registro, em dezembro/94, de US$ 28 milhões desses títulos, chegando a US$ 106.1 milhões em maio de 1996. Tais títulos, segundo o Relatório, referem-se, em sua maioria, a contratos de reescalonamento da dívida da República da Bolívia para com o Brasil, firmados em 15.02.90, que concediam àquele país a possibilidade de liquidação de seus débitos mediante a efetivação de operações de debt-to-debt swap (troca de débitos Brasil/Bolívia). Esse acerto consistia na troca de títulos da dívida externa brasileira (MYDFA) por títulos da dívida boliviana na proporção de um por um (1×1). Assim, a Bolívia comprava os títulos da dívida brasileira no mercado financeiro internacional, pagando até 20% do valor de face, e os trocava por títulos da dívida boliviana em poder do Brasil por 100% do seu valor de face.”

“11.2 Informa, também, a equipe que “… com a implantação do novo Plano Brasileiro de Financiamento, os títulos MYDFA foram trocados pelos papéis denominados Brady Bonds, os quais, face ao acordo com os bancos privados, não poderiam ser utilizados para operações da espécie por um período inicial de dois anos.”.

 

Constata-se, portanto, a partir das respectivas decisões do TCU, que os papéis representativos do Multi-Year Deposit Facility Agreement (MYDFA) – trocados por bônus em abril/94, ao amparo do Plano Brasileiro de Financiamento de 1992, ensejavam a realização de muitos negócios no mercado secundário de títulos da dívida, e que para os títulos da dívida brasileira no mercado financeiro internacional, estavam  pagando até 20% do valor de face.

 

Cabe ressaltar que enquanto os títulos da dívida brasileira no mercado financeiro internacional eram adquiridos por até 20% do valor de face, as autoridades brasileiras que negociaram o Acordo nos moldes do Plano Brady proibiam o Brasil de comprar os títulos da própria dívida no mercado secundário, embora qualquer outro país ou investidor pudessem comprá-los até por 20%.

 

Tal fato indica que a operação de troca realizada nos moldes do Plano Brady teria significado elevado dano ao patrimônio público nacional, que precisa ser devidamente quantificado e ressarcido ao país. Se não for juridicamente possível a anulação da respectiva transação devido à inexistência física daqueles bônus (que já foram trocados por dívida interna, por outros bônus de dívida externa e/ou resgatados antecipadamente), sugerimos sejam propostas ações de ressarcimento contra os agentes públicos e compradores iniciais que tenham diretamente colaborado com as irregularidades praticadas por ocasião da referida troca.

 

Outra evidência do baixo valor de mercado da dívida com bancos de vários países da América Latina consta do quadro seguinte, que foi extraído de publicação da ONU[52]:

 

 

 

AMÉRICA LATINA: PRECIOS DE LOS PAGARES DE LA

 

DEUDA EXTERNA EN EL MERCADO SECUNDARIO

(Porcentaje de su valor nominal)

            1989                           1990                                       1991

Enero  Junio   Dic.        Enero   Junio   Dic.        Enero        Junio   Julio

Argentina        20       13       13          12        12        20                 19       25       29

Bolivia            10       11          11        11        —         —                 —         —          —

Brasil         37    31    22       25     24     25            23    33    34

Colombia        56       57       64          60        64        63                 64       73       76

Costa Rica      13       14       17          18        36        34                 34       46       50

Chile               60       61       59          62        65        74                 75       88       89

Ecuador          13        12         14         14        16        20                20        22       23

Honduras        22       17       20          21        —         —                  —        —          —

Jamaica           40       41          40        40        44         —                —         —          —

México            40       40          36        37        45        46                45        55       57

Nicaragua         2          1          1             1        —         —                  —        —          —

Panamá           19       10          12        19        12        13                11        13       18

Perú                  5          3          6             6          4          4                   3          7        10

Rep. Dominic 22       22       13          13        17        —                  —           —         —

Uruguay          60       57          50        50        49        55                 —           —         —

Venezuela       38       37       34          35        46        50                 50       60       62

Promedio        32,2     31,9     28,0       29,5     33,3     35,1               33,6     42,9     44,9

 

Fuente: Naciones Unidas, Departamento de Asuntos Económicos y Sociales Internacionales, sobre la base de precios de oferta compilados por Salomon Brothers, Hight Yield Departament.

* Ponderado por el monto de la deuda bancaria

 

            Verifica-se que durante a negociação, o valor de mercado da dívida brasileira situava-se, em média, abaixo de 30%.

 

 

III.1.7 – DESCONTO APARENTE

 

Depreende-se, do depoimento do ex-presidente do Banco Central e negociador do Plano Brady, que havia uma divergência de entendimento; ou seja, o governo não acreditava nas ilegalidades levantadas pelo Congresso Nacional e, segundo sua percepção, o referido plano teria significado um “desconto” para o país.

 

Na realidade, analisando as informações disponíveis sobre a operação, constata-se que o referido desconto era apenas “aparente”, tendo em vista o seguinte:

 

  1. a Comissão Negociadora Brasileira não levou em consideração a possibilidade de que grande parte da dívida externa era passível de anulação, tendo em vista as ilegalidades da dívida anterior (que foi submetida à troca por títulos nos moldes do Plano Brady, e considerando as conclusões das Comissões Parlamentares que analisaram o tema do endividamento, especialmente as constantes do Relatório do deputado federal Sebastião Nery (CPI de 1983) e do Senador Severo Gomes (Comissão Mista de 1989)[53];

 

  1. ausência de transparência em relação às negociações preparatórias ocorridas em 1992, cujos instrumentos contratuais não foram divulgados e nem disponibilizados à CPI, que teve acesso apenas a minutas parciais enviadas pelo Senado Federal e pela PGFN, das quais constam que ocorreram renúncias a termos dos instrumentos contratuais anteriores que podem ter conseqüências jurídicas importantes, relacionadas à possibilidade de renegociação de dívidas já prescritas, o que demanda o aprofundamento das investigações;

 

  1. ausência de transparência em relação à composição da dívida objeto de troca, e sobre a destinação das garantias adquiridas, principalmente diante da resposta insuficiente, por parte do Banco Central, ao Requerimento de Informações nº. 56/09, item II, da CPI, que solicitou informações sobre os valores sujeitos a conciliações na troca, as memórias de cálculo, bem como informações sobre os controles das garantias;

 

  1. a Comissão Negociadora Brasileira, ao fechar o acordo, demonstrou que não levou em consideração o valor de mercado dessa dívida levada à troca por títulos, que se encontrava cotada no mercado secundário abaixo de 30%, em média, conforme antes mencionado. Tal fato representa indício de relevante dano ao patrimônio público;

 

  1. Apesar do baixo valor de mercado da dívida externa sujeita à troca por títulos, constou no Acordo que tais “títulos seriam elegíveis para conversão no Programa Nacional de privatização do Brasil”, ou seja, uma dívida que valia menos de 30% no mercado secundário poderia ser aceita no processo de privatizações, o que constitui outro importante aspecto a ser investigado, por representar indício de relevante dano ao patrimônio público nacional;

 

  1. no cálculo do “desconto” anunciado pela Comissão Negociadora Brasileira, não se considerou que esta negociação exigiu a compra de garantias colaterais de elevado custo para o país. Segundo a chefe-adjunta do Departamento de Dívida Externa do Banco Central, as garantias entregues pelo Brasil totalizaram US$ 3.821 milhões[54], e se destinavam a cobrir 100% do principal dos títulos Par e Discount, além da garantia de 12 meses dos juros desses títulos Par e Discount e dos títulos FLIRB;

 

  1. a Comissão Negociadora Brasileira assumiu o compromisso de que o Brasil não compraria a própria dívida durante o período em que se endividava para comprar as garantias exigidas para a negociação, deixando tal privilégio para os bancos credores e demais interessados. Esse é outro aspecto que provocou dano ao patrimônio público, devendo ser aprofundadas as investigações e apuradas as responsabilidades.

 

  1. O valor da dívida registrado no passivo do Banco Central (US$ 27,6 bilhões), que foi transferido para o Tesouro Nacional após a emissão dos bônus Brady, era bem inferior ao valor da dívida objeto de troca, ou seja, levando-se em consideração o valor contábil da dívida a operação foi muito extremamente onerosa e não teria havido desconto algum.

 

Enfim, vários aspectos indicam que o anunciado desconto teria sido apenas aparente e apontam para a necessidade de aprofundamento das investigações, pois são vários os indícios de dano ao patrimônio público que precisa ser devidamente quantificado e ressarcido ao Brasil.

 

Os gráficos incluídos no item seguinte demonstram que, sob diversos enfoques, a dívida externa aumentou após a troca por bônus Brady.

 

 

III.1.8 – FALTA DE TRANSPARÊNCIA EM RELAÇÃO À “DÍVIDA AFETADA”

 

Não houve transparência em relação ao detalhamento da dívida submetida à troca, tendo em vista que o Banco Central e o Ministério da Fazenda não responderam ao Requerimento de Informações nº. 56/09, item II, da CPI, que solicitou informações sobre as CONCILIAÇÕES:

 

A1) de dívidas anteriores que foram “transformadas” nos vários tipos de bônus que integraram o Plano Brady.

 

A2) dos montantes distribuídos correspondentes a cada instituição credora conforme previsto nos contratos, a cargo do DEDIV, do Banco Central.

 

  1. b) Memória de Cálculo e respectivos detalhes das dívidas consolidadas e reconciliadas que foram consideradas passíveis de conversão nos termos do referido acordo (…);

 

  1. c) Detalhe das garantias adquiridas pelo governo brasileiro em cumprimento ao estabelecido nos contratos firmados no âmbito do Plano Brady (…)

 

  1. d) Relativamente ao Plano Brady, apresentar listagem das opções exercidas pelos respectivos credores da dívida externa brasileira, quando da conversão nos respectivos tipos de Bônus Brady. Apresentar cópias ilustrativas dos telex de compromisso (Commitment Telex) enviados pelos credores relativos à referida conversão.

 

  1. e) Apresentar cópia do estudo elaborado pelo Departamento da Dívida Externa do Banco Central – DEDIV – acerca da conveniência de se antecipar a entrega das garantias, para 1995.

 

  1. f) Apresentar extratos referentes ao controle das referidas garantias (tanto das garantias conformadas em títulos ou bônus como em parte das reservas) ao longo dos anos até sua referida utilização, discriminando os saques efetuados e a referida destinação dos recursos.

 

  1. g) Informar se foram efetuados os registros previstos na Lei de Valores de 1933, referentes aos diversos tipos de Bônus emitidos no âmbito do Plano Brady. Em caso negativo, informar a qual registro foram submetidos tais bônus.”

 

A falta de atendimento ao referido Requerimento demonstra grave deficiência de controle interno do Banco Central. Tal aspecto deve ser investigado, tendo em vista que grande parte da dívida externa era composta de juros que acabaram sendo convertidos em títulos, o que configura Anatocismo. Havia também o componente das dívidas privadas que foram englobadas nos acordos pactuados com bancos privados na década de 80, cujo requerimento de informações também não foi devidamente respondido até o momento pelo Banco Central, que assumiu o papel de devedor em tais acordos.

 

Relativamente à assunção de dívidas privadas, o Banco Central prestou[55] à CPI as seguintes informações, com a sugestão de constituição de grupo de trabalho:

 

“Com referência ao Ofício nº. 162/10-P, informo que as parcelas de dívida externa privada que foram transformadas em dívida pública a cargo deste BCB são aquelas que permaneceram em depósito sob o Acordo MYDFA e foram trocadas por bônus em abril de 1994. Dado o tempo decorrido e dificuldades já descritas em notas anteriores, não há como realizar, no curto prazo, pesquisa para identificar as milhares de parcelas em suas diferentes moedas, que foram convertidas em bônus. Ademais, os dados estão registrados em sistemas informatizados que já foram desativados, cuja operação é complexa e para a qual esta Autarquia não dispõe de especialistas com os conhecimentos necessários. Haveria que se constituir grupo de trabalho para se estudar os termos dos contratos e a seguir proceder à pesquisa, tarefa que não é possível desenvolver com os atuais recursos da Unidade.”  

 

Dada a relevância do fato de que dívidas privadas foram transformadas em dívida a cargo do BCB, e considerando os montantes envolvidos no Acordo MYDFA (US$ 61 bilhões) e na troca por bônus em abril de 1994 (quase US$ 50 bilhões), de fato é necessário constituir o grupo de trabalho sugerido pelo Banco Central para aprofundar as investigações.

 

É importante mencionar que o Banco Central havia recebido dos credores de parcelas da dívida externa brasileira, documentos relativos a suas respectivas opções para a troca dessas partes de dívida contratual pelos bônus que seriam emitidos no âmbito do Plano Brady. A evidência da existência de tais documentos consta do Parecer da Procuradoria da Fazenda Nacional – PARECER PGFN/COF Nº 994/93 – do qual constou o texto transcrito a seguir, nos mesmos termos da Exposição de Motivos 90/93, do Ministro da Fazenda:

 

Após os ajustes acordados entre o Brasil e o Comitê Assessor dos Bancos, os credores estrangeiros detentores de 95,11% da dívida objeto do acordo encaminharam, em 8 de outubro de 1993, ao Banco Central do Brasil, suas opções, como se segue: 33,16% para o Bônus ao Par; 35,00% para o Bônus com Desconto; 5,51% para o Bônus de Redução Temporária de Juros; 20,56% para o Bônus de Redução Temporária de Juros com Capitalização; 5,77% para o Bônus de Conversão de Dívida e nenhuma opção para a Opção de Reestruturação.

 

Tais documentos relativos à conciliação entre as dívidas anteriores e a nova dívida externa representada pelo bônus não foram disponibilizados à CPI, apesar de reiteradamente solicitados.

 

Por meio do Requerimento de Informações nº. 72, que de certa forma reiterou em parte o Requerimento nº. 56, referente à solicitação de informações sobre a negociação objeto do Plano Brady, a CPI solicitou, em seu item 2, a conciliação entre os valores da dívida externa objeto de cada acordo da década de 80 e do Plano Brady, discriminando os valores negociados por credor e devedor.

 

Em resposta, o Banco Central informou à CPI[56] o seguinte:

 

“Quanto ao item “2)”, cumpre-nos tecer algumas considerações quanto ao processo de conciliação e renegociação da dívida externa brasileira. Durante o período, como os devedores originais estavam impossibilitados de efetuar o pagamento diretamente aos credores externos, foi estabelecido que, na data de vencimento da obrigação, os devedores deveriam procurar uma instituição financeira para fechar um contrato de câmbio simbólico. O valor na moeda nacional não era transferido para este Banco Central, mantendo todas as informações da dívida em um programa desenvolvido para tanto pelo Departamento de Informática desta Autarquia, a saber: credor original; devedor original; valor devido de principal e juros (dívida original); vencimento; “value-date” (data em que o devedor efetuava o pagamento no banco); número do Certificado de Registro; identificação de se tratar de operação com aval ou não do governo. 

 

De forma geral, após a definição de qual período seria renegociado, o banco agente da operação encaminhava uma lista contendo nome do credor e devedor original, vencimento e o número do Certificado de Registro. De posse da lista do credor, iniciava-se o processo de conciliação, ou seja, fazia-se uma comparação entre aquela lista e o valor depositado no Banco Central sob cada Certificado de Registro. As divergências entre as listas eram resolvidas consultando-se o esquema de pagamento detalhado no Certificado de Registro. Eventuais discrepâncias eram informadas ao credor e ao devedor, conforme o caso, para que fossem realizadas as correções pertinentes, sempre com base nos dados do Certificado de Registro, documento acreditado por ambas as partes.

 

Ao término deste processo de conciliação, que era manual, chegava-se ao valor final e o acordo bilateral era assinado, cujas cópias disponíveis neste Banco Central, já foram encaminhadas à CPI através das Notas Técnicas Derin/Gabin – 2009/121, de 23.09.09; 2009/138, de 07.10.09; 2009/139, de 09.10.09; 2009/143, de 19.10.09 e 19.10.09 e 2009/149, de 29.10.09. Os valores constantes dos contratos assinados, portanto, já eram os valores conciliados e a conciliação manual não era guardada.

 

 

A partir da referida resposta constata-se a ausência de transparência em relação aos valores conciliados, bem como a deficiência de controle interno por parte do Banco Central, que teria efetuado conciliação manual de cifras de uma negociação de cerca de US$ 50 bilhões – e não cuidou de guardar tal documento. Esse é mais um aspecto importante que demanda o aprofundamento das investigações por parte do Ministério Público e a apuração de responsabilidades.

 

Conforme gráfico a seguir, verifica-se que a “dívida afetada”, ou seja, a dívida sujeita à troca por Bônus Brady (sem considerar os US$ 9,1 bilhões de juros acumulados em 1989 e 1990, que se transformaram em bônus IDU, o que caracteriza Anatocismo explícito), sofreu, na verdade, um aumento, de US$ 49 bilhões para US$ 51 bilhões, com a renegociação Brady. Isto porque o Brasil teve de depositar US$ 3,9 bilhões de garantias em títulos do Tesouro dos EUA, que também representaram elevado custo.

 

 

Fonte: elaboração própria.

Nota: considerou-se como parte da nova dívida Brady o depósito de US$ 3,9 bilhões de garantias em bônus do Tesouro dos EUA, dado que o país teve de desembolsar tais recursos para proceder a negociação.

 

Cabe ressaltar que no cálculo acima não se levou em conta o baixo valor da dívida no mercado secundário. Caso fosse considerado o referido valor de mercado, ao invés de “desconto”, se verifica que houve uma elevada perda na operação, conforme se vê, também, no gráfico seguinte. Essa simples ilustração representa um indício do relevante dano ao patrimônio público provocado por essa “troca” de dívida externa nos moldes do Plano Brady.

 

 

 

Fonte: elaboração própria.

 

 

Se considerado o valor contábil da dívida registrada no Passivo do Banco Central (US$ 27,6 bilhões) e que foi transferida para o Tesouro Nacional por ocasião da emissão dos bônus Brady, também se verifica um significativo aumento da dívida externa com a troca objeto do Plano Brady.

 

Ressalta-se que sob todos os diferentes enfoques, houve aumento do valor da dívida externa e não o anunciado desconto.

 

É fundamental ter acesso aos documentos objeto de conciliação – ainda que estes tenham que ser buscados junto aos bancos agentes no exterior – a fim de certificar se foram resguardados os interesses nacionais, pois os acordos da década de 80 dispunham que no caso de alguma divergência, prevaleceriam os registros do Agente no exterior.

 

 

III.1.9 – FALTA DE TRANSPARÊNCIA EM RELAÇÃO ÀS GARANTIAS COLATERAIS

 

A presente análise se baseou em informações contidas em verificações feitas pelo Tribunal de Contas da União e em informações publicadas em livro disponível na página do Banco Central, que registra que as garantias entregues pelo Brasil totalizaram US$ 3.821 milhões[57], e se destinavam a cobrir 100% do principal dos títulos Par e Discount, além da garantia de 12 meses dos juros desses títulos Par e Discount e dos títulos FLIRB.

 

A operação Brady não foi objeto de investigação pelo TCU, que se limitou a verificar parte da aquisição de garantias colaterais[58], tendo destacado[59] que “…a emissão dos títulos do Tesouro zero coupon bonds pelo Governo Americano, que servirá de lastro para o pagamento da dívida em 30 (trinta) anos”.

 

Na realidade, as garantias adquiridas pelo Brasil não serviram de lastro ao final dos 30 (trinta) anos, conforme constava do contrato e do entendimento do TCU, pois os bônus Brady emitidos foram prematuramente transformados em “dívida interna” e/ou resgatados antecipadamente, não tendo havido a devida transparência em relação à utilização daquelas garantias que significavam, na realidade, um pagamento antecipado daqueles tipos de bônus.

 

Assim, por se tratar de bônus previamente cobertos por 100% de garantias, é importante assinalar que não havia justificativa para a troca desses títulos por títulos da dívida interna, outros bônus da dívida externa, ou mesmo para operações de resgate antecipado, uma vez que quando da sua emissão o Brasil já havia adquirido títulos do tesouro norte-americano correspondente a 100% de garantia de seu principal, ou seja, é como se tais títulos fossem “pré-pagos”, cobertos por garantia total, conforme entendimento expresso na Decisão 156/1997 – Plenário, do Tribunal de Contas da União, da qual constou, textualmente:

Com vistas a assegurar o sigilo da operação e garantir que as transações de compras se dessem em condições normais de mercado, a operacionalização do processo de aquisição dos referidos títulos no mercado secundário ficou restrita a três técnicos do DEPIN (Chefe, Chefe Adjunto e um Operador de Mesa). Assim, o Operador de Mesa, durante o período de dezembro/93 a março/94, acompanhou as cotações dos títulos no mercado e, quando as condições fossem favoráveis, dava autorização à J.P. Morgan & Co. para realização da compra em nome do BIS e com recursos deste. (…) As aquisições efetuadas pelo BACEN, no período de dezembro/93 a março/94, totalizaram US$ 2,729,351,250.00, correspondentes a títulos que serão resgatados, em seus vencimentos, pelo total de US$ 18,000,000,000.00, conforme dados fornecidos pelo BACEN.

 

Outra decisão do TCU, que trata de verificação das reservas internacionais brasileiras, também encaminhada à CPI[60], mencionou a vinculação de parte do valor das reservas internacionais à aquisição das garantias colaterais do Plano Brady:

4.1.Assim, conforme o Relatório, há recursos registrados no “Extra-Caixa” vinculados a acordos da dívida externa brasileira (“Vinculado a Garantias Colaterais”) (…) destinação dos recursos provisionados na conta “Vinculado – Garantias Colaterais” para compor caução no BIS – Bank for International Settlements na Suíça. Os valores ali registrados chegaram a atingir o montante de US$ 3.200.000.000,00 em dezembro de 1993. Trata-se de provisão instituída com a finalidade de compra de títulos do tesouro americano para compor garantia relacionada ao acordo da dívida externa.

 

É importante resgatar esses trabalhos do TCU, que demonstram contabilizações “extra-caixa” e sigilosas compras de títulos do Tesouro norteamericano.

 

 

 

III.1.10 – FALTA DE TRANSPARÊNCIA DAS NEGOCIAÇÕES PREPARATÓRIAS OCORRIDAS EM 1992

 

Em relação às negociações preparatórias ao Plano Brady, ocorridas em 1992, é importante ressaltar que os instrumentos contratuais não foram disponibilizados à CPI, que teve acesso somente a algumas minutas disponibilizadas pelo Senado Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.

 

Os contratos de 1992 foram solicitados ao Ministério da Fazenda e ao Banco Central com base no Requerimento de Informações nº. 11/09, tendo tal pedido sido reiterado[61], mencionando-se especificamente os instrumentos: Solicitação de Renúncia, Waiver and Amendment Request, Term Sheet 1992 – Financing Plan e Acordo de Princípios sobre a Reestruturação da Dívida Externa. Em resposta, o Banco Central informou à CPI que ainda “não foram concluídas as pesquisas para localização desses documentos[62].

 

1991-1992

 

 

Solicitação de Renúncia

 

 

A CPI teve acesso somente a cópias de minutas disponibilizadas pelo Senado Federal (Of. 2649/2009).

A PGFN enviou cópia em inglês de uma minuta e da comunicação denominada “Waiver Request” de 1991 (Aviso 57/MF)

 

 

Waiver and Amendment Request

 

 

Term Sheet 1992 – Financing Plan A CPI teve acesso a cópias resumidas disponibilizadas pelo Senado Federal (Of. 2649/2009).
Acordo de Princípios sobre a reestruturação da dívida externa

 

IDU Bonds US$ 7,42 bilhões
Cash Amount US$ 2 bilhões

 

 

III.1.10.1 – SOLICITAÇÃO DE RENÚNCIA

 

 

Trata-se de documento mencionado em livro editado por autoridades do Banco Central, o qual menciona, em diversas passagens, o documento denominado “Waiver Request”, que significa “Solicitação de Renúncia”[63], com os seguintes esclarecimentos:

Pedido de dispensa do cumprimento de obrigações – (Waiver Request)

 

            A fim de permitir a implementação dos termos do referido acerto numerosos contratos de empréstimos foram aditados. Fizeram-se presentes, no pólo ativo dos contratos originais, centenas de bancos credores e, no pólo passivo, a própria União, o Banco Central do Brasil, estados, municípios e entidades do setor público dos três níveis de governo (federal, estadual e municipal). Tais aditamentos foram efetuados a partir da solicitação expressa que a União Federal fez aos bancos credores em seu próprio nome e – mediante outorga de mandatos com poderes específicos – em nome das demais entidades do setor público participantes dos contratos originais. A eficácia jurídica dos referidos aditamentos foi dada pela concordância expressa dos bancos credores, nas proporções mínimas estipuladas nos respectivos contratos.

 

Depreende-se, do trecho acima transcrito, que entre os acertos preparatórios para a implementação do Plano Brady, foram celebrados aditamentos em “numerosos contratos”, aos quais compareceram todas as partes citadas: no pólo ativo dos contratos originais, centenas de bancos credores e, no pólo passivo, a própria União, o Banco Central do Brasil, estados, municípios e entidades do setor público dos três níveis de governo (federal, estadual e municipal).

 

O texto não esclarece o teor “da solicitação expressa que a União Federal fez aos bancos credores em seu próprio nome e – mediante outorga de mandatos com poderes específicos – em nome das demais entidades do setor público participantes dos contratos originais”, tendo indicado apenas no título do capítulo que se tratava de “Pedido de dispensa do cumprimento de obrigações – (Waiver Request)”.

 

Do mesmo livro editado por autoridades do Banco Central consta que teriam sido firmados contratos em Toronto, no Canadá, em 10 de setembro de 1992[64], e que após o cumprimento de uma série de etapas foram firmados vários contratos em 29 de novembro de 1983:

“Após o cumprimento de uma série de etapas, que serão descritas a seguir, a materialização do acordo se deu através da assinatura de vários contratos, em 29 de novembro de 1993, na cidade de Toronto, Canadá, com a presença do então ministro de estado da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, do presidente do Banco Central do Brasil e do negociador-chefe para assuntos da dívida externa.”

 

Examinando as traduções dos contratos de emissão dos bônus “Brady” que foram disponibilizados à CPI pelo Banco Central e pelo Ministério da Fazenda, constata-se a existência de cláusula de Renúncia, que menciona expressamente o instrumento denominado “Solicitação de Renúncia” nos seguintes termos[65]:

 

“ARTIGO V

RENÚNCIA

Seção 5.01. Efeito deste acordo; Renúncia

(…)

(d) O Brasil, cada Adquirente e cada Banco Participante concorda que as renúncias indicadas neste instrumento e na Solicitação de Renúncia serão nulas e sem efeito se a data de Permuta não ocorrer na ou antes da Data de Encerramento. Neste caso, cada Adquirente terá todos os seus direitos e remédios originais nos termos de cada Instrumento Regente Original (incluindo cada Acordo Brasil) (incluindo sem restrição qualquer direito e remédio relativo a qualquer evento de inadimplemento) na mesma medida como se o referido Adquirente não tivesse concedido tais renúncias.”

 

Do texto acima resta evidente a existência do instrumento denominado “Solicitação de Renúncia” e que as renúncias concedidas pelo Adquirente[66] e cada Banco Participante[67] estariam vinculadas à consumação da “Permuta”[68], caso contrário se tornariam nulas, restaurando-se os “direitos e remédios originais” de cada Acordo Brasil, citando, expressamente, os direitos referentes a qualquer “evento de inadimplemento”.

 

A CPI teve acesso apenas a minutas disponibilizadas pelo Senado Federal[69], contendo um resumo do instrumento denominado “Waiver Request”, traduzido como “Pedido de Dispensa de Cumprimento de Obrigações”, inserido no Contrato para a Regularização de Juros Devidos. Tais documentos instruíram a aprovação da Resolução do Senado Federal Nº. 20, de 20.06.1991, que autorizou a realização de operação externa de natureza financeira no valor de US$ 9.000.000.000,00[70].

 

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional enviou à CPI[71] cópia em inglês do instrumento denominado “Waiver Request”, datado de 20.06.1991 e assinado pelo ministro Marcílio Marques Moreira.

 

Cabe ressaltar que todos os acordos celebrados pelo Brasil com bancos privados internacionais na década de 80 possuíam cláusula relativa a “Eventos de Inadimplência”, que determinam a antecipação de todas as obrigações de dívida externa do país quando se verifica algum descumprimento de obrigações.

 

Como exemplo, transcrevemos parte da referida cláusula constante do Credit and Guaranty Agreement – Acordo de Crédito de Garantia (CGA-1983), que aparece de forma semelhante nos demais acordos:

 

Seção 9. Eventos de Inadimplência.

“Se um ou mais dos eventos relacionados abaixo (um “Evento de Inadimplência”) tiver ocorrido e continua ocorrendo:

(…)

[descrição dos diversos eventos]

(…)

“então, se ocorrer qualquer dos eventos acima, qualquer que seja o motivo de tal ocorrência e independentemente de tal ocorrência ser voluntária ou involuntária ou de tal evento ter ou não ocorrido em decorrência da operação da lei ou em decorrência de qualquer sentença, decreto, ordem, lei, regra ou regulamento de qualquer agência governamental, o Agente poderá, e a pedido dos Bancos Necessários deverá, mediante notificação ao Banco Central e ao Garantor, encerrar os Compromissos Básicos se os mesmos ainda estiverem em vigor e declarar o valor principal não-pago de todos os Empréstimos imediatamente devido e pagável, sendo que o valor principal não-pago de todos os Empréstimos, juntamente com os juros acumulados sobre o mesmo na data de tal declaração e todos os outros valores devidos nos termos deste se tornarão imediatamente devidos e pagáveis sem qualquer diligência, apresentação, demanda, protesto, notificação de desonra ou outra notificação de qualquer espécie, sendo que todas são expressamente renunciadas pelo Banco Central e pelo Garantor. O Banco Central e o Garantor indenizarão cada Banco de Compromisso contra qualquer perdas ou despesa incorrida por tal Banco de Compromisso na liquidação ou na manutenção de depósitos adquiridos para suprir recursos ao seu Empréstimo que se tornou devido e pagável em decorrência dos termos desta seção 9 numa data que não seja uma data de pagamento de juros no último dia de um Período de Juros ou de um período determinado de acordo com os termos da Seção 2.8 relativos a tal período.”

 

 

Diante disso, a renúncia à aplicação do disposto nos referidos “eventos de inadimplência” pode ter implicações relevantes, à vista da Lei de Nova York, que regia todos os acordos da dívida externa brasileira com bancos privados pactuados na década de 80 e que foram objeto de transformação em bônus, nos moldes do Plano Brady.

 

A Lei de Nova Iorque prevê o Estatuto de Limitações[72] (“Statute of Limitations”) que determina a prescrição de dívidas quando estas não são pagas pelo espaço de seis anos.

 

É importante argumentar que não haveria sentido lógico em solicitar renúncia à aplicação de eventos de inadimplemento se tais eventos não tivessem ocorrido.

 

A CPI teve acesso a minuta traduzida disponibilizada pelo Senado Federal, já mencionada no presente capítulo, bem como à cópia em inglês (Execution Copy) enviada pela PGFN à CPI, datada de 20 de junho de 1991 e assinada pelo Ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira[73].

 

É importante ressaltar a sutileza da renúncia a direitos somente do Brasil, incluída de forma excludente no item “Disposições Diversas” (Miscellaneous), ao mesmo tempo em que impede que a renúncia de direitos solicitada – Pedido de Dispensa solicitada pelo Ministro da Fazenda a toda a Comunidade Financeira Internacional – atinja qualquer direito dos credores. Destaque-se que o trecho citado a seguir menciona, expressamente, que “Nenhuma dispensa solicitada no presente documento, salvo quando especificamente estipulado, constituirá dispensa de qualquer direito, privilégio ou recurso do qual possa ser beneficiário qualquer membro da Comunidade Financeira Internacional” e, adicionalmente, menciona também expressamente que “qualquer hipótese de inadimplência ou qualquer circunstância que, pelo decurso de prazo e/ou por sua notificação, pudesse configurar uma hipótese de inadimplência, nos termos e segundo as definições do respectivo Contrato Original”, que tem relevantes implicações face ao Estatuto de Limitações incluído nas Leis de Nova Iorque, que eram as leis regentes de todos os contratos originais:

 

“Cada pedido de dispensa solicitado no presente documento será válido apenas na circunstância específica e para os fins específicos da solicitação. Nenhuma dispensa solicitada no presente documento, salvo quando especificamente estipulado, constituirá dispensa de qualquer direito, privilégio ou recurso do qual possa ser beneficiário qualquer membro da Comunidade Financeira Internacional sob o amparo de qualquer Contrato Original (inclusive, entre outros, os contratos de 1988) ou aditamentos ou dispensa do cumprimento de qualquer dispositivo de qualquer contrato Original (inclusive, entre outros, qualquer hipótese de inadimplência ou qualquer circunstância que, pelo decurso de prazo e/ou por sua notificação, pudesse configurar uma hipótese de inadimplência, nos termos e segundo as definições do respectivo Contrato Original), e cada Contrato Original permanecerá em plena vigência, sendo através do presente documento ratificado em todos os seus aspectos. Quaisquer direitos que qualquer membro da Comunidade Financeira Internacional possa ter de conformidade com qualquer hipótese de rescisão antecipada nos termos de qualquer Contrato Original são expressamente ressalvados pelo presente documento.”

 

Esse importante aspecto da renúncia de direitos relacionada ao Estatuto de Limitações é extremamente relevante e deve ter sua investigação aprofundada, com estudos jurídicos especializados, uma vez que a CPI não teve acesso aos “numerosos contratos aditados” mencionadas no livro editado por autoridades do Banco Central, antes mencionado. Tal fato prejudica a análise do tema nesse momento, entretanto, é importante registrar alguns aspectos que possibilitarão o aprofundamento de investigações posteriores:

 

  • Conforme estudado no presente capítulo, o empréstimo tomado pelo Banco Central diretamente no exterior, por meio do Credit and Guaranty Agreement (CGA-1983), no valor de US$ 4,4 bilhões, viabilizou o pagamento de obrigações da dívida externa brasileira, conforme detalhado nos Anexos 5 e 7 do referido acordo, previamente transcritos no presente capítulo. Tal acordo era também tratado como “Dinheiro Novo” em alguns documentos do Banco Central. No ano de 1984, novo Acordo CGA-1984 foi pactuado, possibilitando o mesmo mecanismo utilizado no ano de 1983. A partir de 1985, não foi repetido o referido mecanismo, ou seja, os bancos privados cessaram a disponibilização daquele “dinheiro novo” que possibilitava o pagamento de obrigações no exterior.

 

  • Uma importante evidência de que havia obrigações em aberto desde o ano de 1983 é o fato de o contrato denominado “Multi-Year Deposit Facility Agreement” – MYDFA-1988 – ter incluído parcelas vencidas desde 1983 até 1993. Cabe ressaltar que a CPI teve acesso somente à tradução e à minuta em inglês do referido contrato, embora tivesse sido solicitada ao Banco Central cópia dos documentos originais em inglês[74], ou seja, não foram apresentados à CPI instrumentos de 1988 devidamente firmados, mas apenas traduções e minutas em inglês.

 

  • Adicionalmente, o acordo junto ao Clube de Paris em 1992 mencionou expressamente a negociação de dívidas relativas a 1983.

 

  • Diante disso, devem ser aprofundadas as investigações acerca das obrigações que se encontravam vencidas, especialmente aquelas relacionadas a pagamentos no exterior por parte do Banco Central, a fim de certificar se não houve renúncia de obrigações que já poderiam estar prescritas.

 

 

É importante mencionar, adicionalmente, que o Senado Federal disponibilizou[75] à CPI minutas que havia recebido do Executivo para autorizar a União “a celebrar contratos de operações externas de natureza financeira, junto aos bancos comerciais credores da dívida externa do setor público, no valor de até US$ 57,000,000,000,00 (cinqüenta e sete bilhões de dólares norte-americanos), na conformidade do Sumário de Principais Termos (Term Sheef), do Pedido de Dispensa de Obrigações e dos demais documentos que acompanham a Mensagem Presidencial no. 707, de 13 de novembro de 1992”.

 

Tal autorização constou da Resolução nº. 98/92, aprovada em 23 de dezembro de 1992, véspera do Natal, autorizando a troca de grande parte da dívida externa com bancos privados internacionais, em bônus – operação conhecida como Plano Brady.

 

À vista das referidas minutas disponibilizadas pelo Senado Federal, constantes do processado referente à aprovação da Resolução 98/92 – depreende-se que não consta o documento denominado “Solicitação de Renúncia”, nos termos indicados no livro editado por autoridades do Banco Central. Consta, dentre as minutas, uma relativa a “Solicitação de Dispensa do Cumprimento de Obrigações Contratuais e Aditamentos[76]”, nos seguintes termos:

 

“O Brasil solicita que cada Credor – em se próprio nome e no de cada escritório afiliado de empréstimo – renuncie irrevogavelmente a qualquer outro dispositivo, se houver (incluindo qualquer dispositivo que de qualquer forma restrinja ou impeça a capacidade do Brasil ou de qualquer devedor ou garantidor brasileiro que seja parte de um Acordo do Brasil de reduzir qualquer pagamento de juros ou de postergar qualquer pagamento de juros ou de principal na medida contemplada por este Plano de Financiamento de 1992), de cada Acordo do Brasil em que ele próprio ou qualquer escritório afiliado de empréstimo seja parte somente na medida em que tal dispositivo conflitaria com, impediria, seria inconsistente com, ou exigiria que o Brasil, o Banco Central ou qualquer Agência Governamental tome qualquer medida em decorrência da implementação deste Plano de Financiamento de 1992(…).”

 

Consta ainda, dentre as minutas encaminhadas pelo Senado Federal à CPI, a eliminação de vários itens da cláusula relativa a “Eventos de Inadimplemento” dos contratos de Dinheiro Novo[77] (PFA, CFA e NMTDF) e do MYDFA[78], na minuta denominada “Adendo I à Solicitação de Dispensa do Cumprimento de Obrigações Contratuais e Aditamento”.

 

A eliminação dessa cláusula constitui uma renúncia a um direito do Brasil, pois quando se verifica um evento de inadimplemento, os vencimentos da dívida externa são antecipados para aquele momento e, a partir deste, se inicia também a contagem do tempo para a prescrição dessa dívida.

 

Considerando que a CPI não teve acesso aos instrumentos pactuados no exterior de “Solicitação de Renúncia” em 1992 (provavelmente nas datas indicadas no livro editado por autoridades do Banco Central: 10/09/1992 ou 29/09/1992)[79], e que tais contratos também não constaram dentre as minutas enviadas pelo Senado Federal à CPI, é necessário prosseguir as investigações para que se conheça o inteiro teor de tais documentos originais.

 

Assim, diante das limitações impostas à CPI, é fundamental que as investigações prossigam, para que se tenha acesso aos contratos que aditaram “numerosos contratos de empréstimos” envolvendo “centenas de bancos credores, a própria União, o Banco Central do Brasil, estados, municípios e entidades do setor público dos três níveis de governo (federal, estadual e municipal”), uma vez que a CPI não teve acesso aos mesmos, embora tenha requisitado expressamente a “Solicitação de Renúncia” ao Banco Central por meio do Ofício 53/09-P, de 21/10/2009, e ao Ministério da Fazenda, por meio do Ofício 119/09-P, de 25/11/2009, e 171/10-P, que foi apenas parcialmente atendido.

 

Ante o exposto, torna-se necessário aprofundar as investigações a fim de determinar o alcance das renúncias efetivamente pactuadas nos documentos firmados também em 1992, no Canadá, especialmente considerando que a Lei Regente dos contratos de endividamento externo brasileiro eram as Leis de nova Iorque, que contêm a previsão do “Estatuto de Limitações.”

 

Finalmente, considerando que quando da ocorrência de qualquer das hipóteses consideradas como “Eventos de Inadimplência” nos contratos pactuados com bancos privados internacionais os vencimentos de todas as dívidas externas são antecipados para a data daquele evento, ainda que não tenham sido negociadas dívidas prescritas seria necessário aprofundar as investigações para verificar se houve exigência antecipada de outras dívidas a partir de 1985, ou o pagamento de juros em excesso devido a essa antecipação de vencimentos. A falta de acesso à completa documentação, aliada à ausência de informações detalhadas sobre os pagamentos de juros efetuados – por tipo de dívida externa – impediram tal verificação.

 

Esse fato é relevante, pois se comprovada a negociação de dívidas prescritas poderá ter causado grande dano ao patrimônio público brasileiro, constituindo-se em mais uma evidência sobre a necessidade de prosseguir as investigações e realizar a Auditoria da Dívida prevista na Constituição Federal de 1988.

 

III.1.11 – CARACTERÍSTICAS DO BRADY BRASILEIRO

 

Cabe observar, inicialmente, que de maneira distinta do que ocorreu em outros países, também submetidos à renegociação da dívida externa nos moldes do Plano Brady, no caso brasileiro não foi toda a dívida externa contratada com bancos privados que passou pela transformação.

 

No caso brasileiro, uma parte foi negociada antecipadamente (relativa aos juros acumulados de 1989 e 1990) e, além do montante trocado por bônus, outra parte da dívida com bancos privados continuou subsistindo sob os mesmos processos anteriores (New Money Bonds, emitidos pelo Banco Central do Brasil por força do New Money Bond Exchange Agreement, bem como os Brazil Investment Bond, emitidos pela República na forma do Brazil Investment Bond Exchange Agreement, cujos termos continuaram a ser cumpridos como originalmente contratados)[80], sendo este um dos aspectos que demonstram que a negociação brasileira não foi tão vantajosa, do ponto de vista da Nação, pois do ponto de vista dos bancos privados foi a mais lucrativa, conforme estudo citado a seguir[81]:

 

“A dívida afetada pelo acordo de 1994 não incluiu uma parcela substancial da dívida com os bancos comerciais que foi negociada à parte, sem qualquer desconto. Trata-se dos US$ 9,1 bilhões referentes a juros acumulados em 1989 e 1990. Ao contrário do que fez a Argentina, o Brasil aceitou negociar antecipadamente o grosso dos juros atrasados. Essa negociação foi feita em condições desfavoráveis, uma vez que o Brasil aceitou pagar US$ 2,0 bilhões já em 1991, além de refinanciar a parcela restante com taxas de juros onerosas[82]. Já a Argentina renegociou os seus atrasados de juros (US$ 7,9 bilhões) no marco da negociação global, pagando apenas US$ 400 milhões (5% do total) com recursos próprios e US$ 300 milhões com um bônus financiado pelas entidades multilaterais. Os 7,2 bilhões restantes foram refinanciados nas mesmas condições que o Brasil obteria apenas para os atrasados de juros a partir de 1991.”

 

Adicionalmente, não houve transparência em relação ao detalhamento da dívida submetida à troca, tendo em vista que o Banco Central e o Ministério da Fazenda não responderam ao Requerimento de Informações nº. 56/09, item II, da CPI. Tal aspecto deve ser investigado, tendo em vista que grande parte da dívida externa era composta de juros que acabaram sendo convertidos em títulos, o que configura Anatocismo.

 

 

O “desconto” anunciado na negociação foi meramente aparente, pois, além de ter havido desconto sobre o valor de face em apenas um dos tipos de bônus emitidos – Par Bonds – nessa transformação o Brasil foi obrigado a adquirir garantias colaterais, representadas por Bônus do Tesouro Norte-americano, tendo contraído novos empréstimos para tanto e imobilizado grande parcela das reservas internacionais do país.

 

Adicionalmente, na negociação não foi levado em conta o baixo valor da dívida em mercado, em torno de 30%, apenas, ou até abaixo desse percentual, tendo sido considerado o valor nominal da dívida, muito superior ao valor contabilizado no Passivo do Banco Central. De forma inexplicável, os negociadores brasileiros acordaram que nos primeiros anos o Brasil não resgataria a dívida nem faria aquisições no mercado secundário, ou seja, ao invés de liquidar a dívida em mercado, aproveitando a oportunidade de seu baixo valor (conforme acórdão do TCU, antes mencionado, a Bolívia comprou parcelas da dívida brasileira por apenas 20% de seu valor de face) o país empregou recursos na compra das garantias colaterais e ainda assumiu a dívida pelo valor nominal, com um “desconto” desprezível se comparado com as condições humilhantes da negociação e das cláusulas pactuadas.

 

Segundo Nogueira e Rangel[83], “o acordo foi mais vantajoso para os bancos porque acabou com a moratória parcial que vinha sendo praticada desde 1989, em troca de um desconto muito reduzido e inferior ao divulgado. Parte da dívida nova resultante conta com garantias para o principal e os juros. Outro aspecto vantajoso para os bancos credores reside na transformação de créditos contra o Brasil em títulos ou Bônus mais facilmente negociáveis no mercado secundário, dificultando a coordenação, por parte do governo brasileiro, em futuros processos de negociação.”

 

Em relação ao desconto aparente auferido pelo país, os mesmos autores argumentam que o desconto efetivo ficou bem aquém do anunciado:

 

Para avaliar os ganhos proporcionados por este tipo de acordo, é preciso distinguir o desconto aparente do desconto efetivo. O propalado valor de 35% corresponde à redução resultante da troca da dívida anterior pelos bônus de desconto (discount bonds), com redução de 35% do valor de face, ou por bônus ao par (par bonds), com taxas de juros reduzidas em relação às de mercado. O quadro 1 indica, entretanto, que o desconto efetivo associado ao acordo, isto é, a redução do valor da dívida líquida acabou sendo de 7,6 %, menos de um quarto do desconto aparente.”

 

 

QUADRO 1
Estimativa do desconto efetivo proporcionado pelo Plano Brady do Brasil[84]
Em US$ bilhões
Discriminação Valor
1. Dívida afetada pela renegociação 49
2. Desconto captado via redução do principal 3,9
3. Desconto captado via redução dos juros 3,7
4. Financiamento de garantias 3,9
  4.1 Novos empréstimos (bancos comerciais) 0,4
  4.2 Imobilização de reservas do Banco Central 3,5
5. Desconto Efetivo (2 + 3 – 4) 3,7
6. Desconto efetivo em relação à dívida afetada 7,60%

Fonte: Dados primários – Banco Central do Brasil. Elaboração dos autores.

 

Os autores alertam adicionalmente para o fato de que o referido “desconto” de 7,6% estaria superestimado, tendo em vista que US$ 9,1 bilhões referentes a juros acumulados em 1989 e 1990 foram negociados antecipadamente em 1991[85], como parte das medidas preparatórias para o plano Brady. Considerando-se esses US$ 9,1 bilhões, verifica-se que teria havido perda na operação.

 

Adicionalmente, cabe ressaltar que no cálculo acima não se levou em conta o baixo valor da dívida no mercado secundário. Caso fosse considerado, ao invés de “desconto”, se chegaria a uma situação de elevada perda na operação, conforme gráfico indicado previamente no presente capítulo.

 

 

III.1.12 – BÔNUS EMITIDOS

 

Face à ausência de respostas por parte do Banco Central, que limitou-se a fornecer à CPI apenas cópias da tradução de parte dos Acordos que fizeram parte do Plano Brady, os detalhes dos bônus emitidos, bem como suas condições financeiras foram extraídas do livro “Dívida Externa Brasileira”, de Ceres Aires Cerqueira , Banco Central do Brasil, 1997. A autora foi chefe-adjunta do Departamento de Dívida Externa do Banco Central do Brasil. O livro foi prefaciado pelo Ministro da Fazenda Pedro Sampaio Malan que, nesse prefácio, respaldou o conteúdo da obra, e contou com a revisão de José Linaldo Gomes de Aguiar (chefe do Departamento da Dívida Externa do Banco Central do Brasil), Olímpia Calmon e Cristina Cortes (consultoras do Departamento da Dívida Externa do Banco Central do Brasil), Altamir Lopes (chefe do Departamento Econômico do Banco Central do Brasil), Anuar Kalil (ex-chefe do Departamento de Câmbio do Banco Central do Brasil) e Luiz Carlos Sturzenegger (procurador-geral da Fazenda Nacional).

 

O valor total dos títulos emitidos, segundo publicação do BC[86], que informa a Distribuição Final dos Bônus, consta da tabela reproduzida a seguir.

 

INSTRUMENTOS EMITIDOS NO CONTEXTO DO PLANO BRADY

 

  Distribuição final dos bônus (US$ milhão)
Bônus Valor de emissão Garantia  
Principal Juros  
Par Bond 10.491 Sim Sim  
Discount Bond 7.288 Sim Sim  
FLIRB 1.738 Não Sim  
C Bond 7.860 Não Não  
Debt Conversion Bond 8.490 Não Não  
New Money Bond 2.239 Não Não  
EI Bond 5.631 Não Não  
Total 43.737    

 

Data base: 15/04/1994
em US$ milhão
Par bonds Discount bonds Phase-in bonds
Séries Valor Séries Valor Séries Valor
Z-L 287 Z-L 3.608 P-A 1.872
Y-L 8.191 Y-L 3.686 P-B 172
  D-L 17
Séries Z-L – bônus que contam com a garantia de principal e de juros
Séries Y-L – bônus que contam com a garantia de principal
Séries P-A – bônus emitidos sem a garantia de principal de juros. Foram trocados por bônus ao par, recebendo a garantia de principal em primeiro lugar
Séries P-B – bônus emitidos sem a garantia de principal de juros. Foram trocados por bônus ao par, recebendo a garantia de principal e de juros ao mesmo tempo
Séries D-L – bônus emitidos sem a garantia de principal e de juros. Foram trocados por bônus de desconto, recebendo a garantia de principal e de juros ao mesmo tempo

 

O valor das garantias, segundo a ex chefe-adjunta do Departamento de Dívida Externa do Banco Central, Ceres Aires Cerqueira[87], foi de US$ 3,821 bilhões, acrescentando que estudo elaborado pelo Depto da Dívida Externa – DEDIV – do Banco Central indicou a conveniência de antecipar a entrega das referidas garantias. O acordo previa prazo para a entrega das garantias dos Discount Bonds, tendo a compra antecipada das garantias colaterais pelo Brasil sido autorizada pela Resolução do Senado no. 41/1995, com base em estudo elaborado pelo Departamento da Dívida Externa do Banco Central – DEDIV – acerca da conveniência de se antecipar a entrega das garantias para 1995.

 

A CPI requereu cópia do referido estudo que recomendava a ‘antecipação’ da entrega das garantias, bem como detalhes e extratos das garantias, mediante Requerimento de Informações nº. 56/09, ao qual o Banco Central contestou requerendo o “prazo adicional de 60 dias para as avaliações”[88]. Posteriormente, em 10.02.2010, encaminhou apenas informações parciais sobre as garantias, por meio da Nota Técnica 001/2010-BCB/DEPIN[89].

 

 

III.1.13 – CONDIÇÕES DOS BÔNUS EMITIDOS

 

 

PLANO BRASILEIRO DE FINANCIAMENTO
Fase V – 1992
BÔNUS EMITIDOS EM TROCA DA DÍVIDA DO SETOR PÚBLICO
(1 DE 2)
TERMOS DISCOUNT BONDS PAR BONDS FLIRB NEW MONEY BONDS
VALOR EMITIDO em US$ bilhões 7,28 8.44 (3) 1,74 2,2
TAXA DE TROCA 0,65 1 1 1
PRAZO (anos) 30 30 15 15
CARÊNCIA (anos) 30 30 9 7
GRANTIA DE PRINCIPAL 100 100 Nihil Nihil
GARANTIA DE JUROS 12 meses 12 meses 12 meses Nihil
FORMA DE PAGAMENTO Bullet bullet 13 parcelas semestrais iguais 17 parcelas semestrais iguais
TAXA DE JUROS ANUAIS                                 ANO 1 LIBOR +13/16 4.00% 4.00% LIBOR + 7/8
ANO 2 LIBOR +13/16 4.25% 4.00% LIBOR + 7/8
ANO 3 LIBOR +13/16 5.00% 4.50% LIBOR + 7/8
ANO 4 LIBOR +13/16 5.25% 4.50% LIBOR + 7/8
ANO 5 LIBOR +13/16 5.50% 5.00% LIBOR + 7/8
ANO 6 LIBOR +13/16 5.75% 5.00% LIBOR + 7/8
A PARTIR DO ANO   6.00% LIBOR + 13/16 LIBOR + 7/8
Fonte: BACE/DEDIV

 

 

 

 

PLANO BRASILEIRO DE FINANCIAMENTO
FASE V – 1992
BÔNUS EMITIDOS EM TROCA DA DÍVIDA DO SETOR PÚBLICO
(2 DE 2)
TERMOS DEBT CONVERSION BONDS “C” BONDS PHASE-IN BONDS EI BONDS
VALOR EMITIDO em US$ bilhões 8,48 7,86 2,1 2,2
TAXA DE TROCA 1 1 1 1
PRAZO (anos) 18 20 10 15
CARÊNCIA (anos) 10 10 2 ½ 7
GRANTIA DE PRINCIPAL Nihil Nihil Nihil nihil
GARANTIA DE JUROS Nihil Nihil Nihil nihil
FORMA DE PAGAMENTO 17 parcelas semestrais iguais 21 parcelas semestrais iguais 16 parcelas semestrais iguais 17 parcelas semestrais iguais
TAXA DE JUROS ANUAIS                                 ANO 1 LIBOR + 7/8 4.00% Série D (troca por bônus de desconto): 65% de L + 13/16 Séries P-A e P-B (troca por bônus ao par): as mesmas taxas do bônus ao par LIBOR + 13/16
ANO 2 LIBOR + 7/8 4.00% LIBOR + 13/16
ANO 3 LIBOR + 7/8 4.50% LIBOR + 13/16
ANO 4 LIBOR + 7/8 4.50% LIBOR + 13/16
ANO 5 LIBOR + 7/8 5.00% LIBOR + 13/16
ANO 6 LIBOR + 7/8 5.00% LIBOR + 13/16
A PARTIR DO ANO 7   8.00% LIBOR + 13/16
OBSERVAÇÕES   (1) (2)  
  (1) Capitalização da diferença entre o valor pago com base nas taxas indicadas acima para os anos 1-6 e 8%;  
  (2) Depósito em conta especial da diferença, se positiva, entre o montante apurado à taxa Libor + 13/16 e a taxa  
  efetivamente paga. Não ocorrendo a entrega das respectivas garantias, a taxa de juros será Libor + 13/16.  
  (3) Valor total de Par bonds após a entrega das garantias – 10,49.  
  Fonte: BACEN/DEDIV  

 

Com base na Nota 1 da tabela anterior, verifica-se que a taxa de juros efetiva dos títulos C-Bond foi de 8% a.a.

Já no primeiro ano de implementação do Plano Brady verificou-se aumento nos pagamentos de juros aos bancos privados, como demonstrado pelos autores Nogueira e Rangel[90]:

 

 

 

QUADRO V
Estimativa do efeito do acordo sobre a despesa de juros do setor público no 1º ano de sua Implementação[91]
  em US$ milhões
Discriminação Despesa de juros
Situação anterior[92] 1º ano do acordo
1. Bancos brasileiros[93] 131 442
2. Dinheiro novo de 1988[94] 71 240
3. Juros atrasados de 1991 e 1994[95]  – 356
4. Demais dívidas com bancos estrangeiros[96] 609  
5. Bônus de desconto   437
6. Bônus ao par   420
7. FLIRB   70
8. C-bond   282
9. Bônus de conversão (DCB)   122
19. Bônus de dinheiro novo   22
11. Custo de oportunidade das reservas[97]   64
Total 811 2.475

Fonte: Dados primários: Banco Central do Brasil. Elaboração dos autores

 

III.1.14 – COMISSÕES E GASTOS

            O pagamento de “taxas e custos operacionais das transações” não consta da cópia das traduções dos acordos do Plano Brady enviadas à CPI, mas de outro documento ao qual a CPI não teve acesso: uma “carta” mencionada no texto dos referidos acordos, denotando ausência de transparência em relação aos custos envolvidos na operação:

(d) Taxas e Custos do Agente de Formalização e Eficácia do Acordo. O Brasil concorda em pagar ao Agente de Formalização e Eficácia do Acordo as taxas e os custos operacionais das transações conforme os termos da carta datada de 8 de fevereiro de 1993, do Agente de Formalização e eficácia do Acordo ao Brasil e cujo recebimento foi acusado pelo Brasil.

 

Tal como em todas as negociações com bancos privados ocorridas na década de 80, o Brasil arcou com todos os gastos do Comitê de Bancos, dos agentes e dos bancos privados internacionais, conforme cláusula seguinte:

 

SEÇÃO 9.05. Despesas e Indenizações. (a) Documentação, Investigação e Arrecadação de Despesas, Etc. O Brasil concorda em pagar no prazo de 45 dias corridos a contar do recebimento de respectivo extrato:

 

  1. Todos os custos e despesas razoáveis e documentados do Comitê de Bancos e Assessores para o Brasil (incluindo os honorários advocatícios e despesas de expediente) relativos à negociação, preparação, formalização, entrega e implementação deste Acordo e dos outros Documentos de Bônus;

 

  1. Todos os custos e despesas razoáveis e documentados do Agente de Formalização e Eficácia do Acordo (incluindo honorários advocatícios e despesas de expediente) incorridos em relação à negociação, preparação, formalização, entrega e implementação deste Acordo e dos outros Documentos de Bônus, exceto na medida em que tais custos e despesas foram pagos em decorrência da carta datada de 8 de fevereiro de 1993 do Agente de Formalização e Eficácia do Acordo ao Brasil e cujo recebimento foi acusado pelo Brasil;

 

  • Todos os custos e despesas razoáveis e documentados de casa Adquirente (incluindo honorários advocatícios e despesas de expediente) incorridos em relação a qualquer outro Documento de Bônus ou em relação à proteção dos seus direitos caso o Brasil não cumpra os dispositivos deste ou daqueles instrumentos;

 

  1. Todos os custos e despesas razoáveis e documentos do Agente de Formalização e Eficácia do Acordo (incluindo, sem restrição, honorários advocatícios e despesas de expediente) incorridos em relação a preservação de quaisquer direitos do Agente de Formalização e Eficácia do Acordo nos termos deste Acordo ou de qualquer outro Documento de Bônus ou à obtenção de assessoria legal relativa aos direitos e responsabilidades do Agente de Formalização e Eficácia do Acordo caso o Brasil deixe ou seja alegado que o Brasil deixou de cumprir os dispositivos deste ou daqueles instrumentos; e

 

  1. Quaisquer perdas, danos, sentenças e outros custos e despesas razoáveis e documentados (incluindo todos os honorários advocatícios e despesas de expediente) incorridos pelos membros do Comitê de Bancos Assessores para o Brasil, por qualquer Banco Participante, pelo Agente de Formalização e Eficácia do Acordo ou por qualquer Adquirente em relação a ou decorrente de qualquer Acordo Brasil como resultado de qualquer das transações contempladas pelo Plano de Financiamento de 1992 ou por este instrumento;

 

Ressalvado que o Brasil não será (w) responsável por qualquer valor resultante da negligência grosseira ou má conduta dolosa do Agente de Formalização e Eficácia do Acordo, de qualquer Banco Participante, qualquer Adquirente ou qualquer membro do Comitê de Bancos Assessores para o Brasil, (x) obrigado a pagar nos termos desta Seção 9.05 (a) qualquer valor que não seja incluído no cálculo dos honorários pagos ao Agente de Formalização e Eficácia do Acordo ou de outra forma pagáveis ao Agente de Formalização e Eficácia do Acordo, (y) obrigado a pagar nos termos da Seção 9.05 (a) qualquer valor pago anteriormente pelo Brasil nos termos do ou em decorrência deste Acordo ou de qualquer outro acordo ou (z) obrigado a pagar quaisquer despesas ou hospedagem incorridas por qualquer membro do Comitê de Banco Assessores para o Brasil.

 

      (b) Pagamento de Despesas Relativas aos Bônus. O Brasil concorda em pagar e em manter os Adquirentes e o Agente de Formalização e Eficácia do Acordo isentos de e em não buscar reembolso (i) de todos os custos, despesas e taxas razoáveis e documentos relativos à preparação, impressão, emissão, venda, listagem e entrega dos Bônus, incluindo qualquer selo documentário ou impostos de serviços e quaisquer juros ou penalidades relativas aos mesmos e aplicáveis à emissão, venda e entrega dos Bônus (na forma global temporária, global permanente e definitiva); (ii) de todos os custos e despesas documentados e razoáveis relativos à preparação e impressão de todos os documentos relativos à emissão e venda dos Bônus nos termos deste Acordo; (iii) de todos os custos e despesas de tradução incorridos em decorrência da Parte III (vii) do Apêndice X; (iv) de todos os custos e despesas documentados e razoáveis decorrentes da listagem dos Bônus conforme os termos da Seção 7.01 (b); (v) de todas as taxas e despesas documentadas e razoáveis incorridas em relação à permuta, se aplicáveis, de participações benéficas em quaisquer Bônus Globais por Bônus em forma definitiva em conformidade com os dispositivos do Acordo de Administração dos Bônus; e (vi) de todas as taxas e despesas razoáveis e documentadas incorridas em relação à transferência e à liberação de Bônus em depósito Vinculado e ao endosso de quaisquer Bônus Globais contemplados por este instrumentos em relação à referida transferência e liberação.

 

 

Foi elaborado pelo dep. Ivan Valente, em 18.11.2009, o Requerimento de Informações Nº. 70/09, relativo à solicitação de demonstrativo dos valores pagos a título de comissões e gastos nas negociações da dívida externa brasileira, tendo o Ministério da Fazenda e Banco Central enviado a seguinte informação à CPI, relativamente ao período de 1993 a 2002:

 

 

Endividamento Externo – Encargos acessórios                                          US$ milhões

ANO 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Encargos acessórios 133 132 130 248 616 381 315 357 342 386

Fonte: Nota-Técnica Desig/Gabin-15/2009, datada de 22.12.2009

 

Observa-se que no período de 1993 a 2002 o Brasil pagou mais de US$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de dólares) apenas a título de “Encargos Acessórios”, para efetuar trocas de dívida anterior, sem qualquer benefício ao país, pois os bônus Brady emitidos em 1994 não significaram o ingresso de qualquer recurso ao país (pois os mesmos representaram mera troca de dívida anterior, realizada em Luxemburgo), e as emissões de títulos da dívida externa efetuadas a partir de 1995 se destinaram unicamente a substituir dívida interna por dívida externa, conforme Resoluções do Senado Federal que autorizaram referidas emissões.

 

III.1.15 – CLÁUSULAS ILEGÍTIMAS

 

Os contratos disponibilizados à CPI, relativos às emissões dos bônus Brady, possuem inúmeras cláusulas ilegítimas, cabendo ressaltar:

 

  • ANATOCISMO – A operação Brady carrega um forte indício de ilegalidade decorrente da prática de Anatocismo explícito, decorrente da transformação de parcelas de juros em novos bônus, sobre os quais passaram a incidir novos juros.

 

  • AUSÊNCIA DE REGISTRO DOS TÍTULOS – A emissão de bônus com restrição, em oferta privada, sem registro na SEC constitui irregularidade PASSÍVEL DE INVESTIGAÇÃO.

 

  • RENÚNCIA À JURISDIÇÃO, À IMUNIDADE e ÀS LEIS BRASILEIRAS, assumindo como Lei Regente as Leis de Nova Iorque.

 

  • OBRIGATORIEDADE DE MANTER ACORDO COM FMI

 

  • SUBMISSÃO A ARBITRAGEM

 

  • UTILIZAÇÃO DOS TÍTULOS NO PROGRAMA DE PRIVATIZAÇÕES

 

  • RENÚNCIA A ARGUIÇÃO DO ACORDO – OS COMPROMISSOS DO ACORDO SÃO COLOCADOS ACIMA DE QUALQUER LEI, SEM RESTRIÇÃO:

SEÇÃO 9.06. Nenhuma Defesa ou Contrademanda. O Brasil efetuará todos os pagamentos nos termos deste instrumento incondicional e integralmente sem compensação, defesa (incluindo, sem restrição, por qualquer devedor brasileiro) ou contrademanda, incluindo, sem restrição, compensação, defesa ou contrademanda baseada em qualquer lei, regra ou política (incluindo, sem restrição, a Resolução 1.564) que esteja atualmente em vigor ou que for promulgado posteriormente por qualquer autoridade governamental ou entidade regulatória e que possa afetar adversamente a obrigação do Brasil de efetuar ou o direito de qualquer Adquirente de receber tais pagamentos.

 

 

III.1.16 – MANIFESTAÇÃO DA PROCURADORIA DA FAZENDA NACIONAL

Dada a relevância da operação da dívida externa, superior a US$ 50 bilhões, nos moldes do Plano Brady, transcreve-se, a seguir, a manifestação da PGFN que foi disponibilizada à CPI:

 

 

 

Ministério da Fazenda

Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

 

 

PARECER PGFN/COF Nº 1.197/93

 

 

 

Renegociação da dívida externa de médio e longo prazos do setor público junto a credores privados, no valor global máximo de US$ 57.000.000.000,00 (cinqüenta e sete bilhões de dólares dos Estados Unidos da América). Parecer prévio. 

 

 

 

Estão em exame, nesta Procuradoria-Geral, minutas dos contratos que deverão ser firmados pela República Federativa do Brasil, tendo por objeto a reestruturação da dívida externa de médio e longo prazos do setor público brasileiro junto a credores privados, no valor global máximo de 57.000.000.000,00 (cinqüenta e sete bilhões de dólares dos Estados Unidos da América), nos termos aprovados pelo Senado Federal, consoante as Resoluções de nºs 82, de 18 de dezembro de 1990; 98, de 29 de dezembro de 1992 e 90, de 4 de novembro de 1993.

 

  1. Em 9 de julho de 1992, os representantes do Governo Brasileiro e o Comitê de Bancos Assessores para o Brasil (Bank Advisory Comitee for Brazil) alcançaram um acordo de princípios que se consubstanciou no Sumário dos Principais Termos (Term Sheet) que, submetido ao Senado Federal, foi aprovado pela Resolução nº 98/92. Durante as negociações dos instrumentos contratuais que incorporarão aqueles princípios, algumas alterações se fizeram necessárias e foram levadas à apreciação do Senado Federal, que as aprovou pela Resolução nº 90/93.

 

  1. É de ser registrado que, previamente ao encaminhamento ao Senado Federal, o Sumário dos Principais Termos foi analisado pela Secretaria do Tesouro Nacional (Parecer STN/COREF/DIREF/354, de 14/10/92) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (Parecer PGFN/COF nº 1459/92, de 11 de novembro de 1992, do Dr. Bolívar Moura Rocha).

 

 

AS CARACTERÍSTICAS BÁSICAS DO ACORDO

 

  1. O acordo alcançado enquadra-se, em linhas gerais e com algumas significativas inovações, no denominado Plano Brady para a reestruturação da dívida dos países em desenvolvimento. Anteriormente à conclusão das negociações com o Brasil, assinaram acordos nos moldes do Plano Brady diversos países, entre os quais o México, em 1989, a Venezuela, em 1990 e a Argentina, em 1992.

 

  1. Como enfatizado no mencionado Parecer desta Procuradoria-Geral, o elemento essencial de acordos desse tipo é a novação da dívida objeto de reestruturação, mediante sua troca por bônus de emissão do Governo do país devedor, bônus esses cujos termos envolvem redução do encargo da dívida, seja pela redução do principal ou dos juros, contando esses bônus com algum tipo de garantia de pagamento, seja para o principal, seja para os juros. Na aquisição de garantias, há, normalmente, financiamento parcial concedido pelas instituições financeiras internacionais – Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento.

 

  1. Outro aspecto que cabe ressaltar é que a dívida do setor público brasileiro estará sendo assumida pela União, que se sub-rogará nos direitos dos credores privados. Ao mesmo tempo, será efetuada troca da dívida pelos títulos, conforme a opção dos credores. Em decorrência da assunção, a União tornar-se-á titular dos recursos, em cruzeiros reais, depositados no Banco Central do Brasil pelos mutuários originais, conforme estabelecido nas Resoluções CMN nºs 1.540/89, 1.541/89 e 1.564/89. Tais recursos serão utilizados para amortização da dívida mobiliária interna da União, mantida na carteira do Banco Central do Brasil.

 

A DÍVIDA QUE SERÁ REESTRUTURADA

 

 

  1. Serão reestruturadas as obrigações de pagamento para com credores externos privados a seguir descritas:

 

( i ) Obrigações externas decorrentes de contratos de empréstimo de médio e longo prazos, contraídos por entidades do setor público junto a credores externos privados, objeto do acordo plurianual de reestruturação firmado em 1988 (Multi Year Deposit Facility Agreement – MYDFA), tenham ou não os respectivos montantes sido depositados junto ao Banco Central, nos termos daquele acordo, com as seguintes diferenças:

 

  1. são excluídas obrigações, cujos valores se tornaram livremente remissíveis ao exterior em virtude da Resolução nº 1.838/91, do Conselho Monetário Nacional: setor privado, setor financeiro nacional, Petrobrás e Vale do Rio Doce;
  2. são incluídas as obrigações com vencimento posterior a 31 de dezembro de 1993, enquanto a MYDFA abrangia os vencimentos compreendidos entre 1º de janeiro de 1978 e 31 de dezembro de 1993;
  3. são também incluídos os chamados Downpayment Amounts, parcelas de principal que, nos termos do MYDFA, deveriam ter sido remetidos livremente aos credores externos.

( ii ) Dinheiro Novo de 1988 (1988 New Money), ou seja, obrigações objeto dos contratos de 1988 que importavam ingresso de recursos novos: o Parallel Financing Agreement, o Commercial Bank Cofinancing Agreement e o New Money Bond Exchange Agreement, cujos termos continuam sendo cumpridos pelo Banco Central do Brasil. 

 

 

A PERMUTA DA DÍVIDA POR BÔNUS

 

 

  1. A dívida externa objeto da reestruturação será permutada por bônus, todos de emissão da República Federativa do Brasil. São os seguintes os instrumentos oferecidos em troca da dívida a ser reestruturada:

 

  1. Bônus ao Par (Par Bond), com prazo de trinta anos, amortização única ao final dos trinta anos, garantia total de principal e de doze meses de juros e forma nominativa. A taxa de juros, fixa e sem spread, obedece a uma escala crescente: 4%  no primeiro ano, 4,25% no segundo ano, 5% no terceiro ano, 5,25% no quarto ano, 5,5% no quinto ano, 5,75% no sexto ano e 6% do sétimo ao trigéssimo anos;
  2. Bônus de Desconto (Discount Bond), com prazo de trinta anos, amortização única ao final dos trita anos, desconto de 35% sobre o valor de face, garantia total do montante do principal e taxa de juros de LIBOR acrescido de um spread de 13/16;
  3. Bônus de Redução Temporária de Juros (Front-Loaded Interest Reduction Bond) tem prazo de quinze anos, incluindo nove anos de carência, e amortizações semestrais iguais. A taxa de juros obedece a uma escala crescente nos seis primeiros anos: 4% nos dois primeiros anos, 4,5% no terceiro e quarto anos e 5% no quinto e sexto anos, fixos, sem spread. A partir do sétimo ano, o FLIRB a taxa de juros passa a ser LIBOR acrescida de 13/16% ao ano. O FLIRB tem garantia de pagamento de doze meses de juros até o sexto ano, após o que a garantia retorna ao Brasil e não conta com garantia de principal. São emitidos ao portador.
  4. Bônus de Capitalização (Front Loaded Interest Reduction with Capitalization option ou C-Bond), com prazo de vinte anos, incluindo dez de carência. Têm as mesmas taxas de juros do FLIRB, nos seis primeiros anos, passando a render 8% ao ano, sem spread, a partir do sétimo ano, havendo uma capitalização da diferença entre as taxas iniciais e essa taxa fixa. É um instrumento não garantido, seja quanto a principal, seja quanto a juros, e será emitido ao portador.
  5. Bônus de Conversão da Dívida (Debt Conversion Bond), com prazo de 18 anos, incluindo dez de carência, e taxa de juros de LIBOR de seis meses mais 7/8% de spread, emitidos ao portador.
  6. Bônus de Dinheiro Novo (New Money Bond), com prazo de 15 anos, incluindo sete de carência, redendo juros correspondentes à LIBOR acrescida de 7/8% de spread, emitidos ao portador.

 

  1. Para cada grupo de opções serão firmados Contratos de Permuta (Exchange Agreements). De igual forma, serão firmados Contratos de Administração dos Títulos (Fiscal Agency Agreements), com a Chase Manhattan Bank N. A., que exercerá, ainda, as funções de paying agent, authenticating agent, registrar, transfer agent, conversiona agent, calculation agent e common depositary, e Contratos de Agente para a Formalização e Eficácia do Contrato de Permuta de Bônus (Closing Agent Agreements), com o Citibank N. A.

 

  1. A opção de Reestruturação (Reestructuring Option), de que trata o Sumário dos Principais Termos não alcançou comprometimento suficiente por parte dos credores para torna-lo viável e, dessa sorte, não será implementada.

 

AS GARANTIAS

 

  1. Três dos sete instrumentos antes descritos contam com garantias de juros ou de principal e juros: o Bônus ao Par, o Bônus de Desconto e o Bônus de Redução Temporária de Juros.

 

  1. A garantia de principal tomará a forma de caução, pelo Brasil, de obrigações do Tesouro dos Estados Unidos da América (U.S. Treasury Zero Coupon Bonds), nos termos de um Contrato de Caução (Collateral Pledge Agreement) a ser firmado entre o Brasil, o Administrador das Garantias (Collateral Agent) e o Agente de Pagamento dos Bônus (Fiscal Agent). Tais títulos terão prazo de trinta anos, como os bônus que visam a garantir e não rendem juros. Os títulos ficarão em cautela Federal Reserve Bank of New York que, provavelmente, será contratado para gerir as garantias, por Contrato de Caução de Garantias (Collateral Pledge Agreement).

 

  1. A garantia de doze meses de juros para os Bônus de Desconto, para os Bônus ao Par, bem como para os Bônus de Redução Temporária de Juros, tomará a forma de um depósito em conta vinculada, gerido pelo Administrador das Garantias (Collateral Agent). O saldo dessa conta corresponderá aos vencimentos de juros dos dois períodos semestrais subseqüentes. Para os Bônus ao Par e o de Desconto, deverão perdurar por trinta anos. No caso dos Bônus de Redução Temporária de Juros, o depósito será liberado após o sexto ano.

 

  1. As garantias serão entregues em uma prestação inicial (Initial Collateral), no valor mínimo de US$ 2.800.000.000,00 (dois bilhões e oitocentos milhões de dólares dos Estados Unidos da América) e o restante em quatro parcelas semestrais, iguais e subseqüentes, ao longo de dois anos. A distribuição das garantias pelos diversos instrumentos obedece a regras pré-estabelecidas. No caso de insuficiência de garantias, tanto de principal, quanto de juros, serão emitidos os chamados Phase-in Bonds, no dia da troca. No final do período de composição escalonada de garantias, os Phase-In Bonds serão substituídos por títulos das opções originais. Em razão disso, existem disposições contratuais que tratam de possíveis diferenças financeiras.

 

  1. O acordo a ser assinado prevê que os recursos para as garantias serão provenientes da aquisição dos New Money Bonds, de empréstimos dos organismos financeiros internacionais, bem como das reservas nacionais.

 

O “DINHEIRO NOVO” DE 1988

 

  1. Os créditos relacionados com o Parallel Financing Agreement e o Commercial Bank Confinancing Agreement serão convertidos em Bônus de Conversão da Dívida, sem a obrigação de aquisição de Bônus de Dinheiro Novo. Os decorrentes do New Money Trade Deposit Facility Agreement serão convertidos em Bônus de Dinheiro Novo. No caso especial das parcelas que deveriam, nos temos do Parallel Financing Agreement, ter sido convertidas ao par em investimentos no Brasil, as denominadas Investment Feature Advances, o titular poderá optar por converte-las em Bônus de Dinheiro Novo, ou utilizá-las para a capitalização de instituições financeiras por ele controladas, ou de companhia controladora brasileira. O montante da capitalização deverá ser registrado, como capital estrangeiro, no Banco Central do Brasil.

 

  1. A entidade brasileira objeto da capitalização deverá adquirir, com os recursos investidos, Notas do Tesouro Nacional série M (NTNs – M) , as denominadas IFCR$ Bonds emitidas com fundamento na Lei 8.249, de 2 de junho de 1990, cujas condições financeiras, que deverão aproximar-se das dos Bônus de Dinheiro Novo, serão estabelecidas em decreto.

 

  1. Os bancos brasileiros residentes no exterior poderão optar por dois tipos de títulos: o Bônus de Redução Temporária de Juros com Capitalização e o Bônus de Conversão da Dívida, neste último caso, sem a obrigatoriedade de aporte de novos recursos mediante compra compulsória de Bônus de Dinheiro Novo.

 

MEDIDAS PRECEDENTES Á PERMUTA

 

  1. Para a implementação do acordo, foi necessário apresentar aos credores externos pedido de dispensa de diversas obrigações contratuais, algumas de natureza jurídica e outras de ordem financeira. Isso se deu, principalmente, porque contratos existentes, objeto de reestruturação, ou não, porque contratos existentes, objeto de reestruturação, ou não, continham as denominadas cláusulas de “negative pledge”, pela qual a União se comprometia a não conceder garantias reais em outros contratos, e a “pari passu” pela qual se aquiescia em dar ao credor originário a mesma garantia que fosse dada a outros credores.

 

EMISSÃO DOS BÔNUS

 

  1. Firmados os contratos, uma série de condições deverão ser preenchidas para que se dê a emissão dos bônus, tornando, dessa forma, o contrato eficaz. Os títulos serão emitidos, simultaneamente, no dia da permuta, nos Estados Unidos da América, destinados aos compradores classificados como domésticos, para fins da legislação americana que rege a matéria (Securities Law), e não domiciliados, desde que se enquadrem nos requisitos legais e em outros país, provavelmente Inglaterra, para os demais compradores.

 

  1. Os bônus terão a forma global, ou definitiva. A primeira é escritural e a última é representada por papéis definitivos, na forma da lei e com as características definidas nos acordos. Durante o período em que ficam caucionados, enquanto os montantes não forem reconciliados, não poderão assumir a forma definitiva. Serão impressos pela Casa da Moeda do Brasil, na forma da legislação em vigor.

 

RESOLUÇÃO Nº 82/90, DO SENADO FEDERAL

 

  1. O Senado Federal, no uso de sua competência constitucional, baixou a Resolução nº 82/90, que estabelece condições para a renegociação da dívida externa brasileira, dispondo, no seu art. 4º:

 

“Art. 4º – Os contratos relativos a operações de crédito externo de que participem a União ou suas autarquias:

I – não poderão conter cláusula de natureza política, atentatória à soberania nacional ou à ordem pública, contrária à Constituição ou às leis brasileiras;

II – não poderão conter cláusula que preveja a compensação automática de débitos e créditos ou o ressarcimento, pela União ou suas autarquias, de despesas incorridas pelos credores com viagens, hospedagem ou serviços técnicos ou jurídicos de seu exclusivo interesse;

III – deverão prever adequada proteção às reservas internacionais do País, depositadas no exterior em nome do Banco Central do Brasil;

IV – deverão conter cláusula prevendo a possibilidade de sua modificação, sempre que necessário para restabelecer o equilíbrio contratual, eventualmente rompido pela superveniência de alteração substancial, não causada pelas partes, das condições presentes na época de sua celebração.

 

  • 1º – os contratos de que trata este artigo deverão estabelecer que os litígios deles decorrentes serão submetidos a arbitragem.
  • 2º – um dos árbitros deverá ser escolhido pelo credor, outro pelo devedor, e o terceiro de comum acordo pelos dois primeiros. Não havendo concordância com repeito ao nome do terceiro árbitro, este será designado pelo Presidente da Corte Internacional de Haia.

 

A CLÁUSULA DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

 

  1. A cláusula que trata da solução de controvérsias que possam advir do contrato estabelece, na conformidade com o que dispõe a citada Resolução nº 82/90, que as disputas decorrentes do contrato serão submetidas a Tribunal Arbitral, segundo as normas da UNCITRAL. Dois árbitros serão escolhidos pelas partes e o terceiro de comum acordo. Na hipótese de não haver acordo, o terceiro árbitro deverá ser indicado pelo Presidente da Corte Internacional de Haia. É de ser notado que essa indicação depende de aceitação e, assim, deverá ser encaminhada correspondência àquela Corte, solicitando a seu Presidente anuência prévia para o exercício dessa função, no caso de receber pedido nesse sentido.

 

  1. A questão da eleição da via arbitral, como forma de solução de controvérsias, foi objeto de estudo e discussão, desde a primeira renegociação da dívida externa. Foi criticada, à época da conclusão do acordo de 1984, a aceitação das regras de arbitragem contidas em artigos citados da Convenção para Composição de Conflitos entre Estados e Nacionais de outros Estados, bem como a exigência de que os árbitros fossem Membros do Bar Association de Nova York. Conquanto não tenha sido identificada ilegalidade nessa concordância, o presente acordo incorpora as regras da UNCITRAL para a composição de conflitos que possam vir a existir e não contém mais o requisito de que os árbitros indicados sejam inscritos no Bar Association. A solução arbitral, à parte de ter sido recomendada na referida Resolução 82/90, é prevista no Decreto-Lei nº 1.312, de 15 de fevereiro de 1974.

 

  1. A mesma cláusula prevê renúncia, pela União, de imunidade a procedimentos acautelatórios e de execução perante juiz estrangeiro. Nesse passo, cabe examinar se essa renúncia, em face da Constituição e da lei interna, foi validamente admitida. A respeito, lembra o Ministro Francisco Rezek que as convenções de Viena referem-se a privilégios diplomáticos e consulares, não dispondo sobre imunidade do Estado como pessoa jurídica de direito público, à jurisdição local. “Velhíssima e notória”, continua, é a “norma costumeira que prescreve essa imunidade: par in parem non habet judicium. Nenhum estado soberano pode ser submetido, contra sua vontade, à condição de parte perante o foro doméstico.” (J. F. Rezek – Direito Internacional Público – Editora Saraiva, 2ª edição)

 

  1. Ensina, ainda, que, havendo consentimento, a regra, no Brasil, é a da possibilidade de submeter-se estado estrangeiro ao juízo federal comum, salvo no caso de reclamação trabalhista, que deve processar-se na Justiça de Trabalho. O ilustrado Mestre testemunha que o “Poder Judiciário, pela voz de sua cúpula, guardou fidelidade ao princípio par in parem non habet judicium” e cita Clóvis Bevilaqua que, quando consultor do Ministério das Relações Exteriores, ponderava: “À nossa Constituição, sendo a organização político-jurídica de um povo, não traça regras obrigatórias para outros povos. Assim, quando determina que aos juízes e tribunais compete processar e julgar os pleitos entre Estados estrangeiros e cidadãos, pressupõe a aquiescência desses Estados em aceitar a jurisdição dos nossos tribunais. Esta é a doutrina que o Brasil tem sustentado, e não pode pretender que, em seu território, não tenha aplicação, quando para si a reclama em território sujeito a outra soberania.”

 

 

  1. Se não há objeções à submissões de Estados estrangeiros a cortes brasileiras, desde que respeitadas as imunidades garantidas por tratado, de igual forma não há ofensa à soberania nacional na aceitação de cláusula que permite sejam levadas a cortes estrangeiras medidas cautelares e a execução de sentença arbitral decorrente de litígio em contrato entre a União e particulares. Esse entendimento é consentâneo com a evolução da teoria da extraterritorialidade para a da restrição das imunidades, quando o Estado se envolve em outras atividades que não a diplomática ou consular. Como ressalta o Professor Francisco Resek, na obra acima citada, “o direito concernente a esse tema vive uma fase de contradições e de intenso dinamismo”. Entende, ainda, “não haver desprezo pelo direito internacional costumeiro na atitude de países que restringem imunidade em face de um tipo de presença de Estado estrangeiro que não se previra quando da construção consuetudinária da regra par in parem…” É importante sublinhar que os países que reestruturam recentemente suas dúvidas, nos moldes do Plano Brady, como México, Argentina e Venezuela, aceitaram submissão ampla à jurisdição de cortes estrangeiras, mesmo para o processo de conhecimento. Outros países, como Inglaterra, Suécia, Dinamarca, Turquia, para citar alguns, já renunciaram à imunidade de jurisdição, quando do lançamento de títulos no mercado norte-americano.

 

  1. No que se refere à imunidade de execução, foram preservadas as reservas do País, não sendo permitida a execução de bens em poder do Banco Central do Brasil nem os que não sejam utilizados em atividades comerciais. Na renúncia à imunidade de execução, por outro lado, de acordo com a jurisprudência americana recente, os bens das entidades estatais controladas pelo país soberano não são alcançados pela imunidade de jurisdição. Releva notar, finalmente, que o inteiro teor da cláusula sobre solução de controvérsias, renúncia a imunidades e jurisdição e arbitragem foi levada a conhecimento do Senado Federal, na conformidade da Mensagem Presidencial nº 364, de 14 de outubro de 1993, que encaminhou a Exposição de Motivos 332, de 8 de outubro de 1993.

 

MODIFICAÇÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS

 

  1. A experiência do passado, em que a elevação brusca de taxas de juros levaram os países tomadores de crédito no mercado internacional à insolvência, fez com que esses países procurassem acautelar-se, pleiteando a inclusão nos contratos de denominada cláusula de mudança de circunstâncias, que incorpora o princípio da cláusula rebus sic stantibus. Em contrapartida, os credores se protegiam com a cláusula de recaptura (recapture close), que previa a elevação dos rendimentos dos credores, no caso de alterações de mercado favoráveis aos devedores. O acordo a ser assinado pelo Brasil não prevê nenhuma das duas cláusulas, porque a proteção se dá pela forma como foi estruturada a permuta da dívida, com a emissão de bônus com taxas fixas e variáveis, de molde a não permitir que variações bruscas de taxas de juros tenham repercussão desfavorável ao equilíbrio econômico financeiro do contrato.

 

NOVAÇÃO

 

  1. Nos termos do contrato haverá novação, substituindo-se os devedores originários pela República Federativa do Brasil. Haverá, também, novação objetiva. O valor de principal e juros de todos os contratos do setor público, que estão sendo reestruturados, serão consolidados e os títulos da dívida serão emitidos, com bases nesse valor, segundo a opção previamente acordada com os credores. Subsistirão obrigações decorrentes dos contratos originais que não forem alcançadas pela reestruturação.

 

FORMALIDADES PRÉVIAS

 

  1. Foram preenchidas as formalidades prévias à assinatura dos contratados, a saber:

 

  1. O Senado Federal autorizou a União a celebrar as operações de crédito visando ao reescalonamento e refinanciamento da dívida externa, conforme Resolução nº 98, de 23 de dezembro de 1992, alterada e complementada pela Resolução nº 90, de 4 de novembro de 1993;
  2. A Secretaria do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda pronunciou-se favoravelmente, nos termos do Parecer nº 317, de 23 de novembro de 1993.

 

  1. Nessa circunstância, havendo sido cumpridas todas as formalidades legais e regulamentares, o processo poderá ser submetido ao Senhor Ministro da Fazenda, a fim de que seja autorizada a assinatura dos contratos para permitir a permuta da dívida do setor público por títulos, na forma antes descrita.

 

À superior consideração.

 

 

COORDENADORIA DE OPERAÇÕES FINANCEIRAS DA UNIÃO, em 26 de novembro de 1993.

 

 

 

JOAILCE MARIA MONTE DE AZEVEDO

Coordenadora

 

 

De acordo. Submeta-se o processo á superior consideração do Exmo. Sr. Ministro.

 

PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL, 8  de outubro de 1993.

 

 

 

EDGAR LINCOLN DE PROENÇA ROSA

Procurador-Geral

 

 

A leitura dos termos do citado parecer, bem como a constatação de omissão em relação a vários aspectos da troca realizada em Luxemburgo, ensejam o aprofundamento dos estudos jurídicos sobre a referida troca.

 

III.1.17 – ANÁLISE DA EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO MINISTRO DA FAZENDA AO VICE-PRESIDENTE[98] DA REPÚBLICA EM EXERCÍCIO – E.M. Nº 436, de 13 de novembro de 1992

 

Trata-se de documento relevante, assinado pelo então Ministro da Fazenda Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho, que esteve à frente do Ministério por apenas 2 meses e alguns dias.

 

A E.M. – Exposição de Motivos 436 traduziu as principais características da proposta de transformação da dívida externa brasileira (contratada com bancos privados) em bônus Brady:

 

  • Descreveu, inicialmente, a “Dívida Existente” como sendo a resultante da negociação com bancos privados realizada em 1988, a qual envolveu os seguintes instrumentos:

 

FASE IV – 1987 e 1988
  Interim Financing Agreement  
 

Instrumentos denominados “Dinheiro Novo”, no montante de US$ 5,2 bilhões

Parallel Financing Agreement  
Commercial Bank Cofinancing Agreement  
 

New Money Bond subscription Agreement

BÔNUS  NÃO TRANSFORMADOS EM “BRADY”, TENDO CONTINUADO A CARGO DO BANCO CENTRAL
 

Brazil Investiment Bond

  Multi-Year Deposit Facility Agreement  
  New Money Trade Deposit Facility  
  1988 Interbank Facility Commitment Letter  
  1988 Trade Commitment Letter  
  Deposit Agreement  

 

A E.M. 436 mencionou que tais pactos de 1988 teriam sido firmados em 22 de setembro de 1988, portanto, treze (13) dias antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, envolvendo a cifra de aproximadamente US$ 85 bilhões.

 

Cabe ressaltar, conforme analisado no capítulo II da presente análise, que a PGFN disponibilizou à CPI cópias dos referidos contratos em inglês, acompanhados de documento da Notaria Pública de Nova Iorque que atesta que a assinatura dos mesmos se concluiu em 03/11/1988. Tal fato é altamente relevante, tendo em vista que os mencionados contratos não foram submetidos ao Congresso Nacional e a Constituição Federal de 1988, promulgada em 05/10/1988, foi incisiva ao disciplinar a matéria:

 

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

 

(…)

 

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

(…)

V – Autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados do Distrito Federal dos Territórios e dos Municípios.

 

Por sua vez, a Constituição Federal de 1967 já determinava o referendo do Congresso Nacional a atos internacionais celebrados pelo Executivo, conforme o disposto no art. 83, inciso VIII, da Constituição Federal de 1967: “Compete privativamente ao Presidente celebrar tratados, convenções e atos internacionais, ad referendum do Congresso Nacional”.

 

Segundo Pontes de Miranda[99]:“Qualquer acordo interestatal, inclusive de participação em organizações supra-estatais, interestatais está sujeito à aprovação do Congresso Nacional. Não importa o nome que se dê ao acordo (tratado, convenção, acordo, declaração, protocolo), nem a classificação ou discriminação (tratados políticos, tratados econômicos ou tratados de comércio, tratados consulares), nem sequer a distinção de fundo (tratados-contratos, tratados-leis).”

 

  • Prosseguindo na descrição da “Dívida Existente” a E.M 436 mencionou a contratação do “acordo relativo aos juros atrasados de 1989 e 1990”, com emissão dos IDU Bonds, conforme autorizado pelo Senado Federal por meio da Resolução nº 20 de junho de 1991, cujos contratos teriam sido assinados em 10 de setembro de 1992, em Toronto, Canadá.

 

Cabe ressaltar que naquela ocasião, além do pagamento antecipado de US$ 2 bilhões e da emissão dos IDU Bonds para a regularização de juros de 1989 e 1990, foram efetuados vários outros pactos considerados preparatórios para a realização do Plano, conforme já comentado anteriormente no presente capítulo. O fato de as autoridades monetárias não terem dado acesso a tais instrumentos constitui mais um forte elemento indicativo da necessidade de uma auditoria da dívida pública brasileira, especialmente devido ao fato de terem sido pactuadas renúncias que não se conhece o teor e alcance.

 

Assim, a dívida sujeita à transformação nos denominados Bônus Brady compreendeu, além dos instrumentos antes mencionados relativos a 1988[100] e 1992, os seguintes acréscimos:

  1. Ampliação do conteúdo do MYDFA, na medida em que incluiu na reestruturação “vencimentos para além de 31 de dezembro de 1993”[101]
  2. Adicionalmente, foram “incluídos na reestruturação os chamados Downpayment Amounts, parcelas de principal dos anos 1991-1993 que, nos termos do MYDFA, deveriam ser remetidas livremente aos respectivos credores externos.”
  3. Mais relevante ainda foi o fato de que foram incluídos os “Montantes relativos a juros devidos nos termos dos contratos acima enumerados, e não pagos no decorrer dos anos 1991 e de 1992, bem como de 1993, até o momento de implementação do acordo, atualizados até a data da novação e acrescidos de remuneração. O acúmulo de referidos juros atrasados é decorrência da Resolução nº 1.564/89, do Conselho Monetário Nacional que, conforme lembrado acima, determinou a retenção de juros junto ao Banco Central do Brasil.”

 

 

  • A E.M 436 descreveu o Plano Brady como uma novação da dívida objeto de reestruturação mediante sua troca por bônus de emissão do Governo do país devedor, “bônus esses cujos termos envolvem abatimento do encargo da dívida, seja sob a forma de redução de seu principal, seja por alívio da carga de juros.”

 

Conforme já analisado anteriormente, o referido “desconto” foi meramente aparente. Dessa forma, os termos da referida exposição de motivos pode ter induzido a erro os parlamentares que acabaram aprovando a Resolução 98, às vésperas do Natal e em meio a ambiente conturbado com sucessivas trocas de ministros da Fazenda e impeachment do presidente da República.

 

 

  • Relativamente às garantias concedidas aos credores, a E. M. 436 explicou que “Para estimular a adesão dos credores, os bônus contam com garantia integral ou parcial de pagamento de principal e/ou de juros. A garantia de principal é dada, no mais das vezes, sob a forma de caução de títulos emitidos pelo Tesouro americano, cujo montante de resgate, quando de seu vencimento, pode ser utilizado no pagamento de principal dos bônus por eles garantidos. A garantia de juros, por sua vez, toma a forma de um depósito efetuado em conta especial, em montante que é reinvestido de forma previamente acordada, e computado como parte integrante das reservas internacionais do País. Na aquisição das garantias, o país devedor conta normalmente com financiamento oriundo dos organismos multilaterais – Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento.”

 

A equipe negociadora brasileira era comandada por Pedro Sampaio Malan, na função de negociador-chefe para assunto de dívida externa[102], e o escritório de advogados do Brasil no exterior era o Arnold & Porter. Com a indicação de Pedro Malan para a presidência do Banco Central em 13.08.1993, o negociador-chefe passou a ser André Lara Resende[103]

 

Os bancos credores se apresentaram em comitê denominado “Bank Advisory Committee”, tendo o Citibank como principal Agente, cujo escritório de advocacia era o Sherman & Sterling e o consultor jurídico (dos credores) o escritório Pinheiro Neto. O Chase Manhattan Bank foi designado agente de autenticação e pagamento e o Bank of England como agente de custódia dos bônus referentes a parcelas não conciliadas[104].

 

O Brasil concordou em emitir os seguintes títulos, que foram oferecidos aos bancos credores, em troca da parcela da dívida externa brasileira detida por cada um deles:

 

Par Bond, Discout Bond, FLIRB, C Bond, Debt Conversion Bond, New Money Bond e EI Bond. Além desses, houve ainda o Phase-in bonds, que era o bônus temporário até a conversão das opções dos credores pelo Discount Bonds.

 

Segundo a ex chefe-adjunta do Departamento de Dívida Externa do Banco Central[105], os credores manifestaram sua adesão ao plano por meio de um telex de compromisso (commitment telex), por meio do qual indicaram o tratamento ao qual desejariam ver convertida sua parcela de créditos da dívida pública, indicando uma opção A (Bônus Par) ou opção B (Bônus Discount), que eram os bônus que contavam com garantia de capital principal de 100% e garantia de um ano para os juros. Referidos telex não foram disponibilizados à CPI, embora tenham sido requisitados (Req. 56/09, item II).

 

Conforme mencionado na E.M. 436, o Plano Brady exigia que o Brasil comprasse grande volume de garantias colaterais – representadas por títulos da dívida norteamericana – para garantir 100% do principal dos títulos denominados “Par Bond”, “Discount Bond”, bem como 1 ano de juros dos títulos “Par Bond”, “Discout Bond”, “FLIRB”.

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A CPI da Dívida não teve acesso ao contrato relativo às garantias colaterais – Collateral Pledge Agreement – pois o mesmo não foi enviado pelo Ministério da Fazenda, nem pelo Banco Central, em atendimento ao Requerimento de Informações no. 11/09, como já comentado anteriormente no presente capítulo. No dia 10/12/2009 foi apresentada apenas uma minuta do mesmo em inglês, sem assinaturas. Consta uma folha com assinaturas, sem data, cujo tipo de letra e de impressão difere completamente das demais folhas da minuta enviada à CPI;

 

O valor das garantias, segundo a ex chefe-adjunta do Departamento de Dívida Externa do Banco Central, Ceres Aires Cerqueira[106], foi de US$ 3,821 bilhões, acrescentando que estudo elaborado pelo Depto da Dívida Externa – DEDIV – do Banco Central indicou a conveniência de antecipar a entrega das referidas garantias. O acordo previa prazo para a entrega das garantias dos Discount Bonds. A compra antecipada das garantias colaterais pelo Brasil foi autorizada pela Resolução do Senado no. 41/1995.

 

A CPI solicitou ao Senado Federal[107] os documentos previstos no artigo 16 da Resolução do Senado no. 98/92, que autorizou a reestruturação da dívida nos moldes do Plano Brady, que previa o envio, pelo Poder Executivo, de “comunicação ao Senado Federal informando a participação relativa das diversas fontes de financiamento das garantias inicial (initial collateral) e submetendo a distribuição consolidada das opções definitivas aos credores.

 

Conforme antes mencionado, foi disponibilizado ao Senado e à CPI, apenas a distribuição genérica da distribuição, sem o detalhamento das dívidas objeto de troca e dos respectivos beneficiários da mesma.

 

Tendo em vista que em fevereiro de 2006 o Tesouro procedeu ao resgate antecipado de US$ 6,64 bilhões de bônus Brady, o mesmo Requerimento de Informações nº. 56/09 da CPI foi dirigido ao Ministério da Fazenda. O Ministro da Fazenda,.por meio do Aviso nº. 421, de 13/11/2009, limitou-se a juntar cópia da Nota Derin/Gabin-2009/154 elaborada pelo Banco Central, que já havia sido encaminhada à CPI por aquela autarquia.

 

O Senado enviou à CPI cópia da Exposição de Motivos 332/MF, datada de 8 de outubro de 1993[108], da qual constou somente a distribuição genérica, porém, ainda não definitiva, como ressaltado no item 4 do mesmo documento, antes comentado no presente capítulo.

 

Segundo a ex-chefe-adjunta do Departamento de Dívida Externa do Banco Central, Ceres Aires Cerqueira[109], “durante o período em que o Tesouro Nacional deveria estar acumulando recursos para a compra de garantias, como detalhado abaixo, o Brasil comprometeu-se a não realizar qualquer operação da espécie, em seu próprio nome ou por meio de interposta pessoa, inclusive o Banco Central do Brasil, salvo aquelas previstas contratualmente.”

 

            Tal medida pode ter representado relevante dano ao patrimônio público, tendo em vista o baixo valor de mercado da dívida externa brasileira no período (conforme constou de acórdão do TCU, antes comentado, a Bolívia chegou a comprar dívida externa brasileira sujeita á troca por Brady por apenas 20% de seu valor de face).

 

Adicionalmente, constou da E.M. 332/MF que as garantias teriam assumido a forma de caução e a mesma duração dos bônus:

 

“A garantia de principal tomou a forma de caução, pelo Brasil, de obrigações do Tesouro dos Estados Unidos da América (U.S.Treasury Zero Cupon Bonds) nos termos dos contratos de caução (Collateral Pledge Agreements) firmados entre o Brasil e o Bank for International Settlements-BIS  na qualidade de administrador das garantias (collateral agent) e o Chase Manhattan Bank como agente de pagamento dos títulos (Fiscal Agent). Referidos títulos têm prazos compatíveis com os bônus que objetivam garantir, e são emitidos sem o cupom de juros – daí a denominação zero cupon. A garantia de doze meses de juros para os bônus de desconto, para o bônus ao par, bem como para o bônus de redução temporária de juros, tomou a forma de um depósito em uma conta vinculada gerida também pelo BIS, na qualidade de collateral agent. (…) No caso dos bônus ao par e de desconto, referido depósito deverá perdurar por todo o prazo dos títulos (trinta anos), sendo que no caso do bônus de redução temporária de juros o depósito será liberado em favor do Brasil após o sexto ano.”

 

Na prática, os bônus Brady foram destinados a trocas por dívida interna a partir de 1998, tendo sido também trocados por outros títulos da dívida externa (Global) e, em 2006, o restante existente, no montante de US$ 6,64 bilhões, foi objeto de resgate antecipado. Dessa forma, a função que deveria ser cumprida pela compra de garantias colaterais, de servir de caução para os referidos títulos, perdeu o sentido, ante a prematura negociação dos mesmos.

 

 

III.1.18 – TRANSFERÊNCIA DO PASSIVO EXTERNO DO BANCO CENTRAL PARA O TESOURO NACIONAL

 

A partir de 1983, o Banco Central passou a assumir o papel de devedor em diversos acordos de refinanciamento da dívida externa brasileira, conforme mencionado no capítulo anterior da presente análise preliminar.

 

Com a emissão dos bônus Brady, a dívida que figurava no passivo do Banco Central foi transferida para o Ministério da Fazenda. Segundo a chefe-adjunta do Departamento de Dívida Externa do Banco Central[110], algumas medidas foram adotadas, entre as quais “liquidação de títulos internos, em valor equivalente, referentes à contrapartida dessa dívida”. Tal medida sugere que na década de 80, enquanto o Banco Central assumia empréstimos externos, emitia títulos internos em contrapartida dessa dívida, o que demanda investigação aprofundada.

 

 

Segundo a mesma autoridade, o passivo externo transferido importou nos seguintes valores:

Equivalência em US$ mil
Data Principal Juros Total
15.04.94 24.505.769 3.101.617 27.607.386
22.09.94 45.187 318.438 363.626
31.01.95 0 32.175 32.175
25.08.95 0 1.819 1.819
22.09.95 885 1.130 2.015
Total 24.551.841 3.455.179 28.007.021

 

É importante observar que o valor da dívida registrada no passivo do Banco Central – US$ 28.007.021.000,00 – e que foi transferida para o Tesouro Nacional era bem inferior ao montante negociado por meio do Plano Brady – superior a US$ 43 bilhões – o que demanda o aprofundamento das investigações e a realização da auditoria da dívida prevista na Constituição Federal.

 

O deputado Ivan Valente formulou o Requerimento de Informações nº. 79/09 ao Ministério da Fazenda, solicitando cópias dos lançamentos contábeis, acompanhados dos respectivos históricos detalhados, valores e documentos de respaldo dos registros efetuados nessa transferência de passivos. Em resposta, o Banco Central informou da dificuldade de localizar os lançamentos, apresentando, entretanto, cópias de registros correspondentes à baixa de seu passivo em valores semelhantes aos indicados no livro de Ceres Ayres Cerqueira.

 

 

III.1.19 – TRECHOS DE VERIFICAÇÕES PROCEDIDAS PELO TCU, QUE MENCIONAM TEMAS RELACIONADOS À NEGOCIAÇÃO DO PLANO BRADY

 

  1. DECISÃO 156/1997-PLENÁRIO

 

Cabe finalmente mencionar que a CPI verificou que o Tribunal de Contas da União não chegou a realizar auditoria da troca da dívida externa brasileira, nos moldes do Plano Brady, limitando-se a verificar a compra de parte das garantias colaterais e certas vantagens concedidas a bancos brasileiros, conforme Decisão 156/1997 – Plenário, disponibilizada à CPI, que foi restrita à “concessão de vantagens aos bancos brasileiros no processo de renegociação da dívida externa nem na operação de aquisição de títulos, feita no mercado secundário externo, no período de 09.12.93 a 08.03.94, para obtenção das garantias de parte dos bônus instituídos pela Resolução nº 98/92 do Senado Federal.

 

Entretanto, é importante ressaltar alguns trechos da mencionada decisão, que reforçam a necessidade de realização da auditoria da dívida prevista na Constituição Federal:

 

“(…) Ao Presidente do Banco Central, a SECON, além de requerer a abertura de todas as transações efetuadas para a compra de títulos do Tesouro Norte Americano, utilizados como garantia dos bônus emitidos pela União (Discount Bond e Par Bond), e os termos do contrato de caução (collateral pledge agreement) firmado entre o Brasil e o administrador das garantias, solicitou esclarecimentos para os seguintes questionamentos:

 

3 – de acordo com quadro anexo, observa-se que alguns bancos privados aumentaram substancialmente a sua participação na dívida externa brasileira. Tal fato enseja reflexão acurada na medida em que o racional seria uma fuga do chamado ‘risco Brasil’. Entretanto, principalmente os Bancos Itaú e Real atuaram fortemente no mercado secundário, fortalecendo suas posições como credores do Governo Brasileiro. A possibilidade de se utilizar na privatização pelo valor de face os Debt Conversion Bonds[111], não significaria um privilégio a mais ao setor financeiro nacional?

 

4 – por que os bancos brasileiros trocaram os créditos que detinham em 31 de dezembro de 1990 por Debt Conversion Bonds sem incorrer na obrigação de aportar ‘dinheiro novo’?

 

5 – considerando que a finalidade dos DCB’s era atrair ‘dinheiro novo’ e, na medida em que se obrigou os bancos brasileiros a optarem por tal papel, a liberação dessa condicionalidade vinculada ao DCB não caracterizaria violação do objetivo deste?”.

 

Já ao Secretário-Executivo do Ministério da Fazenda a SECON solicitou a “manifestação do Controle Interno sobre o processo de compra das garantias no montante de US$ 2 bilhões em relação à legalidade, à economicidade e à legitimidade do acordo das compras das garantias referentes às negociações da dívida externa ocorridas no exercício de 1992” e indagou “por que o Tesouro Nacional não participou, por intermédio da COREX, da realização das compras dessas garantias?”.

 

Desses oito tipos de bônus, três (de desconto, ao par e de redução temporária dos juros) estão relacionados com a aquisição de títulos do Tesouro Norte-Americano, feita no mercado secundário.

 São eles:

  1. Bônus de Desconto: Envolve a troca de dívida antiga por bônus com desconto de trinta e cinco por cento sobre seu valor de face, com trinta anos de prazo, amortização em parcela única ao final do prazo (bullet) e taxa de juros de mercado: LIBOR de seis meses mais spread de 13/16 de 1%. Esse instrumento, em forma nominativa, contará com garantia de cem por cento do montante de principal, bem como de doze meses de pagamento de juros.
  2. Bônus ao Par. Envolve a troca ao par da dívida antiga por bônus de juros fixos. Do primeiro ao sexto ano a taxa de juros obedece a uma escala crescente; 4% no primeiro ano, 4,25% no segundo, 5% no terceiro ano, 5,25%, no quarto ano, 5,5% no quinto ano,5,75% no sexto ano, todas essas taxas fixas, sem direito a spread. Do sétimo ao trigésimo ano a taxa de juros será fixada em 6%, também sem direito a spread. Esse ativo terá trinta anos de prazo, com amortização em parcela única ao final do prazo, e será garantido por caução cobrindo 100% do principal, bem como doze meses de pagamento de juros.
  • Bônus de Redução Temporária dos Juros ou FLIRB.

 

Cabe informar que o art. 4º da referida Resolução (98) estabeleceu que as agências ou subsidiárias de bancos brasileiros localizadas no exterior poderiam trocar seus créditos junto ao setor público, detidos em 31 de dezembro de 1990, por Bônus de Conversão de Dívida (Debt Conversion Bonds), sem a obrigação de aporte de dinheiro novo, própria aos optantes.

 

Esse convênio estabeleceu que o BACEN, de acordo com sua atribuição constitucional de administrador das reservas internacionais, seria o gestor das garantias, estando sob sua responsabilidade a abertura de contas especiais, denominadas em moeda estrangeira, em nome da União, que abrigariam os recursos necessários à compra das garantias, e a movimentação dessas contas para a administração de fundos e títulos, sem necessidade de autorização específica da União para cada operação. Está também entre suas atribuições a exclusividade nas operações de câmbio necessárias às compras de garantias.

 

Foi estabelecido, ainda, que a Secretaria do Tesouro Nacional seria responsável pelo aporte dos recursos necessários à compra de garantias e pelos procedimentos administrativos, orçamentários e contábeis necessários à administração do convênio.

 

Com vistas a assegurar o sigilo da operação e garantir que as transações de compras se dessem em condições normais de mercado, a operacionalização do processo de aquisição dos referidos títulos no mercado secundário ficou restrita a três técnicos do DEPIN (Chefe, Chefe Adjunto e um Operador de Mesa). Assim, o Operador de Mesa, durante o período de dezembro/93 a março/94, acompanhou as cotações dos títulos no mercado e, quando as condições fossem favoráveis, dava autorização à J.P. Morgan & Co. para realização da compra em nome do BIS e com recursos deste.

 

As aquisições efetuadas pelo BACEN, no período de dezembro/93 a março/94, totalizaram US$ 2,729,351,250.00, correspondentes a títulos que serão resgatados, em seus vencimentos, pelo total de US$ 18,000,000,000.00, conforme dados fornecidos pelo BACEN.

 

Verifica-se que o rendimento dos títulos no mercado secundário, entre a data de aquisição e a de resgate, será superior ao rendimento obtido pelo BACEN em aplicações de reservas internacionais[112]. Neste ponto, deve-se considerar que a União viu-se obrigada a fazer tal operação para garantir o acordo da dívida externa, o que deixará o valor correspondente à compra efetuada depositado em caução no BIS até o ano 2024.

 

*Na verdade, os altos deságios com que eram transacionados os papéis representativos do Multi-Year Deposit Facility Agreement (MYDFA) – trocados por bônus em abril/94, ao amparo do Plano Brasileiro de Financiamento de 1992 -, ensejavam a realização de muitos negócios no mercado secundário de títulos da dívida, tendo sido os bancos estrangeiros, e não os brasileiros, os mais ativos nesse mercado. O quadro referido mostra a evolução da posição das agências de bancos brasileiros no exterior de 1989 até 1994, vindo os dois bancos mencionados aumentando sua participação já a partir de 1990.

 

Em vista dessas dificuldades e limitações, o BAC [Comitê Assessor de Bancos Comerciais]  e o governo brasileiro acordaram, então, em abrir as opções para os bônus com garantia apenas para os bancos credores “estrangeiros (…)

 

4 – por que os bancos brasileiros trocaram os créditos que detinham em 31 de dezembro de 1990 por Debt Conversion Bonds sem incorrer na obrigação de aportar “dinheiro novo”?

*Ao longo de todos esses anos em que o Brasil participou de processos de reestruturação de sua dívida externa, as negociações foram sempre realizadas com a participação, de um lado, da delegação brasileira e, do outro, dos representantes dos grandes bancos estrangeiros, os quais constituem o Comitê Assessor de Bancos, conhecido pela sua sigla em inglês BAC. Ao final das negociações, além das instituições financeiras estrangeiras, também as agências de bancos brasileiros no exterior que detivessem créditos contra devedores nacionais assinavam os contratos na qualidade de credores, após concordar com as condições pactuadas durante tais negociações.

 

O último acordo, entretanto, trouxe diferenças entre os termos acordados junto aos bancos estrangeiros e as condições estendidas a bancos brasileiros, em função das características dessa negociação.

 

Como é do conhecimento geral, a última negociação foi conduzida nos moldes do chamado “Plano Brady”, que previa, além da securitização da dívida, com desconto[113], também a colaterização de parte dessa dívida.

 

Assim, no caso brasileiro, toda a dívida convertida em Bônus ao Par e Bônus de Desconto conta com 100% de garantia para o principal e 12 meses de garantia para os juros, enquanto os títulos denominados Bônus de Redução Temporária de Juros (FLIRB), contam com a garantia para 12 meses de juros. Naturalmente, a aquisição dessas garantias implicava na realização de gastos pelo Tesouro, que seriam tanto maiores quanto mais elevado fosse o montante da dívida alocado àqueles títulos.

 

Mesmo considerando apenas as opções dos credores estrangeiros e observando os limites estabelecidos para a troca por bônus “garantidos”, foi necessário negociar o aporte das garantias de forma escalonada (inicial + 4 pagamentos semestrais), de modo a preservar a capacidade da União de cumprir as obrigações acordadas com os credores.[114]

 

Em vista dessas dificuldades e limitações, O BAC e o governo brasileiro acordaram, então, em abrir as opções para os bônus com garantia apenas para os bancos credores “estrangeiros”. Por essa razão, o lado brasileiro entendeu que caberia uma contrapartida às agências de bancos brasileiros no exterior e os contratos concluídos estabelecendo que bancos brasileiros não poderiam optar por qualquer título colateralizado, mas, por outro lado, receberiam, preferencialmente, um papel com prazo de amortização mais curto e taxa de juros mais favorável. A melhor opção encontrada pelo governo brasileiro para atender à necessidade imposta pelo contexto negocial foi oferecer aos bancos brasileiros o Bônus de Conversão de Dívida, suprimindo a exigência feita aos credores estrangeiros que optassem por este título, de aportar “recursos novos” em proporção pré-estabelecida.

 

5- considerando que a finalidade dos DCB’s era atrair “dinheiro novo” e, na medida em que se obrigou os bancos brasileiros a optarem por tal papel, a liberação dessa condicionalidade vinculada ao DCB não caracterizaria violação do objetivo deste?

 

*Acredito que a explicação dada anteriormente, em resposta ao item nº 4, atende também ao ponto levantado nesta pergunta”.

 

Obs: Nesse ponto, merece ser transcrito trecho do telex enviado pelo ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira e pelo presidente do Banco Central Francisco Roberto Andre Gros, disponibilizado à CPI pelo TCU[115] do qual constou: “Esclareço a vossa senhoria que o tratamento a ser dado para a dívida elegível junto a agencias de bancos brasileiros no exterior e diferenciado e preferencial em relação aos demais bancos credores do Brasil porque: (1) os bancos brasileiros com seus débitos transformados no bônus de conversão de dívida passarão a receber 100 pct (por cento) dos juros devidos, contra os 30 pct pagos hoje, nem sempre pontualmente; (2) os bancos brasileiros passarão a receber taxa de juros de Libor + 0,875 pct a.a (ou 7/8), superior a Libor + 0,8125 pct a.a. (ou 13/16) que recebem atualmente; (3) terão suas dívidas convertidas ao par, sem sofrer nem a redução de estoque acarretada pelo bônus de desconto, nem a redução de juros (e redução implícita de estoque) acarretada pelos bônus ao par e de redução temporária de juros; (4) terão seus débitos transformados em um bônus que, para os demais credores, demanda o desembolso de 18,18 pct de dinheiro novo, sem estarem obrigados a realizar esse desembolso; (5) estarão recebendo o instrumento de maior valor presente liquido entre os sete instrumentos do meno brasileiro e (6) receberão um instrumento que, pela razões descritas nos itens anteriores, deverá ter significativa liquidez no mercado secundário de títulos.”

 

Reunidas essas informações às outras obtidas diretamente junto aos Departamentos da Dívida Externa-DEDIV e de Operações de Reservas Internacionais-DEPIN, do Banco Central do Brasil-BACEN, e à Secretaria do Tesouro Nacional-STN, os analistas incumbidos da auditoria elaboraram o relatório de fls. 97/110, concordando com as conclusões do Controle Interno do Ministério da Fazenda quanto à observância dos princípios da legalidade e da legitimidade na operação de compra das garantias e na concessão de condições diferenciadas aos bancos brasileiros. No entanto, no que se refere ao princípio da economicidade, a equipe entendeu ter esse princípio sido comprometido nos dois casos. Com relação à concessão de condições diferenciadas aos bancos brasileiros, a equipe é de opinião que o princípio da economicidade não foi observado uma vez que deixou de entrar “dinheiro novo” no país, pois para os títulos oferecidos a esses bancos não existia a obrigatoriedade de conceder novos empréstimos ao Governo Brasileiro. Já no que se refere à aquisição de garantias, a equipe entendeu ter sido a economicidade comprometida uma vez que o exame deve enfocar as operações isoladamente e não em conjunto como o fez a CISET/MF. Assim, considerando que em 13 das 48 operações feitas no período de dezembro de 1993 a março de 1994 os preços de aquisição superaram os valores máximos publicados pela Bloomberg Financial Market Commodities-News, empresa especializada em informações financeiras, inferiram não ter sido observado o princípio da economicidade em parte das operações.

 

 

Dos trechos transcritos, resta evidenciada a necessidade de aprofundamento das investigações, especialmente diante da flagrante ilegalidade no cumprimento do contrato do Bônus de Conversão da Dívida (Debt Conversion Bond), título que se apresentava acoplado ao Bônus de Dinheiro Novo, tendo em vista que o respectivo contrato estabelecia que “para cada 5,5 dólar de dívida antiga transformada em Bônus de Conversão, o credor externo obriga-se a emprestar um dólar de dinheiro novo ao Brasil mediante aquisição de bônus de dinheiro novo”. Considerando que, na prática, durante as negociações foi “dispensada” a obrigação de efetuar o aporte por meio de empréstimo de dinheiro novo, houve, simplesmente, a troca de dívida velha por tais bônus DCB, o que significa relevante alteração no valor da operação, o que deve ser verificado mediante completa auditoria dessa vultosa operação de troca da dívida externa brasileira.

 

  1. Decisão 275/2001 – Segunda Câmara do TCU

Em outra auditoria do Tribunal de Contas da União relacionada a verificação de Reservas Internacionais do país, aquela Corte de Contas se deparou com recursos registrados “Extra-Caixa”, referentes a parte das garantias colaterais do Plano Brady que chegaram a alcançar o montante de US$ 3,2 bilhões, conforme trechos da Decisão Decisão 275/2001 – Segunda Câmara do TCU transcritos a seguir:

“3. De início, o Relatório traz considerações a respeito das dificuldades encontradas pela equipe encarregada da fiscalização para obter informações durante os trabalhos, o que foi atribuído, principalmente, ao instituto do sigilo bancário. Em seguida, registra a falta de consistência de algumas das informações prestadas pelo Bacen, que não dispunha “de controle automatizado com facilidades de recuperação de informações em tempo real, acesso a bancos de dados com informações das operações como remuneração, taxa de juros, custos envolvidos, rentabilidade, contas envolvidas, instituição financeira, entre outras informações gerenciais”.

  1. Sobre as reservas cambiais classificadas no “Extra-Caixa”, esclarece-se que são compostas por contas que, devido a questões administrativas ou à característica das operações, necessitaram de um tratamento diferenciado por parte do Banco Central. São diferenciadas daquelas classificadas como “Caixa” pela origem (empréstimos concedidos), ou mesmo pela destinação (recursos para cumprimento de acordo da dívida externa, operações de aplicações de recursos em agências de bancos brasileiros no exterior).

4.1.Assim, conforme o Relatório, há recursos registrados no “Extra-Caixa” vinculados a acordos da dívida externa brasileira (“Vinculado a Garantias Colaterais”) (…) destinação dos recursos provisionados na conta “Vinculado – Garantias Colaterais” para compor caução no BIS – Bank for International Settlements na Suíça. Os valores ali registrados chegaram a atingir o montante de US$ 3.200.000.000,00 em dezembro de 1993. Trata-se de provisão instituída com a finalidade de compra de títulos do tesouro americano para compor garantia relacionada ao acordo da dívida externa.

NEW MONEY BACK TO BACK

  1. A operação Back-to-Back – Mex/Bra/Mex foi examinada pela equipe, que a explicou nos seguintes termos:

“O governo mexicano, no intuito de atingir a massa crítica (número mínimo de credores) necessária à conclusão de seu Plano de Financiamento 86/90, efetivou depósito a prazo fixo (DPF) junto ao Banco Central do Brasil, o qual foi imediatamente repassado a bancos brasileiros com agências no exterior, igualmente sob a forma de DPF. Esses bancos se encarregaram de comprar papéis mexicanos em igual montante, observadas as características definidas pelo Banco do México, permitindo, assim, que aquele país atingisse adesão suficiente ao encerramento de seu pacote de dívida externa. Essa operação passou a ser conhecida como “Operação Back-to-Back – MEX/BRA/MEX”.

Esse depósito vem sendo renovado sucessivamente, sendo que os juros e parcelas de principal amortizadas, após recebidos pelos bancos brasileiros em nome dos quais estão titulados os papéis mexicanos, são transferidos ao Bacen, que imediatamente providencia sua devolução ao Banco do México, procedendo a baixa dos valores de principal liquidados do DPF original.

Segundo informação prestada pelo DEDIV, desde meados de 1994, aquele Departamento negocia com o Banco Central do México o encerramento da operação, com a transferência da propriedade dos papéis àquele Banco e o concomitante cancelamento do depósito aqui efetuado. Os mexicanos não aceitam o encerramento dessa operação por alegação de que isso poderia caracterizar um buy-back de sua dívida, o que deixaria aquele país em situação desconfortável junto a seus demais credores, preferindo, portanto, manter o depósito na forma atual.

Os valores aqui depositados foram conciliados com o Banco do México, atingindo, em abril de 1994, o valor de US$ 38,323,562.82. Com as amortizações efetuadas, o depósito atingiu, em 22.06.97, o total de US$ 34,115,379.41, estando hoje sendo administrados pelo Banco do Brasil e pelo Banco Real (Ags. Grand Cayman). A contabilização da operação está a cargo do Departamento de Operação das Reservas Internacionais (DEPIN/GEOPI), enquanto os contatos com o Banco do México vêm sendo realizados pelo DEDIV (Departamento da Dívida Externa).

Esta operação realizada entre os governos do Brasil e do México foi um acordo para que o México aumentasse o número de credores externos (massa crítica), incluindo o Brasil entre eles. Deve-se perguntar se houve vantagem para o lado brasileiro para a realização de tal acordo, pois a administração de tais operações tem um custo não desprezível, conforme informações de técnicos do próprio Bacen. Deve-se registrar que o fato da contabilização destes valores como Reservas Cambiais, embora classificadas no Extra-Caixa, são valores que não pertencem às reservas, elevando-se o saldo das mesmas.

Portanto, para o controle das reservas cambiais em base mais próxima da realidade, recomendamos a exclusão do saldo dessa operação dos demonstrativos gerenciais que indicam o rol de contas que compõe o Extra-Caixa, mantendo, no entanto, os controles contábeis da operação até a sua resolução.”

ZERO COUPON BOUNDS

  1. Zero Coupon Bounds são títulos do Tesouro norte-americano que não pagam juros e nem amortizações periódicas antes do seu vencimento. Dessa forma, ao comprar um título deste tipo no mercado, com vencimento para trinta anos, o comprador irá desembolsar aproximadamente 15% a 20% do valor de face do título, que só atingirá 100% do seu valor de face no seu vencimento. Isso não impede que o título seja revendido antes do seu vencimento com atualização devida.

11.1. Nos exames levados a efeito pela equipe, encontrou-se o registro, em dezembro/94, de US$28 milhões desses títulos, chegando a US$ 106,1 milhões em maio de 1996. Tais títulos, segundo o Relatório, referem-se, em sua maioria, a contratos de reescalonamento da dívida da República da Bolívia para com o Brasil, firmados em 15.02.90, que concediam àquele país a possibilidade de liqüidação de seus débitos mediante a efetivação de operações de debt-to-debt swap (troca dos débitos Brasil/Bolívia). Esse acerto consistia na troca de títulos da dívida externa brasileira (MYDFA) por títulos da dívida boliviana na proporção de um por um (1×1). Assim, a Bolívia comprava os títulos da dívida brasileira no mercado financeiro internacional, pagando até 20% do valor de face, e os trocava por títulos da dívida boliviana em poder do Brasil por 100% do seu valor de face.

Considerando os cuidados adotados na operação de US$200 milhões, é de se estranhar, que para o de US$ 750 milhões, o Banco Central não tenha constituído um único processo ou dossiê.

Para uma operação similar de ajuda financeira à Petrobrás chamada de “relending” foram expedidos os Votos CMN 052/90 e 203/90 e o Voto BCB 769/90, além de correspondências oficiais entre os órgãos envolvidos. Portanto a não existência de autorizações e/ou diretrizes similares quando falamos da Linha de Crédito de US$750 milhões concedida à Petrobrás com recursos das reservas cambiais brasileiras é, no mínimo, um fato atípico.

16.Finalizando o Relatório, a equipe assim sintetiza as constatações decorrentes da fiscalização:

“a) atrasos no atendimento das solicitações do TCU, o que estendeu os trabalhos para além dos prazos previstos (item 1.4, fl. 4 do Relatório);

  1. b) inconsistência de dados revelada pela existência de diferentes totais para as contas classificadas no “Extra-Caixa” informados em diferentes auditorias e em diferentes documentos encaminhados à Equipe (item 1.5, fl. 5);
  2. c) relatórios gerenciais inconsistentes com anotações manuscritas e rasuras (item 1.5, fl. 5);
  3. d) incompatibilidade entre os saldos apurados na conta “Outras Contas” pelo DEPEC (Departamento Econômico) e os números utilizados pelo DEPIN no cálculo do saldo das reservas cambiais (item 1.5, fl. 5);
  4. e) inconsistências contábeis identificadas em lançamentos de provisão e de juros a receber e de crédito duvidoso (item 1.5, fl. 5);
  5. f) falta de um sistema de informação e controle das operações com as reservas cambiais, que informe a rentabilidade e custos envolvidos em comparação com outros ativos, taxas e prazos pactuados (item 1.5, fl 5);
  6. g) cobertura de passivos dos bancos Comind e Auxiliar, instituições liquidadas extrajudicialmente, no valor de US$ 544 milhões, com recursos das reservas cambiais (Ofício Depin/Gabin 97/368, fl. 28, Vol. I) em desacordo com o Voto BCB 889/85, parágrafo 15 aprovado pelo Voto CMN 514/85 (fls. 19 a 26, Vol II, item 3.4.12 do Relatório, fl. 15);
  7. h) assistência financeira a agências de bancos brasileiros no exterior na forma de aplicação em depósito a prazo fixo com “funding” do Bacen, sem base legal;
  8. i) registro de operação classificada como “New Money Back to Back” com recursos que por sua natureza não deveriam compor o saldo total das reservas cambiais brasileiras (item 3.6, fl. 22);
  9. j) empréstimo externo concedido ao Estado do Rio Grande do Sul em 1987 com recursos das reservas cambiais superior em US$ 30 milhões à autorização contida nas Resoluções do Senado 125/86 e 126/86 do Senado Federal (item 3.7, fl. 23);
  10. l) custódia de títulos do Tesouro norte-americano (ZCBs) no valor de US$ 9,2 milhões do Tesouro Nacional referentes ao pagamento de dívida de Moçambique, não tendo o Tesouro até esta dado informado ao Bacen que destinação dar aos recursos (item 3.8, fl. 35);
  11. m) realização de operação de empréstimo de US$ 750 milhões à Petrobrás com recursos das reservas cambiais sem amparo legal e documental (instrumentos contratuais, ratificação de autoridades competentes e autorização do Senado Federal, conforme exige o artigo 52, inciso V, da Constituição Federal (item 3.10, fl. 30);”

 

Documento do TCU enviado à CPI mencionou a questão do sigilo bancário:

 

VII. A questão do Sigilo Bancário no STF

168.Um fato relevante e que merece atenção, relacionado ao problema do sigilo bancário, diz respeito ao Mandado de Segurança nº 22801/DF, impetrado pelo Banco Central junto ao Supremo Tribunal Federal, em 18.04.1997, contra o Acórdão/TCU nº 054/97 – Plenário que determinou a apresentação de informações requisitadas em processo de fiscalização, bem como afastamento do Presidente do Banco Central, questionando a constitucionalidade do art. 44 da Lei 8.443/92 (fls. 222/225, Vol. 1). Exsurge do aludido Mandado o incidente de inconstitucionalidade ante a concessão de liminar, suspendendo a eficácia e a execução do decisum prolatado pelo TCU.

 

169.Ocorre que após transcorridos mais de 5 (cinco) anos da concessão da liminar, até a presente data, não houve julgamento do mérito. Esta equipe entende que esta situação vem prejudicando os trabalhos de fiscalização que rotineiramente são desenvolvidos no Bacen e, por conseguinte, o julgamento das contas, de forma que a demora no julgamento do mencionado Mandado vem causando a inversão tumultuária do processo.

 

170.Urge consignar que, ante as competências atribuídas ao Tribunal de Contas da União pela Carta Magna de 1998, resta ao STF apenas julgar o pleito, conferindo à lide interpretação conforme a Constituição Federal, qual seja, os dispositivos da Lei 4.595/64 não se aplicam ao TCU no exercício de suas funções jurisdicionais.

 

171.Desta forma, entendemos que o caso requer a adoção de providências desta Corte de Contas, por intermédio da Consultoria Jurídica, com vistas a provocar o regular andamento do processo, impulsionando a ação por meio de instrumento eficaz disponível para o caso sub examine, alcançável, dentre outros meios, por reclamação (correição parcial).

 

Embora a expectativa do TCU, conforme constou do precitado Acórdão, fosse no sentido de que “ante as competências atribuídas ao Tribunal de Contas da União pela Carta Magna de 1998, resta ao STF apenas julgar o pleito, conferindo à lide interpretação conforme a Constituição Federal, qual seja, os dispositivos da Lei 4.595/64 não se aplicam ao TCU no exercício de suas funções jurisdicionais”, o Supremo decidiu favoravelmente ao Banco Central:

 

EMENTA Mandado de Segurança. Tribunal de Contas da União. Banco Central do Brasil. Operações financeiras. Sigilo.

  1. A Lei Complementar nº 105, de 10/1/01, não conferiu ao Tribunal de Contas da União poderes para determinar a quebra do sigilo bancário de dados constantes do Banco Central do Brasil. O legislador conferiu esses poderes ao Poder Judiciário (art. 3º), ao Poder Legislativo Federal (art. 4º), bem como às Comissões Parlamentares de Inquérito, após prévia aprovação do pedido pelo Plenário da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do plenário de suas respectivas comissões parlamentares de inquérito (§§ 1º e 2º do art. 4º). 2. Embora as atividades do TCU, por sua natureza, verificação de contas e até mesmo o julgamento das contas das pessoas enumeradas no artigo 71, II, da Constituição Federal, justifiquem a eventual quebra de sigilo, não houve essa determinação na lei específica que tratou do tema, não cabendo a interpretação extensiva, mormente porque há princípio constitucional que protege a intimidade e a vida privada, art. 5º, X, da Constituição Federal, no qual está inserida a garantia ao sigilo bancário. 3. Ordem concedida para afastar as determinações do acórdão nº 72/96 – TCU – 2ª Câmara (fl. 31), bem como as penalidades impostas ao impetrante no Acórdão nº 54/97 – TCU – Plenário.[116]

Relator: Ministro Menezes Direito

 

 

A título ilustrativo, transcreve-se, a seguir, parecer que trata da impossibilidade de haver sigilo bancário em negociações de recursos públicos:

 

Os recursos públicos estão protegidos pelo sigilo bancário?

Elaborado em 08.2006.

Tânia Nigri

advogada, pós-graduada em Direito de Empresas pela PUC/RJ, mestre em Direito Econômico pela UGF/RJ

O sigilo bancário é um tema extremamente importante para o Direito apesar de se vislumbrar grande dificuldade no trato das questões a ele relacionadas.

A palavra sigilo, numa primeira acepção, significa “aquilo que permanece escondido da vista ou do conhecimento” [01]. Pontes de Miranda se referia ao vocábulo para designar a liberdade de negação ou a possibilidade de não emitir o pensamento, ou a oposição à sua divulgação. Dessa liberdade, segundo ele, nasceria o direito ao sigilo de correspondência, à inviolabilidade de domicílio [02] e à privacidade [03].

É inerente à própria natureza humana a pretensão de manter alguns aspectos de sua vida econômica à salvaguarda, tanto das autoridades fiscais como dos olhos de terceiros, geralmente ávidos por conhecer a saúde financeira alheia. Esse comportamento protetivo fundamenta-se no princípio da exclusividade, cuja principal característica é o “desejo de estar só”, evitando-se, em certos casos, a presença dos demais. Entretanto, tal sentimento não ocorre somente em relação à Administração Tributária, nem se restringe ao temor do pagamento de pesados tributos; busca evitar, também, que sentimentos baixos por parte de algumas pessoas possam causar alguma espécie de prejuízo àqueles que procuram a proteção.

O sigilo bancário, por sua própria natureza, desperta enorme polêmica na seara do Direito, observando-se a prolação de decisões conflitantes até mesmo nos Tribunais Superiores.

A doutrinas nacional e internacional vêm se empenhado no sentido de tentar precisar o fundamento da obrigação de guardar segredo nas operações bancárias, não havendo, entretanto, nenhuma unanimidade no trato do tema.

A atividade fiscalizadora da atividade governamental vem gradativamente se estruturando e os cidadãos brasileiros têm aumentado o controle das contas públicas. A própria Constituição contém dispositivos incentivadores desse acompanhamento, assim como a Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 04/05/2000, que visa preservar a transparência e a responsabilidade na administração e gerência do dinheiro da coletividade, bem ao encontro do princípio da moralidade administrativa.

O Ministro Marco Aurélio, ao analisar esse princípio dispôs que “o agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César [04]“. Em verdade, o dever de “mostrar honestidade” nada mais seria do que o princípio da publicidade, pelo qual todos os atos públicos devem ser de conhecimento geral, para que a sociedade possa fiscalizá-los [05].

O princípio da publicidade é próprio do Estado Democrático. Reza o art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988 que o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes. Pertencendo o poder ao povo, este não poderá ficar privado de informações concernentes ao agir da Administração Pública. Logo, aquele que atua e decide na qualidade de representante do povo, tem o dever acentuado de dar satisfação dos seus atos [06]

Apesar de encontrar fundamento expresso no caput do art. 37 da Carta Magna, há diversos dispositivos constitucionais que o reforçam. Desta forma, o art. 5º, XXXIII assegura o direito a receber dos órgãos públicos informações do interesse próprio do particular ou de interesse coletivo, o inciso LXXII do mesmo artigo introduziu o habeas data em nosso sistema, permitindo o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante ou de caráter público, constantes nos registros ou bancos de dados de entidades governamentais, possibilitando, ainda, a retificação de dados, o inciso XXXIV, também do art. 5º assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra ilegalidade ou abuso de poder e a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesses pessoais.

. A moralidade administrativa foi alçada à categoria de princípio constitucional expresso somente na Constituição Federal de 1988, previsão escrita jamais encontrada nas Cartas que a precederam, referindo o artigo 5º, inciso LXXIII da Lei Maior à possibilidade de anulação dos atos lesivos à moralidade administrativa.

A moralidade deve ser o princípio informador de toda a atividade desempenhada pela Administração Pública, sendo defeso ao administrador o agir dissociado dos conceitos comuns, ordinários, válidos atualmente e desde sempre, respeitadas as diferenças históricas, do que seja honesto, probo ou justo.

Da leitura da Constituição podemos observar que ela protege dois direitos que aparentemente estariam em rota de colisaõ, ambos organizados sob a forma de princípios: A necessária observância da publicidade e da moralidade na condução das atividades da Administração Pública e a inviolabilidade do direito à intimidade e à vida privada dos administrados.

A aparente colisão entre os diversos direitos fundamentais albergados constitucionalmente é seguramente um dos mais difíceis temas a ser estudado na seara do Direito. Para o desnudamento de tão difícil questão, há que se proceder à penosa tarefa da harmonização de dois ou mais valores fundamentais em conflito.

Aqueles que entendem ser o sigilo bancário um mero desdobramento do direito à intimidade, sustentam haver um confronto quase intransponível entre o dever de publicidade insculpido no artigo 37, caput e a garantia da intimidade prevista no artigo 5º, X, o que não ocorre verdadeiramente , conforme se verá.

A Constituição, ao assegurar a inviolabilidade do direito à intimidade está, por óbvio, se referindo ao direito das pessoas físicas, ou quiçá das pessoa jurídicas privadas, já que protege “a vida familiar, pessoal do homem, a sua vida interior, espiritual, aquela que leva quando vive por detrás de sua porta fechada” [07]. Demonstraria-se absurda e insustentável qualquer hermenêutica que tente estender tal prerrogativa à Administração Pública, seja nos seus atos, seja nas operações bancárias que realiza.

O eminente professor Celso Lafer sustenta que o direito à informação exata e honesta é um ingrediente de juízo indispensável para a preservação da esfera pública [08], o que demonstra, sem qualquer margem de dúvida, que as operações com recursos públicos não devem ser feitas de forma secreta, velada, clandestina.

É fato que o resguardo da intimidade demonstra-se indispensável ao amadurecimento da identidade humana, o que não se ousa questionar, mas não há que se falar em segredo ou vida privada em situações que envolvam bens e direitos públicos, já que tais interesses devem ser de conhecimento de todos.

. Mesmo que entendêssemos, como sustenta grande parte da doutrina, que o sigilo bancário seja uma decorrência natural do direito à intimidade e à vida privada, não encontraríamos qualquer relação conflituosa entre os dois princípios, já que, em verdade, cada um deles se destinaria a um destinatário específico. O princípio da inviolabilidade da intimidade e da vida privada se destinaria a todas as pessoas físicas ou jurídicas, desde que operando com recursos de origem privada, enquanto que o princípio da publicidade se aplicaria a Administração Pública, direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Caso adotássemos esse absurdo e intransponível argumento, estaríamos dando guarida à intimidade do gestor que realizou a operação, o que, data maxima venia, não cabe no Estado de Direito em que vivemos. Não se pode supor que o constituinte, ao elaborar a Carta Cidadã, tenha criado normas de proteção à privacidade e à intimidade do Administrador Público no desempenho do seu munus funcional, com o fito de erigir um mecanismo inibidor do direito à investigação.

Tal assertiva demonstra-se absurda e claramente equivocada, e certamente estimularia a profusão de atos de improbidade administrativa, notadamente o desvio e o mau uso do dinheiro público, que é exatamente o que a Constituição visa evitar.

Resta claro que as transações realizadas pelo Estado não podem se valer de um inexistente direito a confidencialidade, nos moldes daquele protegido pelo inciso X, do artigo 5º da Lei Maior, para se furtarem ao princípio da publicidade.

Não vislumbramos no descortinamento das operações bancárias realizadas com recursos públicos, qualquer malferimento, mesmo que reflexo, ao instituto do sigilo bancário. Não se pode crer que nos financiamentos oferecidos aos particulares, em cumprimento às políticas governamentais, haveria a intimidade dos mutuários a ser protegida, eis que instrumentalizado o empréstimo através de um contrato bancário.

Tal assertiva induziria, por óbvio, pela ilegalidade de todo o conteúdo dos diários oficiais, já que os extratos dos contratos são ali publicados, declinando-se, inclusive, o nome das pessoas e empresas que com o Estado contratam, sem que nunca se tenha oposto o direito à intimidade ou vida privada para coibir tal prática.

Merece lembrar que a Lei nº 8.429/92, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, prevê a necessidade de apresentação anual da evolução patrimonial das pessoas mencionadas, podendo ainda ser pedida a “quebra” do sigilo bancário sempre que paire suspeita de apropriação indevida de recursos públicos, o que demonstra a necessidade de uma completa transparência no trato dos interesses da coletividade, sem a qual não se atingirá a tão almejada, e ainda tão distante, justiça social.

 

Notas

01Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2001. p. 2568.

02Muitos estudiosos entendem haver estreita relação entre a inviolabilidade do domicílio e a intangibilidade do sigilo bancário, alegando que “inviolável a casa, inviolável o cofre, a não ser por ordem do juíz” (VIDIGAL, Geraldo Facó. Hipóteses de quebra de sigilo bancário. Revista da Faculdade de Direito Milton Campos, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 573-574, 1995.

03MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Borsoi, 1995. t. 7, p. 758.

04Recurso Extraordinário nº 160.381-SP, Relator Ministro Marco Aurélio, publicado no RTJ 153/1030.

05 Dessa forma, a conjugação dos princípios da moralidade e da publicidade impediria que o agente público se valesse do escudo da inviolabilidade da intimidade e da vida privada para a prática de atividades ilícitas Na opinião de Alexandre de Moraes seria lícita a utilização de gravações clandestinas, realizadas sem o conhecimento do agente público, para comprovar a sua participação na prática de atos ilícitos, não lhe sendo possível alegar as inviolabilidades a intimidade ou vida privada no trato da res pública; pois, na Administração Pública não vigora o sigilo na condução dos negócios políticos do Estado, mas sim o princípio da publicidade.(MORAES, Alexandre de, Direito constitucional, 7º ed., revista, ampliada e atualizada, São Paulo: Atlas, 2001, p. 125).

06 Ferraz, Sérgio, Dallari, Adilson Abreu. Processo Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 84.

07 DOTTI, René Ariel. Proteção da Vida Privada e Liberdade de Informação, São Paulo, editora Revista dos Tribunais,1980 p. 68

08 LAFER, Celso. A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo, Companhia das Letras, 1991, p.251.

 

 

Embora pontuais, as verificações do TCU denotam a necessidade de realização de ampla auditoria não somente em relação às garantias colaterais – desde sua aquisição até seu destino – uma vez que os bônus emitidos nos moldes do Plano Brady foram prematuramente convertidos em dívida interna, externa, ou resgatados antecipadamente, e não foram fornecidos à CPI os documentos relacionados à destinação daquelas garantias colaterais adquiridas pelo Banco Central.

 

É importante destacar o fato de que, se nem o TCU pode ter acesso à destinação das reservas cambiais, como promover a transparência sobre o verdadeiro custo de se acumular tamanha quantidade de moeda estrangeira, no momento atual, por meio da emissão de títulos da dívida interna, sobre a qual incidem as taxas de juros mais elevadas do mundo? A exigência de transparência aos atos da administração pública, que utilizam recursos públicos

 

  1. Decisão 540/1995 – Plenário do TCU

 

Embora a referida decisão trate de COMISSÃO DE COMPROMISSO EM FINANCIAMENTOS DO BIRD E BID, a mesma menciona a limitação dos órgãos responsáveis pelo controle do endividamento externo brasileiro, justamente à época da negociação do Plano Brady, conforme se depreende da leitura do seguinte parágrafo:

 

Outro elemento que dificulta projetar com exatidão o serviço da dívida externa, conforme registrado pela COREF/DIREF, é a recente conclusão dos acordos externos de reestruturação das dívidas junto aos bancos privados (1992 Financing Plan) e a renegociação no âmbito do Clube de Paris. Nos termos dos referidos acordos, a União responsabiliza-se pelas obrigações dos devedores originais, perante os credores externos, e sub-roga-se internamente nos créditos, repassando as mesmas condições financeiras obtidas. Informam que “a dificuldade, no caso do Acordo de Médio e Longo Prazos com os bancos privados, como exemplo, encontra-se na extrema complexidade do processo de conciliação – são mais de 400 credores e um universo de milhares de operações, que perfazem o montante aproximado de US$ 35 bilhões – que não está concluído”.

 

A referida decisão é importante porque demonstra a ilegitimidade da exigência da onerosa “Comissão de Compromisso”, que “constitui um encargo que incide sobre o saldo não desembolsado do empréstimo”, existente em inúmeros contratos de endividamento externo.

 

Adicionalmente, as diversas dificuldades registradas pelo TCU na presente verificação constituem mais uma evidência da necessidade de aprofundamento das investigações e realização de completa auditoria da dívida externa brasileira, como determina a Constituição Federal, conforme consta da conclusão do voto: “Tendo em vista que é de solar evidência que a execução financeira da grande maioria dos projetos referidos no item 7 do Relatório de Inspeção tem-se mostrado insatisfatória, cerca de 95%, creio que talvez se faça conveniente, a critério desta Egrégia Corte, determinar a realização de auditoria operacional nos projetos BIRD nº 3170 e 3135, considerando os vultosos valores dos empréstimos e que tais operações se destacam em termos do sofrível desempenho na execução financeira.”

 

Decisão 540/1995 – Plenário

Retardamento da execução financeira dos projetos, redundando no pagamento, além do estimado, da denominada “comissão de compromisso”. Comparação dos valores efetivamente pagos com os estimados para pagamento da referida comissão. Perda da isenção parcial de taxa de juros decorrente do atraso do pagamento da dívida. Inexistência de instrumentos normativos que definam com precisão as atribuições dos setores envolvidos.

 

“APRESENTAÇÃO A realização da Inspeção foi determinada pelo Plenário deste Tribunal, na Sessão de 25.01.95, a requerimento do Exmº Sr. Presidente, Ministro Marcos Vinícios Rodrigues Vilaça. Naquela oportunidade, Sua Excelência citou as palavras do Senhor Ministro Luciano Brandão, ao relatar as Contas do Governo, do exercício de 1993, na Sessão de 16.06.94, para trazer à baila a questão do desperdício de recursos públicos. Referiu-se, então, a uma espécie peculiar de encargo, consubstanciado na remuneração paga pelo País a organismos financeiros internacionais, a título de comissão de compromisso, pelos financiamentos concedidos e não liberados ante a inexistência de contrapartida nacional.

 

  1. O problema foi examinado a partir das questões levantadas pela Professora Marília Fonseca, que, em entrevista publicada na edição nº 1.367 da Revista Veja (23.11.94), discorreu acerca das perdas detectadas nos projetos de educação financiados com recursos do Banco Mundial.

 

  1. Fez-se necessário buscar informações sobre os projetos financiados com recursos externos, cujos contratos prevêem o pagamento da comissão de permanência, o que direcionou a análise para os empréstimos obtidos junto aos Organismos Multilaterais de Financiamento, BIRD e BID, e agências de governo estrangeiras.

 

  1. A comissão de compromisso constitui um encargo que incide sobre o saldo não desembolsado do empréstimo.

 

  1. A inspeção foi direcionada, portanto, para os empréstimos contratados diretamente pela União. Assim, foram coletados dados referentes a 58 (cinqüenta e oito) projetos financiados pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, 17 (dezessete) pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID e 3 (três) pelo Kreditanstalf Für Wiederaufbau – KFW, o que representa 97,3 % das operações contratadas junto aos organismos multilaterais de financiamento e a agências governamentais estrangeiras, já deduzidos os cancelamentos.

 

  1. Cumpre informar que os empréstimos concedidos à União pelo BIRD, BID e KFW, compreendendo somente os vigentes em 31.12.94 e os encerrados no qüinqüênio 90/94, totalizaram US$ 8,5 bilhões.

 

  1. Quanto à contrapartida, foram solicitadas informações, inicialmente, à Secretaria de Assuntos Internacionais-SEAIN, do Ministério do Planejamento e Orçamento-MPO, e à Coordenação-Geral de Assuntos Externos-COREX, da Secretaria do Tesouro Nacional-STN, que alegaram a impossibilidade de fornecê-las. Posteriormente, o pedido foi encaminhado às Coordenações Gerais de Orçamento e Finanças dos Ministérios responsáveis por operações de crédito da natureza destas aqui tratadas. Em geral, tais setores não detêm o controle dos valores referentes à contrapartida, eis que controlam, apenas, o pagamento da dívida. Em função desta dificuldade, os números referentes à contrapartida possuem parâmetros diferenciados, constituindo fonte de informação para a equipe os valores liberados pela Secretaria do Tesouro Nacional, Setoriais Financeiras, Unidades Gestoras e valores recebidos por alguns executores.

 

  1. Em relação às transferências (amortização, juros, comissão de compromisso e outros encargos), nos casos em que os Ministérios encaminharam números parciais ou não especificados, foram considerados os dados fornecidos pelo DEORI/BACEN. Chama-se a atenção para o fato de que os números encaminhados pelo DEORI são incluídos no sistema pelos bancos comerciais, que recebem a dívida dos mutuários, não existindo nenhuma forma de controle que certifique a exatidão dos dados.

 

  1. Desta forma, para a estimativa da comissão de compromisso incidente sobre os projetos financiados pelo BIRD, foram utilizados dois parâmetros: o cálculo efetuado pela equipe, a partir da estimativa do Appraisal Report, e os efetuados pela própria COREF/STN. Para os empréstimos do BID, a estimativa foi realizada pela equipe com base apenas na previsão de desembolso fornecida pela COREF/STN. Como se verá, os números podem variar em função do método utilizado.

 

  1. Destaca-se na tramitação do processo em análise a falta de definição das competências decisórias e de especificação das atribuições. O processo decisório é disperso e a estrutura formal tem-se mostrado imobilista e desorganizada, em função das constantes tentativas de reforma administrativa. A dispersão de responsabilidades e os problemas daí advindos levam a crer que há necessidade de um titular que tenha autoridade para acompanhar e dispor sobre qualquer fase do processo, em termos definitivos, ainda nas etapas técnicas, apesar das disposições contidas no Decreto nº 93.872/86 supracitadas.

 

4.8.3. Como se observa, o trabalho técnico realizado na SEAIN se desenvolve, em grande parte, com base em dados e informações dos Organismos Financiadores, apesar dos esforços para se desenvolver métodos e parâmetros próprios. O que foi mencionado somente demonstra a confusa situação encontrada frente à indefinição de competências. Quanto ao acompanhamento, restringe-se o órgão a verificar o andamento do projeto através de informação do executor e de relatórios dos agentes financiadores. Neste sentido, afirmam que “os problemas de execução somente são percebidos quando o desembolso encontra-se atrasado.” 4.8.4. Verifica-se a falta de condições estruturais para o exercício das atividades inerentes ao setor, situação agravada pelas tentativas de reforma administrativa dos sucessivos governos.

 

4.10.3. Dentre os diversos aspectos a serem considerados na contratação de operações de crédito, cabe destacar, do ponto de vista do Tesouro Nacional (art. 6º, Portaria nº 497/90): a) análise do custo/benefício econômico ou social; b) inclusão do projeto a ser financiado no Plano Plurianual da União ou nos planos plurianuais dos estados e municípios; c) existência de previsão orçamentária necessária à execução do projeto no primeiro ano; d) capacidade de pagamento; e) capacidade de endividamento; f) situação de adimplência junto à União e entidades controladas; g) alcance das obrigações contratuais; h) contragarantias.

 

4.10.8. Acrescente-se a isto o fato de que as fontes de dados para controle têm-se mostrado precárias. É o caso, por exemplo, do Cadastro de Obrigações (subsistema do SIAFI), criado pela IN nº 1 de 19.01.89. Este cadastro é elemento fundamental para o acompanhamento das responsabilidades financeiras do Tesouro Nacional, mas, como informado, sobretudo “no que diz respeito às operações avalizadas, não atingiu as metas inicialmente traçadas e ainda enfrenta dificuldades, a despeito dos avanços já obtidos.”

 

4.10.9. Outro elemento que dificulta projetar com exatidão o serviço da dívida externa, conforme registrado pela COREF/DIREF, é a recente conclusão dos acordos externos de reestruturação das dívidas junto aos bancos privados (1992 Financing Plan) e a renegociação no âmbito do Clube de Paris. Nos termos dos referidos acordos, a União responsabiliza-se pelas obrigações dos devedores originais, perante os credores externos, e sub-roga-se internamente nos créditos, repassando as mesmas condições financeiras obtidas. Informam que “a dificuldade, no caso do Acordo de Médio e Longo Prazos com os bancos privados, como exemplo, encontra-se na extrema complexidade do processo de conciliação – são mais de 400 credores e um universo de milhares de operações, que perfazem o montante aproximado de US$ 35 bilhões – que não está concluído”.

 

4.10.10. Agravam a situação as dificuldades operacionais que o órgão tem enfrentado, devido à escassez de recursos humanos e materiais. Espera-se que, com a criação do Departamento da Dívida Pública, na STN, sejam estabelecidas novas condições para a execução das tarefas atinentes à análise da capacidade de pagamento da União.

 

A.1 – CONTAS ESPECIAIS

 

5.1.3. As contas especiais, como se observa nas disposições contratuais e informações obtidas junto ao DEORI/BACEN, funcionam como um fundo rotativo. Após a sua abertura pelo mutuário, é solicitado ao BIRD um depósito inicial (Alocação Autorizada). Com base nessa solicitação, o BIRD, em nome do tomador, saca da conta de empréstimo (conta mantida pelo BIRD, relativa ao empréstimo concedido) e deposita os valores correspondentes na conta especial.

 

5.1.4. Os citados recursos têm por finalidade cobrir gastos realizados no projeto respectivo, funcionando como uma antecipação da liberação de parte do empréstimo, geralmente com limite suficiente para cobrir despesas equivalentes a quatros meses de execução do projeto.

 

5.2.13. Cumpre observar que, para a realização das supracitadas despesas – pagamentos no exterior – deveriam ser utilizados dotações orçamentárias da “Fonte 149 – Operações de Crédito Externas em Bens e/ou Serviços”. No decorrer da auditoria, entretanto, foram levantadas dúvidas sobre a contabilização dessas despesas pelos órgãos executores. Tal fato, porém, não pôde ser averiguado pela equipe.

 

5.2.14. Segundo a COFIN, as sistemáticas de movimentação de recursos externos, até o momento descritas, envolvem sempre a participação da Secretaria do Tesouro Nacional. No entanto, há casos em que é realizada a liberação direta pelo organismo/agência emprestador para o executor, não tendo aquela Secretaria nenhuma participação no processo.

 

A.3 – VOTO

  1. Salienta a Equipe que nenhum dos órgãos envolvidos no processo de contratação de operações de crédito externas detém a totalidade das informações citadas no Relatório de Auditoria. Esses dados gerenciais, de suma importância para o controle, o acompanhamento e a fiscalização estão pulverizados em diversos setores, o que dificultou sobremaneira os trabalhos, com a agravante de que as informações sobre determinada operação nem sempre são coincidentes nesses variados setores.

 

  1. Dessa forma, constatou-se, no que concerne à primeira ótica de análise, que foi contratado, junto aos organismos multilaterais de crédito, o montante de US$ 8,21 bilhões, dos quais US$ 876,1 milhões foram cancelados e US$ 4,39 bilhões ingressaram no País, sendo US$ 1,8 bilhão referente aos projetos em execução. Relativamente às transferências de recursos para o exterior, verifica-se que o País incorreu nas seguintes despesas: US$ 2,29 bilhões em amortizações, US$ 1,35 bilhão em juros, US$ 84,12 milhões em comissão de compromisso e US$ 989 mil em outros encargos. Do confronto entre os ingressos e as transferências, observa-se um saldo líquido positivo de US$ 662,45 milhões.

 

  1. Cientes da impossibilidade de execução dos projetos nos prazos contratuais, os auditores desta Casa ressaltam no Relatório que uma abordagem realista indica a necessidade de se propor mudanças dos critérios de incidência da referida comissão, como também critérios que estabeleçam os montantes contratados. Aduzem que seria lógico que a comissão de compromisso incidisse sobre o saldo a ser programado para o semestre, pois não é razoável supor que haja possibilidade de desembolso dos recursos em um prazo menor do que o previsto.

 

  1. Quanto ao fluxo de contratação das operações de crédito externas, celebradas pela União, ressaltou a Equipe que o processo decisório é disperso e a estrutura formal tem-se mostrado imobilista e desorganizada, em função das constantes tentativas de reforma administrativa. Foi destacada a necessidade da presença de um titular, que tenha poder decisório para acompanhar e dispor sobre qualquer fase do processo, ainda nas etapas técnicas, apesar das disposições contidas no Decreto nº 93.872/86.

 

  1. Acentuam os auditores que, na fase de apreciação da carta-consulta pela COFIEX, não é elaborada análise dos custos e benefícios econômicos e sociais, pelos órgãos de planejamento, para subsidiar a análise do projeto naquela Comissão. A análise somente tem sido feita pelos agentes financiadores e pelos interessados.

 

  1. Um dos fatores preponderantes para a aprovação da carta consulta pela COFIEX é a experiência do mutuário e do executor com respeito ao tipo de projeto considerado. Todavia, verificou a Equipe que “este tipo de apreciação depende da memória dos servidores do setor.” Isto evidencia a ausência de instrumentos e meios adequados para que a Administração possa desempenhar, com eficiência, o papel de intermediária entre as agudas necessidades sociais e as fontes de recursos que possam minorá-las.

 

  1. É estarrecedor saber que empréstimos de baixo custo, para amortização a longo prazo, estão sendo cancelados, porque o Brasil não tem reunido condições para cumprir a sua parte nos acordos, perdendo, dessa forma, as áreas carentes, fonte incomparável de recursos.

 

  1. Tome-se, a título de exemplo, o caso vexaminoso da saúde no Brasil. É fato conhecido que, freqüentemente, os médicos vêem-se forçados a selecionar, entre os enfermos, aqueles que vão ter direito a um leito e a tratamento, e aqueles que estarão fadados à morte, por absoluta impossibilidade de receberem atendimento da rede pública de saúde. Constata-se no Relatório de Auditoria que foram cancelados, na área de saúde, US$ 103,1 milhões, no que tange aos projetos em execução do BIRD, no período de 1990 a 1994. Cumpre observar que o montante refere-se às operações de empréstimo nº 2931(Controle de Endemias do Nordeste), em que foram cancelados US$ 27 milhões, correspondentes a 25% do valor contratado, nº 3072 (Controle da Malária – AM), no qual foram cancelados US$ 26,1 milhões, representando 26% do valor contratado e o já mencionado empréstimo nº 3135 (Saúde Básica para o Nordeste – II), em que foram cancelados US$ 50 milhões, ou seja, 19% do total contratado.

 

  1. Tal sistemática representa um ônus para o País, na medida em que o valor utilizado será amortizado em curto período de tempo, perdendo-se a vantagem do pagamento a longo prazo. A conclusão lógica que se pode extrair de semelhante descompasso é que, com inusitada freqüência, a amortização do empréstimo principia muito antes de o País receber a totalidade dos desembolsos do organismo financiador. Em outras palavras e, de certa forma, o Brasil está emprestando a si mesmo.

 

  1. Outrossim, para uma melhor execução dos projetos e programas governamentais é preciso oferecer treinamento especializado às equipes encarregadas da execução, inclusive no que tange à licitação internacional e às complexas normas e procedimentos dos organismos internacionais.

 

  1. É necessário incluir a participação direta de grupos comunitários interessados nos projetos, bem assim instituir mecanismos eficientes que garantam que os recursos, tanto externos quanto os da contrapartida nacional, fluam para os projetos de acordo com os cronogramas estabelecidos.

 

  1. Quanto à determinação alvitrada no Relatório de Auditoria relativamente à inclusão de dispositivos na referida IN 006/94, que estabelece normas de organização e apresentação de Tomadas e Prestações de Contas e Rol de Responsáveis, e dá outras providências, creio que será de grande valia para o aperfeiçoamento do controle levado a efeito por este Tribunal, porquanto os dados constantes do demonstrativo do fluxo financeiro de cada projeto ou programa financiado com recursos externos, contendo as informações sugeridas pela Equipe, e o destaque das irregularidades verificadas pelo órgão setorial de controle interno, facilitariam a análise da execução daqueles, bem como dos reflexos sobre o mérito das contas do órgão gestor.

 

  1. Tendo em vista que é de solar evidência que a execução financeira da grande maioria dos projetos referidos no item 7 do Relatório de Inspeção tem-se mostrado insatisfatória, cerca de 95%, creio que talvez se faça conveniente, a critério desta Egrégia Corte, determinar a realização de auditoria operacional nos projetos BIRD nº 3170 e 3135, considerando os vultosos valores dos empréstimos e que tais operações se destacam em termos do sofrível desempenho na execução financeira.

 

  1. Restou devidamente provado nos autos que se faz imperioso atacar os problemas relacionados ao atraso na execução dos projetos e programas governamentais financiados com recursos de organismos multilaterais e bilaterais, com o intuito de elevar a eficiência dos gastos públicos.

 

 

Os trechos das três verificações procedidas pelo Tribunal de Contas da União, embora tenham elucidado alguns aspectos da negociação da dívida externa com bancos privados, realizada nos moldes do Plano Brady (Financing Plan 1992), comprovam que aquela Corte de Contas não chegou a proceder à auditoria da referida operação, que se demonstrou desnecessária e extremamente onerosa, com evidências de relevantes danos ao patrimônio público, o que constitui mais uma evidência da necessidade de aprofundamento das investigações e realização da completa auditoria da dívida, tal como determina a Constituição Federal.

 

  1. Decisão 1142/2002 – Plenário do TCU

 

Alguns trechos da decisão Decisão 1142/2002 – Plenário são transcritos a seguir apenas para demonstrar que as importantes conclusões da Decisão anteriormente transcrita – Decisão 540/1995 – não foram implementadas.

 

Adicionalmente, os trechos a seguir comprovam a ingerência existente em contratos da dívida externa nas competências constitucionais da Secretaria Federal de Controle, da Controladoria Geral da União, sendo relevante sua inclusão na presente análise preliminar, para as devidas providências.

 

Decisão 1142/2002 – Plenário

  1. Anualmente, a SFC prepara programas de auditoria contemplando amostras dos projetos do BID, BIRD e ONU (vide vol. V, fls. 127, 193 e 214). Ademais, os projetos pertencentes às áreas julgadas críticas são acompanhados sistematicamente, como parte dos planos estratégicos da SFC.
  2. Em geral, os projetos do BID são auditados pela SFC, conforme estipula a cláusula 5.02 do contrato-modelo do organismo em questão (vide vol. II, fl. 137).
  3. Os projetos do BIRD, todavia, requerem negociações específicas para que a SFC seja responsável pelo controle, pois o inciso “b” da seção 4.01 do contrato-modelo refere-se apenas a “auditores independentes e aceitáveis pelo Banco” (vide vol. II, fl. 107). Os projetos geridos pelo Banco do Nordeste do Brasil – BNB, p. ex., são controlados por auditorias independentes.

 

  1. A Decisão 540/1995 TCU foi bastante enfática ao determinar ao então Ministério do Planejamento e Orçamento, que o pronunciamento da Cofiex acerca das cartas-consultas fosse precedido da análise dos custos e benefícios econômico-sociais dos projetos pelos setores competentes do Ministério (§ 1.1.3) e que se procedesse à mensuração dos custos efetivos das operações de empréstimo junto aos organismos multilaterais de crédito e às agências oficiais estrangeiras (§ 1.1.5), determinação estendida à STN (§ 1.3.2).

 

  1. Na STN, por sua vez, verificou-se que aquela unidade tem priorizado o controle orçamentário-financeiro, cuidando, p. ex., para que recursos não permaneçam ociosos nas contas especiais e para que os waivers sejam mantidos.
  2. Constatou-se, portanto, que as determinações desta Corte de Contas não foram inteiramente implementadas pelos dois órgãos.
  3. O texto em questão propõe uma conclusão perturbadora, que exige uma reflexão por parte da administração pública federal:

‘(…) as justificativas para a contratação de recursos do BIRD – as de que são necessários e vantajosos – não foram confirmadas pelo estudo. (…) o governo precisa se preocupar mais com a dívida gerada por esses empréstimos. (…) o país necessitaria implementar duas ações. A primeira é ajustar um mecanismo de seguro de variação cambial (…). A segunda é no sentido de negociar novas normas para os contratos. Entre as normas que podem ser negociadas sugere-se considerar as seguintes: a de que a amortização do empréstimo somente comece após o integral desembolso dos recursos; e a de que os valores pagos de abertura de crédito e de comissão de compromisso sejam parcialmente devolvidos ao país quando ocorrer cancelamento de recursos contratados.’ (SOARES, mai.1999, p. 37.)

  1. Ante o exposto, submetemos os autos à consideração superior com as seguintes recomendações:
  2. a) reiterar os termos da Decisão 540/1995 TCU no sentido de que os Ministérios da Fazenda e do Planejamento, Orçamento e Gestão mensurem os custos efetivos das operações de crédito externo, determinando-se, adicionalmente, que sejam gerados relatórios gerenciais periódicos a esse respeito;
  3. b) reiterar os termos da Decisão 540/1995 TCU no sentido de que as unidades do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão emitam juízos conclusivos independentes acerca dos custos e benefícios econômico-sociais dos projetos que analisarem, determinando-se, adicionalmente, que esse juízo seja estendido aos projetos que forem acompanhados;

Nesse sentido, devem ser reiterados os termos da Decisão Plenária n° 540/95 (subitens 1.1.5 e 1.3.2), no sentido de determinar ao Ministério do Planejamento e à Secretaria do Tesouro Nacional que proceda à mensuração dos custos efetivos das operações de empréstimo contratadas junto aos organismos multilaterais de crédito e às agências governamentais estrangeiras, com o intuito de dirigir a política de tomada e de cancelamento de recursos, assim como de reestruturação dos projetos envolvidos.

 

Informa o Relatório precedente que a atuação da Secretaria Federal de Controle, em relação aos projetos financiados pelo BIRD, depende de negociação, pois o contrato-modelo existente refere-se apenas a “auditores independentes e aceitáveis pelo Banco” (BIRD). Tal restrição, se confirmada, não pode subsistir nos contratos cujos encargos são suportados pela Administração Federal, uma vez que a competência do Controle Interno para fiscalizar a gestão orçamentária, financeira e patrimonial dos órgãos e entidades federais, bem assim exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, decorre do texto constitucional.

 

 

 

 

 

 

 

 

III.2 – EMISSÕES DE TÍTULOS DA DÍVIDA EXTERNA E TROCAS POR DÍVIDA EXTERNA E INTERNA, REALIZADAS LOGO APÓS O PLANO BRADY

 

APRESENTAÇÃO

 

 

Após o Plano Brady, a partir de 1995 até 2002, verificou-se a emissão acelerada de títulos da dívida externa sob a justificativa de “substituição da dívida interna por externa”, embora o dólar estivesse em franca elevação naquele período, conforme pode ser visto na planilha publicada pelo Tesouro Nacional no endereço seguinte e reproduzido no Anexo VI à presente Análise Preliminar:

http://www.stn.fazenda.gov.br/divida_publica/downloads/soberanosinternet.xls.

 

Consta de documento enviado pelo TCU à CPI a significativa elevação das emissões dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional no início do Plano Real, e respectivos pagamentos, que apresentaram um aumento de 42,7%: “Foram gastos para o pagamento dos títulos da dívida pública, vencidos ao longo de 1995, valores da ordem de R$ 100,2 bilhões, sendo R$ 89,7 bilhões a título do pagamento do principal e R$ 10,5 bilhões a título de encargos.

 

Cabe observar que em 1995, quando o valor do dólar era equivalente ao real, o montante da dívida mobiliária federal situava-se no patamar de R$ 59,2 bilhões, segundo o próprio TCU, e a dívida externa nesse período alcançava U$ 143 bilhões. Diante dessas cifras, os pagamentos de principal e juros indicados pelo TCU – ao longo de 1995, valores da ordem de R$ 100,2 bilhões – se mostram excessivamente elevados, sendo recomendável o aprofundamento das investigações e a realização de auditoria prevista na CF/88.

 

Parte dos contratos correspondentes à emissão de títulos da dívida externa a partir de 1995 foi enviada à CPI pelo Ministério da Fazenda, em atendimento ao Requerimento de Informações Nº. 11/09. Todos os contratos enviados se encontram somente em língua estrangeira.

 

Analisando-se os contratos disponibilizados à CPI relativos às emissões de títulos da dívida externa brasileira no período de 1995 a 2002, constatou-se que a grande maioria dos títulos emitidos continham as mesmas restrições que os emitidos por ocasião do Plano Brady, ou seja, não foram registrados na SEC (Securities and Exchange Comission dos Estados Unidos da América) e não atenderam às exigências da Lei de Valores de 1933 para uma oferta pública nos Estados Unidos, tendo a maioria sido negociados em Luxemburgo, sob as Casas de Compensação Euroclear (Bruxelas) e/ou Cedel (Luxemburgo), pois tais emissões não poderiam se realizar em Bolsas de Valores dos Estados Unidos ou outras bolsas regulares de outros países, conforme já detalhado no presente capítulo.

 

Analisando-se os deságios ocorridos a cada emissão, bem como as comissões compromissadas com os agentes, constatou-se grande variação nos percentuais[117]. Adicionalmente, alguns contratos remetem a um outro documento, onde seriam estabelecidas as comissões e gastos que eram integralmente assumidos pelo Brasil.

 

A CPI aprovou o Requerimento de Informações nº. 70/09 visando a constatar os dispêndios efetivamente incorridos pelo país com tais rubricas – comissões e demais gastos. A mesma resposta apresentada pelo Banco Central e Ministério da Fazenda mostra que tais gastos aumentaram significativamente após o Plano Brady, principalmente devido às emissões de títulos da dívida externa brasileira, totalizando cifra superior a R$ 3 bilhões apenas com encargos acessórios:

 

 

Endividamento Externo – Encargos acessórios                                          US$ milhões

ANO 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002
Encargos acessórios 133 132 130 248 616 381 315 357 342 386

Fonte: Nota-Técnica Desig/Gabin-15/2009, datada de 22.12.2009

 

Tal fato constitui mais um indício sobre a necessidade de realizar a auditoria da dívida prevista na Constituição Federal, a fim de determinar o ônus representado por tais gastos, bem como as justificativas para tais emissões.

 

As emissões de títulos da dívida externa realizadas a partir de 1995 continham as mesmas cláusulas ilegítimas dos acordos da década de 80 e dos contratos do Plano Brady relativas à renúncia à jurisdição, renúncia à imunidade, renúncia ao direito de demandar e submissão a legislação estrangeira, dentre outras. Verificou-se, adicionalmente, que ao mesmo tempo em que o Brasil renunciava a tais direitos, reconhecia o direito dos Agentes de exercer seu pleno direito ou impetrar ações legais contra o Brasil, conforme trechos extraídos de um dos contratos tomados como exemplo, relativo à emissão dos títulos denominas YEN 1997 por Y 80 bilhões[118]:

 

 

  1. c) A República devidamente representa e garante que não tem nenhum direito a imunidade sobre processos ou jurisdição ou qualquer procedimento judicial em qualquer corte competente (…) e irá irrevogavelmente e incondicionalmente concordar em não pleitear ou reclamar qualquer imunidade com respeito a essas obrigações ou qualquer outro assunto relacionado ou advindo ou em conexão com este Acordo ou com as transações nele contempladas.

 

  1. d) (…) A República concorda que os Agentes devem ter o direito, executável à sua inteira discrição, para instruir procedimentos legais contra a República através dos procedimentos contemplados nos artigos 646 a 731 do Código de Processo Civil Brasileiro.

 

 

Constatou-se, adicionalmente, que diversas emissões se deram abaixo do valor de face, ou seja, de início o Brasil já contabilizava uma perda, pois todos os encargos seriam calculados sobre aquele valor de face, que o país nunca chegou a receber.

 

Três emissões muito abaixo do valor de face chamaram a atenção da CPI, relativas às emissões dos títulos Global 2040, Global 2024 e Global 2024-B, pois, respectivamente, foram feitas a apenas 80,203%, 71,270% e 75,581% do valor de face, nos montantes de US$ 5.157.311.000,00, US$ 2.150.000.000,00 e US$ 824.702.000,00, em 09.08.2000, 07.03.2001 e 30.07.2003. Tais operações significaram o pagamento de juros (yeld) da ordem de 13,732%, 12,91% e 12,59% ao ano, respectivamente. Os três contratos correspondentes a tais operações não foram disponibilizados à CPI pelo Banco Central ou pelo Ministério da Fazenda, apesar de reiterados os pedidos.

 

Em 11.12.2009 O Ministério da Fazenda enviou[119] à CPI cópias de minutas dos contratos do Agente de emissão dos bônus Global 2040, Global 2024 no exterior (Dealer Managers Agreement e Fiscal Agency Agreement), mas não os contratos de emissão dos títulos, do qual deveriam constar as respectivas cláusulas e condições pactuadas, restando desatendida a solicitação da CPI.

 

Essas três emissões de bônus Global 2040, 2024 e 2024-B (bem como as demais emissões emitidas ao amparo da Resolução do Senado nº 69/96) devem ser individualmente investigadas, pois diversas delas se destinaram a simples troca dos bônus da dívida externa (Brady, BIB, IDU) por Global, o que pode ter significado aprofundamento do dano ao patrimônio público, pois além de injustificáveis trocas de títulos que já se encontravam cobertos por garantias colaterais (no caso dos Brady), as taxas de juros desses novos bônus Global eram ainda mais elevadas que as dos bônus Brady, BIB e IDU, pois a Libor se encontrava em forte queda a partir do ano 2000.

 

A Resolução do Senado nº 69/96 autorizou recompras e reestruturação de títulos da dívida externa, desde que tais operações resultassem em benefício ao país, conforme artigos 1º e 2º da referida resolução, transcritos a seguir:

Art. 1º. É a União autorizada a realizar operações de recompra e de reestruturação dos títulos da dívida externa brasileira, contemplando a aquisição dos títulos, com deságio, no mercado secundário, a emissão de novos títulos para substituir os antigos ou outras modalidades de operações.

     Art. 2º. As operações a que se refere o artigo anterior deverão resultar necessariamente em benefícios para o País, especialmente em termos de maximização do deságio a ser obtido pela União na recompra ou na troca dos títulos, redução do estoque ou dos encargos da dívida, alongamento dos prazos ou melhoria do perfil do endividamento externo do setor público brasileiro.

 

Considerando os relevantes deságios nas emissões dos títulos Global e as elevadas taxas de juros, torna-se necessária a investigação de cada uma das emissões de títulos da dívida externa, a fim de determinar a ocorrência de dano ao patrimônio público.

 

A CPI confirmou uma das conversões de bônus Brady em Global, conforme mencionado em documento publicado pela Controladoria Geral da União[120], do qual consta, textualmente:

Cancelamento de títulos (Bradies) no montante de US$ 1.287.573.000,00, no mês de julho de 2003, convertidos por títulos da dívida mobiliária externa originada pelas captações internacionais (Global 2011 e Global 2024-B).”

 

Analisando-se as referidas captações internacionais, disponíveis na página www.stn.fazenda.gov.br/divida_publica/downloads/soberanosinternet.xls, verifica-se que os bônus Global 2024-B (no montante de US$ 824,7 milhões) foram lançados em julho de 2003 a um “preço de emissão” equivalente a 75,581%, ou seja, o Estado Brasileiro recebeu pela venda do título apenas ¾ (três quartos) do valor de face do mesmo. Como consequência, a taxa de juros ofertada pelo governo, que era de 8,875% ao ano, na prática foi de 12,59% ao ano para o investidor (“yield”).

 

Tais fatos também constituem relevantes indícios de grande dano ao patrimônio público nacional, pois qual seria a justificativa para uma troca prematura dos bônus Brady (em grande parte cobertos por garantias colaterais) por títulos Global, com significativas perdas de valor de face e com taxas de juros mais elevadas, além do pagamento de onerosas comissões aos agentes no exterior e demais gastos?

 

 

III.2.1 – MECANISMO TEMERÁRIO – “OVER-ALLOT”

 

Uma figura comentada pelo Sr. Armínio Fraga em seu depoimento à CPI também foi confirmada nos contratos examinados, ou seja, a possibilidade de emissões adicionais, denominadas “over-allot”, que são feitas pelos Agentes no exterior e à revelia do país:

 

O SR. ARMÍNIO FRAGA É, os adicionais, que é o tal do overallotment. É praxe de mercado também um pouquinho a mais; se o mercado estiver quente, aproveita-se e faz-se a emissão.

Quanto à relação com derivativos, se os títulos servem de lastro para derivativos, eles servem sim. Existe um mercado muito ativo, muito complicado, cheio de problemas, que é o mercado que chamam de swap de default, que são, no fundo, contratos de seguro; é o que eles são na prática, um seguro contra uma moratória de um emissor, tanto privado quanto público. E são mercados muito pouco transparentes e que usam sim como lastro títulos do emissor. Então, quando é um mercado que funciona, vamos dizer, como um seguro contra um default de um país, esses contratos em geral fazem referência a títulos emitidos pelo próprio país. E é realmente um mercado extremamente complexo, mas…

O SR. DEPUTADO IVAN VALENTE – Mas isso não é uma gestão temerária, operar com essas questões, dando como lastro?

O SR. ARMÍNIO FRAGA – Isso tudo acontece… Por exemplo, no caso da nossa dívida externa, é um mercado que acontece fora do Brasil, nos grandes centros financeiros, e que em alguns casos se mostrou bastante complicada, sem dúvida. E existe um movimento hoje no mundo na direção de se trazer para mercados organizados, centralizados e transparentes, que são as bolsas.

 

Constata-se que os títulos da dívida externa brasileira têm servido de lastro para grandes negócios do mundo financeiro internacional, o que demanda o aprofundamento das investigações inclusive no âmbito externo, especialmente diante dos danosos efeitos da última crise financeira internacional decorrente justamente da emissão desenfreada de derivativos financeiros por bancos privados internacionais.

 

A CPI aprovou o Requerimento de Informações Nº. 72, solicitando as seguintes informações a respeito das emissões denominadas “over-allot” previstas nos diversos contratos de emissão de bônus da dívida externa brasileira enviados a esta CPI:

  1. Qual o amparo legal para tais emissões adicionais, sem limites e inteiramente a critério do agente indicado em cada contrato;
  2. Eventual controle praticado por esse órgão sobre as quantidades das referidas emissões adicionais;
  3. Qual a interferência destas emissões adicionais nas negociações dois títulos da dívida externa brasileira, detalhando os procedimentos necessários à distinção entre tais emissões adicionais (over-allot) e as emissões pactuadas pela República Federativa do Brasil;
  4. Informar se esse órgão tem algum conhecimento sobre as perdas ou ganhos destas operações adicionais apropriadas pelos agentes.

 

Em atendimento, o Ministro da Fazenda encaminhou à CPI o Aviso Nº. 20/MF, que demonstra que não tem sido possível o controle por parte do Ministério da Fazenda sobre tais operações de “over-allot”, que são realizadas exclusivamente pelos agentes no exterior, conforme os seguintes esclarecimentos[121]:

 

Esclarecimentos e Justificativas para a execução das operações denominadas over-allot

 

O mecanismo denominado over-allot (venda a descoberto) é utilizado para que os bancos líderes da emissão (bancos contratados para efetivar a emissão de títulos da dívida mobiliária externa) possam estabilizar o preço do ativo emitido durante o período de distribuição (compreendido entre a data de anúncio, quando é definido o preço de emissão, e a data de liquidação, quando a operação é concluída). Uma das funções atribuídas a essas instituições quando contratadas para fazer as emissões é garantir uma distribuição dos títulos de forma suave, sem grandes variações nos preços, evitando principalmente, quedas substanciais nos valores de mercado.

            O comportamento do preço do título durante o período de distribuição é um dos indicadores do grau de sucesso da operação feita pelo emissor. Se o preço subir muito na ausência de algum fator que justifique tal comportamento, pode significar que o título tenha sido vendido a um preço abaixo do preço justo. Por outro lado, o fato do preço cair muito sem alguma justificativa aparente pode ser um sinalizador de que o título foi vendido a um preço acima do preço considerado justo. Neste caso a República teria um ganho a curto prazo, mas uma perda a longo prazo, dado que em emissões futuras os investidores, sabedores do ocorrido, demandarão um prêmio maior para se proteger contra uma eventual queda no preço do título.           

Em geral, em operações primárias tanto de renda fixa quanto de renda variável, alguns compradores vendem o ativo após a emissão, na expectativa de obter ganhos no curtíssimo prazo. Este comportamento pode ocasionar quedas bruscas no preço do título. O mecanismo de over-allot permite ao banco líder atuar na ponta compradora do mercado, o que matém o preço em linha com a emissão e reduz a possibilidade dos demais investidores sofrerem alguma perda financeira. O procedimento consiste no compromisso de venda, por parte do banco líder, de uma quantidade de títulos levemente superior à quantidade autorizada pela República. Na prática, porém, é emitida efetivamente apenas a quantidade autorizada pela República e especificamente no prospectus supplement. O banco líder, para fazer frente à posição vendida a descoberta por ele assumida, atua na ponta compradora do mercado secundário, absorvendo os títulos que são vendidos logo após a emissão.

O mecanismo de over-allot é uma prática difundida no mercado internacional e autorizada pela SEC (Securities and Exchange Commission – órgão regulador do mercado financeiro americano), que impõe o limite de 15% do total emitido na operação. Por último, cabe enfatizar que o mecanismo em questão não representa nenhum impacto nocivo para a República, pois a quantidade de títulos efetivamente emitida é exatamente aquela previamente autorizada e, além disso, a taxa de emissão, que caracteriza o seu custo efetivo, é definida pelo emissor previamente ao início das negociações no mercado secundário.

            O banco líder, por outro lado, pode obter tanto ganhos (caso o preço do título caia após a emissão) quanto perdas (caso o preço do título suba após a emissão) em decorrência da venda a descoberto. Entretanto, os preços aos quais os bancos compram os títulos no mercado secundário constituem informação confidencial, à qual os emissores não têm acesso, e não afetam os custos que a República definiu quando da emissão do título.

 

 

Constata-se que os referidos esclarecimentos demonstram a existência de controle por parte do Ministério da Fazenda e Banco Central sobre as quantidades das referidas emissões adicionais, merecendo destaque a possibilidade de o banco líder obter ganhos extras com os títulos da dívida externa brasileira emitidos sob a cláusula denominada “over-allot”. Adicionalmente, cabe ressaltar a informação prestada pelos órgãos citados, no sentido de que as compras de títulos no mercado secundário constituiriam informações confidenciais, à qual os emissores (no caso, o Brasil) não têm acesso.

 

Tais aspectos demandam o aprofundamento das investigações e a verificação de ocorrência de danos ao patrimônio público brasileiro.

 

A recente crise financeira internacional escancarou a ausência de regulamentação do mercado financeiro internacional e o completo desrespeito a limites de emissão de derivativos por parte dos grandes bancos privados internacionais, muitos inclusive atuantes como agentes de emissões brasileiras no exterior.  Esse fato constitui forte indício de que esse tipo de operação financeira é de fato temerária, conforme debates ocorridos na CPI, antes transcritos

 

É importante ressaltar que o Tribunal de Contas da União informou à CPI[122] que a norma denominada ISSAI 5440[123], editada pela INTOSAI – International Organization of Supreme Audit Institutions, determina a auditoria de derivativos, destacando a confirmação das condições principais com a contraparte do derivativo e a inspeção dos acordos subjacentes, além de outras formas de documentação de comprovação. Entretanto, dentre os diversos relatórios enviados por aquela Corte de Contas à CPI, não se encontra qualquer investigação acerca de tais papéis, nem dos contratos que admitem operações de “over allot”, o que constitui mais uma prova da necessidade de aprofundamento das investigações e realização da auditoria da dívida prevista na Constituição Federal.

 

 

III.2.2 – COMPROMISSO DE PAGAMENTO DE PRÊMIO ADICIONAL

 

Dentre as cópias dos contratos enviados à CPI observou-se a referência a outro instrumento denominado “Deed of Covenant”, que não foi disponibilizado à CPI.

 

Tal termo significa “Termo de Convênio”, ou seja, um documento legal que registra a obrigação de pagar uma quantia especificada, por um número determinado de anos, ou seja, uma espécie de “prêmio”.

 

Esse constitui mais um fato que deve ter a investigação aprofundada tanto sob o aspecto financeiro como jurídico.

 

 

III.2.3 – MARCO LEGAL DA EMISSÃO ACELERADA DE TÍTULOS DA DÍVIDA EXTERNA APÓS O PLANO BRADY e TROCA POR DÍVIDA INTERNA e VICE-VERSA

 

A CPI detectou que a seqüência de emissões aceleradas de títulos da dívida externa logo após a emissão do bônus Brady foram autorizadas pelo Senado Federal, conforme Resoluções listadas a seguir, cuja justificativa era a substituição da dívida interna por dívida externa:

 

  1. A Resolução do Senado Federal Nº 87, de 19 de dezembro de 1994 autorizou a emissão de títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional no exterior, no valor de US$ 2.000.000.000,00 (dois bilhões de dólares), destinando-se os recursos à substituição da dívida mobiliária interna por dívida externa;

 

  1. A Resolução do Senado Federal Nº 57, de 10 de novembro de 1995 elevou o referido valor para US$ 5.000.000.000,00 (cinco bilhões de dólares), mantendo a mesma destinação acima citada;

 

  1. A Resolução do Senado Federal Nº 51, de 10 de junho de 1997 elevou o referido valor para US$ 10.000.000.000,00 (dez bilhões de dólares), mantendo a mesma destinação acima citada;

 

  1. A Resolução do Senado Federal Nº 23, de 29 de junho de 1999 elevou o referido valor para US$ 20.000.000.000,00 (vinte bilhões de dólares), mantendo a mesma destinação acima citada;

 

  1. A Resolução do Senado Federal Nº 74, de 19 de dezembro de 2000 elevou o referido valor para US$ 30.000.000.000,00 (trinta bilhões de dólares), mantendo a mesma destinação acima citada;

 

  1. A Resolução do Senado Federal Nº 34, de 28 de junho de 2002 elevou o referido valor para US$ 000.000.000,00 (quarenta bilhões de dólares), mantendo a mesma destinação acima citada.

 

  1. A Resolução do Senado Federal Nº. 20, de 16.11.2004, autorizou a emissão de títulos da dívida externa no valor de até US$ 75.000.000.000,00 (setenta e cinco bilhões de reais), determinando a destinação dos recursos para “pagamento da Dívida Pública Federal (DPF), de responsabilidade do Tesouro Nacional.”

 

Tais resoluções determinam que a NATUREZA da dívida externa mobiliária desde 1995 tem sido a emissão de dívida para pagar dívida interna. Esse fato demonstra o caráter estritamente financeiro da dívida externa mobiliária, que não servido como instrumento de financiamento de políticas de interesse do país, mas tão somente para a manutenção do modelo de endividamento.

 

Observou-se que no período de 1995 a 2002 o preço do dólar se encontrava em elevação no mercado internacional. Adicionalmente não se verificou, no período, qualquer redução no montante da dívida interna, que também continuou crescendo.

 

A CPI pesquisou a legislação brasileira que autorizou operações de “troca”, “refinanciamento”, “permuta”, “resgate antecipado” e “reestruturação” de dívida externa, tendo localizado diversos atos legais que comprovam a relação direta entre as dívidas interna e externa, merecendo destaque os atos a seguir, relativos à emissão de títulos da dívida interna federal – NTN – para troca de títulos da dívida mobiliária recém lançados no Plano Brady:

 

 

Decreto 2.701, de 30.07.1998, estabelece as características dos Títulos da Dívida Pública Mobiliária Federal Interna.

Art. 4º. A NTN-A, a ser utilizada na operação de troca por “Brazil Investiment Bond – BIB”, de acordo com o inciso III do art. 1º da Medida Provisória nº 1.697-56/98, e pelos demais títulos emitidos em decorrência de acordos de reestruturação da dívida externa brasileira, será emitida em nove subséries distintas: NTN-A1, NTN-A2, NTN-A3, NTN-A4 , NTN-A5, NTN-A6, NTN-A7, NTN-A8 e NTN-A9.

  • 1º A NTN-A1 , a ser utilizada nas operações de troca por ” Brazil Investment Bond – BIB” terá as seguintes características:
  • 2º A NTN-A2 , a ser utilizada nas operações de troca por ” Interest Due and Unpaid Bond – IDU”, terá as seguintes características:
  • 3º A NTN-A3 , a ser utilizada nas operações de troca por “Par Bond “, terá as seguintes características:
  • 4º A NTN-A4 , a ser utilizada nas operações de troca por “Discount Bond“, terá as seguintes características:
  • 5º A NTN-A5 , a ser utilizada nas operações de troca por ” Front Loaded Interest Reduction Bond – FLIRB“, terá as seguintes características:
  • 6º A NTN-A6 , a ser utilizada nas operações de troca por “Front Loaded Interest Reduction Bond With Capitalization – C- Bond“, terá as seguintes características:
  • 7º A NTN-A7 , a ser utilizada nas operações de troca por “Debt Conversion Bond – DCB“, terá as seguintes características:
  • 8º A NTN-A8 , a ser utilizada nas operações de troca por “New Money Bond – NMB“, terá as seguintes características:
  • 9º A NTN-A9 , a ser utilizada nas operações de troca por “Eligible Interest Bond – EIBond “, terá as seguintes características:

 

 

As NTN haviam sido autorizadas preliminarmente por meio da MP – Medida Provisória nº 294, de 31.01.1991, que estabeleceu regras para a desindexação da economia e em seu artigo 30 determinava que o Ministro da Economia, Fazenda e Planejamento poderia autorizar a emissão e definir as características das Notas do Tesouro Nacional – NTN, destinadas a prover o Tesouro e recursos necessários à manutenção de equilíbrio orçamentário ou para realização de operações de crédito por antecipação da receita, observados os limites legalmente fixados.

 

Em seu parágrafo único a MP-294 estabeleceu que poderia ser autorizada a emissão de NTN com cláusula alternativa de opção, por ocasião do resgate, pela atualização cambial com base na variação do dólar norte-americano, fixada pelo Banco Central do Brasil – Bacen.

 

A Lei nº 8.177, de 01.03.1991, convalidou a MP 294, criando e estabelecendo algumas regras sobre a NTN:

“Art. 30 – É criada a Nota do Tesouro Nacional (NTN), a ser emitida, respeitados a autorização concedida e os limites fixados na lei orçamentária, bem como em seus créditos adicionais, com finalidade de prover o Tesouro Nacional de recursos necessários para cobertura de seus déficits explicitados nos orçamentos ou para realizações de operações de crédito por antecipação da receita.

  • 1º Poderá ser autorizada a emissão da NTN com cláusula alternativa de opção, por ocasião do resgate, pela atualização cambial com base na variação da cotação do dólar norte-americano, divulgada pelo Banco Central do Brasil.
  • 2º As Notas do Tesouro Nacional (NTN), a partir do seu vencimento, terão poder liberatório para pagamento de qualquer tributo federal, de responsabilidade de seus titulares ou de terceiros, pelo seu valor de resgate.”

 

A partir da Lei nº 8.249, de 24.10.1991, que estabeleceu características da NTN, foi permitida a emissão de NTN para troca voluntária por Bônus da Dívida Externa Brasileira, de emissão do Tesouro Nacional, que foram objeto de permuta por dívida externa do setor público, registrada no Banco Central do Brasil, através do “Brazil Investment Bond Exchange Agreement”[124], de 22.09.1988.

 

De acordo com o artigo 12 do Decreto nº 1.019, de 23/12/1993, as NTN poderão ser colocadas das seguintes formas:

  1. a) oferta pública, com realização de leilões, podendo ser colocadas ao par, com ágio ou deságio;
  2. b) direta, em favor de autarquia, fundação ou empresas públicas, ou sociedade de economia mista federais, mediante expressa autorização do Ministro de Estado da Fazenda, não podendo ser colocada por valor inferior ao par;
  3. c) direta, em favor do interessado e mediante expressa autorização do Ministro de Estado da Fazenda, não podendo ser colocada por valor inferior ao par, quando se tratar de emissão para atender ao Programa de Financiamento às Exportações (Proex), instituído pela Lei nº 8.187/1991; nas operações de troca por BIB, de que trata o art. 1º da Lei nº 8.249/1991; e, nas operações de troca por bônus a serem emitidos quando da assinatura de acordo de reestruturação da dívida externa.

 

 

A constante troca de títulos da dívida externa e interna se encontra evidenciada em vários outros atos legais, desde 1987, demonstrando a estreita relação entre os dois tipos de dívida pública, que se financiam mutuamente.

 

Adicionalmente, a CPI constatou a troca de títulos da dívida externa (Brady, IDU e BIB) por bônus Global, ao amparo da Resolução do Senado nº 69/1996, que permitiu a realização de operações de recompra e de reestruturação dos títulos da dívida externa brasileira, desde que resultasse necessariamente em benefícios para o País, sendo que os indícios são inversos, ante os elevados deságios nas emissões dos novos títulos, das elevadas taxas de juros, pagamento de comissões e demais gastos, além da inclusão da Cláusula de Ação coletiva, que será abordada no próximo capítulo da presente análise.

 

A partir de 2004 o Brasil passou a resgatar antecipadamente grandes volumes da dívida externa, inclusive com ágio, como se verá no próximo capítulo, ao mesmo tempo em que seguiu emitindo dívida interna aceleradamente.

 

 

 

 

III.2.4 – NECESSIDADE DE ANÁLISE DE CADA OPERAÇÃO POR PARTE DO SENADO

 

A CPI verificou que as sucessivas Resoluções do Senado Federal autorizaram a emissão de títulos da dívida externa e estabeleceu um teto para tais emissões, sendo que o art. 52, inciso V, da Constituição Federal de 1988, combinado com o art. 389 do Regimento Interno do Senado Federal, que estabelece as regras para a apreciação dos pedidos de autorização de quaisquer operações externas de natureza financeira, estabelecem as seguintes atribuições para o Senado Federal:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:

V – autorizar operações externas de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.

Por sua vez, o Regimento Interno do Senado estabelece:

Secão I

Da Autorização para Operações Externas de

Natureza Financeira

 

Art. 389. O Senado apreciará pedido de autorização para operações externas, de natureza financeira, de interesse da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios (Const., art.52, V), instruido com:

            I – documentos que o habilitem a conhecer, perfeitamente, a operação, os recursos para satisfazer os compromissos e a sua finalidade;

            II – publicação oficial com o texto da autorização do Legistlativo competente;

            III – parecer do órgão competente do Poder Executivo.

            Parágrafo único. É lícito a qualquer Senador encaminhar à Mesa documento destinado a complementar a instrução ou o esclarecimento da matéria.

 

Art. 390. Na tramitação da matéria de que trata o art. 389, obedecer-se-ão as seguintes normas:

            I – lida na Hora do Expediente, a matéria será encaminhada à Comissão de Assuntos Econômicos, a fim de serf formulado o respectivo projeto de resolução, concedendo ou negando a medida pleiteada;

            II – a resolução, uma vez promulgada, será enviada, em todo o seu teor, à entidade interessada e ao órgão a que se refere o art. 389, III, devendo constar do intrumento da operação.

 

Art. 391. Qualquer modificação nos compromissos originariamente assumidos dependerá de nova autorização do Senado.

 

Art. 392. O disposto nos arts. 389 a 391 aplicar-se-á, também, aos casos de aval da União, Estado, Distrito Federal ou Município, para a contratação de empréstimo externo por entidade autárquica subordinada ao Governo Federal, Estadual ou Municipal.

 

Ao estabelecer limites que foram se elevando de forma exponencial, partindo de US$ 2 bilhões com a Resolução Nº. 87, de 1994 e alcançando o limite de US$ 75 bilhões em 2004, com a Resolução Nº. 20, o Senado Federal autorizou tacitamente as vultosas emissões de títulos da dívida externa brasileira, sem conhecer os termos das operações.

 

É importante que os parlamentares da CPI apresentem sugestões ao Senado Federal, de forma a garantir que cada operação seja devidamente analisada, tal como determina a Constituição Federal e o Regimento Interno do Senado.

 

 

III.2.5 – VERIFICAÇÃO DE CUMPRIMENTO DE FORMALIDADES

 

A CPI aprovou o Requerimento de Informações nº 65 por meio do qual solicitou ao Senado Federal as seguintes informações relacionadas às sucessivas resoluções que aprovaram emissão de dívida externa para substituição de dívida mobiliária interna:

 

  • Avaliações e estudos efetuados pelo Senado Federal para respaldar as sucessivas autorizações objeto das resoluções antes mencionadas, destinadas à substituição da dívida mobiliária interna por dívida externa, mediante emissões de títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional no exterior, em montantes exponencialmente crescentes, especialmente considerando-se o comportamento da variação da cotação do dólar frente ao real no período de 1994 a 2002;

 

  • Cópia do(s) expediente(s) mediante o(s) qual(is) foram enviados ao Senado Federal os documentos mencionados no art. 3º da Resolução do Senado Federal Nº 87, de 19 de dezembro de 1994, que estabeleceu:

 

Art. 3º. O Ministro de Estado da Fazenda encaminhará, semestralmente, ao Senado Federal, relatório da execução do programa de emissão e colocação dos títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional no exterior, objeto desta resolução contendo demonstrativos estatísticos referentes aos montantes efetivamente emitidos e colocados, com discriminação das colocações ao par, com ágio ou deságio, e das taxas de juros e prazos efetivamente praticadas e informando quanto aos resultados obtidos com os procedimentos direcionados à substituição da dívida mobiliária interna por dívida externa.

 

  • Cópia do(s) expediente(s) mediante o(s) qual(is) foram enviados ao Senado Federal os documentos mencionados no art. 3º da Resolução do Senado Federal Nº 20, de 16 de novembro de 2004, que estabeleceu:

 

 Art. 3º. A execução de cada operação de administração de passivos, a que se refere o inciso II do art. 1º, deverá ser informada ao Senado Federal, pelo órgão responsável pela administração da Dívida Pública Federal (DPF), mediante o envio de relatório circunstanciado, até 30 (trinta) dias após sua realização.


  • 1º O relatório de que trata o caput deverá ser abrangente e analítico, evidenciar o atendimento ao disposto no art. 2º desta Resolução, demonstrar os benefícios obtidos, além de conter necessariamente as seguintes informações e documentos:

      I – preços dos títulos objeto de cada operação de recompra, troca ou reestruturação;
II – cópia da documentação relativa à operação realizada, especialmente dos contratos de eventuais novas emissões de títulos externos efetuadas ao amparo desta Resolução.

 

O Senado enviou à CPI o Ofício Nº. 3339/2009-SF, juntando cópia do processado relativo aos Projetos de Resolução do Senado nº 51/97, 23/99 74/2000 e 34/2004, ficando pendentes de fornecimento os documentos referentes às Resoluções 87/94 e 57/95.

 

 

Analisando-se os processados enviados à CPI, constatou-se que, em cada um, consta resumida exposição de motivos do Ministro da Fazenda a respeito de informações relacionadas com o Programa de Emissão de Títulos da República, fazendo alusão a vantagens de determinada operação e solicitando aumento do limite para emissões futuras de Dívida Externa Mobiliária. Adicionalmente, eram remetidos ao Senado os resumidos Relatórios de Execução do Programa de Emissão e Colocação de Títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional no exterior.

 

A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado limitou-se reiteradamente a elaborar resumido parecer baseado na Exposição de Motivos recebida do Executivo, autorizando previamente operações cujas condições contratuais não eram devidamente conhecidas, o que viola o Regimento do próprio Senado, acima transcrito.

 

A CPI solicitou ao TCU as verificações realizadas por aquela Corte de Contas no período das resoluções citadas. Conforme documentos enviados à CPI, verificou-se que o TCU não realizou auditoria específica sobre tal aspecto, tendo ressaltado as seguintes recomendações proferidas no âmbito da análise das Contas do Governo[125]:

“a) Parecer prévio de 1994: Recomendação para o estabelecimento de instrumentos modernos, eficazes e eficientes de acompanhamento e controle do crescimento da dívida externa;

  1. b) Parecer Prévio de 1995: Recomendação para implementação de medidas no sentido de se proceder a um acompanhamento mais rigoroso do fluxo físico-financeiro relativo à execução dos projetos financiados por organismos multilaterais;
  2. c) Parecer Prévio de 2000: Recomendação para realização de estudos sobre o efetivo custo das operações de empréstimos e financiamentos externos tomados junto ao Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, bem como uniformizar as informações e os dados relativos aos financiamentos externos;
  3. d) Parecer Prévio de 2002: Recomendação ao Ministro da Fazenda que adote providências, quanto à dívida pública, no sentido de que disponibilize ao TCU acesso aos sistemas DPI – Dívida Pública Interna, GERIR – sistema de Gerenciamento de Riscos e Sistema de Conciliação – CONCILIAR, da Secretaria do Tesouro Nacional, com vistas ao monitoramento e controle da dívida pública por esta Corte de Contas;
  4. e) Parecer Prévio de 2003: Recomendação ao Ministério da Fazenda, para que implemente medidas com o fim de adotar metas e indicadores que permitam a aferição do cumprimento do objetivo de minimização dos custos de financiamento no longo prazo, constante do Plano Anual de Financiamento da Dívida Pública Federal;
  5. f) Parecer Prévio de 2004: Recomendações à STN para que inclua, nas notas explicativas do BGU, informações detalhadas sobre os critérios de avaliação utilizados no registro da dívida externa.”.

 

Dentre os trabalhos do TCU encaminhados à CPI, foi localizado o Acórdão 647/2005, que trata de rotinas na emissão de títulos da dívida externa.

 

 

Diante disso, considerando os diversos indícios de irregularidades e os elevados custos de emissões que tem servido unicamente para sustentar o próprio endividamento externo e interno, resta evidenciada a necessidade de aprofundamento das investigações e realização de auditoria de todas as emissões de títulos da dívida externa após o Plano Brady, tendo em vista que o exíguo prazo de funcionamento e demais limitações da CPI, além da ausência de acesso à completa documentação relacionada a tais emissões prejudicaram as investigações.

 

 

III.3 – DIFERENÇA DE US$ 32,7 BILHÕES NO ESTOQUE DA DÍVIDA EXTERNA ANUNCIADA PELO BANCO CENTRAL EM 2001

 

Em setembro de 2001, o Banco Central noticiou uma diferença de US$ 32,7 bilhões nas estatísticas da dívida externa brasileira. A imprensa divulgou que teria havido um “erro” desse montante.

 

Mediante Requerimento de Informações Nº. 60/09, a CPI solicitou ao Banco Central a apresentação de justificativas técnicas para o referido “erro”, cópia dos registros contábeis e administrativos relativos à correção do referido erro, bem como histórico detalhado das parcelas que compuseram o montante de US$ 32,7 bilhões, informando-se devedor, credor valor individualizado por credor/devedor, contrato de referência.

 

Em resposta, o Banco Central enviou CD[126] e informou à CPI[127], em resumo, o seguinte:

 

  • “(…) o evento mencionado no referido Requerimento da CPI da Dívida Pública não constituiu, de nenhuma forma, erro (…)” o que ocorreu foi a modificação nos critérios metodológicos (…)”
  • (…)Ainda em relação ao “erro”, apontado no requerimento e no ofício da CPI-Dívida Pública, há que se esclarecer que a dívida externa constitui uma estatística macroeconômica. Nessa qualidade, ela não se confunde com as bases de dados primárias utilizadas em sua compilação que são regidas por legislação e normativos próprios, e com fins específicos. Assim as informações constantes nesses dados primários são convertidas em dados estatísticos de acordo com metodologia própria. Em suma, como estatística macroeconômica, a dívida externa utiliza dados primários existentes, os converte ao padrão metodológico e ao formato padronizado de publicação, buscando refletir, o mais apropriadamente possível, a realidade econômica. (grifo nosso)
  • (…) em setembro de 2001, o Banco Central do Brasil, responsável pela compilação e publicação da estatística oficial do endividamento externo do país, alterou a metodologia (…): foram apartados empréstimos intercompanhias e também parcelas de principal vencidas há mais de 120 dias.
  • (…) o Manual de Balanço de Pagamentos, do Fundo Monetário Internacional, em sua quinta edição, de 1993, os classifica como componente da conta de investimentos estrangeiros diretos, juntamente com as participações no capital. Esse Manual passou a ser adotado pelo Brasil na compilação de suas estatísticas do setor externo a partir de janeiro de 2001. Dessa maneira, a partir de setembro de 2001, o Banco Central passou a adotar conceito metodológico mais estrito de dívida externa, que excluiu do seu estoque total o montante de empréstimos intercompanhias. Em março daquele ano, esses empréstimos atingiam US$ 16.468 milhões de dólares.”
  • “Adicionalmente, na mesma data, realizou-se o apartamento de parcelas de operações de crédito externo que estariam vencidas há mais de 120 dias de acordo com o registro de operações financeiras do Banco Central. (…) Esses registros são obrigatórios nos termos da Lei 4.131/62 e da regulamentação posterior e são feitos, eletronicamente, de maneira declaratória, pelos devedores no país.(…)Na ausência desses eventos, não é possível efetuar as baixas nos sistemas. (…) Em março de 2001, o montante apartado atingiu US$ 16.260 milhões.” (grifo nosso)
  • “Os procedimentos em questão foram exclusivamente metodológicos, para fins estatísticos apenas, tendo os registros permanecidos (sic) tais quais declarados pelo devedor.”

 

As informações prestadas pelo Banco Central para justificar a relevante diferença de US$ 32,7 bilhões no montante da dívida externa constituem mais um importante argumento para a necessidade de realização da auditoria da dívida prevista na Constituição Federal, tendo em vista os seguintes aspectos:

 

  1. Restou demonstrada a deficiência de controle de pagamentos ao exterior, efetuados pelo setor privado. Conforme informação prestada pelo Banco Central, o registro desses pagamentos é meramente declaratório e, se o setor privado não efetua o registro eletrônico desses pagamentos ao exterior, o Banco Central não capta tais pagamentos e, assim, não tem como efetuar a baixa em seus sistemas. É importante observar que, historicamente, dívidas do setor privado foram transformadas em dívidas públicas, não tendo o Banco Central, até o momento, respondido à CPI o Requerimento de Informações 42, “c”, que solicitou o detalhamento de tais transformações de dívida privada em dívida pública, tendo informado[128] apenas genericamente que “as parcelas de dívida externa privada que foram transformadas em dívida pública a cargo deste BCB são aquelas que permaneceram em depósito sob o Acordo MYDFA e foram trocadas por bônus em abril de 1994.

 

  1. Restou demonstrado o efetivo descasamento entre as informações dos dados chamados “primários” (dados contábeis) com as estatísticas da dívida externa, conforme esclarecido na Nota Técnica antes mencionada: “não se confunde com as bases de dados primárias” (…) “as informações constantes nesses dados primários são convertidas em dados estatísticos de acordo com metodologia própria”. Tal descasamento entre dados primários e estatísticas da dívida externa já foi verificado no presente capítulo, entre o montante da dívida externa com bancos privados que se encontrava registrado no passivo do Banco Central e foi transferido para o Tesouro Nacional, de US$ 28 bilhões, por ocasião da negociação do Plano Brady, e o montante da dívida renegociada por meio daquele Plano, de cerca de US$ 50 bilhões.

 

Esses fatos também constituem relevantes indícios de dano ao patrimônio público, que  demandam o aprofundamento das investigações e a auditoria da dívida prevista na Constituição Federal.

 

A CPI solicitou ao TCU as verificações realizadas em relação ao anunciado “erro” de US$ 32,7 bilhões em 2001 no saldo da dívida externa. De acordo com a documentação enviada à CPI[129], constatou-se que não foi realizada auditoria específica em relação ao mencionado aspecto, tendo aquela Corte de Contas informado, em relação ao referido ano, que realizou verificações relacionadas a projetos de endividamento com organismos internacionais:

 

“Em 2001, foi realizada auditoria para apuração do montante, composição e destinação da dívida contratual externa do governo federal, por meio da qual constatou-se fragilidade no gerenciamento de projetos. Também foram analisados acordos de cooperação entre a União com organismos internacionais tendo como objetivo a execução de atividades típicas da administração federal conforme Decisão nº 1.142/2002-Plenário.”

 

 

Diante do exposto, é recomendável a análise jurídica das explicações prestadas pelo Banco Central, bem como aprofundamento da análise da diferença de US$ 32,7 bilhões por meio do aprofundamento das investigações e da realização da Auditoria da Dívida prevista na Constituição Federal.

 

 

 

III.4 – ILEGITIMIDADES OBSERVADAS NO CAPÍTULO III

CONCLUSÃO E RECOMENDAÇÃO

  • Os órgãos responsáveis pelo controle do endividamento externo – Banco Central e Ministério da Fazenda – não enviaram, até o momento, documentos essenciais para a análise da operação, tais como cópia de contratos devidamente assinados e demais informações requeridas, especialmente as relativas à conciliação entre as dívidas anteriores, que foram submetidas à troca por bônus. Sobre tais conciliações, o Banco Central informou à CPI que a mesma era feita de forma manual e não era guardada, o que indica deficiência de controle interno, falta de transparência e a guarda deficiente de documentos de grande importância para o país, constituindo motivo relevante para justificar o aprofundamento das investigações.

 

  • O Plano Brady representou a renovação de dívida anterior, que vinha sendo severamente questionada por 3 Comissões anteriores do Congresso Nacional, que apontaram em seus relatórios graves crimes e irregularidades (conforme Análises Preliminares 1 a 4, apresentadas anteriormente à CPI). Tais relatórios recomendaram a anulação da dívida contratada ilegalmente. A negociação Brady não levou em consideração tais recomendações do Congresso Nacional, portanto, a nova dívida dos bônus Brady também pode ter sua legitimidade e legalidade questionadas.

 

  • a Comissão Negociadora Brasileira não levou em consideração o valor de mercado dessa dívida levada à troca por títulos, que se encontrava cotada no mercado secundário em torno de apenas 30%, em média. Além disso, a Comissão Negociadora Brasileira assumiu o compromisso de que o Brasil não compraria a própria dívida durante o período em que se endividava para comprar as garantias exigidas na negociação, deixando tal privilégio para os bancos credores. Tal fato representa indício de significativo dano ao patrimônio público, cujo ressarcimento deve ser efetuado ao Brasil.

 

  • A afirmação do Sr. Armínio Fraga em seu depoimento à CPI, acerca da demora em firmar os contratos do Plano Brady, que “até novembro de 2002” não haviam sido firmados, significa que à época da emissão dos bônus sequer havia contrato firmado, o que pode ensejar um forte indício de ilegalidade que demanda o aprofundamento das investigações.

 

  • O fato de os bônus emitidos não terem sido registrados na SEC (Securities and Exchange Comission dos Estados Unidos da América) também constitui um indício de irregularidade. Na realidade os títulos lançados pelo Brasil não poderiam ser registrados naquela Comissão porque não foram ofertados ao público em geral, tendo ocorrido uma troca direta com os então ‘bancos credores’ da dívida antiga, ou seja, tratou-se de uma oferta privada, negociada em Luxemburgo, cuja investigação deve ser aprofundada, pois o exíguo prazo de funcionamento da CPI e com tantas limitações de acesso aos documentos, impossibilitou sua realização.

 

  • Embora a Lei Regente fosse a norte-americana, os bônus “Brady” emitidos não observaram a Lei de Valores daquele país, razão pela qual possuíam uma série de restrições. Restou comprovado, portanto, que os bônus Brady não puderam ser registrados na SEC porque não obedeceram às formalidades exigidas na Lei de Valores dos Estados Unidos para uma “Oferta Pública” de bônus soberanos naquele país, por isso a negociação se deu em Luxemburgo, conhecido paraíso fiscal.

 

  • A CPI não teve acesso aos contratos “Solicitação de Renúncia” de 1992, citados nos contratos e em livro editado por autoridades do Banco Central. Cópia do “Waiver Request” referente à renúncia efetuada em 1991, disponibilizada pela PGFN, indica que houve preservação de direitos dos bancos privados e renúncias a diversas cláusulas dos contratos originais. Considerando que a Lei Regente dos contratos de endividamento externo brasileiro eram as Leis de Nova Iorque, das quais faz parte o “Estatuto de Limitações” – que trata da prescrição da dívida após 6 anos de não pagamento – é necessário prosseguir as investigações para determinar se não foram negociadas dívidas que já poderiam estar prescritas, o que pode significar relevante dano ao patrimônio público.

 

  • A operação Brady não significou ingresso de recursos para o país, pois constituiu mera troca de dívida antiga por dívida representada em títulos. No entanto, essa operação representou elevado ônus ao país, pois além de exigir a aquisição de garantias colaterais, o Brasil, tal como em todas as negociações com bancos privados ocorridas na década de 80, arcou com todos os gastos do Comitê de Bancos, dos Agentes e dos bancos privados internacionais, além de todos os custos administrativos da operação.

 

  • Os contratos referentes ao Acordo Brady apresentavam diversas cláusulas ilegítimas, além das cláusulas de Renúncia à Jurisdição, Imunidade, à obrigatoriedade de manter acordo com FMI e outras já comentadas no Capítulo anterior.

 

  • É importante observar que o valor da dívida registrada no passivo do Banco Central e que foi transferida para o Tesouro Nacional, no valor de US$ 28 bilhões, era bem inferior ao montante negociado por meio do Plano Brady (cerca de US$ 50 bilhões) , o que demanda o aprofundamento das investigações e a realização da auditoria da dívida prevista na Constituição Federal, face ao indício de grande dano ao patrimônio público.

 

  • Após o Plano Brady, a partir de 1995 até 2002, verificou-se a emissão acelerada de títulos da dívida externa sob a justificativa de “substituição da dívida interna por externa”, embora o dólar estivesse em franca elevação naquele período. A maioria dos títulos emitidos no período continham as mesmas restrições que os emitidos por ocasião do Plano Brady, sem registro na SEC e negociados em Luxemburgo. Constatou-se, adicionalmente, que diversas emissões se deram abaixo do valor de face, ou seja, de início o país já contabilizava uma perda, pois todos os encargos seriam calculados sobre aquele valor de face.

 

  • Três emissões chamaram a atenção da CPI, relativas às emissões dos títulos Global 2040, Global 2024 e Global 2024-B, pois, respectivamente, foram feitas a apenas 80,203%, 71,270% e 75,581% do valor de face, nos montantes de US$ 5.157.311.000,00, US$ 2.150.000.000,00 e US$ 824.702.000,00, em 09.08.2000, 07.03.2001 e 30.07.2003. Tais operações significaram o pagamento de juros (yeld) da ordem de 13,732%, 12,91% e 12,59% ao ano, respectivamente. Os três contratos correspondentes a tais operações não foram disponibilizados à CPI pelo Banco Central ou pelo Ministério da Fazenda, apesar de reiterados os pedidos.

 

  • Em 11.12.2009 a Ministério da Fazenda enviou[130] à CPI cópias de minutas dos contratos do Agente de emissão dos bônus Global 2040, Global 2024 no exterior (Dealer Managers Agreement e Fiscal Agency Agreement), mas não os contratos de emissão dos títulos, contendo as respectivas cláusulas e condições pactuadas.

 

  • As Resoluções do Senado Federal que autorizaram a emissão de títulos da dívida externa para substituir dívida interna partiram do limite de US$ 2 bilhões com a Resolução Nº. 87, de 1994, e alcançaram o limite de US$ 75 bilhões em 2004, com a Resolução Nº. 20. Desta forma, o Senado Federal autorizou tacitamente as vultosas emissões de títulos da dívida externa brasileira, sem conhecer os termos das operações, o que não atende ao disposto no art. 52, inciso V, da Constituição Federal de 1988, combinado com o art. 389 do Regimento Interno do Senado Federal, que estabelece as regras para a apreciação dos pedidos de autorização de quaisquer operações externas de natureza financeira.

 

  • Embora as sucessivas Resoluções do Senado Federal determinassem que os recursos decorrentes das emissões de títulos da dívida externa seriam destinados à “substituição da dívida mobiliária interna por dívida externa”; não se observou, no período, redução da dívida interna, que não parou de crescer. Desta forma, não restou evidenciada a destinação dos recursos dessas emissões da dívida externa brasileira, o que demanda o aprofundamento das investigações e a realização da auditoria prevista na Constituição Federal.

 

  • A CPI constatou a troca de títulos da dívida externa (Brady, IDU e BIB) por bônus Global, ao amparo da Resolução do Senado nº 69/1996, que permitiu a realização de operações de recompra e de reestruturação dos títulos da dívida externa brasileira, desde que resultasse necessariamente em benefícios para o País, sendo que os indícios evidenciados pela CPI são inversos a essa determinação legal, ante os elevados deságios nas emissões dos novos títulos, as elevadas taxas de juros, além do pagamento de onerosas comissões e demais gastos assumidos pelo Brasil.

 

  • Em setembro de 2001, o Banco Central noticiou uma diferença de US$ 32,7 bilhões nas estatísticas da dívida externa brasileira. A imprensa divulgou que teria havido um “erro” desse montante. O Banco Central informou à CPI que não se tratava de “erro”, mas de mudança de critérios metodológicos de registros estatísticos, tendo apartado “empréstimos intercompanhias e também parcelas de principal vencidas há mais de cento e vinte dias.”

 

  • A análise da resposta apresentada pelo Banco Central demonstrou a deficiência de controle de pagamentos ao exterior, que são efetuados pelo setor privado. Conforme informação prestada pelo Banco Central, o registro desses pagamentos é meramente declaratório e, se o setor privado não efetua o registro eletrônico desses pagamentos ao exterior, o Banco Central não tem como efetuar a baixa em seus sistemas.

 

  • As respostas apresentadas pelo Banco Central demonstraram ainda o efetivo descasamento entre as informações dos dados chamados “primários” com as estatísticas da dívida externa, conforme trechos da Nota Técnica: “a dívida externa constitui uma estatística macroeconômica. Nessa qualidade, ela não se confunde com as bases de dados primárias” (…) “as informações constantes nesses dados primários são convertidas em dados estatísticos de acordo com metodologia própria”. Tal descasamento entre dados primários e estatísticas da dívida externa foi verificado durante as investigações, entre o montante da dívida externa com bancos privados que se encontrava registrado no passivo do Banco Central e foi transferido para o Tesouro Nacional, de US$ 28 bilhões, por ocasião da negociação do Plano Brady, e o montante da dívida negociada por meio daquele Plano, de cerca de US$ 50 bilhões. Tal fato demanda o aprofundamento das investigações e a auditoria da dívida prevista na Constituição Federal.

 

  • Relativamente à assunção de dívidas privadas, o Banco Central prestou[131] à CPI as seguintes informações, com a sugestão de constituição de grupo de trabalho:

“Com referência ao Ofício nº. 162/10-P, informo que as parcelas de dívida externa privada que foram transformadas em dívida pública a cargo deste BCB são aquelas que permaneceram em depósito sob o Acordo MYDFA e foram trocadas por bônus em abril de 1994. Dado o tempo decorrido e dificuldades já descritas em notas anteriores, não há como realizar, no curto prazo, pesquisa para identificar as milhares de parcelas em suas diferentes moedas, que foram convertidas em bônus. Ademais, os dados estão registrados em sistemas informatizados que já foram desativados, cuja operação é complexa e para a qual esta Autarquia não dispõe de especialistas com os conhecimentos necessários. Haveria que se constituir grupo de trabalho para se estudar os termos dos contratos e a seguir proceder à pesquisa, tarefa que não é possível desenvolver com os atuais recursos da Unidade.”  

 

Dada a relevância do fato de que dívidas privadas foram transformadas em dívida a cargo do BCB, e considerando os montantes envolvidos no Acordo MYDFA (US$ 61 bilhões) e na troca por bônus em abril de 1994 (quase US$ 50 bilhões), de fato é necessário constituir o grupo de trabalho sugerido pelo Banco Central, diante do forte indício de dano ao patrimônio público.

 

 

Em relação ao conteúdo da presente análise preliminar, é necessário aprofundar as investigações da maioria dos temas, principalmente porque a CPI não teve acesso, apesar dos requerimentos de informações, a documentos e informações relevantes e essenciais, denotando falta de transparência em relação à natureza da dívida objeto de troca, falta de transparência em relação à administração das garantias colaterais e respectivos registros que não foram disponibilizados à CPI. Diante da documentação disponível, não se observa justificativa para a realização da operação de troca nos moldes do Plano Brady, a não ser do ponto de vista dos credores, razão pela qual se recomenda submeter as investigações a crivo jurídico especializado, a fim de determinar possíveis responsabilidades.

 

Logo após o referido Plano Brady, foram realizadas trocas desses títulos por novos títulos da dívida externa (Global) e interna (NTN), operações que possuem forte indício de dano ao patrimônio público, ante os significativos deságios nas emissões dos Global, suas elevadas taxas de juros e onerosas comissões e demais gastos assumidos pelo Brasil, e face as elevadíssimas taxas de juros da dívida interna.

 

As dificuldades enfrentadas pela CPI para obter informações e documentos sobre o processo de endividamento denota deficiência de transparência dos órgãos envolvidos com o manejo da dívida externa brasileira, recomendando-se que a CPI apresente propostas de alterações legais que garantam maior transparência das operações, bem como penalidades pelo descumprimento do art. 32, § 4º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois conforme acórdãos do TCU, até o momento referido dispositivo não foi cumprido:

 

Art. 32. O Ministério da Fazenda verificará o cumprimento dos limites e condições relativos à realização de operações de crédito de cada ente da Federação, inclusive das empresas por eles controladas, direta ou indiretamente.

(…)

  • 4o Sem prejuízo das atribuições próprias do Senado Federal e do Banco Central do Brasil, o Ministério da Fazenda efetuará o registro eletrônico centralizado e atualizado das dívidas públicas interna e externa, garantido o acesso público às informações, que incluirão:

        I – encargos e condições de contratação;

        II – saldos atualizados e limites relativos às dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito e concessão de garantias.

 

Adicionalmente, face aos inúmeros indícios e até evidências de dano ao patrimônio público, é necessário o aprofundamento das investigações e a realização de auditorias permanentes e transparentes, com participação popular, tendo em vista que o ônus da dívida tem sido arcado pela Nação como um todo.

 

Diante das diversas ilegitimidades constatadas no período examinado, é recomendável o aprofundamento das investigações, dada a relevância dos fatos para a evolução do processo de endividamento externo brasileiro, com indícios de danos ao patrimônio público e graves conseqüências sociais.

 

A principal conclusão do exame do endividamento do período leva à NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DA AUDITORIA DA DÍVIDA PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, tendo em vista a necessidade de elucidar os aspectos fundamentais do endividamento público que não puderam ser desvendados pela atual CPI, dado o exíguo prazo de seu funcionamento e as diversas limitações indicadas.

 

 

Brasília, 25 de março de 2010

 

 

Maria Lucia Fattorelli Carneiro

Auditora Fiscal da Receita Federal do Brasil

Requisitada para Assessorar a CPI da Dívida Pública

 

 

 

Aldo Olmos Molina Júnior

Auditor Interno da Caixa Econômica Federal

Requisitado para Assessorar a CPI da Dívida Pública

 

[1]Decreto s/nº de 28.06.1991, publicado no DOU de 01/07/1991

[2] Citados nominalmente por Pedro Sampaio Malan no prefácio do livro “Dívida Externa Brasileira”, de Ceres Aires Cerqueira, Banco Central do Brasil, 1997, páginas 12/13

[3] Ofício 0891/2009-BCB-Secre, de 03.11.2009, e Nota Técnica Derin/Gabin-2009/149.

[4] Ofício 53/09-P, de 21.10.2009

[5] Aviso nº. 57/MF, de 18 de fevereiro de 2010, juntamente com Nota PGFN/COF Nº. 136/2010

[6] Ofício 2649/2009-SF, de 19/11/2009, enviado à CPI em atendimento ao Ofício 63/09-P da CPI da Dívida Pública

[7] Ver resumo de outras comissões do Congresso Nacional sobre a Dívida Externa, objeto de Análise Preliminar 1 a 4 da atual CPI da Dívida Pública

[8] Ver Capítulo II da presente análise preliminar

[9] Aviso nº 75, de 05/03/2010 e Nota PGFN/COF Nº 184/2010 e Aviso 82, de 10/03/2010 e Nota PGFN/COF 220/2010

[10] A Mensagem Presidencial Nº. 707, de 13/11/1992 recebeu o número MSF 357 no Senado Federal. A referida Mensagem Presidencial encaminhou ao Senado a Exposição de Motivos Nº. 436, de 13/11/1992, do Ministro da Fazenda, que é analisada no presente capítulo.

[11] New York Laws: Civil Practice Law and Rules

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  • 213. Actions to  be  commenced  within  six  years: where not otherwise  provided  for;  on   contract;   on   sealed instrument;  on  bond  or  note, and mortgage upon real property; by state based on misappropriation of  public property;  based  on  mistake;  by  corporation against director, officer or stockholder; based on fraud. In “http://law.justia.com/newyork/codes/civil-practice-law-rules/cvp0a2_article2.html

 

[12] Nota Derin/Gabin-2010/016, de 22.02.2010, enviada com Ofício 125/2010-BCB-Secre, de 23.02.2010

[13] BIRD, World Debt Tables, edição 1990/91, página 59.

[14] Securities and Exchange Comission dos Estados Unidos da América – Criada após a Crise de 1929, da Bolsa de Valores NY, para garantir o controle dos papéis circulantes no mercado internacional de títulos. Segundo a Lei de Valores de 1933 (Security Law), todos os títulos ofertados ao público deveriam ser registrados na SEC.

 

[15] Decreto nº. 2701, de 30.07.1998: NTN-A3, NTN-A4 , NTN-A5, NTN-A6, NTN-A7, NTN-A8 e NTN-A9

[16] Ver Capítulo IV da presente análise preliminar

[17] Dívida Existente: Dívida externa com bancos comerciais, conformada em contratos em mãos de centenas de bancos privados e demais credores internacionais denominados “credores externos”

[18] Ver Capítulo I da presente análise preliminar

[19] Dados extraídos da Tabela Dívida Externa Total, elaborada pelo Banco Central em atendimento ao Requerimento de Informações 42/09 – Ofício 898/2009-BCB-Secre e Nota Técnica Depec-2009/248, de 30.10.2009

[20] Esses acordos são analisados no Capítulo II da presente análise preliminar

[21] Moratórias técnicas:

  1. a) Cessação de remessa de juros em 20 de fevereiro de 1987 (Resolução 1263 do CMN), tendo o Ministro Dilson Funaro à frente das negociações com os bancos privados internacionais;

 

  1. b) Suspensão das remessas para o exterior de determinados pagamentos a partir de 1º de julho de 1989 (Resolução nº 1.564, do Conselho Monetário Nacional), na gestão do ministro Mailson da Nóbrega, após as onerosas obrigações assumidas por meio dos acordos da Fase IV, pactuados em 1988;

 

  1. c) Remessa parcial, a partir de 1º de janeiro de 1991, de 30% (trinta por cento) do valor dos juros devidos pelo setor público aos credores privados externos. Resoluções sucessivas do Conselho Monetário Nacional, por fim consolidadas na Resolução nº 1.838, de 26 de junho de 1991.

 

[22] A parcela que aparece em vermelho a partir de 1994 pode ser atribuída a empréstimos intercompanhias e a dívidas pagas sem que o Banco Central captasse tais pagamentos, conforme diferença anunciada pelo próprio Banco Central em 2001, no montante de US$ 32,7 bilhões, analisada no Capítulo III da presente análise preliminar.

[23] Adicionais à já apresentadas na Introdução da presente análise preliminar

[24] Ofício 1012/2009-BCB-Secre, de 09/12/2009, e Nota Derin/Gabin-2009/166

[25] Ofício 110/09-P, de 19.11.2009

[26] Ofício 1012/2009-BCB-Secre, de 9.12.2009, juntamente com Nota Derin/Gabin-2009/166

[27] Enviado Ofício 137/09-P ao Banco Central e Ofício 140/09-P ao Ministério da Fazenda em 17.12.2009

[28] Ofício 1.052/09-BCB-Secre, juntamente com Nota Técnica Derin/Gabin-2009/172, de 29.12.2009

[29] Aviso nº. 02/MF, de 04.01.2010, acompanhado de cópia do Ofício 1060/2009-BCB-Secre e Nota Técnica Derin/Gabin-2009/172, de 29.12.2009

[30] Ofício nº. 152/10-P, dirigido ao BC, e nº. 153/10-P, ao Ministério da Fazenda, em 18.01.2010.

[31] Ofício 047/2010-BCB/Secre, de 27.01.2010, acompanhado da Nota Derin/Gabin-2010/004

[32] Aviso nº. 37/MF, de 28.01.2010, acompanhado do Ofício 048/2010-BCB/Secre, e Nota Derin/Gabin-2010/006.

[33] Ofício 1012/2009-BCB-Secre, de 9.12.2009, juntamente com Nota Derin/Gabin-2009/166

[34] Nota Derin/Gabin-2010/016, de 22.02.2010, enviada com Ofício 125/2010-BCB-Secre, de 23.02.2010

[35] Entregue à CPI apenas cópia da tradução do acordo Front Loaded Interest Reductions with Capitalization Bond Exchange Agreement.

[36] Ofício 0891/2009-BCB-Secre e Nota Técnica Derin/Gabin-2009/149, de 29/10/2009

[37] Requerimento de Informações no. 53/09, item 3, e Ofício no. 63/09-P, de 29/10/2009.

[38] Constata-se que a Resolução 90/93 foi aprovada no prazo recorde de 20 dias da protocolização da exposição de motivos.

[39] Observa-se que a data da Exposição de Motivos é a mesma data citada em seu texto, na qual o Banco Central teria recebido as opções dos credores, que não foi apresentada à CPI.

[40] Um dos trabalhos disponibilizados pelo TCU à CPI aponta que as garantias colaterais do Plano Brady encontravam-se em “Extra-Caixa”: Decisão 275/2001 – Segunda Câmara do TCU

[41] Os acordos das Fases I a IV são analisados no Capítulo II da presente análise preliminar

[42]Decreto s/no. de 28.06.1991, publicado no DOU de 01/07/1991

[43] Citados nominalmente por Pedro Sampaio Malan no prefácio do livro “Dívida Externa Brasileira”, de Ceres Aires Cerqueira, Banco Central do Brasil, 1997, páginas 12/13

[44] Resumos das comissões anteriores do Congresso Nacional que enfrentaram o tema do endividamento público constam das Análises Preliminares 1 a 4 da atual CPI da Dívida Pública

[45] Referida lei foi aprovada logo após a grande Crise de 1929 e regula a comercialização de títulos nos mercados de capitais nos Estados Unidos

[46] Securities and Exchange Comission dos Estados Unidos da América – Criada após a Crise de 1929, da Bolsa de Valores NY, para garantir o controle dos papéis circulantes no mercado internacional de títulos. Segundo a Lei de Valores de 1933 (Security Law), todos os títulos ofertados ao público deveriam ser registrados na SEC.

[47] Parecer enviado à CPI da Dívida com Aviso nº. 28/MF, de 22.01.2010.

[48] CERQUEIRA, CERES AYRES – Dívida Externa Brasileira: Processo Negocial 1983-1996. Banco Central do Brasil, 1997. A autora foi chefe-adjunta do Departamento de Dívida Externa do Banco Central. O livro foi prefaciado pelo Ministro da Fazenda Pedro Sampaio Malan, que em seu prefácio ressaltou o mérito do conteúdo do livro, que contou com a revisão de José Linaldo Gomes de Aguiar (chefe do Departamento da Dívida Externa do Banco Central do Brasil), Olímpia Calmon e Cristina Cortes (consultoras do Departamento da Dívida Externa do Banco Central do Brasil), Altamir Lopes (chefe do Departamento Econômico do Banco Central do Brasil), Anuar Kalil (ex-chefe do Departamento de Câmbio do Banco Central do Brasil) e Luiz Carlos Sturzenegger (procurador-geral da Fazenda Nacional) – página 80

[49] Requerimento de Informações nº. 56/09 da CPI, item II, “d”.

[50] Aviso nº 1447, de 17.12.2009

[51] “…principalmente os Bancos Itaú e Real atuaram fortemente no mercado secundário, fortalecendo suas posições como credores do Governo Brasileiro”

[52] Transcrito do Boletín de Notícias No. 39 do Banco Central del Ecuador, 1991.

[53] Relatórios resgatados e analisados conforme Análises Preliminares nº 2 e nº 4, apresentadas à atual CPI da Dívida

[54] Somente em 10.02.2010 o Banco Central enviou à CPI informações parciais sobre as garantias entregues pelo Brasil, conforme Nota Técnica 001/2010-BCB/DEPIN, enviada à CPI com Ofício 73.1/10-BCB/Secre. Os dados mencionados no texto foram extraídos do livro “Dívida Externa Brasileira”, de Ceres Aires Cerqueira, Banco Central do Brasil, 1997, página 80, e foram respaldados pelo Banco Central no referido Ofício.

[55] Nota Derin/Gabin-2010/016, de 22.02.2010, enviada com Ofício 125/2010-BCB-Secre, de 23.02.2010

[56] Nota Derin/Gabin-2009/172, enviada à CPI com Ofício 1059/2009-BCB/Secre, de 29 de dezembro de 2009.

[57] Somente 10/02/2010 o Banco Central prestou informações parciais sobre as garantias colaterais, conforme Ofício 73.1/10-BCB/Secre e Nota Técnica 001/2010-BCB/DEPIN. Os dados mencionados no texto foram extraídos do livro “Dívida Externa Brasileira”, de Ceres Aires Cerqueira, Banco Central do Brasil, 1997, página 80.

[58] Decisão 156/1997 – Plenário do TCU

[59] Aviso nº 1447, de 17.12.2009

[60] Decisão 275/2001 – Segunda Câmara do TCU

[61] Ofício 53/09-P, de 21.10.2009

[62] Ofício 0891/2009-BCB/Secre e Nota Derin/Gabin-2009/149

[63] “Dívida Externa Brasileira”, de Ceres Aires Cerqueira , Banco Central do Brasil, 1997. A autora foi chefe-adjunta do Departamento de Dívida Externa do Banco Central do Brasil. O livro foi prefaciado pelo Ministro da Fazenda Pedro Sampaio Malan que, nesse prefácio, respaldou o conteúdo da obra, e contou com a revisão de José Linaldo Gomes de Aguiar (chefe do Departamento da Dívida Externa do Banco Central do Brasil), Olímpia Calmon e Cristina Cortes (consultoras do Departamento da Dívida Externa do Banco Central do Brasil), Altamir Lopes (chefe do Departamento Econômico do Banco Central do Brasil), Anuar Kalil (ex-chefe do Departamento de Câmbio do Banco Central do Brasil) e Luiz Carlos Sturzenegger (procurador-geral da Fazenda Nacional). – Páginas 65, 68/69. Pág. 72, 89. O trecho transcrito consta das pág. 68/69.

[64] “Dívida Externa Brasileira”, de Ceres Aires Cerqueira , Banco Central do Brasil, 1997, pág. 66

[65] Cláusula presente nas traduções dos seguintes contratos do Plano Brady disponibilizados à CPI: Par and Discount Bond Exchange Agreement, Front Loaded Interest Reduction Bond Exchange Agreement, Front Loaded Interest Reduction with Capitalization Bond Exchange Agreement, EI Bond Exchange Agreement, New Money and Debt Conversion Bond Subscription Agreement and Exchange Agreement (nesse ultimo contrato a mesma cláusula consta do Artigo VI, porém, com texto idêntico ao dos demais contratos, nos quais a referida cláusula consta do Artigo V).

[66] Adquirentes: Termo definido na abertura dos acordos do Plano Brady como sendo uma das partes: “(ii) os Titulares Reconhecidos de Juros Elegíveis que formalizam e entregam este Acordo, conforme identificados no Anexo I”. Referido Anexo não foi disponibilizado à CPI.

[67] Banco Participante: Constituem uma das partes dos acordos do Plano Brady: “(iii) os Bancos Participantes nos termos dos Acordos Brasil que formalizam e entregam este Acordo, conforme identificados no Anexo II”. Referido Anexo não foi disponibilizado à CPI.

[68] Permuta: termo definido nos acordos do Plano Brady como sendo “a permuta de Juros Elegíveis Reconciliados dos Adquirentes por Bônus de Juros Elegíveis em decorrência deste Acordo”

[69] Ofício No. 3339/2009-SF, de 23.12.2009, Anexo 2

[70] Operação destinada à regularização dos juros devidos de 1989 e 1990, na conformidade do Sumário dos Principais Termos, do Pedido de Dispensa de Cumprimento de Obrigações e dos demais documentos que acompanharam a Mensagem Presidencial no. 243, de 27 de maio de 1991

[71] Aviso No. 57/MF, de 18 de fevereiro de 2010, juntamente com Nota PGFN/COF N o. 136/2010

[72] New York Laws: Civil Practice Law and Rules

ARTICLE 2 – LIMITATIONS OF TIME

  • 213. Actions to  be  commenced  within  six  years: where not otherwise  provided  for;  on   contract;   on   sealed instrument;  on  bond  or  note, and mortgage upon real property; by state based on misappropriation of  public property;  based  on  mistake;  by  corporation against director, officer or stockholder; based on fraud. In “http://law.justia.com/newyork/codes/civil-practice-law-rules/cvp0a2_article2.html

 

[73] Aviso nº 82, de 10/03/2010, juntamente com Nota PGFN/COF Nº 220/2010

[74] Ofício No. 53/09-P, de 21/10/2009, que reiterou os termos do Requerimento de Informações no. 11/09 da CPI.

[75] Ofício Nº. 2649/2009-SF, de 19 de novembro de 2009

[76] Parte IV – SOLICITAÇÃO DE DISPENSA DO CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS E DE ADITAMENTOS, do Sumário de Termos enviado pelo Senado Federal com Ofício Nº. 2649/2009-SF, de 19 de novembro de 2009

[77] Parallel Financing Agreement, Commercial Bank Cofinancing Agreement, New Money Trade Deposit Facility

[78] Multi-Year Deposit Facility Agreement

[79] A cópia do “Waiver Request” disponibilizada pela PGFN à CPI encontra-se datas de 20/06/1991 (Aviso nº 82, de 10/03/2010 e Nota PGFN/COF Nº 220/2010).

[80] CERQUEIRA, CERES AYRES – Dívida Externa Brasileira: Processo Negocial 1983-1996. Banco Central do Brasil, 1977, página 74

[81] NOGUEIRA, Paulo Batista Jr. E RANGEL, Armênio de Souza – “A Renegociação da dívida Externa Brasileira e o Plano Brady: Avaliação de Alguns dos Principais Resultados” – Caderno No. 7 – CESE – Outubro de 1994

[82] Esta parcela foi transformada em bônus de 10 anos com 3 anos de carência, com duas opções para os juros

[83] NOGUEIRA, Paulo Batista Jr. E RANGEL, Armênio de Souza – “A Renegociação da dívida Externa Brasileira e o Plano Brady: Avaliação de Alguns dos Principais Resultados” – Caderno No. 7 – CESE – Outubro de 1994

[84] Entende-se por “desconto efetivo” a redução da dívida PÁGINA 14.

[85] IDU Bonds, mencionados no Capítulo II da presente Análise Preliminar

[86] CERQUEIRA, CERES AYRES – Dívida Externa Brasileira: Processo Negocial 1983-1996. Banco Central do Brasil, 1977, página 81

[87] CERQUEIRA, CERES AYRES – Dívida Externa Brasileira: Processo Negocial 1983-1996. Banco Central do Brasil, 1977, página 80

[88] Nota Técnica Derin/Gabin-2009/154, enviada à CPI com Ofício 938.1/2009-BCB/SECRE

[89] Ofício 73.1/10-BCB/Secre

[90] NOGUEIRA, Paulo Batista Jr. E RANGEL, Armênio de Souza – “A Renegociação da dívida Externa Brasileira e o Plano Brady: Avaliação de Alguns dos Principais Resultados” – Caderno No. 7 – CESE – Outubro de 1994

[91] Estimado com base na Libor de 6 meses de 5 e 7/16% ao ano, observada em setembro de 1994.

[92] Pagamento de 30% dos juros correntes. Spread de 13/16%.

[93] As dívidas com bancos brasileiros foram transformadas em bônus de conversão (vide anexo para as taxas de juros incidentes sobre esse bônus e os demais instrumentos financeiros do acordo).

[94] Transformado em bônus de conversão.

[95] Transformados em bônus de atrasados.

[96] Transformadas em bônus de desconto, bônus ao par, FLIRBs, C-Bonds e DCBs nas proporções indicadas no quadro 3.

[97] Perda de receita de juros decorrente da imobilização inicial de reservas e da integralização da 1ª parcela semestral subseqüente. Adotou-se uma taxa de juros de 2,5% ao ano para a remuneração das reservas.

[98] Observe-se que a Exposição de Motivos foi endereçada ao VICE-Presidente, devido ao processo de impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello

[99] Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda Constitucional no. 1, de 1969, Tomo III, página 115

[100] Exceto os Bönus que continuaram a cargo do Banco Central: New Money Bond subscription Agreement e Brazil Investiment Bond

[101] Esclarece a E.M. 436 que “a chamada “janela” do MYDFA compreendida tão somente vencimentos de 1º de janeiro de 1987 a 31 de dezembro de 1993”

[102]  Decreto s/no. de 28.06.1991, publicado no DOU de 01/07/1991

[103] Decreto s/no. de 26.08.93, publicado no DOU de mesma data

[104] CERQUEIRA, CERES AYRES – Dívida Externa Brasileira: Processo Negocial 1983-1996. Banco Central do Brasil, 1997, pág. 88.

[105] CERQUEIRA, CERES AYRES – Dívida Externa Brasileira: Processo Negocial 1983-1996. Banco Central do Brasil, 1997, pág. 80

[106] CERQUEIRA, CERES AYRES – Dívida Externa Brasileira: Processo Negocial 1983-1996. Banco Central do Brasil, 1997, pág. 80

[107] Requerimento de Informações no. 53/09, item 3, e Ofício no. 63/09-P, de 29/10/2009.

[108] Observa-se que a data da Exposição de Motivos é a mesma data citada em seu texto, na qual o Banco Central teria recebido as opções dos credores, que não foi apresentada à CPI.

[109] CERQUEIRA, CERES AYRES – Dívida Externa Brasileira: Processo Negocial 1983-1996. Banco Central do Brasil, 1997, pág. 78

[110] CERQUEIRA, CERES AYRES – Dívida Externa Brasileira: Processo Negocial 1983-1996. Banco Central do Brasil, 1997, pág.

[111]Bônus de Conversão da Dívida. Título ao portador, com prazo de dezoito anos, incluindo dez anos de carência e taxa de juros de LIBOR de seis meses mais 7/8 de 1% ao ano. Esse título se apresenta acoplado ao Bônus de Dinheiro Novo, e será o instrumento de opção dos credores que decidirem emprestar dinheiro novo ao País. Para cada 5,5 dólar de dívida antiga transformada em Bônus de Conversão, o credor externo obriga-se a emprestar um dólar de dinheiro novo ao Brasil mediante aquisição de bônus de dinheiro novo.

 

[112] Os títulos emitidos no âmbito do Plano Brady foram prematuramente transformados em títulos da dívida interna, utilizados no processo de privatizações ou resgatados antecipadamente, não tendo sido possível verificar a destinação das garantias, por falta de informação à CPI.

[113] Ver o item intitulado “Desconto Aparente”, no presente Capítulo.

[114] A entrega das garantias foi antecipada, por sugestão do Banco Central do Brasil – “estudo elaborado pelo Departamento de dívida Externa DEDIV”, conforme mencionado em livro publicado na página do Banco Central, “Dívida Externa Brasileira”, de Ceres Ayres Cerqueira, página 79.

[115] Aviso n 106-GP/TCU, de 23.02.2010

[116] Mandado de Segurança nº 22801/DF, impetrado pelo Banco Central junto ao Supremo Tribunal Federal.

[117] Descontos na emissão mencionados nos contratos disponíveis variaram de 0,20% até 2,25% e comissões ao agente de 0,20% a 0,75%, além de diversos contratos que remetem para outro documento o estabelecimento das condições, que não foram disponibilizados à CPI.

[118] Texto original em inglês, constante do acordo:

“ c) The Republic hereby represents and warrants that is has no right to immunity from the service of process or jurisdiction or any judicial proceedings of any competent court (…) it does hereby and will irrevocably and unconditionally agree not to plead or claim any such immunity with respect to this obligation or any other matter under or arising out of or in connection with this Agreement or the transactions contemplated hereby.”

 

“d) (…) The Republic hereby agrees that the Managers shall have the right, exercisable at their sole discretion, to institute legal proceedings against the Republic through the proceedings contemplated in Articles 646 through 731 of the Brazilian code of Civil Procedure.”.

[119] Aviso MF No. 480, de 10/12/2009

[120] Balanço Geral da União de 2003, item 6.1.6, disponível na página http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/BGU/2003/Volume1/IV6%20-%20POLITICA%20DE%20ENDIVIDAMENTO.pdf

[121] Memorando No. 12/2010/COGER/GABIN/STN/MF-DF, de 11.01.2010

[122] Aviso nº 1447, de 17.12.2009

[123]            Dentre as normas internacionais editadas pela INTOSAI – International Organization of Supreme Audit Institutions – organização não governamental que congrega Entidades de Fiscalização Superiores de 193 países – com vistas a melhorar a capacidade institucional das Entidades Fiscalizadoras Superiores (EFS), merece destaque a Guia para Realização de Auditoria da Dívida Pública – A Utilização de Testes Substantivos nas Auditorias Financeiras por meio da ISSAI 5440, de novembro de 2007, a qual contém quatro elementos apontados como guia: a) definição do que é gestão da dívida; b) como facilitar a gestão da dívida pública; c) definição dos instrumentos para contrair dívida pública; d) definição dos mecanismos de prestação de contas.

[124] Lembramos que, por meio desse Acordo, parcelas do principal da dívida do setor público brasileiro junto a credores externos, vencidas entre 1987 e 1993, foram trocadas por bônus de emissão da União, em 31.08.1989. Pela Resolução nº 96/93, o Senado Federal autorizou o repasse dos benefícios do Acordo aos devedores originais, mediante celebração de contratos de financiamento interno. As Portarias MF nºs 208/95 e 166/97 disciplinaram a formalização dos instrumentos contratuais com prestações semestrais em março e setembro. Vencimento final: 15.09.2013

[125] Aviso nº 1447, de 17.12.2009

[126] Ofício 988/2009-BCB-Secre, de 01/12/2009 e Nota Técnica Desig/Gabin-09/2009

[127] Ofício 985.1/2009-BCB-Secre, de 30/11/2009, com Nota Técnica Depec-2009/265

[128] Nota Derin/Gabin-2010/016, de 22.02.2010, enviada com Ofício 125/2010-BCB-Secre, de 23.02.2010

[129] Aviso nº 1447, de 17.12.2009

[130] Aviso MF No. 480, de 10/12/2009

[131] Nota Derin/Gabin-2010/016, de 22.02.2010, enviada com Ofício 125/2010-BCB-Secre, de 23.02.2010