CPI da Dívida – Análise Técnica Preliminar Nº 5 – Dívida Externa – Capítulo 5

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CPI DA DÍVIDA PÚBLICA

ANÁLISE PRELIMINAR Nº. 5

CAPÍTULO V

DÍVIDA EXTERNA, IMPACTOS SOCIAIS E DIREITOS HUMANOS

IMPACTO DA DÍVIDA PÚBLICA NAS POLÍTICAS SOCIAIS E NO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO PAÍS

V.1 – INTRODUÇÃO

A CPI da Dívida Pública tem como escopo analisar não somente a dívida em si, como também os seus impactos sobre a sociedade e o meio ambiente. O endividamento não representa algo meramente financeiro, mas traz consigo toda uma gama de impactos, tanto relacionados à implementação de projetos financiados por meio da dívida pública, como pelo fato de drenar recursos orçamentários para o seu pagamento, reduzindo as dotações orçamentárias de diversas áreas sociais.

Embora a maior parcela da dívida externa, historicamente, foi a dívida contratada com bancos comerciais, que exigiram grandes somas de recursos públicos, os impactos do endividamento também ocorrem quando Instituições Financeiras Multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional – FMI – e o Banco Mundial estabelecem condicionamentos para a concessão de empréstimos, exigindo a adoção de políticas econômicas, reformas, privatizações e outras medidas que afetam os indicadores sociais e ambientais.

O presente Capítulo visa a atender a este item do escopo da CPI da Dívida Pública, e mostra o elevado custo social do endividamento público sobre a sociedade e sobre o país como um todo.

O período analisado se inicia a partir da década de 70, com a verificação dos impactos provocados pelo endividamento externo e, em seguida, passa a analisar também o impacto provocado pelo interno, considerando que foram recorrentes as transformações de um tipo de dívida em outra, sendo recomendável analisar os impactos sociais de forma conjunta.

O modo mais concreto de se avaliar a justificativa para o endividamento público seria por meio de seu resultado em termos de bem-estar da população e do desenvolvimento sustentável do país. A dívida pública precisa ter uma contrapartida que compense o pesado ônus que impõe à sociedade e ao país. Infelizmente, nunca foi realizada uma auditoria que explicasse a contrapartida da dívida pública brasileira, seja pelo Tribunal de Contas da União, pela Corregedoria Geral da União, pelo Congresso Nacional, ou qualquer outro órgão, apesar de a Constituição Federal de 1988 determinar sua realização.

Dada a grande abrangência dessa análise, foram utilizados materiais disponibilizados por diversos setores da sociedade civil que analisam o impacto do endividamento em suas respectivas áreas de atuação.

Cabe registrar, inicialmente, que a crise do endividamento externo nos anos 80 afetou toda a política econômica, gerando recessão, desemprego, inflação e, adicionalmente, provocou o crescimento da dívida interna. São incalculáveis os prejuízos deste brutal impacto da dívida externa sobre milhões de desempregados e sobre toda a sociedade brasileira. São incalculáveis também os danos ambientais provocados pela necessidade de geração de grandes superávits comerciais – apesar da queda no preço dos produtos de exportação brasileiros – as commodities – o que exigiu o aumento da produção, implicando na destruição de vegetação nativa para a abertura de novas áreas para as monoculturas de exportação.

Foi possível documentar, nessa análise, as Cartas de Intenção ao FMI elaboradas por governos ilegítimos (ditaduras), que representaram ofensa à soberania nacional e violação de Direitos Sociais e Humanos.

Os sucessivos pactos com o FMI durante a década de 80 e 90 consolidaram a implementação das políticas neoliberais listadas no chamado “Consenso de Washington”. O Fundo exigia privatizações de empresas estatais estratégicas e lucrativas (com a justificativa de que a receita de sua venda serviria para o pagamento da dívida pública), elevação de tributos, redução de gastos com pessoal e Previdência Social, liberalização dos fluxos de capital, do funcionamento do sistema financeiro e cambial, redução de tarifas de importação, reajuste de preços públicos (como os combustíveis e eletricidade), contenção de salários para reduzir a demanda interna e estimular as exportações, elevação das taxas de juros (para conter inflação), exercendo sua ingerência também nas negociações da dívida externa com os bancos privados e com o Clube de Paris. Por sua vez, os empréstimos tomados junto ao Banco Mundial se destinavam principalmente à concretização de reformas estruturais.

A partir das crises financeiras ocorridas na segunda metade da década de 90, a política de liberalização dos fluxos de capitais exigida pelo FMI passou a evidenciar seus efeitos nocivos, com a fuga em massa de capitais, provocando nova crise da dívida externa, que levou à assinatura de mais um Acordo com o FMI, no final de 1998.

Na tentativa de estancar a fuga de capitais, houve elevação dos juros para níveis altíssimos (que chegaram a 49% ao ano, em novembro de 1997 e setembro de 1998), forte aumento do desemprego, e a implementação das metas de superávit primário, com aumento de tributos incidentes sobre o consumo e cortes de gastos sociais. As Cartas de Intenções também citavam as Reformas Administrativa, Trabalhista e da Previdência Social, que retiraram direitos dos trabalhadores.

Também como exigência do FMI foi aprovada a “Lei de Responsabilidade Fiscal”, que limitou os gastos sociais e a extensão do ajuste fiscal e estrutural (privatizações, dentre outras medidas) aos estados, por meio da renegociação das dívidas dos entes federados. As Cartas de Intenções também mencionaram expressamente os compromissos com as privatizações, o alinhamento do preço dos combustíveis ao mercado internacional e a abertura comercial. O FMI também exigiu a implantação do Sistema de Metas de Inflação, responsável por boa parte do crescimento da dívida interna e o impedimento ao crescimento econômico, por meio das elevadas taxas de juros, que são consideradas como o único remédio para combate da inflação.

Em 2002, para que fosse firmado mais um Acordo com o FMI, os principais candidatos à Presidência concordaram com as medidas ali compromissadas, passando tal Acordo a ficar acima da discussão eleitoral, representando indício de violação da Ordem Democrática.

Em 2003, o governo eleito promoveu a Reforma da Previdência, suprimindo diversos direitos dos servidores públicos. Também realizou a Reforma Tributária, que se limitou, essencialmente, à manutenção da DRU – Desvinculação de Receitas da União e da CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira, de modo a cumprir o ajuste fiscal. Também foi aprovada nova Lei de Falências (que prejudicou o recebimento dos créditos trabalhistas, em favor dos financeiros); a privatização de bancos federalizados, além do avanço da “Autonomia” do Banco Central, confirmada pelo presidente do BC em entrevista jornalística, favorecendo o estabelecimento de altas taxas de juros, com pesado custo fiscal para o Tesouro.

De 1998 a 2008, a carga tributária subiu 6,9% do PIB – Produto Interno Bruto –  enquanto o superávit primário, que praticamente não existia anteriormente, chegou a 4% do PIB, em 2008. Portanto, a maior parte do aumento da carga tributária serviu para gerar o superávit primário e não para aumentar os gastos sociais. Isto quer dizer que, ao final das contas, a sociedade ficou mais pobre, pois teve de arcar com um aumento de quase 7% do PIB em tributos, incidentes principalmente sobre o consumo. Por outro lado, os setores ligados aos ganhos financeiros com a dívida pública, ou à geração de divisas – para garantir o pagamento dos compromissos externos – têm tido sua tributação significativamente aliviada nos últimos anos.

Apesar de o Brasil apresentar estatísticas que mostram o desrespeito aos Direitos Sociais, as diversas políticas que poderiam reverter tais estatísticas têm sido severamente prejudicadas pela priorização dos gastos com a dívida, que representa a maior fatia do orçamento, muitas vezes superior a diversas áreas sociais fundamentais, como a saúde, educação, reforma agrária, transportes, etc. O salário mínimo, atualmente estabelecido em patamar que não atende ao disposto no Art. 7º da Constituição, também tem sido contido pela política de ajuste fiscal, prejudicando tanto aos aposentados como aos demais trabalhadores. Adicionalmente, todas as propostas que visam a melhorar a condição das aposentadorias tem sido rejeitadas pelo governo, sob a equivocada justificativa do déficit da Previdência Social. Portanto, o endividamento configura grave indício de ofensa ao Art. 6º da Constituição Federal, ao impedir a garantia dos Direitos Sociais e o respeito aos Direitos Humanos.

Na presente análise, também denunciamos a destruição de grande parte do cerrado e outros importantes biomas nacionais, para dar lugar à grande agricultura de exportação e à extração de recursos minerais, em detrimento da agricultura familiar, para garantir as divisas necessárias ao pagamento da dívida.

Assim, a presente análise visa a conectar as ilegitimidades do endividamento externo à subtração dos direitos humanos e sociais da população, o que justifica a realização de análise jurídica aprofundada para a adoção das medidas apropriadas.

 

V.2 – O ENDIVIDAMENTO EXTERNO E SEU IMPACTO NO CRESCIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO

O gráfico abaixo mostra a evolução do crescimento do PIB brasileiro, desde 1970.  Se, por um lado, houve crescimento nos anos 70, época na qual as transferências líquidas eram positivas (pois o país estava recebendo empréstimos externos, dado o excesso de liquidez internacional face à crise do petróleo), por outro lado, a década seguinte, de 80, foi denominada a “década perdida”, pelo fato de que o crescimento  econômico (de apenas 2,92% ao ano) foi severamente reduzido. Diversos autores documentam este fato como conseqüência da alta unilateral das taxas de juros pelos EUA a partir de 1979, que inverteu os fluxos de capitais e transformou o Brasil – tal como diversos outros países do Sul – em exportadores de capitais para o Norte.

Taxa de Crescimento Econômico (%) – 1970 a 2008

Erro! Indicador não definido.

Fonte: IPEADATA. Elaboração própria.

 

Importante ressaltar que nos anos 90, o crescimento econômico brasileiro foi ainda menor que na “década perdida” (1,6% ao ano, em média) e, nos anos 2000, o crescimento médio tem sido ainda modesto: 3,7% ao ano.

Importante citar trecho do Relatório da Comissão Especial do Senado para a Dívida Externa (instalada em 1987), elaborado pelo então Senador Fernando Henrique Cardoso, aprovado pela Casa Revisora e que respalda as conclusões supracitadas:

Do ponto de vista dos credores, o Brasil teve um excelente desempenho: dos US$ 6 bilhões de superávit comercial em 1983 passou a US$ 13,0 bilhões em 1984 e, dessa forma, cobriu os juros devidos. Internamente, porém, a recessão foi profunda e com custo sociais elevadíssimos: que cerca de 5 milhões de trabalhadores do setor formal foram lançados no desemprego. Foi seguramente a recessão mais violenta da economia brasileira. No período da Grande Depressão a sociedade brasileira era fundamentalmente rural e a população economicamente ativa concentrava-se nos campos. O quadro dos anos 80 é de uma sociedade industrial, urbana e despreparada para enfrentar o desemprego em massa.

A contração no período 1981-83 comprometeu a performance da economia brasileira pelo resto da presente década. Ademais, o redirecionamento da economia para a produção de bens exportáveis exacerbou o crônico processo inflacionário, de sorte que, do patamar de 100% de inflação anual do início da década, saltamos para o patamar próximo a 240% em 1984-85.

(…)

Com um agravante: para a obtenção de tais superávits impôs-se uma política recessionista, inspirada pelo FMI, que levou ao desemprego milhões de trabalhadores. E mais ainda: a desorganização e a incapacidade do Estado (e dos governos) impedem que os superávits comerciais sejam “esterilizados”. Em outras palavras, como a divida está praticamente estatizada e o Estado brasileiro não dispõe de recursos líquidos (poupança) para saldar seus compromissos no exterior, o serviço da dívida externa é transformado em dívida pública interna, seja na forma de colocação de títulos do governo junto ao público, seja na forma de emissão primária e desmesurada de moeda. O resultado imediato disso é a distorção das políticas fiscal e monetária, e, consequentemente, o aumento da taxa de juros e dos índices de inflação. A sociedade, portanto, banca a desorganização financeira do Estado – provocada especialmente pela dívida externa através da Inflação.

Assim, a “dívida externa” passou a condicionar a política econômica interna, afetando o crescimento econômico, o nível da inflação, as taxas de juros, o nível de emprego, os investimentos produtivos e o endividamento público.

 

Como se vê, a crise do endividamento externo nos anos 80 afetou toda a política econômica, gerando recessão, desemprego, inflação e, adicionalmente, provocou o aumento da dívida interna.

São incalculáveis os prejuízos deste brutal impacto da dívida externa sobre milhões de desempregados e sobre toda a sociedade brasileira. São incalculáveis também os danos ambientais da geração de grandes superávits comerciais – ainda com a queda no preço das commodities – que implicou na destruição de vegetação nativa para a abertura de novas áreas para as monoculturas de exportação.

Conforme afirmou o então senador Fernando Henrique Cardoso em seu Relatório, boa parte do baixo crescimento econômico nos anos 80 foi causado pelas imposições de políticas econômicas pelo FMI, como condicionamento aos novos empréstimos, e também devido à exigência de acordo com o FMI para que fossem pactuados os acordos entre o Brasil e os bancos privados internacionais.

Nesse sentido, a CPI solicitou ao Banco Central e ao Ministério da Fazenda, por meio do Requerimento de Informações nº 11/2009, as Cartas de Intenções pactuadas entre o governo brasileiro e o FMI. Em resposta, o Banco Central encaminhou cópia de diversas Cartas, além de um quadro com uma sistematização das principais medidas constantes dessas cartas, de 1983 a junho de 1988. Nos documentos enviados pelo Banco Central constavam as seguintes autoridades como signatárias de algumas destas Cartas:

Carlos Geraldo Langoni – Presidente do Banco Central

Ernane Galveas  – Ministro das Finanças

Afonso Celso Pastore – Presidente do Banco Central

Antônio Delfim Netto – Ministro do Planejamento

 

O quadro enviado pelo Banco Central se encontra reproduzido a seguir e traz diversas medidas associadas a graves e profundos impactos sociais sobre o país e sua população, cujo objetivo foi viabilizar o pagamento da dívida, a exemplo das seguintes:

“Maior austeridade em relação aos gastos públicos, em particular, às despesas com pessoal e às transferências às empresas do governo.”

“Elevar a alíquota de contribuição e maior racionalidade na concessão de benefícios da Previdência Social.”

“Liberalizar o sistema financeiro, tanto no que diz respeito às taxas de juros, quanto às limitações quantitativas.”

“Reduzir o déficit em conta-corrente do balanço de pagamentos”

“Depreciar o cruzeiro em relação ao dólar.”

“Prorrogar o crédito-prêmio às exportações.”

“implementar política salarial destinada ao aumento do emprego.”

“Restringir os limites da expansão do crédito Banco do Brasil.”

“Reajustar os preços dos combustíveis.”

“Aumentar o preço do trigo até eliminar todo o subsídio.”

“Reajustar o preço do aço e da eletricidade.”

“Ajustar os preços dos serviços do setor público segundo a inflação interna.”

“Limitar o ajuste semestral de salários a 80% da inflação passada.”

“Assegurar política de taxas de juros reais positivas de juros.”

“Adotar políticas externas que permitam a diminuição das restrições cambiais restantes.”

“Aumentar frequentemente os preços dos derivados de petróleo, trigo e derivados.”

“Reduzir o déficit operacional das empresas estatais.”

“Extinguir ou privatizar empresas estatais, autarquias e outros órgãos públicos.”

 

 


V.3 – O ENDIVIDAMENTO EXTERNO E AS EXIGÊNCIAS DO FMI

 

Se os países subdesenvolvidos não conseguem pagar suas dívidas externas, que vendam suas riquezas, seus territórios e suas fábricas”   Margareth Thatcher, 1983

 

No contexto da crise econômica do início da década de 1980, o governo brasileiro pactuou a Carta de Intenção de 06 de janeiro de 1983, na qual assumiu compromissos com a redução de gastos públicos, e apresentou “um programa econômico” para reduzir os desequilíbrios externos e promover mudanças estruturais na economia, a fim de aumentar a poupança interna, em especial no setor público, por meio “do alinhamento nos preços relativos entre os vários setores da economia, eliminação dos subsídios e redução da intervenção direta e indireta do Governo na economia.”

Em face do Acordo com o FMI proposto nessa Carta, o governo se comprometeu a diminuir os gastos públicos, em especial, relacionados às despesas com pessoal, como demonstrado a seguir:

“impor ainda maior austeridade com relação aos gastos públicos. Esse objetivo aplica-se, em particular às despesas com pessoal e às transferências às expensas do Governo. O rígido controle das demais despesas do Governo Federal resultará em gastos menores do Orçamento”.

“Um volume significativo de despesas governamentais está presentemente a cargo das autoridades monetárias, ainda sem cobertura pelo Tesouro. Esta sistemática será quase eliminada até o fim do acordo ampliado, mediante redução substancial dessas despesas e transferência gradual da parcela residual restante para o Orçamento Federal.”

Quanto à “situação financeira do sistema de previdência social”, seriamente comprometida em 1981, foram tomadas medidas para reverter esse quadro, abrangendo a “elevação da alíquota de contribuição e a maior racionalização da concessão de benefícios”.

O Governo brasileiro se comprometeu, adicionalmente, em 1983 e nos anos seguintes, a promover “um corte substancial no dispêndio global” das empresas do Governo, além da redução considerável nas despesas de capital, com o compromisso de não iniciar naquele ano, nenhum novo projeto de vulto, excetuando-se o projeto Carajás, já com “financiamento assegurado no exterior”, ao passo que os projetos em andamento, seriam implementados de forma mais lenta.

Desse modo, a austeridade obtida com o ajuste fiscal seria canalizada para o pagamento da dívida externa, conforme trecho a seguir, extraído da referida Carta:

“19. (…)

A redução projetada do volume de despesas correntes será bastante limitada, já que um aumento ponderável do valor em cruzeiro dos pagamentos dos juros da dívida externa deverá neutralizar, (…) as economias obtidas com a austeridade nas despesas de pessoal, inclusive com restrições impostas a novas contratações”.

O Governo brasileiro se comprometeu a “manter as políticas atuais”, objetivando “reduzir as empresas governamentais e ajustá-las às regras do mercado”, de modo a torná-las auto-sustentáveis, excetuando-se as entidades com “uma função especial, social ou de desenvolvimento”.

O Fundo Monetário Internacional aprovou, em fevereiro de 1983, a solicitação do Governo Brasileiro de “usar recursos do Fundo em montante equivalente a 450% da quota do Brasil, dentro da primeira “tranche” de crédito, e no quadro de um esquema ampliado para o período de três anos.” O programa econômico respaldado pelo esquema ampliado pressupunha, de imediato, “a redução dos desequilíbrios externo e interno” e, a posteriori, “promover mudanças estruturais na economia”, a fim de promover a “retomada de elevadas e sustentáveis taxas de crescimento e emprego.” Para tanto, seria necessário “reduzir a dependência de recursos externos, pelo crescimento da poupança interna, especialmente no setor público”, e (…) “tornar mais eficiente a economia”, (…), o que seria atingido “através da melhoria nos preços relativos, eliminação de subsídios e redução da intervenção direta e das restrições governamentais.”

Desse modo, na Carta de Intenção, datada de 15 de setembro de 1983, o Governo brasileiro se comprometeu a adotar ou dar continuidade às medidas que seguem:

“a) os preços dos produtos combustíveis foram elevados de 45% em média, em 9 de junho de 1983, dando fim (…) aos subsídios a esses produtos; no futuro, esses preços serão ajustados em linha com a desvalorização do cruzeiro, a fim de prevenir o ressurgimento do subsídio.

  1. b) o preço do trigo foi aumentado em 100%, em 27 de junho de 1983; aumentos adicionais serão introduzidos até eliminar-se todo subsídio a novas vendas de trigo, até junho de 1984. (…). A política de fixação de preços para o trigo e para os produtos de trigo será subsequentemente ajustada para impedir o reaparecimento de subsídios.
  2. c) os preços de aço e da eletricidade foram elevados em 90%, (…), em 1983 e serão reajustados no restante do ano, de modo a gerar um incremento de 5% acima da taxa da inflação interna (…).
  3. d) os subsídios que se contem nos preços do açúcar estão sob revisão (…).
  4. e) os preços dos serviços do setor público estão sendo frequentemente ajustados, (…) segundo a inflação interna e levando em conta considerações de eficiência e condições de oferta e procura.
  5. f) os preços de mais de 300 produtos industriais e serviços providos pelo setor privado foram recentemente submetidos a controle, limitando-se a 80% da inflação passada seus aumentos sem comprovação de causa. Assim que a taxa mensal de inflação começar a declinar, esses controles serão gradativamente retirados.”

 

No que concerne às empresas estatais, ficou estabelecido o seguinte:

“deverão (…) arcar com uma parte adicional do ônus de ajustamento (…). Uma revisão (…) do orçamento consolidado das empresas estatais para 1983 visa a uma redução no volume das despesas. Um grande corte nos investimentos é inevitável, e economias suplementares têm de ser feitas nas despesas de custeio, de forma a compensar o sensível aumento do valor em cruzeiros das importações e do pagamento de juros sobre a dívida externa (…). Para assegurar a realização dessas medidas, foi reforçado (…) o controle da despesa e modificada (…) a legislação salarial (…).”

 

Diversas medidas foram tomadas pelo Governo Federal em face dos compromissos assumidos, cabendo destacar o simultâneo aumento do superávit das estatais, que seria drenado para cobrir gastos do governo, que ao mesmo tempo promovia a redução dos investimentos em tais empresas:

“com a modificação na legislação salarial e a contenção de outras despesas correntes, prevê-se um ligeiro aumento no superávit das empresas estatais e, (…) haveria um aumento das transferências do Governo Federal. Ao mesmo tempo, está programada uma redução adicional de 1% do PIB, em 1984, nos gastos de investimento.”

 

No que tange à política salarial, ficou estabelecido o seguinte:

“o sistema de ajustamento salarial automático permaneceu rígido, provocando elevação do desemprego e impedindo redução da taxa inflacionária. A fim de permitir uma situação mais favorável à criação de empregos e possibilitar um substancial declínio da taxa de inflação, o Governo baixou, em 13 de julho de 1983, o Decreto-lei nº 2.045, que limita o ajuste semestral de salários a 80% da inflação passada. (…)”

 

A disposição do Governo em assegurar os compromissos acordados foi reafirmada na Carta de Intenção de 15 de março de 1984. Observa-se que, dentre as medidas adotadas, incluiu-se a maxidesvalorização de fevereiro de 1983, a qual resultou em “um afastamento radical das metas originais”, ao tempo em que se mostrou necessária ao “extraordinário progresso que se produziu no ajustamento do balanço de pagamentos, ela no entanto tornou (…) mais difícil a realização dos objetivos domésticos do programa e, (…) contribuiu para aceleração da inflação.” Dados os atrasos na implementação das medidas de ajustamento nos preços administrados, imprescindíveis “à restauração da eficiência da economia e à estabilidade financeira e monetária”, o progresso do programa ficou comprometido, acarretando “efeitos adversos na conduta da política monetária”.

Portanto, verifica-se que a política de ajustamento da balança comercial – para o pagamento da dívida externa – levou à inflação, por meio das desvalorizações cambiais. Adicionalmente, a modalidade dos acordos com bancos privados internacionais, que permitia o reempréstimo dos valores que os devedores nacionais depositavam no Banco Central, em cruzeiros, constituía uma medida inflacionária, pois promovia o aumento da base monetária.

Diante disso, o Governo reforçou as medidas para garantir o ajustamento, dentre as quais a alteração na legislação salarial, que “foi modificada para permitir uma desindexação parcial de processo de ajustamento salarial. As finanças do setor público foram fortalecidas através da combinação de esforços para elevar as receitas e reduzir as despesas em todos os níveis”. Os subsídios foram reduzidos, os preços relativos dos derivados de petróleo e do trigo foram majorados, além dos preços de outros serviços públicos. Restringiu-se ainda mais a política monetária, aumentando os níveis dos depósitos compulsórios e limitando a “expansão da base monetária a uma meta de 90% para 1983”.

O Governo reiterou a “intenção de reduzir o déficit do setor público a 9% do PIB em 1984,” além “de alcançar um superávit operacional no setor público equivalente a 0,3% do PIB”, bem como “limitar a expansão dos meios de pagamento e da base monetária a 50% em 1984; e de buscar uma redução adicional no déficit do balanço de pagamentos em conta corrente”.

Em setembro de 1984, em mais uma Carta de Intenção, foram indicados progressos considerados substanciais em consequência do ajustamento, tanto das contas externas quanto internas. Internamente, tendo sido destacados os seguintes resultados:

“acentuada modificação nos preços relativos, favorecendo a agricultura e as exportações; subsídios foram em grande parte eliminados (…); as dimensões do setor público começaram a reduzir-se; a política monetária foi progressivamente liberada de outros encargos que por muitos anos dificultavam sua execução.”

 

Perseguindo o objetivo de equilibrar as finanças públicas, o Governo informa a opção de “aumentar as receitas do sistema de previdência social”, intensificando “os controles de gastos do governo federal, das empresas estatais e dos organismos descentralizados, de modo a garantir a necessária economia adicional no setor público”.

O Governo evidenciou ante o FMI, na Carta de Intenção de 20 de dezembro de 1984, o compromisso com a redução dos gastos públicos para produzir superávit, em face da dívida externa:

(…)

O esforço de poupança do Governo Federal deverá aumentar em 1985, quando a manutenção da política de estrita austeridade nas despesas, juntamente com a importante eliminação de subsídios, particularmente daqueles relacionados com o consumo do trigo e com as exportações de produtos industrializados, deverão produzir um superávit operacional orçamentário equivalente a 2% do PIB.

O déficit operacional das empresas estatais federais, em 1984, deverá reduzir-se de 1,6% do PIB para 1%. O balanço consolidado dessa empresas, em 1985, contempla um aumento ainda maior de receitas que, juntamente com uma redução nos gastos com investimentos, deverão neutralizar o substancial aumento de pagamentos de juros, tanto sobre a dívida interna como sobre a externa e, resultar em um orçamento operacional equilibrado para este setor, como um todo, em 1985. As empresas estatais que gerarem superávit em suas operações, serão levadas a transferir tal superávit às autoridades monetárias, seja sob a forma de compra de títulos públicos, ou depósitos junto ao Banco Central. Tendo em vista a importância que essas transferências têm para a execução do programa monetário em 1985, definimos um conjunto de metas para as transferências líquidas das empresas estatais federais para o Banco Central (…).”

 

Em 1989, o receituário neoliberal foi reafirmado por meio do chamado “Consenso de Washington”[1]:

 

“Em 1989, no bojo do reaganismo e do tatcherismo máximas expressões do neoliberalismo em ação, reuniram-se em Washington, convocados pelo Institute for International Economics, entidade de caráter privado, diversos economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários do Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do governo norte-americano. O tema do encontro Latin Americ Adjustment: How Much has Happened?, visava a avaliar as reformas econômicas em curso no âmbito da América Latina.

John Willianson, economista inglês e diretor do instituto promotor do encontro, foi quem alinhavou os dez pontos tidos como consensuais entre os participantes. E quem cunhou a expressão “Consenso de Washington”, através da qual ficaram conhecidas as conclusões daquele encontro, ao final resumidas nas seguintes regras universais:

– Disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos à arrecadação, eliminando o déficit público;

– Focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura;

– Reforma tributária que amplie a base sobre a qual incide a carga tributária, com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos impostos diretos;

– Liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as nacionais e o afastamento do Estado do setor;

– Taxa de câmbio competitiva;

– Liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de importação e estímulos à exportação, visando a impulsionar a globalização da economia;

– Eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento direto estrangeiro;

– Privatização, com a venda de empresas estatais;

– Desregulação, com redução da legislação de controle do processo econômico e das relações trabalhistas;

– Propriedade intelectual.”

 

Esse receituário já vinha sendo imposto pelo FMI nos anos 80, como condição para os empréstimos e renegociações da dívida externa com bancos privados. A partir de fins dos anos 80, as Cartas de Intenção ao FMI passam a explicitar ainda mais claramente a busca dos objetivos do “Consenso de Washington”, conforme demonstrado acima, reafirmado no documento[2] sobre o “Programa de Modernização e Ajustamento – 1988-89”, para o qual o governo solicitou a utilização de recursos financeiros do FMI.

No documento, o governo defendeu a redução do papel do Estado, assumindo que o modelo de crescimento baseado na intervenção estatal na economia dava sinais do seu esgotamento, tendo assumido a necessidade de implantar as seguintes medidas:

“revitalizar o setor industrial, (…), na área tecnológica, e expô-lo (…) a um maior nível de competição com a economia internacional; diminuir os controles sobre o comércio exterior e implantar um sistema tarifário coerente com os objetivos de modernização; rever o funcionamento do sistema financeiro internacional, para reduzir os custos de intermediação e melhor colocá-lo a serviço do desenvolvimento econômico e social; abolir (…), um dirigismo ultrapassado e incompatível com os anseios de liberdade e desenvolvimento.”

 

A seguir, elencamos alguns dos compromissos relatados no documento.

 

PRIVATIZAÇÕES

 

“o Governo está dinamizando o processo de privatização com vistas a liberar o Estado de tarefas que podem ser desempenhadas mais eficientemente pelo setor privado. (…) o modelo de crescimento baseado na intervenção do Estado na economia apresenta claros sinais de esgotamento, além de ter criado distorções que cumpre eliminar.

(…)

– início imediato de estudos para extinguir o monopólio da comercialização do trigo, com a consequente privatização;

(…)

– eliminação dos controles prévios sobre a exportação de aproximadamente três mil produtos;

(…)

– privatização das exportações de açúcar;

(…)

– extinção ou privatização de empresas estatais, autarquias e outros órgãos públicos, liberando o Estado de tarefas que o setor privado pode conduzir com maior eficiência e abrindo espaço para atuação mais eficaz do Governo na área social. No processo de privatização dar-se-á preferência àquelas empresas que tiveram origem no setor privado;

(…)

– limitação da administração de preços pelo Governo aos monopólios e oligopólios, aí incluídos os preços e tarifas públicas;

(…)

Medidas já adotadas:

(…)

“criação do Conselho Federal de Desestatização, com o objetivo de coordenar a redução da participação do Estado na economia. Com o sistema BNDES, já foram realizadas doze privatizações, estando em curso nove processos.”

(…)

“encaminhamento ao Congresso Nacional de projeto de lei estabelecendo procedimentos para a alienação ao setor privado do capital de empresas estatais, exceto no caso da Petrobrás.”

 

 

REDUÇÃO DE GASTOS COM PESSOAL E OUTROS GASTOS PÚBLICOS

 

“A redução do déficit do setor público é fator primordial na estratégia de combate à inflação (…) principalmente em razão do crescimento dos gastos com pessoal em fins de 1987 e início de 1989, conjugado com um declínio real da receita.”

(…)

Medidas já adotadas:

(…)

proibição para contratar servidores na Administração Pública Federal direta e indireta; criação de mecanismos de estímulo à demissão voluntária e à aposentadoria proporcional ao tempo de serviço, com extinção automática dos cargos vagos; suspensão, por dois meses, da antecipação salarial dos servidores da União e das empresas estatais, para ajustar as despesas de pessoal à situação das finanças públicas.”

– realização de cortes equivalentes a 0,9% do PIB nas despesas de custeio e capital do Orçamento da União para 1988;

 

 

REDUÇÃO DOS GASTOS COM A PREVIDÊNCIA SOCIAL

 

“Para o atingimento das metas fiscais do Programa para 1988, foram definidas ainda diversas medidas de ordem prática, incluindo a fixação de limites para o déficit da Previdência Social.”

 

AUMENTOS DE TRIBUTOS

 

– redução de 50% para 40% do imposto de renda aplicável em benefícios fiscais, com extinção dos incentivos ao turismo e redução dos destinados ao reflorestamento;

– redução de 15% para 10% do limite que as pessoas jurídicas podem deduzir do imposto com formação profissional, alimentação do trabalhador, vale-transporte e formação de recursos humanos na área de informática;

 

 

LIBERALIZAÇÃO DO CÂMBIO E DO COMÉRCIO EXTERIOR

 

“até o final de 1988 o governo pretende reduzir à metade o número de itens da lista de importações proibidas, adotando medidas adicionais em 1989 no sentido de diminuir paulatinamente as restrições cambiais.”

 

NEGOCIAÇÃO DA DÍVIDA EXTERNA COM BANCOS PRIVADOS E CLUBE DE PARIS

 

“será necessário também um adequado fluxo de recursos externos, que deverá ser estabelecido a partir da normalização do relacionamento com a comunidade financeira internacional. Nesse sentido, foram concluídas as negociações entre o Brasil e o Comitê Assessor dos bancos credores estrangeiros (…) É intenção do governo promover entendimentos com os credores do Clube de Paris durante o segundo semestre de 1988, com vistas ao reescalonamento dos pagamentos devidos desde o início de 1987. O resultado positivo nas negociações com os bancos estrangeiros e com os credores do Clube de Paris contribuirá para a regularização até o final do corrente ano da situação dos pagamentos ao exterior. (…) Um Acordo com o Fundo Monetário Internacional é indispensável à renegociação da dívida brasileira com o Clube de Paris.

 

TOMADA DE EMPRÉSTIMOS COM O BANCO MUNDIAL

 

“negociação com o Banco Mundial de empréstimos setoriais – além dos tradicionais financiamentos a projetos que resultarão em apoio substancial a medidas de ajustes estruturais. Encontram-se em fase adiantada de negociação empréstimos setoriais destinados à recuperação do setor energético, à modernização dos setores agrícola e agroindustrial, ao reordenamento do sistema financeiro e à reforma do sistema tarifário.”

 

Na conclusão do documento, o governo brasileiro afirmou:

 

“Com essas medidas e diretrizes o Governo propõe-se a enfrentar os desafios. Por isso, posições firmes e determinação não lhe faltarão na certeza de que conta com o apoio das mais expressivas lideranças do país”

 

Ainda em setembro de 1990[3], outra Carta de Intenção foi encaminhada ao Fundo, reafirmando a determinação do governo brasileiro em adotar as medidas necessárias, “não apenas para melhorar as finanças públicas, mas também para atingir níveis mais elevados de eficiência econômica”. Nesse sentido, foram implementadas “a reforma administrativa e os programas especiais para a alienação dos ativos públicos e a privatização das empresas públicas incluídas no programa de Governo.”

A referida Carta informou que, no contexto do processo de privatização, circunscrito no âmbito da reforma administrativa reduziu-se de 23 para 12 a quantidade de ministérios; foram extintas 05 autarquias, 08 fundações, 03 empresas públicas e 08 companhias de economia mista, além disso, reduziu-se drasticamente o contingente de funcionários públicos federais e pôs em leilão 9.500 imóveis funcionais e à venda a “maior parte da frota de veículos oficiais”, dando “ênfase especial à privatização das empresas e à concentração das atividades do Setor Público naquelas áreas em que sua presença é requerida”.

A taxa de inflação teve uma redução significativa, mas não foi eliminada. Foi empreendido “um aperto adicional na política monetária, o qual, somado aos resultados positivos (…) registrados nas finanças públicas e à manutenção dos esforços para a liberalização comercial e para a redução da indexação, restringiu o ritmo da inflação.” A redução da liquidez ocasionou uma renovação nas exportações, cujo saldo comercial atingiu US$ 5,5 bilhões, de abril a junho de 1990, ao tempo em que “os atrasados externos, que começaram a se acumular em junho de 1989, atingiram US$ 8,7 bilhões de dólares em 30 de junho de 1990.” Apesar das medidas em curso e “determinado a não transigir na total implementação das políticas constantes do seu programa”, o Governo Brasileiro “solicita ao Fundo um acordo “stand-by” para o período que vai até fevereiro de 1992, no montante de 1.449 milhões de DES.”

 

Fica patente nessa Carta que as privatizações também foram impostas ao governo Collor pelo FMI, para viabilizar o pagamento da dívida:

 

O governo lançou um ambicioso programa de privatização, que se destina a liberar recursos fiscais e a promover e eficiência na economia. O primeiro grupo de empresas públicas a ser privatizado dentro dos próximos três anos inclui 10 firmas nos setores petroquímico, siderúrgico e de fertilizantes, com um valor total preliminarmente orçado em US$ 15 bilhões líquidos. Além dessas empresas, o governo está também vendendo sua participação minoritária em 16 outras firmas no setor petroquímico. A receita proveniente da privatização será utilizada no resgate da dívida pública. (…) O programa de privatização será aberto à participação de investidores estrangeiros.”

(…)

O Brasil brevemente iniciará negociações para a reestruturação da dívida com os bancos comerciais credores a partir de um cardápio de opções incluindo instrumentos de mercado para a redução do principal e do serviço da dívida bem como outros instrumentos de conversão da dívida a serem empregados em conjugação com nosso programa de privatização.

 

O programa proposto na ocasião comprometeu-se, principalmente, com a  “liberalização das transações internas e externas e na eliminação dos controles administrativos.” Dentre outros fatores, destaca-se a implantação de “um programa especial para reduzir a intervenção governamental na economia, já tendo-se registrado significativo progresso na eliminação ou simplificação de regras e regulamentos que impediam a concorrência e a livre circulação de bens ou fatores de produção.”

 

Em 2 de dezembro de 1991, nova carta foi enviada pelo Ministro da Economia, Marcílio Marques Moreira e pelo Presidente do Banco Central, Francisco Gros, na qual o Governo se comprometeu a tomar diversas medidas, como a liberalização cambial, eliminação da indexação salarial e a redução de tarifas de importação. Destacamos alguns itens dessa Carta:

 

Tax reform measures have been proposed to promote the inflow of foreign capital. The suplementary tax imposed on the remittance of dividends and royalties to foreign investors would be eliminated and the income tax rate payable on the remittance of profits abroad would be reduced in those cases where income tax rates applicable in the country of destination are lower than in Brazil. Also, real interest earnings of foreign institutional investors would be taxed at a lower rate, 15 percent compared with 25 percent at present, and capital gains would be exempted from income tax.

 

TRADUÇÃO (elaboração própria)

 

Medidas de reforma tributária têm sido propostas para fomentar o fluxo de capital estrangeiro. O imposto suplementar sobre a remessa de dividendos e royalties para os investidores estrangeiros seriam eliminados e a alíquota do imposto de renda devido sobre a remessa de lucros para o exterior seria reduzida nos casos em que as alíquotas de imposto de renda aplicável no país de destino são mais baixas do que no Brasil. Além disso, o ganho dos investidores institucionais estrangeiros seria tributado a uma taxa mais baixa, 15 por cento em comparação com 25 por cento atualmente, e ganhos de capital seriam isentos de imposto de renda.

 

A Carta também ressaltou os avanços no programa de privatizações:

 

“An ambitious privatization program that is expected to yield approximately US$ 18 billion over a number of years has been initiated with the sale of USIMINAS – a profitable steel company, which is Latin Americas` largest – in October 1991. Three smaller public enterprises have been auctioned since then. Moreover, the Government intends to proceed with the sale of its majority holdings in some 10 companies in the steel, petrochemical, fertilizer, and transportation sectors. The Government also will sell its minority participation in 16 other firms in the petrochemical sector. The privatization program is open to the participation of foreign investors and, at the pace now envisaged, is expected to yield the equivalent of about ½ percent of GDP a year in 1992-93. (…) Further progress in reduction government intervention in the economy and in promoting foreign direct investment is envisaged in the proposed institutional changes which will allow private sector investment in areas that had been reserved to the public sector, such as telecommunications, mining, and the transport of, and trade in, petroleum, and by establishing equal treatment for companies set up with domestic or foreign capital. As described below, the program includes further steps toward external trade liberalization.”

 

TRADUÇÃO (elaboração própria)

 

“Um ambicioso programa de privatizações que se espera venha a render  cerca de US$ 18 bilhões nos próximos anos foi iniciado com a venda da USIMINAS – uma empresa siderúrgica rentável, a maior da América Latina – em Outubro de 1991. Três empresas públicas menores foram leiloadas desde então. Além disso, o Governo pretende avançar com a venda de suas participações majoritárias em cerca de 10 empresas dos setores de siderurgia, petroquímica, fertilizantes e transporte. O Governo também vai vender sua participação minoritária em 16 outras empresas do setor petroquímico. O programa de privatização está aberto à participação de investidores estrangeiros e, no ritmo agora previsto, espera-se render o equivalente a cerca de ½ por cento do PIB por ano em 1992-93. (…) Progressos adicionais na redução da intervenção do governo na economia e na promoção do investimento direto estrangeiro está prevista nas alterações  institucionais propostas, que permitam o investimento do setor privado em áreas que haviam sido reservadas para o setor público, tais como telecomunicações, mineração, e transporte e comércio de petróleo, e da criação de igualdade de tratamento entre empresas constituídas com capital nacional ou estrangeiro. Como descrito abaixo, o programa inclui novas medidas para a liberalização do comércio externo.”

 

Verifica-se, portanto, que o governo se comprometeu com o FMI na definição de sua política econômica, o que incluiu as privatizações, devendo ser ressaltado o fato de que a USIMINAS era uma empresa altamente rentável, a maior siderúrgica da América Latina. Ressalta-se também o fato de que o programa de privatizações foi aberto ao capital estrangeiro e à utilização de créditos da dívida interna e externa.

 

A relação com o FMI, em face dos acordos firmados, sucessivamente, foi fortalecendo o compromisso com a redução dos gastos públicos, incluindo o processo de privatizações como condição para a consecução de novos empréstimos, conforme pode ser observado nos trechos transcritos a seguir:

“Para obter um ajuste adicional das finanças, em outubro o Governo Federal submeteu ao Congresso propostas de mudanças institucionais que buscam modificações na repartição de receita entre os Governos Federais, Estaduais e Municipais para 1992 e 1993, a proibição de novas emissões de títulos da dívida pública pelos Estados, e um programa de reestruturação da dívida onde o Governo Federal assumirá a dívida dos Estados em troca da adoção de um programa de ajuste por um prazo de dois anos, o que facilitará a reestruturação dos gastos estaduais; a tributação de ganhos de capital auferidos através de subsídios ao crédito habitacional, os quais, de outra forma, poderiam comprometer os esforços de estabilização fiscal nos próximos anos; e a tributação da distribuição de combustíveis, cujos recursos estão sendo aplicados na construção e manutenção de estradas. Nesse contexto, qualquer aumento real nas receitas tributárias em 1992-93 acima do nível obtido em 1991 deverá ser utilizado integralmente pelo Governo Federal no esforço de ajuste fiscal.”

(…)

“Neste contexto, o Governo continuará a permitir que empresas do setor privado nacional, bem como algumas do setor público (Petrobrás, Companhia Vale do Rio Doce e algumas instituições financeiras), tenham livre acesso ao mercado comercial de câmbio flutuante com o objetivo de possibilitar o serviço da dívida junto aos bancos credores; continuar a permitir que as empresas acima mencionadas paguem taxas de juros de mercado nos seus novos empréstimos; continuar a pagar todo o serviço da dívida vincenda correspondente à dívida bancária não-elegível; fará pagamentos parciais de juros vincendos sobre dívidas elegíveis devidas aos bancos credores pelo restante do setor público não-financeiro; e permitir o uso de títulos da dívida externa no seu programa de privatização. A fim de auxiliar o financiamento das operações de redução da dívida, o Governo está solicitando a reserva de 25 por cento de cada saque a ser efetuado no âmbito deste acordo “stand-by. (…)

Face ao pesado ônus do serviço da dívida tanto sobre as finanças públicas quanto sobre o balanço de pagamentos no médio prazo, o governo limitará a contratação líquida de novos empréstimos externos pelo setor público, inclusive empréstimos de curto prazo pelo setor público não-financeiro (…).”

 

As demais cópias de Cartas de Intenções enviadas a esta CPI pelo Banco Central datam a partir de 1998, quando o Brasil fechou mais um acordo com o FMI. Tais cartas já constam na página web do Ministério da Fazenda, de onde selecionamos alguns trechos, comentados a seguir.

 

O Memorando de Política Econômica de 13/11/1998[4], elaborado pelo Ministro da Fazenda, Pedro Malan e pelo Presidente do Banco Central, Gustavo Franco, fez um retrospecto das medidas tomadas nos últimos anos:

 

“2. O progresso da estabilidade macroeconômica e financeira tem se acompanhado de amplas reformas estruturais as quais têm contribuído para a modernização da economia e o crescimento da produtividade. Tais reformas incluem a continuada abertura da economia através da liberalização do comércio e dos fluxos de capital, o que talvez seja o mais amplo programa de privatização da história, a desmonopolização e desregulamentação de setores chave da economia, além de um fortalecimento fundamental do sistema bancário (inclusive dos bancos estaduais).”

 

O Memorando mostra a deterioração das contas externas durante o Plano Real:

“4. A crescente despoupança do setor público vem exigindo o recurso crescente à poupança externa para financiar o aumento do investimento doméstico, o que tem levado a um aumento de pagamentos de menos de 0,5 % por cento do PIB em 1994, para mais de 4 por cento do PIB em 1997. O crescente IDE tem coberto quase 50 por cento desse déficit, mas a dívida externa bruta total também aumentou para cerca de US$ 228 bilhões (mais de 28 por cento do PIB) até meados de 1998 (…)”.

 

Esse Memorando também explicitou os graves problemas decorrentes da liberalização dos fluxos de capital, imposta pelo próprio FMI:

 

“5. Com o intenso agravamento do ambiente financeiro internacional e a propagação da crise asiática a outros mercados emergentes no último trimestre de 1997, o real foi submetido a um significativo grau de pressão. O Banco Central reagiu prontamente duplicando sua taxa básica de empréstimo para 43,5 por cento tendo o governo lançado um pacote de medidas de aumento de receita e de cortes dos gastos equivalentes a 2,5 por cento do PIB. Este oportuno e decisivo aperto das políticas logrou restaurar a confiança e propiciar um gradativo retorno das taxas de juro a níveis pré-crise. As altas taxas de juros durante os primeiros meses de 1998 e as medidas fiscais de emergência entretanto amorteceram a demanda doméstica – particularmente de bens duráveis – e restringiram o crescimento econômico em 1998. A desaceleração da atividade econômica contribuiu para um declínio inflacionário ainda maior mas também elevou a taxa de desemprego de cerca de 6 por cento para 7,5 por cento em setembro de 1998. Parte desse aumento reflete também as tendências estruturais no mercado de trabalho em particular a racionalização e a modernização dos processos de produção na indústria e serviços.

  1. A conta de capital foi submetida a forte pressão novamente em agosto de 1998, na esteira da crise na Rússia. A reação inicial do governo foi a de adotar uma série de medidas administrativas e fiscais a fim de relaxar os controles existentes sobre as entradas de capital. A seguir, restringiu a política fiscal, realizando cortes nos gastos orçamentários federais equivalentes a 1,5 por cento do PIB do quarto trimestre, mais um corte equivalente a 0,3 por cento do PIB do quarto trimestre em gastos já autorizados de investimentos pelas estatais federais; uma redução nos desembolsos de empréstimos pelos bancos federais aos estados e municípios, a adoção de uma meta obrigatória para o superavit primário do governo federal além da criação de uma comissão inter-ministerial de alto nível responsável, inter alia, pela garantia de consecução dessa meta. Este aperto fiscal foi complementado por sucessivos aumentos das taxas de empréstimo do Banco Central e da taxa de juros overnight, a qual alcançou 42,5 por cento em fins de outubro. Essas medidas conseguiram, de fato, moderar a taxa de escoamento de reservas, porém não conseguiram pôr termo por completo ao mesmo. As reservas internacionais que totalizavam US$ 70,2 bilhões em fins de julho caíram para US$ 45,8 bilhões em fins de setembro e para cerca de US$ 42,6 bilhões em fins de outubro. Embora a taxa de perda de reservas tenha-se moderado substancialmente em outubro tornou-se claro que se fazia necessário acelerar o ritmo das reformas. Em importante discurso público proferido 11 dias antes das eleições o presidente Cardoso deixou claro ao País que um ajuste fiscal de vulto e um esforço de reforma representariam a pedra fundamental de seu segundo mandato.”

 

O Memorando também demonstrou, por si só, o grave impacto do endividamento sobre diversas áreas sociais, ainda com aumento da carga tributária incidente sobre os consumidores:

 

“11. A fim de assegurar a almejada melhora o governo federal anunciou um abrangente conjunto de medidas destinadas a poupar gastos e elevar receitas, totalizando cerca de 3.5 pontos percentuais do PIB em 1999. Iniciativas que já foram sancionadas por medida provisória ou leis de regulamentação representam uma substancial parcela das receitas a serem geradas pelo programa. Espera-se que as reformas administrativa e da previdência social recém aprovadas signifiquem economias de gastos que embora inicialmente pequenas cresçam com o tempo. De maior importância para 1999 foi a apresentação pelo governo ao Congresso em 9 de novembro de 1998 de um orçamento revisto para 1999 incluindo cortes na conta de custeio e capital que comparados com o orçamento apresentado anteriormente totalizam 20 por cento desses gastos e representam 1 por cento do PIB. Ao distribuir esses cortes entre as diferentes áreas de gastos o governo empenhou-se em preservar o tanto quanto possível os gastos com saúde, educação e proteção social.

  1. As medidas de aumento das receitas incluem: uma elevação da CPMF de 0,2 por cento para 0,3 por cento com uma majoração temporária de 0,08 por cento para 1999; um aumento da COFINS de 2 para 3 por cento um terço do qual será compensado do imposto de renda da pessoa jurídica; uma elevação de 9 pontos percentuais na contribuição para o plano de aposentadoria do setor público pelos servidores que ganhem mais de R$ 1.200 mensais; aplicação desta contribuição aos pensionistas do setor público (à taxa de 11 por cento para aqueles com pensões de R$ 1.200 por mês ou menos e de 20 por cento para os demais);

 

Como se vê, foram propostas medidas que atingiriam drasticamente aos servidores públicos e aos aposentados, que teriam de pagar a “contribuição dos inativos”. Tal exigência acabou sendo implementada na Reforma da Previdência de 2003, também imposta pelo FMI.

Ademais, o Memorando mostra como o governo federal colocou em prática, tal como o compromisso assumido com o FMI, o ajuste estrutural aos estados, por meio da assunção das dívidas dos entes federados:

 

  1. Espera-se que estados e municípios contribuam para o esforço de ajuste fiscal com uma mudança no seu resultado primário consolidado de um déficit estimado em 0,4 por cento do PIB em 1998 para um superávit de 0,4 por cento em 1999 elevando-o para 0,5 por cento do PIB em 2000 e 2001. A fim de contribuir para assegurar o alcance dessas metas o governo federal fará observar com firmeza os compromissos assumidos pelos estados no contexto do acordo de reestruturação da sua dívida com o governo federal. O programa de ajuste fiscal acordado com os estados inclui metas específicas para cada estado, no que concerne ao resultado primário, o desempenho da receita, as razões folha de pagamento e gastos de investimentos/receita, bem como privatizações e outras reformas estruturais. Os acordos também dotam o governo federal de poderes para no caso de um estado deixar de pagar sua dívida reestruturada como programado reter a receita compartilhada com aquele estado e até embargar suas próprias receitas.

 

O Memorando chegou a reconhecer expressamente que a venda de empresas estatais lucrativas reduziu as receitas do setor público. Por outro lado, estabeleceu que os preços dos combustíveis seriam alinhados aos do mercado internacional, apesar do fato de a Petrobrás, à época, já produzir a maior parte do combustível consumido no país, o que afetou os preços da gasolina e do diesel, encarecendo por exemplo, as passagens de ônibus.

 

  1. A privatização de várias empresas lucrativas em anos recentes limita a contribuição que este setor pode fazer ao ajuste fiscal nos futuros anos. Sem embargo, o governo tem como alvo superavits primários equivalentes a 0,4 por cento do PIB em 1999, 0,3 por cento do PIB em 2000 e 0,2 por cento em 2001, refletindo, em particular, os esforços para aumentar a produtividade, conter custos e priorizar investimentos. O governo pretende, ainda, assegurar que as empresas federais mantenham políticas flexíveis de preços. Em relação à PETROBRÁS, que representa uma larga parcela do valor agregado dessas empresas, o governo adotou uma nova política para assegurar uma transferência automática de alterações nos preços do petróleo internacional para os preços domésticos.

 

O Memorando também mostra que a chamada “Lei de Responsabilidade Fiscal”, que limita severamente os gastos sociais, constituiu uma exigência do FMI:

 

  1. O governo federal planeja realizar mudanças fundamentais no gerenciamento das suas finanças. Um elemento chave em tais esforços será a nova Lei de Responsabilidade Fiscal que o governo enviará ao Congresso até dezembro. A nova lei estabelecerá um arcabouço geral para orientar o planejamento orçamentário e sua execução. Com vistas a garantir a solvência fiscal, a lei estabelecerá entre outros critérios de prudência para o endividamento público; proporcionará estritas regras para o controle dos gastos públicos; estabelecerá regras permanentes para limitar os déficits orçamentários, bem como proibirá quaisquer novos refinanciamentos pelo governo federal da dívida estadual e municipal. Além desses preceitos, a lei incluirá mecanismos disciplinares para o caso de inobservância das suas metas e procedimentos.

 

Além disso, o Memorando avançou nas propostas de Reforma da Previdência:

 

  1. O governo considera a recém aprovada emenda constitucional sobre a reforma da previdência social como um importante primeiro passo nesta crítica área. Esta legislação juntamente com o recém anunciado conjunto de medidas relativas às contribuições para o sistema de aposentadoria do setor público gerará importantes economias durante os próximos anos. Não serão suficientes, entretanto, para garantir a justiça e o equilíbrio financeiro do sistema. Para que se faça a previdência social tanto dos trabalhadores do setor público como privado repousar sobre bases sólidas e tornar-se mais eqüitativa ao mesmo tempo em que se amplia o escopo para a escolha individual, o governo contempla um conjunto complementar de iniciativas legislativas a serem apresentadas ao Congresso no primeiro trimestre de 1999. O princípio orientador dessa rodada complementar será o princípio do equilíbrio atuarial. Contas individuais serão estabelecidas para os participantes, tanto do sistema privado (RGPS), como do sistema público (RPSP) e o vínculo entre as contribuições acumuladas do trabalhador e a pensão esperada será feito de maneira muito mais estreita.

 

O Memorando também explicitou que o FMI fez exigências no que se refere à privatização do setor elétrico:

 

  1. Durante os últimos anos o Governo Brasileiro executou um dos programas de privatização mais ambiciosos do mundo. Envolveu tanto o governo federal como os estaduais; abrangeu os mais variados setores como telecomunicações, energia, portos, ferrovias, mineração, siderurgia, transportes urbanos e instituições financeiras, e tem sido bem sucedido na atração de participação substancial por parte de investidores estrangeiros. Em 1999 o programa concentrar-se-á nos serviços públicos – os quais em vários países permanecem no domínio público. As companhias a serem privatizadas compreendem a maioria das companhias estatais no setor energético – geração e distribuição de energiaalguns dos bancos estaduais remanescentes, como o Banespa, anteriormente pertencente ao Estado de São Paulo e atualmente federalizado, o IRB – Instituto de Resseguros do Brasil e algumas empresas de serviço público de água, gás e esgoto. A concorrência no recentemente privatizado setor de telecomunicações será fomentada por meio de concessões ao setor privado. Simultaneamente o governo continuará sua revisão da estrutura reguladora para serviços e setores públicos privatizados.

 

O Memorando mostra ainda como o sistema de Metas de Inflação, um dos principais responsáveis pelo crescimento acelerado da dívida interna, também partiu de uma exigência do Fundo:

 

“25. A meta prioritária da política monetária é a inflação baixa permanente.”

 

Até mesmo a liberalização do comércio exterior constou no Memorando:

 

“31. O governo pretende continuar com a política de liberação comercial que caracterizou o primeiro mandato do Presidente Cardoso. Continuará promovendo a integração da economia brasileira com a de seus sócios do MERCOSUL, seus parceiros comerciais regionais e também visará o aumento do comércio com países fora da região. O Brasil não imporá restrições comerciais que sejam incompatíveis com os compromissos da OMC ou, no contexto do programa com o FMI, restrições por motivos da balança de pagamentos. O Brasil tem fortalecido a capacidade institucional para tratar de mecanismos antidumping e outros mecanismos não-tarifários de acordo com as regras da OMC .”

 

Consta ainda do Memorando a imposição do FMI na definição de medidas relativas à reforma trabalhista:

 

“33. Embora o mercado de trabalho brasileiro não esteja envolvido por rigidez séria, certos regulamentos e políticas do mercado de trabalho podem contribuir para uma maior flexibilidade e para aumentar a produtividade de mão-de-obra e emprego formal. Face ao recente aumento do desemprego – que resulta tanto de fatores estruturais como cíclicos – a necessidade de reformar a legislação trabalhista e aperfeiçoar as políticas de mercado de trabalho tornou-se mais urgente.

  1. O governo tomou medidas importantes na modernização da legislação trabalhista e no aperfeiçoamento das políticas do mercado de trabalho. As seguintes medidas já foram implementadas: (i) adoção de um sistema de demissão temporária de forma a reduzir as dispensas finais; (ii) regulamentação de contratos em tempo parcial e temporário; (iii) flexibilidade no expediente de trabalho de forma a reduzir custos com horas extras…

 

 

No que se refere às privatizações, cabe ressaltar que a maior parte do destino dos recursos arrecadados foi o pagamento da dívida pública, conforme mostram os gráficos a seguir:

Fonte: CARVALHO, Marco Antônio de Sousa, “Privatização, dívida e Déficit Públicos no Brasil”, Texto para Discussão nº 847 do IPEA, 2001.

Apesar dos recursos da privatização serem destinados quase que na totalidade para o pagamento da dívida, essa continuou crescendo:

 

 

 

 

 

 

 

O Memorando mostra ainda como o sistema de Metas de Inflação, um dos principais responsáveis pelo crescimento acelerado da dívida interna, também foi imposto pelo FMI:

 

“25. A meta prioritária da política monetária é a inflação baixa permanente.”

 

Fonte: Relatório de Atividades do PND (2005) e elaboração própria. Obs: Considerando o valor de face das moedas podres utilizadas nas privatizações

 

 

O Memorando de Política Econômica de 8 de março de 1999[5] deixou claro que, apesar dos percalços na consecução das metas em cumprimento ao acordado com o FMI, o governo não poupou esforços nessa direção:

 

“Esses percalços não impediram a aprovação do programa fiscal em janeiro. Mais especificamente as medidas referentes às contribuições dos servidores públicos ativos e inativos foram apresentadas novamente e aprovadas pelo Congresso assim como o aumento da contribuição social sobre o lucro das empresas e o aumento do IOF proposto pelo Governo para compensar a demora na aprovação do aumento da CPMF. A CPMF foi aprovada em duas votações no Senado e foi remetida à Câmara havendo a expectativa de que ela seja votada em segundo turno até o final do mês de março. (…)”

 

O referido Memorando reafirmou o compromisso com o Sistema de Metas de Inflação que havia constado do memorando anterior e, adicionalmente, mencionou o objetivo de aprovar a independência do Banco Central:

 

“IV. Políticas Financeira e Monetária

  1. O objetivo primordial da política monetária é garantir índices baixos de inflação. O Banco Central pretende adotar um sistema viável de metas inflacionárias formais com a maior brevidade possível. Como primeiro passo nesse processo, o Governo fará uma revisão do anteprojeto de lei, agora em discussão no Congresso Nacional, que trata do Banco Central e outras instituições financeiras, com vistas a fortalecer a independência operacional do Banco Central no desempenho de sua missão anti-inflacionária. A proposta revisada incluirá: procedimentos para a definição de uma meta anual de inflação, bem como para a prestação de contas ao Congresso a respeito dos progressos alcançados nessa tarefa; mandatos fixos para o Presidente e diretores do Banco Central; e uma forma apropriada de quarentena para os membros da Diretoria do Banco ao se desligarem de suas funções. Além disso, o Banco Central pretende beneficiar-se de experiências estrangeiras relevantes no estabelecimento da infraestrutura técnica necessária ao sistema de definição de metas formais para a inflação. Com esse propósito, solicitou a assistência do Departamento de Assuntos Monetários e Cambiais do FMI para organizar (em cooperação com os bancos centrais de países que utilizam sistemas similares) um seminário em Brasília, no mês de abril, para discutir os principais assuntos nessa área.”

 

Cabe ressaltar que, conforme tratado na Análise Preliminar nº 6 dessa CPI da Dívida Pública (sobre a Dívida Interna) esse sistema de metas de inflação contribuiu para o crescimento acelerado da dívida interna.

O Memorando de Política Econômica de 5/7/1999[6] reafirmou a intenção do governo em assegurar o ajuste fiscal necessário para atingir o superávit e garantir o pagamento da dívida, mesmo que, para isso, tivesse que reduzir a destinação de recursos para as áreas sociais:

“10. O governo está plenamente comprometido com a manutenção e mesmo o aprofundamento do ajuste fiscal nos próximos anos em consonância com os objetivos estipulados no Memorando de Política Econômica anterior. Especificamente para o ano 2000 a meta para o superávit primário do setor público consolidado é de 3,25 % do PIB. A proposta de orçamento federal para o próximo exercício que deverá ser apresentada ao Congresso em agosto será consistente com esse objetivo e com as perspectivas das finanças dos outros componentes do setor público. A meta de superávit primário para o ano de 2000 será facilitada pelo impacto de algumas das medidas tributárias e de elevação da receita promulgadas no decorrer de 1999. (…) Portanto, será preciso garantir a continuada contenção dos gastos em todos os níveis de governo para garantir que a meta de superávit primário será atingida. Para isso o governo federal prosseguirá seus esforços para conter a folha salarial; a legislação recente que regula a implementação da reforma administrativa também exigirá um esforço semelhante senão maior parte dos governos estaduais e municipais. O menor crescimento dos benefícios da previdência social resultará da implementação das emendas constitucionais relativas à reforma da previdência e constantes esforços administrativos nessa área. (…). Dentro desse limite,o governo pretende continuar a priorizar as despesas com educação, saúde e outros programas sociais de economicidade comprovada, principalmente, aqueles voltados para os grupos mais vulneráveis. (…). As perspectivas das finanças públicas em 2000 serão analisadas em maior detalhe no decorrer da quarta revisão do programa, ainda este ano.”

 

Note-se que as bases para a implementação da reforma administrativa, cujo alvo era o enxugamento do funcionalismo (o que implicou na diminuição do papel do Estado na economia), foram acordadas com o FMI, como pode ser verificado no texto do Memorando em tela, conforme segue:

“14. A aprovação pelo Congresso da emenda constitucional sobre a reforma administrativa em 1998 lançou a base necessária para a contenção sustentada dos gastos com pessoal e para o enxugamento do funcionalismo em todos os níveis de governo. Quase todos os textos legislativos que regulamentam a implementação da reforma –  inclusive uma lei que impõe limites específicos à folha salarial como parcela da receita líquida em vários níveis de governo e outra lei que regulamenta a dispensa de funcionários públicos no caso de excesso de quadros – foram aprovados recentemente pelo Congresso. Espera-se para breve a aprovação da regulamentação restante. Nesse ínterim, diversos Estados e municípios estão fazendo progressos na redução de seus gastos com pessoal dentro das restrições impostas pela legislação em vigor. O governo federal, por seu turno, tomou medidas para reduzir sua folha salarial através de uma melhor eficiência administrativa incluindo ações para identificar e corrigir irregularidades na folha. (…)”

 

O Memorando referido prometeu ainda ao FMI a implementação de medidas que se materializaram no chamado “Fator Previdenciário”, que provoca redução e postergação da aposentadoria de trabalhadores do setor privado:

 

“15. (…) Para os trabalhadores do setor privado o regime de contas individuais será ampliado e aperfeiçoado, a fim de garantir que doravante a conta de cada contribuinte reflita com precisão as contribuições efetuadas. Esta medida ajudará a reduzir o número de solicitações fraudulentas de pensões e permitirá a transição para um regime de contribuições definidas em termos nacionais, no qual a concessão de benefícios previdenciários será baseada no histórico de contribuição dos beneficiários ao longo de toda sua vida profissional — com a devida taxa de retorno contábil — e na esperança de vida na data da aposentadoria.”

 

Destaque-se que o processo de privatizações que se encontrava em curso, objeto de compromisso do Brasil com o FMI, foi reforçado nesse Memorando:

“20. A privatização de bancos públicos prossegue. Quando o Proes (programa para a reestruturação dos bancos estaduais) foi lançado, havia30 bancos estatais. Até o programa ser concluído, em cerca de dois anos, a expectativa é de que restem apenas seis. (…). O maior banco estadual, Banespa, que se encontra, atualmente, sob administração federal, deve ser privatizado antes do fim deste ano. A privatização dos bancos dos Estados do Paraná, Goiás, Ceará e Amazonas deve ser concluída no primeiro semestre do ano 2000. (…)”

 

Conforme consta no Memorando de Política Econômica, datado de 01 de junho de 2000, ao indicar as perspectivas e políticas para o ano de 2000, o governo reforçou o compromisso com as reformas estruturais, que implicaram, sobremaneira, no aprofundamento do processo de privatização:

 

“15. O conjunto da política econômica em 2000 tem por objetivos: consolidar a recuperação do produto e a redução do desemprego; alcançar a meta de queda da inflação; fortalecer ainda mais as contas externas; e continuar o processo de modernização e integração da economia brasileira na economia global por meio de reformas estruturais, da privatização e da promoção da concorrência. O programa econômico do governo para 2000 que foi endossado pelo Fundo, em novembro de 1999, funda-se nos seguintes pilares: ajuste fiscal continuado, que prevê o aumento do superávit primário do setor público, equivalente a 3,25 por cento do PIB; política monetária direcionada para reduzir a inflação do IPCA para 6 por cento no final do ano, com intervalo de tolerância de 2 pontos percentuais em torno da meta; e a política exterior voltada para a obtenção de uma trajetória sustentável da conta corrente e para a manutenção de um nível confortável das reservas internacionais.”

 

No Memorando de Política Econômica, de 20/11/2000, o governo ressaltou os “progressos adicionais consideráveis na reforma estrutural da área fiscal”, onde incluiu a Lei de Responsabilidade Fiscal como um instrumento para a consecução dos objetivos e metas estabelecidos:

“(…) Como um importante passo em direção à sustentabilidade fiscal, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi promulgada no início de maio, após ter sido aprovada pelo Congresso Nacional por uma ampla maioria. Esta lei, entre outras coisas, proíbe operações de ajuda financeira entre diferentes níveis de governo; estabelece limites para as despesas de pessoal do governo federal e dos governos municipais e estaduais; e requer ainda que limites sejam fixados pelo Senado Federal, segundo a proposta do presidente ao endividamento de cada nível de governo. (…). A lei também determina melhoras significativas no que refere à transparência e à responsabilidade na gestão dos recursos públicos. A legislação complementar sobre penalidades por violação dos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal por parte de autoridades públicas (a lei de crimes fiscais), foi aprovada pelo Congresso Nacional. Em junho, o Senado Federal aprovou o Plano Plurianual para 2000-2003 (PPA), que define a estratégia do governo para alocação dos recursos do orçamento federal para os diversos programas de despesas durante este período, objetivando maior previsibilidade, responsabilidade e eficiência nos gastos federais.”

 

O governo informou ainda, nesse Memorando, que para viabilizar as medidas decorrentes dos ajustes com o Fundo, fez-se necessário promover mudanças na legislação, em vistas de assegurar a tão propalada reforma estrutural, como pode ser observado no trecho transcrito a seguir:

“pretende manter seus esforços com relação à reforma estrutural da ordem fiscal, no restante deste ano e em 2001. O governo deverá prosseguir com os seus esforços para obter o mais cedo possível, a aprovação das últimas duas partes da legislação remanescente e necessária à implantação da reforma administrativa; dos projetos pendentes  para a regulamentação dos fundos de aposentadoria complementar para trabalhadores públicos e privados; e da proposta para a cobrança de contribuição previdenciária dos servidores públicos civis aposentados.”

Cumpre ressaltar também que o cumprimento de metas estabelecidas pelos Memorandos de Política Econômica era constantemente avaliado pelo FMI, prova de que tais medidas eram de fato condicionantes para a manutenção do Acordo. A título de exemplo, cabe citar trecho do Memorando Técnico de Entendimentos de 20/11/2000[7], do qual constou:

 

  1. PROGRAMAÇÃO DAS PARCELAS E AVALIAÇÕES

A programação geral das parcelas e avaliações consta do Quadro-1 abaixo. Desta forma, após a conclusão da sexta avaliação que colocará à disposição do Brasil uma parcela prevista nas parcelas (“tranches”) de crédito (Tcs), haverá mais duas avaliações e mais quatro parcelas previstas nas TCs para o ano de 2001. Critérios de desempenho (Cds), metas indicativas (Mis), parâmetros estruturais e estatísticos e todos os demais parâmetros relevantes do programa para o ano de 2001, serão definidos durante a sétima avaliação do acordo.

O Memorando de Política Econômica de 29/03/2001, sinalizou que todo o esforço do governo se encontrava direcionado para aprofundar a implementação das reformas estruturais em curso, com o objetivo principal de obtenção de superávit, impulsionada pelo processo de privatização:

 

“A estratégia macroeconômica está centrada na manutenção de um substancial superávit primário do setor público consolidado (3 por cento do PIB), em 2001, o que, juntamente com quedas adicionais das taxas de juros, deverá permitir uma ampla estabilização da dívida pública líquida em relação ao PIB. A política monetária deverá concentrar-se na promoção de uma queda ainda maior da taxa de inflação dos preços ao consumidor (IPCA), para cerca de 4 por cento ao final do ano, com a taxa de câmbio devendo continuar a flutuar livremente. A agenda das reformas estruturais deverá centrar-se nas propostas de reformas da previdência social e do sistema tributário das instituições monetárias e financeiras e da governança societária. O governo deverá também desenvolver esforços no sentido de continuar a implementação de seu programa de privatização.”

 

Em carta ao Sr. Horst Köhler, Diretor-Geral do Fundo Monetário Internacional, datada de 29 de agosto de 2002, o Ministro da Fazenda, Pedro Malan e o Presidente do Banco Central, Armínio Fraga, solicitaram “um Acordo Stand-by com o Fundo, com prazo de 15 meses, no valor de DES 22 821 milhões, montante equivalente a cerca de US$ 30 bilhões”. Na carta, esclarecem que:

 

“O objetivo do programa é diminuir as incertezas no campo externo e reduzir a preocupação quanto à orientação da política macroeconômica após a eleição presidencial, facilitando assim a transição para o governo que assumirá a administração federal a partir de 2003. Os candidatos que lideram as pesquisas de opinião já receberam explicações sobre os elementos fundamentais do programa e se comprometeram a apoiá-los. O Memorando de Política Econômica e o Memorando Técnico de Entendimentos, ambos em anexo, serão distribuídos aos candidatos que lideram as pesquisas de opinião o mais breve possível.”

 

Portanto, as políticas do Fundo foram colocadas acima do debate eleitoral, de modo a garantir que o próximo Presidente da República pudesse se comprometer, antes mesmo de ser eleito, com as medidas constantes no Acordo, como o superávit primário, sistema de metas de inflação, reforma da previdência, independência do Banco Central, dentre outras.

O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu seu mandato colocando em prática essa política, conforme Carta de Intenção enviada ao Sr. Horst Köhler, Diretor-Geral do FMI, pelo Ministro da Fazenda, Antônio Palocci e pelo Presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em 28/02/2003[8]:

 

“Um problema fundamental que o país terá de enfrentar no futuro próximo diz respeito às pensões do setor público. (…) Com este propósito, estão sendo examinadas diversas opções, incluindo o aumento da idade para a aposentadoria, a elevação no número de anos de contribuição que dá direito a uma aposentadoria, assim como uma revisão das regras que regem as pensões. Uma proposta de reforma desenhada de forma a reduzir o déficit da previdência do setor público ao longo do tempo será enviada ao Congresso até a metade do ano.” 

 

A Carta também mostra as prioridades do governo no que se refere à Reforma Tributária:

 

“O governo também está atento para a necessidade de compensar qualquer redução na receita tributária decorrente da projetada redução da alíquota da CPMF, bem como para os efeitos sobre a vinculação das receitas do projetado fim da DRU. Uma proposta de reforma tributária, consistente com a Carta de Brasília e tratando das questões relacionadas à CPMF e a DRU, será submetida ao Congresso até o final de junho.”

 

Desta forma, manteve-se um sistema tributário que onera o consumo, aliado à Desvinculação das Receitas da União, que favoreceu o ajuste fiscal e a realização de superávit primário.

 

Por fim, a Carta também mostra outras medidas que terminaram sendo implementadas pelo Governo Lula:

 

“Pretendemos seguir uma agenda adicional de mudanças estruturais em outras áreas. Primeiro, o governo vai procurar garantir uma aprovação rápida pelo Congresso, da PEC que facilitará a regulação do setor financeiro — um passo necessário para a passagem da desejada lei que formalizará a autonomia operacional e a responsabilização do Banco Central. Segundo, o governo continuará em seus esforços para que se realizem progressos na venda dos quatro bancos federalizados, como refletido no parâmetro estrutural proposto agora para final de junho. Terceiro, para diminuir o spread bancário e aumentar a disponibilidade de crédito para o investimento, o governo tem a intenção de que uma nova lei de falências seja votada. Esta lei terá como objetivos ajudar a preservar o funcionamento das empresas em dificuldades, cuja sobrevivência seja viável, enquanto sua propriedade é transferida, além de melhorar a definição na ordem de prioridade dos credores da massa falida.”

 

No caso da Lei de Falências, esta foi aprovada pelo Congresso Nacional, prejudicando a priorização aos créditos trabalhistas e tributários devidos pelas empresas falidas e privilegiando o pagamento das dívidas com o setor financeiro. O governo também avançou na venda dos bancos federalizados.

 

Apesar da Independência do Banco Central não ter sido formalizada em lei, a Medida Provisória nº 207/2004 (convertida na Lei 11.036/2004) conferiu status de Ministro ao Presidente do Banco Central, que desta forma, garantiu que se reportaria, somente, ao Presidente da República:

 

“Art. 2º O cargo de Natureza Especial de Presidente do Banco Central do Brasil fica transformado em cargo de Ministro de Estado.”

 

Importante também citar a reportagem do Jornal O Estado de São Paulo, de 23 de março de 2006[9], na qual o Presidente do Banco Central afirmou o seguinte:

 

“Estive com o presidente da República, que reafirmou mais uma vez a autonomia do Banco Central. O importante é que a inflação convirja para a meta, de acordo com as determinações do Conselho Monetário Nacional (CMN)”.

 

 

V.4 – IMPACTOS DA DÍVIDA NO ORÇAMENTO PÚBLICO E NA CARGA TRIBUTÁRIA

 

No presente item se analisa como a priorização do pagamento da dívida pública – interna e externa – afeta o orçamento público, tanto pelo lado da receita – exigindo o aumento da carga tributária – como pelo lado da despesa, suprimindo recursos que deveriam se destinar prioritariamente às diversas áreas sociais.

Os gráficos a seguir mostram como a dívida tem sido o item mais relevante do Orçamento Geral da União nos últimos anos, representando a principal fatia de recursos, bem superior às demais áreas sociais importantes.

A fonte de todos os dados[10] utilizados foi o Sistema Access da Câmara dos Deputados e a Secretaria do Tesouro Nacional[11].

A cada ano foram elaborados dois gráficos, sendo que o primeiro considerou apenas os gastos com juros e amortizações da dívida, sem computar o “refinanciamento” da dívida, que representa, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias, “o pagamento do principal, acrescido da atualização monetária da dívida pública federal, realizado com receita proveniente da emissão de títulos.” O segundo gráfico de cada ano inclui a despesa com o refinanciamento da dívida pública federal.

 

Orçamento Geral da União – Executado – 2009

Inclui Refinanciamento da Dívida (Total = R$ 1,329 trilhão)

Fonte: Sistema Access da Câmara dos Deputados, e Tesouro Nacional, conforme explicitado no texto anterior.

 

Orçamento Geral da União – Executado – 2009

Exclui Refinanciamento da Dívida (Total = R$ 1,068 trilhão)

Fonte: Sistema Access da Câmara dos Deputados, e Tesouro Nacional, conforme explicitado no texto anterior.

 

 Orçamento Geral da União – Executado – 2008

Inclui Refinanciamento da Dívida (Total = R$ 1,195 trilhão)

Fonte: Sistema Access da Câmara dos Deputados, e Tesouro Nacional, conforme explicitado no texto anterior.

 

Orçamento Geral da União – Executado – 2008

Exclui Refinanciamento da Dívida (Total = R$ 917 bilhões)

Fonte: Sistema Access da Câmara dos Deputados, e Tesouro Nacional, conforme explicitado no texto anterior.

 

 Orçamento Geral da União – Executado – 2007

Inclui Refinanciamento da Dívida (Total = R$ 1,165 trilhão)

Fonte: Sistema Access da Câmara dos Deputados, e Tesouro Nacional, conforme explicitado no texto anterior.

 

Orçamento Geral da União – Executado – 2007

Exclui Refinanciamento da Dívida (Total = R$ 790 bilhões)

Fonte: Sistema Access da Câmara dos Deputados, e Tesouro Nacional, conforme explicitado no texto anterior.
 Orçamento Geral da União – Executado – 2006

Inclui Refinanciamento da Dívida (Total = R$ 1,175 trilhão)

Fonte: Sistema Access da Câmara dos Deputados, e Tesouro Nacional, conforme explicitado no texto anterior.

 

Orçamento Geral da União – Executado – 2006

Exclui Refinanciamento da Dívida (Total = R$ 798 bilhões)

Fonte: Sistema Access da Câmara dos Deputados, e Tesouro Nacional, conforme explicitado no texto anterior.

Os gráficos evidenciam que a maior fatia do orçamento tem sido destinada ao pagamento da dívida, que representa um valor muitas vezes superior a diversas áreas sociais fundamentais, como a saúde e a educação.

Neste aspecto, cabe ressaltar a manifestação a esta CPI da Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), Dra. Gilda Pereira de Carvalho[12] manifestando preocupação sobre os constantes contingenciamentos de recursos de diversas áreas sociais.

Segundo o Ofício:

“a sociedade questiona os seguidos contingenciamentos das verbas públicas destinadas à educação, saúde, ao transporte, ao combate à pobreza e outras políticas públicas que são urgentes e prioritárias para expansão dos direitos sociais e políticos de todos os brasileiros e brasileiras. Dados recolhidos pela Auditora Maria Lucia Fattorelli, junto ao SIAFI, comprovam o sistemático contingenciamento das verbas destinadas à superação dos nossos problemas sociais em favor do pagamento da dívida pública. (…) A PFDC tem a esperança de que os postulados constitucionais de erradicação das desigualdades sociais e de proteção à família com o combate à violência doméstica, previstos nos artigos 3º, III, e 226, §8, acima mencionados, receberão dessa CPI da Dívida Pública o prestígio, o destaque e a relevância necessárias para que se promova nesse país o bem estar de todos e a igualdade entre homens e mulheres”.

 

Portanto, faz-se necessário que a CPI investigue os efeitos da dívida sobre o contingenciamento dos recursos públicos tendo em vista os fortes indícios de violação aos Direitos Sociais e Humanos, além dos possíveis danos ao Patrimônio Público decorrentes da contínua subtração de recursos por esta dívida que nunca foi auditada.

 

De modo a viabilizar o atingimento das metas de superávit primário, a carga tributária tem aumentado, principalmente após o Acordo com o FMI, em finais de 1998, conforme mostrado nos itens anteriores do presente capítulo. De 1998 a 2008, a carga tributária subiu 6,9% do PIB, enquanto o superávit primário, que praticamente não existia anteriormente, foi de 4% do PIB em 2008. Portanto, a maior parte do aumento da carga tributária serviu para gerar o superávit primário, e não para aumentar os gastos sociais.

 

Fonte: Secretaria da Receita Federal e Banco Central. Elaboração própria.

 

 

O Relatório do TCU do exercício de 2004 analisou a Dívida Pública Federal, às fls. 176 e ss., do qual contou, textualmente:

“A importância do tema reside no impacto do custo da dívida nas finanças públicas. A conta dos juros e encargos pagos ou apropriados no exercício de 2004 referentes à DPF foi de R$ 128 bilhões ou 6,9% do PIB. Apesar do elevado montante, é de registrar a ocorrência de significativa diminuição desses gastos em relação a 2003, quando a União despendeu R$ 145 bilhões relacionadas com dívida. . (…)

Cabe destacar ainda que o ciclo vicioso entre a dívida, as taxas e a confiança dos investidores. De um lado, a pressão exercida pelo setor público sobre a poupança doméstica dificulta a queda da taxa de juros reais da economia. De outro lado, a cumulação de ativos embute um risco de crédito que não é propriamente estimado, o que erode ainda mais a confiança dos investidores em momentos de crise, submetendo a União ao pagamento de taxas de juros reais superiores à sua capacidade de pagamento no curto prazo. Isso, por sua vez, contribui para uma maior expansão da dívida. Para romper esse ciclo, é necessário que o Estado gere sucessivos superávits primários para impedir a tendência de crescimento explosivo.”

 

Isto quer dizer que, ao final das contas, a sociedade ficou mais pobre, pois teve de arcar com um aumento de quase 7% do PIB em tributos.

Cabe acrescentar ainda que adicionalmente ao superávit primário, outras receitas não-primárias que somam dezenas de bilhões de reais a cada ano – tais como o recebimento dos juros e amortizações pagos pelos estados e municípios, o eventual lucro do Banco Central, a remuneração da Conta Única do Tesouro, a emissão de novos títulos – são destinadas diretamente ao pagamento da dívida pública. Caso tais receitas fossem consideradas no cálculo do superávit, chegaríamos a um percentual bem superior aos 4% do PIB. Portanto, o fato de se estabelecer uma meta limitada a 4% do PIB, não significa que este seja o limite dos gastos com a dívida. Na realidade, o gasto tem superado em muito esse percentual, devido à utilização das vultosas receitas financeiras antes mencionadas, que a lei impede sejam destinadas a gastos sociais, sob pena de não cumprir a meta estabelecida para o superávit, o que revela o tremendo privilégio dos gastos financeiros.

É preciso registrar qual foi o setor que arcou com o ônus da grande elevação da carga tributária a partir de 1998. Conforme visto nos itens anteriores, foi acordado com o FMI o aumento da CPMF (“Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira”) e o aumento da alíquota da COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), de 2% para 3% em 1998. Além disso, foram criadas a CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) em 2002 e a COFINS-Importação em 2004. Em 2008, foi aumentado o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para compensar a extinção da CPMF.

Todos estes aumentos ocorreram em tributos incidentes sobre o faturamento das empresas, sendo repassados aos seus custos e, automaticamente preços dos produtos, de forma que quem arca com o ônus tributário é o consumidor. O gráfico abaixo demonstra o aumento da carga tributária por tipo de tributo, ressaltando que a maior elevação situou-se nos tributos que incidem sobre o consumo.

Fonte: Secretaria da Receita Federal, Confaz. Elaboração própria.

 

O gráfico reflete o resultado das políticas acordadas com o FMI: aumento de tributos incidentes sobre o consumo e sobre a renda do trabalho, que penalizam principalmente os consumidores e trabalhadores. Neste processo, cabe também ressaltar que a Tabela do Imposto de Renda – Pessoa Física foi sofrendo defasagem no período, o que também contribuiu para o aumento na arrecadação do IRPF, contribuindo para o cumprimento da meta de superávit primário.

Enquanto os tributos sobre o consumo aumentaram nada menos que 4% do PIB, os tributos sobre a renda do capital aumentaram somente 2% do PIB, ao mesmo tempo em que os tributos incidentes sobre o patrimônio permaneciam em patamar insignificante, comparativamente à Carga Tributária Total.

A próxima tabela, extraída de estudo publicado pelo IPEA, demonstra como os mais pobres contribuem proporcionalmente mais para o financiamento do estado brasileiro. Enquanto as famílias que ganham até 2 salários mínimos destinam 53,9% de seus ganhos para o pagamento de tributos, os mais ricos (mais de 30 salários mínimos) contribuem com 29%.

 

Fonte: IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Comunicado da Presidência nº 22 – “Receita pública: Quem paga e como se gasta no Brasil”. Disponible en http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/comunicado_da_presidencia_n22.pdf

 

Destaque-se, adicionalmente, que o Relatório do TCU, referente ao exercício de 2006, às fls. 90 e ss., apontou uma redução da Dívida Externa Líquida, compensado pelo aumento da Dívida Interna, conforme trecho transcrito:

“De outro lado, a redução do endividamento externo foi compensada pelo aumento da dívida interna líquida, no valor de R$ 178,7 bilhões. Cabe ressaltar que o Governo Federal e banco Central do Brasil foram, em grande parte, os responsáveis pelo aumento do endividamento interno líquido, num total de R$ 165,4 bilhões. (…)”

Tal afirmação pode ser reforçada pelo Relatório do TCU, do ano de 2003, do qual consta, às fls. 142, que “no período de 1995-2002 a dívida mobiliária doméstica federal mais que quadruplicou em termos reais, passando de 11,95% para 51,24% do PIB, um crescimento de 328,72%.

Constou do mesmo relatório citado acima que, além da meta de superávit a ser atingida, outros fatores foram determinantes para essa redução da dívida externa e para o subsequente aumento da dívida interna:

“superávit primário (90,1 bilhões ou 3,79% do PIB); ajuste cambial da dívida externa (R$ 2,7 bilhões ou 0,11% do PIB); ajuste cambial da dívida mobiliária interna (2,2 bilhões ou 0,09% do PIB); privatizações (2,0 bilhões ou 0,09 do PIB) e o reconhecimento de haveres (R$ 0,4 bilhão ou 0,01 % do PIB)”

 

Por outro lado, os setores ligados aos ganhos financeiros com a dívida pública, ou à      geração de divisas – para garantir o pagamento dos compromissos externos – têm tido sua tributação significativamente aliviada nos últimos anos, conforme mencionado nos parágrafos seguintes do presente capítulo.

 

A ISENÇÃO TRIBUTÁRIA DAS EXPORTAÇÕES

Em 1996, por intermédio da Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996), isentou-se de ICMS os produtos primários e semi-elaborados destinados à exportação. A justificativa era impulsionar as vendas externas, dado que a balança comercial apresentava fortes déficits, comprometendo o Balanço de Pagamentos.[13] Desta forma, os consumidores brasileiros passaram a ter de cobrir a perda fiscal decorrente da isenção tributária das exportações. Além do mais, esta isenção favorece a exportação de produtos sem conteúdo tecnológico, sem agregação de valor.

 

DEDUÇÃO DE JUROS SOBRE CAPITAL PRÓPRIO

Ao final de 1995, a Lei 9.249 permitiu a concessão de generosas concessões fiscais ao grande capital. O artigo 9° dessa lei autorizou às empresas deduzirem de seus lucros – reduzindo, portanto, a base de cálculo do IRPJ e CSLL – o montante de juros que teriam pago caso todo o seu capital próprio tivesse sido tomado emprestado. Tal dedução denomina-se “Dedução de Juros sobre Capital Próprio”, e beneficia principalmente as grandes empresas capitalizadas como os bancos.

 

A BAIXA TRIBUTAÇÃO SOBRE OS BANCOS

Até 1997, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido dos bancos era de 30%, tendo sido reduzida para apenas 15%, embora as instituições financeiras estejam apresentando seguidos recordes de lucratividade, principalmente devido às altas taxas de juros brasileiras. Em 2007, os bancos instalados no Brasil lucraram nada menos que R$ 56 bilhões, quantia essa superior a todos os gastos com saúde do Governo Federal em 2007.

O gráfico abaixo, elaborado pelo DIEESE, mostra o impressionante crescimento dos lucros das instituições financeiras no país (11 maiores bancos).

 

A ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA SOBRE OS GANHOS DOS ESTRANGEIROS COM TÍTULOS DA DÍVIDA INTERNA

Em 2006, por meio da Medida Provisória 281 (convertida na Lei 11.312/2006), o governo brasileiro isentou de Imposto de Renda os ganhos dos estrangeiros com aplicações em títulos da dívida interna. Trata-se de grande privilégio aos rentistas não apenas estrangeiros, mas também nacionais, uma vez que os brasileiros podem remeter recursos para suas coligadas no exterior e retornar ao país como se fosse “capital estrangeiro”, se beneficiando dessa isenção. Além disso, a referida isenção estimulou o enorme fluxo de dólares ao país, provocando ao mesmo tempo a explosão da dívida interna e expressivo prejuízo ao Banco Central (de R$ 93 bilhões no primeiro semestre de 2009), que tem comprado esse volume de dólares que chega ao país (cuja cotação apresentou forte queda nos últimos anos), dando em troca títulos da dívida interna (que paga juros altíssimos).

Enquanto os rentistas gozam desse privilégio, os trabalhadores de baixa renda arcam com uma carga tributária de cerca de 53,9%, conforme dados do IPEA, previamente  citados.

 

V.5 – IMPACTOS DA DÍVIDA NAS POLÍTICAS SOCIAIS

 

No presente item se analisa como a priorização do pagamento da dívida afeta o orçamento público, reduzindo os recursos que poderiam ser disponibilizados para o atendimento das necessidades sociais, conforme dados a seguir elencados.

O Brasil é um país potencialmente rico, com invejável volume anual de recursos orçamentários. Porém, conforme visto no item anterior, a maior fatia do orçamento público corresponde ao pagamento da dívida. Dessa forma, apesar da imensa riqueza existente no país, diversos indicadores sociais demonstram que grande parcela da população brasileira vive na miséria e sequer tem acesso a direitos sociais básicos.

O Tribunal de Contas de União – TCU, em seu Relatório e Parecer sobre as Contas do Governo da República relativo ao exercício de 1982, ao tratar sobre a relação do Brasil com o Fundo Monetário Internacional, à página 113, afirmou o seguinte:

“(…)

Com a adoção de tal política restritiva, receitada pelo Fundo Monetário, a sociedade brasileira terá que sofrer todo o impacto das medidas impostas, consubstanciadas nos aumentos dos preços dos derivados de petróleo, trigo e seus subprodutos; açúcar; aço; tarifas de luz, gás e telefone; transporte; elevação dos impostos de bens supérfluos; diminuição do nível de emprego na área governamental, inclusive suas empresas; redução no nível da atividade econômica, com o consequente aumento de desemprego e achatamento dos salários em todos os níveis, afetando em maior escala as classes média e pobre da população brasileira. Tudo isso, porém será para corrigir os erros do passado.

A dívida está sendo paga com novas dívidas e como pagá-la em definitivo é a grande incógnita. A política de dinamização do setor exportador não tem surtido os efeitos  esperados.”

 

Tratando sobre o Endividamento Externo, às páginas 130 e ss., o citado relatório afirmou  que:

“(…)

O recrudescimento da dívida externa será inevitável a curto prazo, porquanto não existe uma tendência animadora de recuperação da economia internacional. As medidas restritivas impostas pelos países ricos, como os Estados Unidos, agravam consideravelmente  as transações comerciais internacionais dos outros, como o Brasil.

Aliados a estas medidas, as taxas de juros, os reescalonamentos das dívidas e o endividamento geram para as economias pressões sócio-econômicas perturbadoras.

Os empréstimos tomados na comunidade financeira internacional, especialmente os de curto prazo, para financiar empreendimentos desenvolvimentistas ou para financiar os déficits em transações correntes, corroem e debilitam a economia e a capacidade de gerir o próprio avanço para um desenvolvimento coordenado e independente.

(…)

Tais fatores são de suma gravidade, seja qual for o ângulo encarado, pois o financiamento do serviço da dívida e dos déficits em transações correntes arrasta a economia do país a uma série de dificuldades, destacando-se o agravamento do processo inflacionário, dependência externa e a necessidade de manutenção de altas taxas de juros superiores às taxas externas e a insegurança da população ante a perspectiva de adoção de medidas saneadoras drásticas, que poderiam afetar tanto o nível de produção como de emprego.”

 

Já no Relatório relativo ao exercício de 1983, ao analisar o Endividamento Externo, às fls. 106 e 107, o TCU afirmou o seguinte:

              “A maneira como as Autoridades Governamentais se vêem obrigadas a manter as negociações da Dívida Externa brasileira, não solucionará o problema e simplesmente adia a grave crise econômica do Brasil. O empréstimo-jumbo de US$ 6,5 bilhões, fechado à custa de penosa negociação, apenas adiará a solução da Dívida externa brasileira, pois destinou-se a liquidar nossos débitos atrasados e permitiu ao País pagar juros da dívida em 1984.

(…)

Os juros ditados pelo sistema financeiro americano devem ser repudiados, não devendo os países em desenvolvimento ficar à mercê das normas ditadas pela Reaganomics.

(…)

Em 1983, a Dívida Bruta do Brasil, registrada no Banco Central, atingiu US$ 81.319 milhões, com crescimento de 15,8%, em relação a 1982. No período 1974/1983, a dívida externa cresceu 473,7% (Quadro XIV). Por seu turno, a dívida externa não registrada – US$ 10.319 milhões – representa 12,7% da registrada no Banco Central e 11,3% do total da dívida externa brasileira – US$ 91.638 milhões.

 

(…)

 

A relação Serviço da Dívida/Exportações atingiu 90,4%, demonstrando a pouca eficácia da política externa do País. O protecionismo comercial e as imposições do fundo Monetário Internacional colaboraram para o fraco desempenho da Balança Comercial dos Países do terceiro Mundo não-exportadores de petróleo. O coeficiente da Dívida Líquida/exportações atingiu 350,5 % ”.

 

 

O Relatório do TCU que analisou as contas do Governo da República, do exercício de 2005, à fls. 295, ao apresentar as conclusões, afirmou o seguinte:

 

“Segundo estudo recente, denominado “Atlas da Exclusão Social do Brasil”, realizado pelo Economista Márcio Pochmann e por especialistas da USP, Unicamp e PUC-SP, seriam necessários R$ 7,2 trilhões, a serem aplicados até 2020, para o Brasil se igualar, em termos de indicadores sociais, aos países mais desenvolvidos do mundo. Portanto, essa é a dívida social brasileira. (…)

Por isso, não há como ter a ilusão de redução no curto prazo. No médio prazo, o principal fator de redução passa certamente pelo crescimento econômico. Os efeitos de qualquer crise econômica sobre os pobres e a desigualdade são sempre muito intensos. Inevitavelmente, são os menos favorecidos que sofrem mais com a diminuição da atividade econômica, já que os ricos sempre conseguem um modo de se proteger. Nesse caso, os pobres perdem sistematicamente muito mais do que os ricos. Quando acontece a recuperação dos setores produtivos, a pobreza e a desigualdade são reduzidas, mas sempre acabam mais graves do que eram antes.

(…)

De qualquer forma, é preciso atacar os fatores intrínsecos da desigualdade. O mais importante hoje é, sem dúvida, dar aos pobres mais acesso à educação, à infra-estrutura e aos serviços públicos. Mesmo assim, isso significa que os efeitos sobre a desigualdade acontecerão daqui a uma geração.”

 

Elencamos a seguir diversos dados que demonstram a falta de acesso da população brasileira a direitos básicos, como consequência da prioridade de pagamento da dívida em detrimento do investimento nas políticas sociais:

 

 

IDH

De acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (ONU), o Brasil ocupa a 75ª. posição, incompatível com o potencial econômico que nos classifica como a 8ª[14] economia mundial. A sofrível classificação do IDH brasileiro revela que o mesmo país que é extremamente generoso com o pagamento de juros, praticando as taxas mais elevadas do mundo, está muito distante do necessário respeito aos direitos humanos de sua população.

A classificação brasileira está pior do que outros países que possuem condição bem mais complicada em termos de ordem institucional, estado de direito e recursos, como a Macedônia e a Malásia (Relatório publicado em 2009);

 

ÍNDICE DE GINI

O Brasil é o oitavo país do mundo em desigualdade social, perdendo a posição de campeão mundial em desigualdade apenas para a Guatemala e mais seis países africanos Suazilândia, república Centro-Africana, Serra Leoa, Botsuana, Lesoto e Namíbia.

Conforme o Relatório do TCU, referente ao exercício do ano 2000, ao avaliar os resultados das privatizações, às fls, 305 e ss.:

“Conforme o índice de Gini, que mede a concentração de renda, esta em 1999 era de 0,567, enquanto em 1992 de, 0,571; ou seja: a desigualdade persiste no país. O problema é que não basta apenas privatizar todas as empresas e acreditar que um estado mínimo resolverá o problema do país; ou usar medidas paliativas para conter as diversidades que ocorrem nas camadas mais pobres.                                                                                      

As privatizações começam a chegar ao fim. Ao final do ano de 2000 os resultados das privatizações realizadas no Brasil, desde 1991, incluídas as dos estados, ultrapassaram o montante de US$ 82 bilhões, computando-se, além das empresas incluídas no Programa Nacional de Desestatização – PND, as privatizações realizadas na esfera estadual, assim como empresas e concessões na área de telecomunicações. Apesar da modernização das empresas privatizadas, cujo serviço está atingindo classes sociais que antes não tinham acesso a eles, a realidade social do Brasil não mudou. Se for tomada a última década, a participação da massa salarial no PIB/Brasil era de 45% em 1992, enquanto no final desta década de 37%, (…). Adicione-se a isso, mediante um simples cálculo algébrico, que para dobrarmos a renda per capita precisaríamos de 46 anos, considerando-se o período de 1991 a 2000. Não é por acaso que ainda no final desta década 1% da população brasileira possuía renda igual ao dos 50% mais pobres, segundo o IBGE.”

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2008, a renda apropriada pelo 1% mais ricos é a mesma renda apropriada pelos 45% mais pobres, revelando a enorme concentração de renda e a flagrante desigualdade social vigente no país. Caso somente um terço da renda nacional fosse igualmente distribuído entre todos os brasileiros, seria possível garantir a todos a satisfação das necessidades básicas.

Isto é reflexo da falta de políticas que beneficiem de fato aos mais pobres, como educação, saúde, reforma agrária, etc. Além do mais, é reflexo das injustiças tributárias, que penalizam os mais pobres e isentam os mais ricos, especialmente os rentistas.

 

ANALFABETISMO

No Brasil, existem 14,2 milhões de analfabetos, o que representa 10% da população brasileira com mais de 15 anos (Fonte: PNAD 2008). Tal fato é reflexo

 

TAXA DE DESEMPREGO

No Brasil, a taxa de desemprego é de 14,6% nas Regiões Metropolitanas (Fonte: DIEESE, agosto de 2009). Aplicando-se tal taxa à População Economicamente Ativa do país (99,5 milhões, segundo a PNAD 2008) estima-se que haja no Brasil 14,5 milhões de desempregados.

O Relatório do TCU, de 1982, já indicava o reflexo do endividamento externo interno, sobre o nível de desemprego, ao  analisar os Indicadores do Nível de Emprego, às fls, 85, quando afirmou:

“(…)

Como não podia deixar de ser, pelo círculo vicioso do fenômeno inflacionário, o aumento de salários haveria de desembocar na rotatividade da mão-de-obra, no desemprego e em crescente pressão inflacionária, pela alta do custo dos produtos de consumo da mão-de-obra.

O processo recessivo que se abateu sobre a economia brasileira se prolongou acentuadamente no final do exercício com a expectativa de graves problemas de desemprego que eclodiram realmente no princípio de 1983.”

 

DÉFICIT HABITACIONAL

No Brasil, faltam 8 milhões de moradias, além de que 11,2 milhões de domicílios são inadequados (Fonte: Fundação João Pinheiro, 2007)

 

POBREZA

No Brasil, existem 46,2 milhões de pobres (2007) – Fonte IETS – Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade – http://www.iets.org.br/article.php3?id_article=915

Tomando como referência as considerações constantes às fls. 263 e ss, do Relatório do TCU, relativo ao exercício de 1987, temos as seguintes afirmações:

“(…)

A grave crise que nos assola nos dias de hoje, sem precedentes em nossa história, merece reflexão daqueles que estão investidos de uma parcela de múnus público sejam políticos, administradores, técnicos e, até mesmo, cidadão comum, no momento em que a sociedade busca a participação na elaboração constitucional, objetivando construir um Estado realmente moderno e pluralista, em que todos sejam responsáveis e usuários das realidades sociais.

A desorganização econômica, social e política é consequência do avassalador estado inflacionário, que vem de passado bastante remoto e é “o mais desumano dos tributos”, causa maior desse processo de empobrecimento cruel que aflige a todos os cidadãos indiscriminadamente.

(…).

Foi o deficit a grande força alimentadora da inflação no passado, da mesma forma em que hoje incrementa a dívida pública com a agregação de parcelas sempre crescentes de saldos negativos, os quais deverão ser supridos  pelos contribuintes e assalariados já à beira da total exaustão. (…)”

 

FOME

No Brasil, existem 10,7 milhões de famintos (2007) – Fonte IETS – Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade – http://www.iets.org.br/article.php3?id_article=915

 

 

CONCLUSÃO

Todos os problemas antes mencionados decorrem diretamente da falta de recursos suficientes para garantir a implementação das diversas políticas sociais necessárias ao provimento dos Direitos Sociais previstos no art. 6º da Constituição:

 

“Art. 6º – São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

 

Ao abordar o Setor Público, o Relatório do TCU do ano de 1991, às fls. 25, avalia os impactos da opção pela política econômica feita pelo Brasil, cujos desdobramentos incidiram diretamente na penalização dos mais pobres, prejudicando ainda mais as condições de vida de grande parcela da população brasileira:

“(…) Algumas das funções de governo constantes do Balanço Geral da União parecem estar sofrendo considerável prejuízo em função da administração e planejamento, que participaram com 42,31% da despesa realizada. Isso foi, sem dúvida em função da rolagem da dívida, mas também em função da reforma administrativa.

(…) É sabido que a recessão provocada tende a contrair a receita de tributos bem assim a falta de indexação dos tributos em regime inflacionário, mesmo decrescente, conduz à inadimplência.

(…)

Presentemente, qualquer imposto parece alto à comunidade que observa baixos níveis de saúde, educação e infra-estrutura (…).

Pode-se afirmar que a presente carga tributária, em torno de 22% do PIB, torna-se maior que a dos anos 70, em torno de 25%, na medida em que sua base de arrecadação é hoje mais estreita. (…) Isso acontece na medida em que o salário real vem caindo, promovendo o empobrecimento e o consequente aumento dos segmentos populacionais marginalizados da economia e, portanto, impossibilitados do pagamento de tributos.

Por outro lado, mais de 80% dos trabalhadores ganham abaixo das faixas salariais em que se inicia a tributação direta. Este fato leva os Governos em geral a adotarem elevadas alíquotas de impostos indiretos fazendo baixar ainda a capacidade de compra e consumo do povo.

 

Diante disso, é importante citar, em sua íntegra, Parecer da Dra. Flávia Piovesan[15] sobre os impactos da dívida pública na subtração de recursos que deveriam ser destinados ao atendimento das necessidades sociais:

 

IMPACTO DA DÍVIDA PÚBLICA NA IMPLEMENTAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

 

     Este estudo tem por objetivo enfocar o impacto da dívida pública na implementação dos direitos sociais, à luz dos parâmetros protetivos internacionais e constitucionais adotados pelo Estado Brasileiro.

 

  1. Direitos Sociais e a Concepção Contemporânea de Direitos Humanos

Os direitos humanos refletem um construído axiológico, a partir de um espaço simbólico de luta e ação social. No dizer de Joaquin Herrera Flores[16], compõem uma racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana. Invocam uma plataforma emancipatória voltada à proteção da dignidade humana.

Enquanto reivindicações morais, os direitos humanos nascem quando devem e podem nascer. Como realça Norberto Bobbio, os direitos humanos não nascem todos de uma vez e nem de uma vez por todas[17]. Para Hannah Arendt, os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana, em constante processo de construção e reconstrução[18].                   Considerando a historicidade dos direitos humanos, destaca-se a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, que veio a ser introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena de 1993.

            Esta concepção é fruto do movimento de internacionalização dos direitos humanos, que surge, no pós-guerra, como resposta às atrocidades e aos horrores cometidos durante o nazismo. É neste cenário que se vislumbra o esforço de reconstrução dos direitos humanos, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional. Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o Pós-Guerra deveria significar a sua reconstrução.

     Neste contexto, a Declaração de 1948 vem a inovar a gramática dos direitos humanos, ao introduzir a chamada concepção contemporânea de direitos humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade, esta como valor intrínseco à condição humana. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem, assim, uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos com o catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais.

     Para Asbjorn Eide: “O termo ‘direitos sociais’, por vezes chamado ‘direitos econômicos-socias’, refere-se a direitos cujo objetivo é proteger e avançar no exercício das necessidades humanas básicas e assegurar condições materiais para uma vida com dignidade. O fundamento deste direito no Direito dos Direitos Humanos encontra-se na Declaração Universal de Direitos Humanos, que no artigo 22 enuncia: “Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada  Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento de sua personalidade”.[19].

     Ao examinar a indivisibilidade e a interdependência dos direitos humanos, leciona Hector Gros Espiell: “Só o reconhecimento integral de todos estes direitos pode assegurar a existência real de cada um deles, já que sem a efetividade de gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais, os direitos civis e políticos se reduzem a meras categorias formais. Inversamente, sem a realidade dos direitos civis e políticos, sem a efetividade da liberdade entendida em seu mais amplo sentido, os direitos econômicos, sociais e culturais carecem, por sua vez, de verdadeira significação. Esta idéia da necessária integralidade, interdependência e indivisibilidade quanto ao conceito e à realidade do conteúdo dos direitos humanos, que de certa forma está implícita na Carta das Nações Unidas, se compila, se amplia e se sistematiza em 1948, na Declaração Universal de Direitos Humanos, e se reafirma definitivamente nos Pactos Universais de Direitos Humanos, aprovados pela Assembléia Geral em 1966, e em vigência desde 1976, na Proclamação de Teerã de 1968 e na Resolução da Assembléia Geral, adotada em 16 de dezembro de 1977, sobre os critérios e meios para melhorar o gozo efetivo dos direitos e das liberdades fundamentais (Resolução n. 32/130)”.[20]

     A partir da Declaraçåo de 1948, começa a se desenvolver o Direito Internacional dos Direitos Humanos, mediante a adoção de diversos instrumentos internacionais de proteção.

O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação de um sistema internacional de proteção destes direitos. Este sistema é integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo, a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na medida em que invocam o consenso internacional acerca de temas centrais aos direitos humanos, na busca da salvaguarda de parâmetros protetivos mínimos – do “mínimo ético irredutível”. Neste sentido, cabe destacar que, até agosto de 2007, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos contava com 160 Estados-partes; o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais contava com 157 Estados-partes; a Convenção contra a Tortura contava com 145 Estados-partes; a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação Racial contava com 173 Estados-partes; a Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher contava com 185 Estados-partes e a Convenção sobre os Direitos da Criança apresentava a mais ampla adesão, com 193 Estados-partes.[21].

     Ao lado do sistema normativo global, surgem os sistemas regionais de proteçåo, que buscam internacionalizar os direitos humanos nos planos regionais, particularmente na Europa, América e Africa. Os sistemas global e regional nåo såo dicotômicos, mas complementares. Inspirados pelos valores e princípios da Declaraçåo Universal, compõem o universo instrumental de proteçåo dos direitos humanos, no plano internacional. Nesta ótica, os diversos sistemas de proteção de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos protegidos. Ao adotar o valor da primazia da pessoa humana, estes sistemas se complementam, interagindo com o sistema nacional de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais.

           Ressalte-se que a Declaração de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a concepção da Declaração de 1948, quando, em seu parágrafo 5o, afirma: “Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e equitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase.”

     Feitas essas considerações a respeito da concepção contemporânea de direitos humanos e o modo pelo qual se relaciona com os direitos sociais, transita-se à análise da proteção internacional e constitucional a estes direitos.

 

 

  1. A Proteção dos Direitos Sociais no Sistema Global

     Preliminarmente, faz-se necessário ressaltar que a Declaração Universal de 1948, ao introduzir a concepção contemporânea de direitos humanos, foi o marco de criação do chamado “Direito Internacional dos Direitos Humanos”, que é um sistema jurídico normativo de alcance internacional, com o objetivo de proteger os direitos humanos.

     Após a sua adoção, em 1948, instaurou-se uma larga discussão sobre qual seria a maneira mais eficaz em assegurar a observância universal dos direitos nela previstos. Prevaleceu o entendimento de que a Declaração deveria ser “juridicizada” sob a forma de tratado internacional, que fosse juridicamente obrigatório e vinculante no âmbito do Direito Internacional.

     Esse processo de “juridicização” da Declaração começou em 1949 e foi concluído apenas em 1966, com a elaboração de dois distintos tratados internacionais no âmbito das Nações Unidas – o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – que passavam a incorporar, com maior precisão e detalhamento, os direitos constantes da Declaração Universal, sob a forma de preceitos juridicamente obrigatórios e vinculantes.

     O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), que até 2007 contemplava a adesão de 157 Estados-partes, incluindo o Estado Brasileiro que o ratificou em 1992, enuncia um extenso catálogo de direitos, que inclui o direito ao trabalho e à justa remuneração, o direito a um nível de vida adequado, o direito à moradia, o direito à educação, à previdência social, à saúde, etc.      Se os direitos civis e políticos devem ser assegurados de plano pelo Estado, sem escusa ou demora – têm a chamada auto-aplicabilidade -, os direitos sociais, econômicos e culturais, por sua vez, nos termos em que estão concebidos pelo Pacto, apresentam realização progressiva. Vale dizer, são direitos que estão condicionados à atuação do Estado, que deve adotar todas as medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais[22], principalmente nos planos econômicos e técnicos, até o máximo de seus recursos disponíveis, com vistas a alcançar progressivamente a completa realização desses direitos (artigo 2º, parágrafo 1º do Pacto)[23].

     No âmbito regional interamericano, há que se mencionar o Protocolo de San Salvador, em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, que entrou em vigor em novembro de 1999, tendo sido ratificado pelo Estado Brasileiro em 1996. Tal como o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, este tratado da OEA reforça os deveres jurídicos dos Estados-partes no tocante aos direitos sociais, que devem ser aplicados progressivamente, sem recuos e retrocessos, para que se alcance sua plena efetividade.  O Protocolo de San Salvador estabelece um amplo rol de direitos econômicos, sociais e culturais, compreendendo o direito ao trabalho, direitos sindicais, direito à saúde, direito à previdência social, direito `a educação, direito à cultura,….Este Protocolo acolhe (tal como o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) a concepção de que cabe aos Estados investir o máximo dos recursos disponíveis para alcançar, progressivamente, a plena efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais.

     Extraí-se da jurisprudência internacional, fomentada especialmente pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, relevantes princípios a orientar a hermenêutica concernente aos direitos sociais. Dentre os princípios relacionados aos direitos sociais, destacam-se: a) o princípio da observância do minimum core obligation; b) o princípio da aplicação progressiva, do qual decorre o princípio da proibição do retrocesso social; c) o princípio da inversão do ônus da prova; d) princípio da participação, transparência e accountability; e e) os deveres dos Estados em matéria de direitos sociais.

 

  1. a) princípio da observância do minimum core obligation no tocante aos direitos sociais

     A jurisprudência internacional, fomentada pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, tem endossado o dever dos Estados de observar um minimum core obligation no tocante aos direitos sociais. Como explica David Bilchitz: “O Comitê sustenta que o “minimum core obligation” relativo a cada direito requer a satisfação ao menos dos níveis essenciais mínimos de cada direito pelos Estados-partes. (…) O núcleo essencial mínimo demanda obrigações que satisfaçam o ‘mínimo essencial de cada direito”[24].

     O dever de observância do mínimo essencial concernente aos direitos sociais tem como fonte o princípio maior da dignidade humana, que é o princípio fundante e nuclear do Direito dos Direitos Humanos.

 

  1. b) princípio da aplicação progressiva dos direitos econômicos, sociais e culturais, do qual decorre o princípio da proibição do retrocesso social

     O General Comment n.03 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais afirma a obrigação dos Estados de adotar medidas, por meio de ações concretas, deliberadas e focadas, de modo mais efetivo possível, voltadas à implementação dos direitos sociais. Por consequência, cabe aos Estados o dever de evitar medidas de retrocesso social. Para o Comitê: “Qualquer medida de retrocesso deve envolver a mais criteriosa consideração e deve apenas ser justificável tendo como referência a totalidade dos direitos previstos pela Convenção no contexto da máxima aplicação dos recursos disponíveis”.

     Cabe reafirmar que o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais estabelece a obrigação dos Estados em reconhecer e progressivamente implementar os direitos nele enunciados, utilizando o máximo dos recursos disponíveis.  Da aplicação progressiva dos econômicos, sociais e culturais resulta a cláusula de proibição do retrocesso social em matéria de direitos sociais. Para J.J. Gomes Canotilho: “O princípio da proibição do retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas que, sem a criação de esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam na prática em uma anulação, revogação ou aniquilação pura e simples desse núcleo essencial. A liberdade do legislador tem como limite o núcleo essencial já realizado”[25].

     Ainda no General Comment n.03, como destaca David Bilchitz: “O Comitê da ONU têm identificado várias categorias de obrigações impostas aos Estados no campo dos direitos econômicos e sociais. No Comentário Geral n. 03, o Comitê reconhece a distinção entre obrigações de conduta e obrigações de resultado. Obrigações de conduta demandam a adoção de medidas “razoavelmente calculadas para realizar o exercício de um direito particular”. Obrigações de resultado demandam “dos Estados que alcancem objetivos específicos para satisfazer parâmetros substantivos. (…) direitos econômicos e sociais tipicamente impõem ambas obrigações de conduta e de resultado”.[26]

 

  1. c) princípio da inversão do ônus da prova

     Nos termos do artigo 2 (1) do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, os Estados têm a obrigação de adotar todas as medidas necessárias, utilizando o máximo de recursos disponível, para a realização dos direitos sociais.

     É com base neste dever que emerge o princípio da inversão do ônus da prova. Como leciona Asborn Eide: “Um Estado que clame não ter a possibilidade de satisfazer suas obrigações por motivos de força maior tem o ônus de provar que este é o caso e que tem sem sucesso buscado obter suporte internacional para assegurar a disponibilidade e a acessibilidade de direitos”[27].

 

  1. d) princípio da participação, transparência e accountability

     Outro relevante princípio no campo dos direitos sociais atém-se ao dever dos Estados de assegurar mecanismos de participação, transparência e accountability nos processos de elaboração, implementação e impacto das políticas públicas sociais. Daí a importância do componente democrático na formulação, na realização e no impacto de políticas públicas sociais, bem como do próprio orçamento público, como eficaz instrumento no combate à corrupção.

 

  1. e) deveres dos Estados

     O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em seu General Comment n.12, realça as obrigações do Estado no campo dos direitos econômicos, sociais e culturais: respeitar, proteger e implementar.

     Quanto à obrigação de respeitar, obsta ao Estado que viole tais direitos. No que tange à obrigação de proteger, cabe ao Estado evitar e impedir que terceiros (atores não-estatais) violem estes direitos. Finalmente, a obrigação de implementar demanda do Estado a adoção de medidas voltadas à realização destes direitos.

 

                 Passa-se neste momento ao enfoque da proteção dos direitos sociais na Constituição Brasileira de 1988. Como será sustentado, a Carta de 1988 acolhe a concepção contemporânea de direitos humanos, empresta especial destaque aos direitos sociais como direitos fundamentais e atribui aos direitos enunciados pelos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil (como é o caso do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) status constitucional. Verificar-se-á que os direitos sociais encontram consistente e sólida proteção na esfera internacional e constitucional, o que demanda do Estado Brasileiro o cumprimento de deveres jurídicos atinentes à implementação destes direitos.

 

 

  1. A Proteção dos Direitos Sociais na Constituição de 1988

            A Constituição Brasileira de 1988 simboliza o marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no país. O texto constitucional demarca a ruptura com o regime autoritário militar instalado em 1964, refletindo o consenso democrático “pós ditadura”. Após vinte e um anos de regime autoritário, objetiva a Constituição resgatar o Estado de Direito, a separação dos poderes, a Federação, a Democracia e os direitos fundamentais, à luz do princípio da dignidade humana. O valor da dignidade da pessoa humana, como fundamento do Estado Democrático de Direito (artigo 1o, III da Constituição), impõe-se como núcleo básico e informador de todo ordenamento jurídico, como critério e parâmetro de valoração a orientar a interpretação do sistema constitucional.

          Introduz a Carta de 1988 um avanço extraordinário na consolidação dos direitos e garantias fundamentais, situando-se como o documento mais avançado, abrangente e pormenorizado sobre a matéria, na história constitucional do país. É a primeira Constituição brasileira a iniciar com capítulos dedicados aos direitos e garantias, para, então, tratar do Estado, de sua organização e do exercício dos poderes. Ineditamente, os direitos e garantias individuais são elevados a cláusulas pétreas, passando a compor o núcleo material intangível da Constituição (artigo 60, parágrafo 4o). Há a previsão de novos direitos e garantias constitucionais, bem como o reconhecimento da titularidade coletiva de direitos, com alusão à legitimidade de sindicatos, associações e entidades de classe para a defesa de direitos.

           De todas as Constituições brasileiras, foi a Carta de 1988 a que mais assegurou a participação popular em seu processo de elaboração, a partir do recebimento de elevado número de emendas populares. É, assim, a Constituição que apresenta o maior grau de legitimidade popular.

                 A Constituição de 1988 acolhe a idéia da universalidade dos direitos humanos, na medida em que consagra o valor da dignidade humana, como princípio fundamental do constitucionalismo inaugurado em 1988. O texto constitucional ainda realça que os direitos humanos são tema de legítimo interesse da comunidade internacional, ao ineditamente prever, dentre os princípios a reger o Brasil nas relações internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos. Trata-se, ademais, da primeira Constituição Brasileira a incluir os direitos internacionais no elenco dos direitos constitucionalmente garantidos.

            Quanto à indivisibilidade dos direitos humanos, há que se enfatizar que a Carta de 1988 é a primeira Constituição que integra ao elenco dos direitos fundamentais, os direitos sociais e econômicos, que nas Cartas anteriores restavam pulverizados no capítulo pertinente à ordem econômica e social. Observe-se que, no Direito brasileiro, desde 1934, as Constituições passaram a incorporar os direitos sociais e econômicos. Contudo, a Constituição de 1988 é a primeira a afirmar que os direitos sociais são direitos fundamentais, tendo aplicabilidade imediata.

                 Nesse passo, a Constituição de 1988, além de estabelecer no artigo 6º que são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, ainda apresenta uma ordem social com um amplo universo de normas que enunciam programas, tarefas, diretrizes e fins a serem perseguidos pelo Estado e pela sociedade. A título de exemplo, destacam-se dispositivos constitucionais constantes da ordem social, que fixam, como direitos de todos e deveres do Estado, a saúde (artigo 196), a educação (artigo 205), as práticas desportivas (artigo 217), dentre outros. Nos termos do artigo 196, a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. No campo da educação, a Constituição determina que o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo, acrescentando que o não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. Para os direitos sociais à saúde e à educação, a Constituição disciplina uma dotação orçamentária específica[28], adicionando a possibilidade de intervenção federal nos Estados em que não houver a observância da aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde (artigo 34, VII, e).

                 Adicione-se que erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais constitui objetivo fundamental do Estado Brasileiro, elevado a princípio fundamental do constitucionalismo de 1988.

           A ordem constitucional de 1988 acabou por alargar as tarefas do Estado, incorporando fins econômico-sociais positivamente vinculantes das instâncias de regulação jurídica. A política deixa de ser concebida como um domínio juridicamente livre e constitucionalmente desvinculado. Os domínios da política passam a sofrer limites, mas também imposições, por meio de um projeto material vinculativo. Surge verdadeira configuração normativa da atividade política. Como afirma J.J.Gomes Canotilho: “A Constituição tem sempre como tarefa a realidade: juridificar constitucionalmente esta tarefa ou abandoná-la à política, é o grande desafio. Todas as Constituições pretendem, implícita ou explicitamente, conformar o político.”[29]

                 Cabe ainda mencionar que a Carta de 1988, no intuito de proteger maximamente os direitos fundamentais, consagra dentre as cláusulas pétreas, a cláusula “direitos e garantias individuais”. Considerando a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, a cláusula de proibição do retrocesso social[30], o valor da dignidade humana e demais princípios fundamentais da Carta de 1988, conclui-se que esta cláusula alcança os direitos sociais. Para Paulo Bonavides: ”os direitos sociais não são apenas justiciáveis, mas são providos, no ordenamento constitucional da garantia da suprema rigidez do parágrafo 4o do art.60.”[31]  São, portanto, direitos intangíveis, direitos irredutíveis, de forma que tanto a lei ordinária, como a emenda à Constituição que afetarem, abolirem ou suprimirem os direitos sociais, padecerão do vício de inconstitucionalidade.

                 Desde o processo de democratização do país e em particular a partir da Constituição Federal de 1988, os mais importantes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos foram ratificados pelo Brasil[32], destacando-se, no âmbito dos direitos sociais e econômicos, a ratificação do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais em 1992 e do Protocolo de San Salvador em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, em 1996.

Além dos significativos avanços decorrentes da incorporação, pelo Estado Brasileiro, da normatividade internacional de proteção dos direitos humanos, o pós-1988 apresenta a mais vasta produção normativa de direitos humanos de toda a história legislativa brasileira. A maior parte das normas de proteção aos direitos humanos foi elaborada após a Constituição de 1988, em sua decorrência e sob a sua inspiração.

     A Constituição Federal de 1988 celebra, deste modo, a reinvenção do marco jurídico normativo brasileiro no campo da proteção dos direitos humanos, em especial dos direitos sociais.

     Considerando a proteção internacional e constitucional dos direitos sociais, analisar-se-á o impacto da dívida pública na implementação dos direitos sociais.

 

  1. O Impacto da Dívida na Implementação dos Direitos Sociais

O endividamento externo e interno é um dos principais fatores a comprometer o orçamento público brasileiro, consumindo elevada parcela dos recursos públicos, que deixam de ser endereçados a políticas públicas essenciais para a implementação dos direitos sociais, como saúde, educação, moradia, transporte, assistência social, saneamento básico, dentre outros.

Ao apreciar a execução do orçamento federal em 2008, avaliando a distribuição de recursos correspondentes ao total de R$924 bilhões, conclui a pesquisa da Auditoria Cidadã da Dívida[33]:

 

 

“As despesas com o serviço da dívida (juros mais amortizações, exclusive o refinanciamento) consumiram 30,57% dos recursos do período, ou seja, o equivalente a R$ 282 bilhões, e foram muitas vezes superiores aos gastos com áreas sociais fundamentais, como saúde (4,81%), educação (2,57%) e assistência social (3,08%). Além disso, é quase nulo o valor destinado a setores importantes como Organização Agrária (com apenas 0,27% dos gastos), Transporte (0,51%), Ciência e Tecnologia (0,43%), Habitação (0,02%) e Saneamento (0,05%)[34]”.

 

                 Organismos internacionais têm considerado a dívida externa como um obstáculo central dos países em desenvolvimento no que se refere ao cumprimento das obrigações internacionais em matéria de direitos sociais previstas no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. No entender do UN High Level Task Force on the Implementation of the right to development[35]

 

“a heavy debt burden is a major obstacle for poor developing countries in meeting their obligations under the International Covenant on Economic, Social and Cultural Rights”[36] (…) the poverty afflicting least developed countries is exacerbated by an unsustainable debt burden and the billions of dollars that those countries pay in their debt-servicing obligations divert a large part of scarce resources from crucial programmes of education, health care and infrastructure, severely limiting the prospects for the realization of the right to development. State’s obligation to debt had to take sufficiently into account national priorities of human development and poverty reduction, consistent with its human rights obligations and the need to maintain trust in the financing system[37].

 

                 Na percepção do UN High Level Task Force on the Implementation of the right to development, o investimento de bilhões de dólares no pagamento de dívidas insustentáveis, tendo como mais grave conseqüência a escassez de recursos em programas essenciais nas esferas da educação, saúde e infra-estrutura social, estaria a limitar a realização do direito ao desenvolvimento. Adverte o UN High Level Task Force que as obrigações dos Estados relativas ao pagamento de dívidas devem levar em consideração as prioridades nacionais no que tange ao desenvolvimento humano e à redução da pobreza decorrentes das obrigações internacionais em matéria de direitos humanos.

                 Neste sentido, faz-se necessário definir a sustentabilidade da dívida à luz dos deveres dos Estados no que se refere à redução da pobreza e à promoção e à proteção dos direitos humanos[38]. Sob a perspectiva dos direitos humanos, o pagamento da dívida deve ser restringido ao limite que não traduza, em hipótese alguma, violação a direitos sociais básicos, como os direitos à alimentação, à saúde, à educação, à seguridade social, dentre outros.

 

  1. Conclusão

     No caso brasileiro, reitere-se, as despesas com o serviço da dívida consumiram 30,57% do orçamento público de 2008, sendo significativamente superior aos gastos destinados a áreas sociais fundamentais, como saúde (4,81%), educação (2,57%), assistência social (3,08%), habitação (0,02%) e saneamento básico (0,05%).

     A elevada dotação orçamentária destinada ao pagamento da dívida pública constitui grave ofensa ao dever do Estado Brasileiro de implementar os direitos sociais consagrados pela ordem normativa internacional e constitucional. Tal pagamento simboliza afronta do Estado Brasileiro aos deveres assumidos no plano internacional e constitucional relativamente à implementação dos direitos sociais. Viola, ademais, a necessidade de assegurar a tais direitos absoluta prioridade, mediante a preservação de seu núcleo essencial (“minimum core obligation”), com a observância do princípio da aplicação progressiva dos direitos sociais, a vedar o retrocesso social. Afronta, ainda, o Estado Brasileiro a obrigação jurídica de investir o máximo dos recursos disponíveis para alcançar, progressivamente, a plena efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais – obrigação decorrente do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais e do Protocolo de San Salvador em matéria de direitos sociais.

     Concluí-se, portanto, que a execução do orçamento federal em 2008, sob o prisma da distribuição de recursos, caracteriza grave inconstitucionalidade, configurando, ainda, ilícito internacional, em violação direta aos dispositivos enunciados nos artigos 3o, III, 6o, 196, 198, 205 e 212   da Constituição Brasileira, bem como nos artigos 2o, 11, 12 e 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais e nos artigos 1o, 10, 13 do Protocolo de San Salvador em matéria de direitos sociais, ambos ratificados pelo Estado Brasileiro.  

 

São Paulo, 31 de janeiro de 2010.

 

Flávia Piovesan

 

 

A seguir, se analisa como o processo de endividamento público tem impactado as principais políticas sociais.

 

 

V.5.1 – SAÚDE

 

O sistema de saúde pública no Brasil é marcado pelas longas filas de espera, equipamentos quebrados, médicos e demais trabalhadores do setor de saúde sem condições de trabalho, falta de medicamentos, estabelecimentos mal-conservados e insuficientes, etc. O próprio Conselho Nacional de Saúde considera que o principal problema dessa área social é a fragilidade de suas fontes de receita, decorrente da não-regulamentação da Emenda Constitucional nº 29. Recentemente, o Senado cumpriu esse papel, aprovando Projeto de Lei Complementar que prevê a destinação para a saúde de 10% das receitas brutas federais, o que garantiria um expressivo aumento dos recursos desta área social. Porém, quando a matéria chegou à Câmara, foi eliminado esse dispositivo, sob a alegação de falta de recursos.

A CPMF, criada sob a justificativa de financiar a saúde pública, sempre serviu, na realidade, para o ajuste fiscal e para garantir o cumprimento das metas de superávit primário. A comprovação de tal assertiva decorre do fato de que, apesar da CPMF, o gasto federal com saúde caiu de 2,12% do PIB em 1995 para 1,72% do PIB em 2006 e, em 2008, foi de 1,68%. Observou-se que grande parte das demais receitas que vinham sendo destinadas à Saúde foi deslocada.

Os gastos com a dívida representam mais de 6 vezes as despesas com saúde. Apesar de determinados especialistas argumentarem que o Brasil já teria gastos demasiados com saúde e que os problemas seriam apenas de gestão do Sistema, é relevante citar trechos de importante Carta elaborada por diversas entidades da área da saúde[39], em julho de 2006, que traz argumentação contundente sobre a situação da saúde no Brasil:

– O financiamento estagnou entre US$ 120 e 150 públicos per capita, o que representa um gasto de, na melhor das hipóteses, menos que R$1,00 por dia por habitante. Isto significa menos que do que o gasto público em países vizinhos como Chile, México, Argentina, Panamá, Costa Rica dentre outros, e menos que 10% em relação ao Canadá e aos países europeus. Enquanto nos países desenvolvidos, de todos os gastos com saúde, no mínimo 70% são de orçamentos públicos, no Brasil, quase 18 anos após a criação do SUS, permanecemos com apenas 45% dos orçamentos públicos nos gastos totais com saúde. (Relatório anual da OMS de 2006, com dados relativos a 2003).

– Na comparação internacional em relação ao PIB, nossos recursos públicos destinados à saúde significam 3,2%, correspondendo a patamares menores que os da Bolívia, Colômbia, África do Sul, Rússia, Venezuela, Uruguai, Argentina (5,12%), Cuba (6,25%), EEUU (6,2%), Japão, Inglaterra, Austrália, Portugal, Itália, Canadá, França, Alemanha (8,1%) . (Dados OMS relativos a 2002)

– No tocante à participação das três esferas de governo no gasto público em saúde, a fonte federal caiu de 60,7% para 49,6% entre 1995 e 2004, e as fontes estadual/municipal cresceram de 39,3% para 50,5%, nesse mesmo período.

(…)

Por sua vez, o baixo financiamento e os repasses fragmentados vêm levando os gestores das três esferas de governo a alternativas de sobrevivência, buscando em vão, desonerar-se entre si, o que dificulta ou distorce as pactuações de responsabilidade sanitária e de complementaridade na construção da regionalização cooperativa e solidária. Sem desconhecer os problemas existentes na gestão das unidades de saúde é necessário afirmar que o modelo do SUS foi a principal inovação na área da gestão pública e de um federalismo pactuado. Com a aprovação, neste ano, do Pacto pela Vida e do Pacto de Gestão, pelos três níveis de governo, metas foram definidas e responsabilidades assumidas, o que representa um grande avanço no processo de gestão compartilhada.

No entanto, o baixo financiamento do SUS é hoje o fator que mais impossibilita os gestores municipais e estaduais de organizarem a oferta de serviços com qualidade, em consonância com as necessidades e direitos da população usuária. Os reflexos dessa situação provocam a sub-remuneração e precarização dos vínculos de trabalho dos profissionais e dos estabelecimentos prestadores de serviços, a ausência de investimento em melhores edificações e equipagem de unidades de saúde, colocando em risco a viabilidade da gestão.

Consideramos, portanto que os gastos em saúde devam ser encarados como investimentos na cidadania, no prolongamento da vida e desfrute de sua plenitude para todos e para cada um dos brasileiros.

V.5.2 – PREVIDÊNCIA SOCIAL E SALÁRIO MÍNIMO

O atual governo (2003-2009) concedeu aumentos reais de 5,4% ao ano, em média, para o salário mínimo, enquanto o anterior (1995-2002) o aumentou em 4,6% ao ano, considerando-se como indexador o INPC. Apesar da pequena recuperação, o salário mínimo necessário para arcar com as despesas mínimas de um trabalhador, conforme calculado pelo DIEESE, seria de R$ 2.075,55 em fevereiro de 2009, ou seja, mais de 4 vezes superior ao salário mínimo vigente, de apenas R$ 465,00.

Os últimos governos têm reiteradamente utilizado o falacioso argumento de suposto “déficit” da Previdência para restringir os reajustes do salário mínimo. Um exemplo da aplicação desse argumento foi o adiamento da votação, em 13/5/2009, pelos deputados e senadores, do veto do atual Presidente da República ao reajuste de 16,67% aos aposentados, concedido pelo Congresso em 2006. Como resultado do veto presidencial, o reajuste foi de apenas 5%.  À época, o Ministro da Previdência afirmou que a concessão deste reajuste ocasionaria um “rombo” de R$ 7 bilhões na Previdência Social, e assim o governo conseguiu adiar a votação, o que na prática manteve o veto.

Relativamente a esse tema, cabe ressaltar que a Previdência está inserida no tripé da Seguridade Social, instituído pela Constituição Federal de 1988, que também garantiu o seu financiamento por toda a sociedade. Ao calcular o falacioso “déficit” da previdência, o governo computa unicamente a contribuição paga pelos trabalhadores, em flagrante desobediência ao texto constitucional, deixando de computar a arrecadação da CONFINS, PIS e CSLL. Refazendo-se os cálculos, depreende-se que a Seguridade Social apresentou superávit de mais de R$ 50 bilhões em 2008.

A verdadeira razão pela qual o governo não concede o devido reajuste ao salário mínimo é a contínua destinação dos recursos da Seguridade Social (por meio da Desvinculação das Receitas da União) para o cumprimento das metas de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para garantir o pagamento da dívida.

Outras medidas que prejudicam aos aposentados são as constantes reformas da Previdência impostas pelo FMI, conforme já mencionado em item anterior desse capítulo.  Dentre elas, a Emenda Constitucional nº 20/1998, que criou pedágio para a aposentadoria, e substituiu o requisito de “tempo de serviço” para “tempo de contribuição”, dificultando a aposentadoria. Outra medida imposta pelo FMI foi a introdução do Fator Previdenciário em 1999, que postergou a aposentadoria e reduziu os benefícios dos filiados ao INSS.

Em se tratando do quesito salários, em seu Relatório anual sobre as contas do governo federal, relativo ao exercício do ano 2000, o TCU relatou o seguinte:

“Ao final do ano 2000, o servidor público federal completa o sexto ano consecutivo sem reajuste geral de salários. Não ocorrendo nenhum reajuste até o final do exercício de 2001, atingir-se-á a considerável performance de sete anos sem reajuste, o que, por si só, já se mostra incompatível com os níveis de crescimento da economia e com os níveis de arrecadação do setor público federal, mesmo considerando o crescimento vegetativo da folha de pagamento de pessoal no período. Deve-se registrar, para a questão levantada, que no período considerado de início de 1995, data do último reajuste concedido aos servidores públicos, ao final de 2000, os indicadores de inflação registraram taxas acumuladas de 62,5% para o INPC, de 65,6% para o IPCA, de 58,2% para o IPC-FIPE e de 82,2% para o IGP-M.”

Em relação ao tema Rendimentos Médios, abordado no Relatório do TCU, relativo ao exercício de 2001, às fls. 20, tem-se que:

“Comparando-se os períodos de janeiro a novembro de 2000 e 2001, o rendimento médio real das pessoas ocupadas caiu 3,3%, deflacionando-se pelo INPC (…). O aludido rendimento iniciou o ano com suave recuperação, que perdurou até maio, quando os efeitos da diminuição na produção industrial e no emprego levaram a sucessivas reduções no salário médio. A queda ocorreu com maior intensidade na indústria de transformação (4,3%) e no comércio (5,5%). Com relação ao tipo de ocupação, a queda afetou principalmente os empregados com carteira assinada (3,9%). Os empregados sem carteira de trabalho assinada tiveram redução de 1,6% e os que trabalham por conta própria, de 0,9%.”

Em relação ao nível de emprego, o mesmo relatório do TCU avaliou que o aumento de trabalhadores informais implicou, necessariamente, na ausência de direitos trabalhistas:

 “No período de 1997 a 2001, houve queda na renda dos trabalhadores brasileiros, enquanto os trabalhadores informais passaram a representar 60% do mercado de trabalho. Assim, como no país há 71 milhões de ocupados, 42 milhões trabalham informalmente, sem acesso ao seguro-desemprego, à licença de saúde, à aposentadoria e à pensão para o companheiro. Trata-se de universo bastante heterogêneo, englobando pessoas que:

  1. a) têm rendas baixas e não podem recolher; b) têm de 10 a 15 anos e estão trabalhando ilegalmente; c) têm mais de 60 anos e já não podem se inscrever como contribuintes; d) trabalham como empregados domésticos não-registrados; e) trabalham em empresas informais e também não podem se inscrever; f) abriram seu próprio negócio e têm rendas elevadas, mas não contribuem em razão do custo tido como alto.

(…)

Estes não são os únicos problemas do mercado de trabalho. Há enorme desigualdade entre classes, gênero e etnias. Efetivamente, no que se refere ao mercado de trabalho, o grande desafio é aumentar o nível de escolaridade do trabalhador brasileiro – muito baixo para as exigências da era da informação ”

Finalmente, cabe citar a Reforma da Previdência dos servidores públicos de 2003 (Emenda Constitucional nº 40), também imposta pelo FMI, e que criou a “contribuição dos inativos”, aumentou o tempo de contribuição necessário para a aposentadoria, ameaçou a paridade e a integralidade, dentre outras medidas que prejudicaram os servidores. O benefício anunciado pelo governo, à época, era a economia de R$ 56 bilhões em 30 anos, valor equivalente a pouco mais de 2 meses de pagamento da dívida naquele ano de 2003.

V.5.3 – EDUCAÇÃO

Assim como na área da saúde, na educação também existem muitos que defendem que o problema não é falta de recursos, mas sim a má destinação dos recursos existentes. Muitos defendem, equivocadamente, que o Brasil gasta demais com Universidades e que deveria redirecionar os recursos para a educação básica, como se o problema fosse uma mera disputa de recursos entre dois setores da própria educação.

Cabe destacar que, o Relatório do TCU, relativo ao exercício de 1992, ao analisar as Prioridades Governamentais em Destaque, no item sobre Educação, às fls. 208 afirmou o seguinte:

“Os estudos sobre os níveis de pobreza absoluta e a evolução dos principais indicadores sociais nas últimas décadas revelam que os resultados obtidos pelo sistema educacional são modestos e que o quadro social é grave. Em 1990, a população brasileira era constituída de 30,3% de crianças e adolescentes entre o e 17 anos de idade. Cerca de 30,6% dessas crianças e adolescentes vivial em famílias com uma renda familiar “per capita” de até ¼ do salário mínilo (“miséria”), enquanto 23,4% estavam em “situação de pobreza” , com uma renda mensal inferior a meio salário mínimo. Este conjunto de pobreza e miséria arangia nada menos que 54% das crianças e adolescentes do País, concentradas, principalmente, em áreas periféricas urbanas.

Este quadro de pobreza dificulta o cumprimento dos preceitos legais de frequência à escola das crianças entre 7 e 14 anos e da proibição de qualquer trabalho a menor de 14 anos, exceto na condição de aprendiz. É um ciclo que não se rompe: não se frequenta a escola por causa da miséria e não se sai da miséria, principalmente, por não se ter educação.

O panorama educacional brasileiro vem sendo agravado por não priorizar os investimentos em ações que realmente implicariam na mudança real desse cenário, a exemplo do que consta do Relatório do TCU de 1996:

“O Brasil se encontra entre os países em desenvolvimento que menos gastam com a educação no mundo. Apenas 4% da despesa do governo central, seguindo os números das Unidas.

(…)

A realidade brasileira se torna ainda mais preocupante quando se considera que  cerca de 15% das crianças matriculadas na primeira série não chega a completar a oitava série. Quanto ao aproveitamento escolar, basta dizer que, de cada mil alunos matriculados no primeiro grau, apenas 45 completam o ensino fundamental”

As dificuldades da educação fundamental também colocam o Brasil como campeão da baixa eficiência do ensino na América Latina. O percentula dos que completam a oitava série (15%), deixa nosso país atrás do Haiti (32%), El Salvador (31%), México (69%), Peru (70%) e Chile (85%).

Cabe reproduzir trechos de um texto da Equipe Brasil-Escola[40] que resume de forma bem simples os problemas da educação no país:

“Números que retratam os problemas da educação brasileira

  • Hoje, no Brasil, 97% dos estudantes com idade entre 7 e 14 anos se encontram na escola, no entanto, o restante desse percentual, 3%, respondem por aproximadamente 1,5 milhão de pessoas com idade escolar que estão fora da sala de aula.
  • Para cada 100 alunos que entram na primeira série, somente 47 terminam o 9º ano na idade correspondente, 14 concluem o ensino médio sem interrupção e apenas 11 chegam à universidade.
  • 61% dos alunos do 5º ano não conseguem interpretar textos simples. 60% dos alunos do 9º ano não interpretam textos dissertativos.
  • 65% dos alunos do 5º ano não dominam o cálculo, 60% dos alunos do 9º ano não sabem realizar cálculos de porcentagem.

Medidas que possivelmente poderão combater os índices acima apresentados:

  • Mobilização da sociedade para a importância que a Educação exerce.
  • Direcionamento de recursos financeiros para escolas e professores.
  • Valorização do profissional da educação.
  • Implantação de medidas políticas educacionais a longo prazo.”

Os baixos salários pagos aos professores do nível básico desestimulam que estes se especializem, prejudicando a qualidade do ensino. Ao mesmo tempo, os baixos salários empurram muitos professores busquem outras fontes de renda para sustentar suas famílias e acabem abandonando a profissão que deveria ser a mais reconhecida, pois é justamente a partir da formação que se garantirá o verdadeiro desenvolvimento do país.

Além disso, o Piso Nacional dos professores corre o risco de não ser implementado, pois as medidas adotadas para combater a recente crise econômica mundial e garantir o pagamento dos elevados juros da dívida reduziram os recursos do Fundeb – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

Relativamente ao ensino superior, o atual governo vem afirmando que ampliou bastante as vagas no ensino superior e nas escolas técnicas. Porém, o divulgado aumento de vagas inclui o ensino à distância, e não veio acompanhado do aumento proporcional no número de professores, infra-estrutura, habitações estudantis, etc. O “Reuni” (Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, do Governo Federal) se baseia nesta filosofia equivocada de aumento de vagas sem aumento nos recursos, sobrecarregando os professores, a infra-estrutura das Universidades e comprometendo a qualidade do ensino.

A União tem destinado menos de 3% do Orçamento para a educação, que correspondeu em 2009 a R$ 30,75 bilhões. Computando-se os aportes da União, Estados e Municípios, atualmente são gastos anualmente cerca de R$ 70 bilhões por ano em educação. Para o ensino superior federal, são R$ 11 bilhões anuais. Para se cumprir a meta do PNE (Plano Nacional de Educação), que prevê um gasto de 7% do PIB, deveriam ser gastos R$ 170 bilhões na educação, sendo R$ 20 bilhões para o ensino superior.[41]

Porém, o Presidente Fernando Henrique Cardoso vetou esse item do PNE, alegando que o mesmo violaria a “Lei de Responsabilidade Fiscal” (LRF):

“Estabelecer-se, nos termos propostos, uma vinculação entre despesas públicas e PIB, a vigorar durante exercícios subseqüentes, contraria o disposto na Lei Complementar no 101/2000, por não indicar fonte de receita correspondente e não estar em conformidade com o PPA. Saliente-se que a ampliação anual de despesa em meio ponto percentual do PIB, prevista no texto, representaria um acréscimo em torno de R$ 5 bilhões/ano sem qualquer indicação de fonte de arrecadação ou da forma como esse esforço seria compartilhado entre União, Estados e Municípios.”[42]

Cabe relembrar que a LRF foi imposta pelo FMI, e limita severamente os gastos sociais, enquanto não estabelece limites para o pagamento da dívida pública federal nem para o prejuízo operacional do Banco Central.

 

É importante registrar os efeitos que a Desvinculação das Receitas da União – DRU – tem provocado na destinação dos recursos Educação:

 

 

MÍNIMO CONSTITUCIONAL DE RECURSOS FEDERAIS PARA A EDUCAÇÃO (2000-2008)

Em R$ mil

Ano Mínimo Constitucional (18% dos Impostos, sem o desconto da DRU)

(a)

Valor Gasto em Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

(b)

Impacto da DRU: Montante dos recursos subtraídos da Educação

(a-b)

2008                          27.447.091,91          19.150.622,63            8.296.469,28
2007                          24.264.690,59          17.566.750,94            6.697.939,65
2006                          17.676.446,58          17.098.253,00                578.193,58
2005                          16.071.804,00          12.136.019,00            3.935.785,00
2004                          13.865.449,14          10.072.975,00            3.792.474,14
2003                          12.101.167,44            8.077.676,00            4.023.491,44
2002                          11.558.630,34            7.775.674,00            3.782.956,34
2001                             9.895.670,28            7.109.746,00            2.785.924,28
2000                             8.541.418,14            5.999.972,00            2.541.446,14
TOTAL                        141.422.368,42       104.987.688,57          36.434.679,85

Fonte: Elaboração própria, com base em: http://www.stn.fazenda.gov.br/contabilidade_governamental/execucao_orcamentaria_do_GF/MDE.xls

Além desse relevante desvio superior a R$ 36 bilhões no período, houve redução da arrecadação de “impostos”  a partir da criação das inúmeras contribuições, sobre as quais não incidem os 18% previstos na Constituição Federal.

Sem dúvida, esses recursos que foram desvinculados para cumprir meta de superávit primário seriam fundamentais para construção de escolas, melhoria dos salários dos professores, implantação de projetos educacionais,  e para minorar a extrema falta de recursos em área fundamental para o futuro do país.

 

 

V.5.4 – REFORMA AGRÁRIA E AGRICULTURA

A questão agrária e agrícola no Brasil

A partir de finais dos anos 70, com o aumento das taxas de juros internacionais pelos EUA, teve lugar a grande Crise da Dívida Externa que atingiu não somente o Brasil, mas aos diversos países que caíram no engodo do ‘endividamento atraente’ oferecido pelos bancos privados internacionais a taxas de juros baixas, porém flutuantes. A partir dessa crise, aprofundou-se ainda mais o estímulo ao modelo primário-exportador, a fim de viabilizar a obtenção de divisas necessárias ao pagamento da dívida externa. O processo que vinha à tona é explicitado pelo grande êxodo rural e pela concentração fundiária, sempre mantida em patamar considerado “muito forte”, segundo a classificação do índice de Gini, e intensificada durante o regime militar.

O resultado disso é mostrado pelo o Censo Agropecuário do Brasil (IBGE, 1996). Os estabelecimentos brasileiros de até 10 ha, que geralmente encontram-se abaixo de um tamanho suficiente para a exploração econômica viável, são 49,43% do número de estabelecimentos e, a despeito de possuírem apenas 2,23 % da área total, empregam 40,71% do pessoal ocupado na agropecuária no país. Enquanto isso, 2,22% dos estabelecimentos, a despeito de possuírem 56,47 % da área total, empregam apenas 6,87% deste pessoal no Brasil. Outro dado importante é a maior produtividade (receitas por unidade de área) das pequenas propriedades.

  • Estrutura Agrária, Brasil, 1996
Estratos de Área  (ha) Estabeleci-mentos (%) Área (%) Pessoal Ocupado (%) Área Média (ha) Produtividade (R$/ha)
menos de 10…….. 49,43 2,23 40,71 3,28 628,45
10 a menos de 100… 39,43 17,73 39,88 32,71 223,04
100 a menos de 500.. 8,47 23,57 12,30 202,54 123,62
mais de 500……… 2,22 56,47 6,87 1.852,92 71,81
TOTAL………….. 99,55 100,00 99,76 72,76 123,36

Fonte: IBGE, Censo Agropecuário, 1996

NOTA: Não foram incluídos os 0,45% de imóveis “sem declaração”.

 

Apesar do Brasil possuir 371 milhões de hectares de solos classificados com potencialidade agrícola (boa, boa a regular, regular a boa e regular), apenas 41 milhões de hectares são efetivamente cultivados com lavouras temporárias e permanentes[43].

O Censo Agropecuário de 2006 mostra que a agricultura familiar, com apenas 32,3% da área, responde por 40% da produção, e nada menos que 78,8% dos postos de trabalho no campo. Tais dados mostram que, apesar de prejudicada com menos terras, crédito e assistência técnica, devido à opção pelas grandes monoculturas de exportação –  que geram as divisas para o pagamento da dívida externa – a agricultura familiar possui mais produtividade por área e gera muito mais empregos, contribuindo para a distribuição de renda nacional e para o sustento de milhões de famílias.

Adicionalmente, a agricultura familiar é a principal responsável pelo abastecimento de alimentos para o consumo interno, enquanto a grande agricultura prioriza as monoculturas de exportação, que também causam efeitos nocivos sobre o meio ambiente. A crise alimentar da atualidade decorre da prática de um modelo de agricultura dependente de petróleo e pesados insumos industriais tóxicos, evidenciando que o futuro da agricultura no planeta deve ser a agro-ecologia e a pequena agricultura.

As vantagens da agricultura do tipo familiar não se resumiriam somente à sua maior produtividade e ao respeito pelo meio ambiente, mas também aos seus efeitos no desenvolvimento sócio-econômico da região em que se instala. Os índices de desenvolvimento humano são maiores nas áreas de agricultura familiar mais consolidada, transformando-a em um forte mercado consumidor nessas regiões, garantindo maior geração de emprego rural e urbano.

Dos 4.338.000 estabelecimentos familiares constantes no Censo Agropecuário de 1985, apenas 52,7% deles eram explorados por proprietários, enquanto que o restante era ocupado por produtores que não detinham a posse da terra. O conjunto formado pela soma do total de estabelecimentos explorados por não proprietários; do total de estabelecimentos explorados por proprietários que possuem área insuficiente; e das famílias de trabalhadores assalariados rurais, alcança o montante de 4,5 milhões de famílias a serem assentadas pelo governo.

A reforma agrária no Brasil

Se a histórica opção das políticas agrícolas e agrárias nacionais pelas grandes propriedades levou o país a ter tais níveis de concentração fundiária, isso não impediu que se formasse um pequeno – mas não desprezível – segmento agrícola predominantemente familiar, que aproveitasse melhor a terra e os financiamentos disponíveis, e empregasse a maior parte da mão-de-obra rural nacional. Este segmento familiar, hoje com apenas um quarto do total da área, necessitaria, portanto, de um maior apoio por parte das políticas voltadas para o meio rural brasileiro, políticas estas que teriam como base a reforma do sistema de propriedade fundiária.

Apesar do crescimento da implantação de assentamentos no Brasil após 1996 (quando do conflito de trabalhadores sem-terra com policiais em Eldorado dos Carajás, no Pará), o processo tem sido extremamente lento, com o assentamento de algumas dezenas de milhares de famílias por ano, com grandes custos de indenização aos ex-proprietários e sem apoio suficiente à infra-estrutura e assistência técnica aos assentados.

Atualmente, são assentadas cerca de 80 mil famílias por ano. Assim, seriam necessárias várias décadas para que seja feita a reforma agrária no Brasil, até porque todo ano cerca de 40 a 50 mil famílias por ano saem da agricultura. E nem mesmo as tímidas metas de assentamentos são cumpridas pelo atual governo. A crise econômica e o ajuste fiscal também aprofundam este problema, pois levam o governo a cortar grande parte do orçamento da Reforma Agrária, que em 2008 foi 113 vezes menor que os gastos com a dívida pública.

 

V.5.5 – TRANSPORTES

O processo de endividamento público limita há décadas os recursos disponíveis para investimentos e gastos públicos, inclusive para a manutenção dos sistemas de transportes no país. Segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT)[44], em 2007 nada menos que 73,9% das estradas federais e estaduais (incluindo as cedidas ao setor privado) estavam em estado regular (40,8%), ruim (22,1%) e péssima (11%). Além disso, 89,6% das rodovias eram em pista única, o que favorece a ocorrência de inúmeros acidentes, com perdas de vidas, comprometimento da saúde de pessoas e prejuízos financeiros.

O Programa “Segurança Pública nas Rodovias Federais”, cujo objetivo é aparelhar a Polícia Rodoviária Federal, combater o crime organizado, estabelecer controles de velocidade e balanças (que poderiam evitar a deterioração da pavimentação das rodovias) tem recebido cada vez menos recursos. Até 13 de julho deste ano, somente haviam sido gastos 11% dos R$ 505 milhões previstos para todo o ano de 2009, conforme dados do SIAFI.

Isto representa uma “economia” de recursos sem sentido, pois provoca grande deterioração da pavimentação das rodovias, estimula o roubo de cargas, impede a educação no trânsito e permite grande quantidade de acidentes, muitos deles fatais, provocando danos incalculáveis à sociedade e ao país.

Dos R$ 11 bilhões de investimentos em construção e recuperação de rodovias, ferrovias e hidrovias previstos para o Ministério dos Transportes em 2009, somente 6,29% haviam sido gastos até 13 de julho daquele ano.

Adicionalmente, os investimentos em transporte ferroviário tem sido pífio, quando se sabe que esse meio de transporte é dos mais baratos, limpos e democráticos. Por isso, é necessário aumentar fortemente os investimentos em transporte ferroviário de pessoas e de cargas.

 

O Transporte Urbano

As principais cidades brasileiras vivem um caos no trânsito, devido à falta de investimentos em meios de transporte de massa. Para termos uma idéia de qual tem sido a prioridade do governo federal nessa área, dos parcos R$ 724 milhões de investimentos programados pelo Ministério das Cidades em 2009 em sistemas de transportes coletivos, até 13 de julho apenas haviam sido gastos 4,8% deste valor.

É necessário aumentar fortemente os investimentos em transporte ferroviário interestadual e urbano, para garantir a locomoção democrática e coletiva por meio de trens e metrôs.

A poluição também poderia ser atacada, por meio de maciços investimentos em trens urbanos, e na pesquisa científica de energias alternativas, tais como o hidrogênio.

 

 

V.6 – IMPACTOS AMBIENTAIS DO ENDIVIDAMENTO

 

Nos anos 70, os governantes brasileiros optaram pelo endividamento externo a juros flutuantes, ou seja, que poderiam ser aumentados livremente pelos bancos privados internacionais. A partir de finais dos anos 70, tais taxas subiram fortemente, provocando crise financeira e aumentando brutalmente a exigência de recursos para o cumprimento dos pagamentos ao exterior, tendo os governantes optado novamente, na década de 80, por transferir essas dívidas ao Banco Central e contrair cada vez mais empréstimos, além do aumento das exportações de nossos recursos naturais, provocando grandes danos ambientais desde então.

Os bancos internacionais se articularam, criando o Comitê Assessor que reunia mais de 100 instituições no início da década de 80, em plena crise financeira, e contavam com o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI), que condicionava os empréstimos ao país à realização dos acordos com os bancos privados. Além disso, os empréstimos disponibilizados pelo FMI estabeleciam diversos condicionamentos e imposições estruturais, dentre elas a redução do consumo interno e o aumento das exportações de produtos.

Ao mesmo tempo, outras Instituições Financeira Multilaterais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento se apresentavam para conceder empréstimos ao Brasil, sempre acompanhados de suas recomendações privatistas e/ou voltadas para os interesses internacionais, em cada setor do país em que investiam. Um importante item deste ajuste estrutural foi a imposição de um modelo de desenvolvimento excludente e predatório, que significou a destruição de grande parte do cerrado e outros importantes biomas nacionais, para dar lugar à agroindústria de exportação e à extração de recursos minerais, em detrimento da agricultura familiar.

O gráfico a seguir demonstra esse processo, com a linha pontilhada mostrando o grande ajuste feito no país a partir dos primeiros acordos com o FMI, em 1983. A exportação de bens primários era estimulada, para gerar os dólares necessários aos crescentes pagamentos de juros da dívida externa (representados pela linha contínua do gráfico).

Com o Plano Real, na segunda metade dos anos 90, a sobrevalorização do câmbio levou a um aumento das importações, gerando déficits na balança comercial. Para tentar reverter essa situação, foi aprovada a chamada “Lei Kandir” em 1996, que concedeu isenção de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) para a exportação de produtos primários. Adicionalmente, foram instituídos vários outros incentivos fiscais à exportação. Dessa forma, o modelo exportador e excludente se aprofundou ainda mais.

Brasil: Balança de Comércio e Remessas ao exterior (1970-2008)

 

Fonte: Banco Central

 

A partir de 2003, com a crescente demanda por produtos primários – commodities – no mundo, dentro de um modelo predatório do meio-ambiente, os preços dos recursos naturais sobem, permitindo novamente grandes superávits comerciais brasileiros. O crescente superávit comercial até 2006 foi acompanhado do crescimento da remessa de lucros e juros ao exterior, como mostra o gráfico acima.

Nesse período, a dívida externa vinha sendo paga com a emissão de novos títulos da dívida externa, por isso a massa de dólares que ingressava no país, em decorrência do aumento das exportações e também de ‘investidores’, era comprada pelo Banco Central (BC), que simultaneamente promovia o ‘enxugamento’ do excesso de moeda em circulação entregando títulos da dívida interna aos investidores, que pagam os juros mais elevados do mundo. Os dólares comprados pelo Banco Central se destinaram à acumulação de reservas cambiais, que não remuneram quase nada, provocando grandes prejuízos financeiros ao país.

 

 

V.7- PRINCIPAIS ILEGITIMIDADES DECORRENTES DOS IMPACTOS DA DÍVIDA PÚBLICA SOBRE AS POLÍTICAS SOCIAIS E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO PAÍS

– A dívida pública precisa ter uma contrapartida que compense o pesado ônus que impõe à sociedade e ao país. Infelizmente, nunca foi realizada uma auditoria que explicasse a contrapartida da dívida pública brasileira, seja pelo Tribunal de Contas da União, pela Corregedoria Geral da União, pelo Congresso Nacional, ou qualquer outro órgão, apesar de a Constituição Federal de 1988 determinar sua realização.

– A crise do endividamento externo nos anos 80 afetou toda a política econômica do país, com grandes impactos sociais, pois gerou recessão, desemprego, inflação e, adicionalmente, provocou o aumento da dívida interna, exigindo recursos financeiros para atender aos pagamentos dessas dívidas, sacrificando todas as áreas sociais.

– Na década de 80 o Brasil se tornou exportador líquido de capitais ao exterior, enquanto o país entrou em recessão, sendo incalculáveis os prejuízos sociais do brutal impacto da dívida externa sobre milhões de desempregados e sobre toda a sociedade brasileira. São incalculáveis também os danos ambientais decorrentes da necessidade de geração de grandes superávits comerciais para obter os dólares necessários ao pagamento da dívida externa – apesar da queda no preço das commodities – o que implicou na destruição de vegetação nativa para a abertura de novas áreas para as monoculturas de exportação.

– Cartas de Intenção ao FMI elaboradas por governos ilegítimos (ditaduras), que representaram ofensa à soberania nacional e violação de Direitos Sociais e Humanos. Tais imposições do FMI significaram a redução dos gastos sociais, elevação de tributos, liberalização do sistema financeiro e cambial, contenção da demanda interna para estimular as exportações, reajuste de preços públicos (como os combustíveis e eletricidade), contenção dos salários, altas taxas de juros, privatizações.

– A partir de fins dos anos 80, as imposições do FMI consolidaram a implementação das políticas neoliberais, listadas no chamado “Consenso de Washington”. O Fundo exigia privatizações de empresas estatais estratégicas e lucrativas, sob a justificativa de que as receitas da venda de tais empresas serviriam para o pagamento da dívida. Também exigia a redução de gastos com pessoal e Previdência Social, liberalização dos fluxos de capital, redução de tarifas de importação, contenção de salários, além da própria negociação da dívida externa com os bancos privados e Clube de Paris, e tomada de empréstimos junto ao Banco Mundial para a implementação de mais medidas de ajuste estrutural.

– Com as crises financeiras na segunda metade da década de 90, a política de liberalização dos fluxos de capital – também imposta pelo FMI – mostra todos os seus efeitos nocivos, com a fuga em massa de capitais. Isto levou a uma nova crise da dívida externa, levando à assinatura de mais um Acordo com o FMI no final de 1998 que trouxe novas imposições.

– Na tentativa de estancar a fuga de capitais, houve elevação dos juros para níveis altíssimos (que chegaram a 49% ao ano, em novembro de 1997 e setembro de 1998), forte aumento do desemprego, e a implementação das metas de superávit primário, com aumento de tributos incidentes sobre o consumo e cortes de gastos sociais. As Cartas de Intenções também citavam as Reformas Administrativa, Trabalhista e da Previdência Social, que retiraram direitos dos trabalhadores.

Também como exigência do FMI foi aprovada a “Lei de Responsabilidade Fiscal”, que limitou os gastos sociais e a extensão do ajuste fiscal e estrutural (privatizações, dentre outras medidas) aos estados, por meio da renegociação das dívidas dos entes federados.

As Cartas de Intenções do final dos anos 90 também mencionaram expressamente os compromissos com as privatizações, o alinhamento do preço dos combustíveis ao mercado internacional e a abertura comercial.

– O FMI também exigiu a implantação do Sistema de Metas de Inflação, responsável por boa parte do crescimento da dívida interna e o impedimento ao crescimento econômico, por meio das elevadas taxas de juros, que são consideradas como o único remédio para combate da inflação.

– Em 2002, para que fosse firmado mais um Acordo com o FMI, os principais candidatos à Presidência concordaram com as medidas ali compromissadas, passando tal Acordo a ficar acima da discussão eleitoral, representando indício de violação da Ordem Democrática.

– Em 2003, o governo eleito promoveu a Reforma da Previdência, suprimindo diversos direitos dos servidores públicos. Também realizou a Reforma Tributária, que se limitou, essencialmente, à manutenção da DRU – Desvinculação de Receitas da União e da CPMF – Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira, de modo a cumprir o ajuste fiscal. Também foi aprovada nova Lei de Falências (que prejudicou o recebimento dos créditos trabalhistas, em favor dos financeiros); a privatização de bancos federalizados, além do avanço da “Autonomia” do Banco Central, confirmada pelo presidente do BC em entrevista jornalística, favorecendo o estabelecimento de altas taxas de juros, com pesado custo fiscal para o Tesouro.

– De 1998 a 2008, a carga tributária subiu 6,9% do PIB – Produto Interno Bruto –  enquanto o superávit primário, que praticamente não existia anteriormente, chegou a 4% do PIB, em 2008. Portanto, a maior parte do aumento da carga tributária serviu para gerar o superávit primário e não para aumentar os gastos sociais. Isto quer dizer que, ao final das contas, a sociedade ficou mais pobre, pois teve de arcar com um aumento de quase 7% do PIB em tributos, incidentes principalmente sobre o consumo.

– Por outro lado, os setores ligados aos ganhos financeiros com a dívida pública, ou à geração de divisas – para garantir o pagamento dos compromissos externos – têm tido sua tributação significativamente aliviada nos últimos anos.

– Apesar de o Brasil apresentar estatísticas que mostram o desrespeito aos Direitos Sociais, as diversas políticas que poderiam reverter tais estatísticas têm sido severamente prejudicadas pela priorização dos gastos com a dívida, que representa a maior fatia do orçamento, muitas vezes superior a diversas áreas sociais fundamentais, como a saúde, educação, reforma agrária, transportes, etc. O salário mínimo, atualmente estabelecido em patamar que não atende ao disposto no Art. 7º da Constituição, também tem sido contido pela política de ajuste fiscal, prejudicando tanto aos aposentados como aos demais trabalhadores. Adicionalmente, todas as propostas que visam a melhorar a condição das aposentadorias tem sido rejeitadas pelo governo, sob a equivocada justificativa do déficit da Previdência Social. Portanto, o endividamento configura grave indício de ofensa ao Art. 6º da Constituição Federal, ao impedir a garantia dos Direitos Sociais e o respeito aos Direitos Humanos.

– Destruição de grande parte do cerrado e outros importantes biomas nacionais, para dar lugar à grande agricultura de exportação e à extração de recursos minerais, em detrimento da agricultura familiar, para garantir as divisas necessárias ao pagamento da dívida.

– Destacam-se também as conclusões do Parecer da Dra. Flavia Piovesan, sobre os impactos do endividamento nas políticas sociais:

A elevada dotação orçamentária destinada ao pagamento da dívida pública constitui grave ofensa ao dever do Estado Brasileiro de implementar os direitos sociais consagrados pela ordem normativa internacional e constitucional. Tal pagamento simboliza afronta do Estado Brasileiro aos deveres assumidos no plano internacional e constitucional relativamente à implementação dos direitos sociais. Viola, ademais, a necessidade de assegurar a tais direitos absoluta prioridade, mediante a preservação de seu núcleo essencial (“minimum core obligation”), com a observância do princípio da aplicação progressiva dos direitos sociais, a vedar o retrocesso social. Afronta, ainda, o Estado Brasileiro a obrigação jurídica de investir o máximo dos recursos disponíveis para alcançar, progressivamente, a plena efetividade dos direitos econômicos, sociais e culturais – obrigação decorrente do Pacto Internacional de Direitos Econômicos Sociais e Culturais e do Protocolo de San Salvador em matéria de direitos sociais.

     Concluí-se, portanto, que a execução do orçamento federal em 2008, sob o prisma da distribuição de recursos, caracteriza grave inconstitucionalidade, configurando, ainda, ilícito internacional, em violação direta aos dispositivos enunciados nos artigos 3o, III, 6o, 196, 198, 205 e 212   da Constituição Brasileira, bem como nos artigos 2o, 11, 12 e 13 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais e nos artigos 1o, 10, 13 do Protocolo de San Salvador em matéria de direitos sociais, ambos ratificados pelo Estado Brasileiro.  

 

 

V.8 – RECOMENDAÇÕES

– Aprovação de legislação que criminalize o administrador público que priorizar gastos financeiros em detrimento do atendimento aos direitos humanos previstos no art. 6º. da Constituição Federal;

– A partir das constatações de recorrente ofensa aos direitos humanos de milhões de brasileiros pelo endividamento público desde os anos 70, recomenda-se o encaminhamento ao Ministério Público de todas as denúncias acima apresentadas, acompanhadas das análises elaboradas pela CPI da Dívida Pública, para o aprofundamento das investigações sobre os impactos sociais do endividamento público e apuração de responsabilidades ante os relevantes danos sociais;

– Envio das análises elaboradas pela CPI da Dívida Pública à Organização das Nações Unidas, solicitando o aprofundamento das pesquisas dos impactos sociais provocados pelo endividamento também em outros países, bem como a discussão sobre a responsabilidade das Instituições Financeiras Multilaterais (principalmente FMI e Banco Mundial) nesse processo;

– A partir das constatações de ofensa aos direitos humanos de milhões de brasileiros, recomenda-se a elaboração de documento – juntando-se as análises elaboradas pela CPI da Dívida Pública – a ser enviado à Corte Interamericana dos Direitos Humanos, de São José da Costa Rica, bem como à Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda, para o exame das violações dos Direitos Humanos ocasionada pelo endividamento;

– Criação de uma Comissão Especial na Câmara dos Deputados para exercer o contínuo acompanhamento do processo de endividamento público, bem como para o acompanhamento e gerenciamento das demandas junto ao Ministério Público e demais instituições nacionais e internacionais;

– Realização de uma auditoria integral da dívida pública brasileira, para apurar inclusive a legalidade e a legitimidade da dívida, a destinação dos recursos, levantar o valor efetivo dos pagamentos efetuados e a identificação dos responsáveis por eventuais desvios legais, além dos impactos econômicos, sociais e ambientais;

– Revisão da legislação e medidas implementadas por imposição do FMI, a exemplo das Privatizações, liberalização dos fluxos de capitais, Superávit Primário, Reformas Trabalhista e Previdenciárias, Lei de Responsabilidade Fiscal, Sistema de Metas de Inflação, a Desvinculação das Receitas da União, Lei de Falências, Independência do Banco Central.

– Realização de ampla reforma tributária que promova justiça fiscal, reduzindo-se a tributação sobre os trabalhadores e consumidores, e ampliando a tributação preponderantemente sobre rendas financeiras e as fortunas.

– Redução drástica dos juros e revisão da política de superávit primário, o que liberaria centenas de bilhões de reais anuais para as áreas sociais.

 

 

Brasília, 25 de março de 2010

 

Maria Lucia Fattorelli Carneiro

Auditora Fiscal da Receita Federal do Brasil

Requisitada para Assessorar a CPI da Dívida Pública

 

 

Aldo Olmos Molina Júnior

Auditor Interno da Caixa Econômica Federal

Requisitado para Assessorar a CPI da Dívida Pública

 

 

[1]              Conforme o livro “Para conhecer o Neoliberalismo”, de João José Negrão, pág. 41-43, Publisher Brasil, 1998. Informações extraídas da página http://www.cefetsp.br/edu/eso/globalizacao/consenso.html .

[2]              Nota de 29 de junho de 1988, elaborada pelo Ministro do Planejamento, João Batista de Abreu, pelo Ministro da Fazenda, Mailson da Nóbrega e, pelo Presidente do Banco Central, Elmo de Araújo Camões e, Documento apresentado em reunião do Presidente da República com os Governadores e Ministros do Conselho de Desenvolvimento Econômico, no Palácio da Alvorada, de 16 de maio de 1988.

[3]              Elaborada pela Ministra da Economia, Zélia Cardoso de Melo e Ibrahim Eris, Presidente do Banco Central.

[4]              Disponível em http://www.fazenda.gov.br/portugues/fmi/fmimpe01.asp

[5]              Disponível em http://www.fazenda.gov.br/portugues/fmi/fmimpe02.asp .

[6]              Disponível em http://www.fazenda.gov.br/portugues/fmi/fmimpe03.asp

[7]              Disponível em http://www.fazenda.gov.br/portugues/fmi/fmimte06.asp

[8]              Disponível em http://www.fazenda.gov.br/portugues/fmi/cartafmi_030317.asp

[9]              Disponível em http://www.cfc.org.br/conteudo.aspx?pagina=11&codMenu=67&codConteudo=893

[10] As despesas estão subdivididas por função. No caso da função “Encargos Especiais”, esta foi desmembrada, entre 4 itens:

  • Juros e Amortizações da Dívida: representa a soma do Grupo de Natureza de Despesa (GND) 1 (Juros e Encargos da Dívida) com o GND 6 (Amortizações da Dívida), nas Sub-funções “Serviço da Dívida Externa” e “Serviço da Dívida Interna”.
  • Refinanciamento da Dívida: GND 6 (Amortizações da Dívida), nas Sub-funções “Refinanciamento da Dívida Externa” e “Refinanciamento da Dívida Interna”.
  • Transferências a Estados e Municípios: Modalidades de Aplicação 30 e 40.
  • Outros encargos especiais: todas as demais despesas da Função “Encargos Especiais”

[11] http://www.stn.fazenda.gov.br/contabilidade_governamental/execucao_orcamentaria_do_GF/Despesa_Funcao.xls e

http://www.stn.fazenda.gov.br/contabilidade_governamental/execucao_orcamentaria_do_GF/Despesa_Grupo.xls

[12] Ofício nº 203/2009/PFDC/MPF-GPC, recebido pela CPI dia 24 de março de 2010.

[13]             Ver estudo “Lei Kandir: Breve Histórico”, de Murilo Soares, pág 3, disponível em: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1441/lei_kandir_soares.pdf?sequence=1

[14] Segundo a metodologia do Banco Mundial, o Brasil foi a 8ª economia mundial em 2008.

[15] Professora doutora em Direito Constitucional e Direitos Humanos da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Professora de Direitos Humanos dos Programas de Pós Graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da Universidade Pablo de Olavide (Sevilha, Espanha); visiting fellow do Human Rights Program da Harvard Law School (1995 e 2000), visiting fellow do Centre for Brazilian Studies da University of Oxford (2005), visiting fellow do Max Planck Institute for Comparative Public Law and International Law (Heidelberg – 2007 e 2008), sendo atualmente Humboldt Foundation Georg Forster Research Fellow no Max Planck Institute (Heidelberg – 2009-2011); membro do Conselho Nacional de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana e membro da UN High Level Task Force on the implementation of the right to development.

[16] Joaquín Herrera Flores, Direitos Humanos, Interculturalidade e Racionalidade de Resistência, mimeo, p.7.

[17] Norberto Bobbio, Era dos Direitos, trad. Carlos Nelson Coutinho, Rio de Janeiro, Campus, 1988.

[18] Hannah Arendt, As Origens do Totalitarismo, trad. Roberto Raposo, Rio de Janeiro, 1979. A respeito, ver também Celso Lafer, A Reconstrução dos Direitos Humanos: Um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, Cia das Letras, São Paulo, 1988, p.134. No mesmo sentido, afirma Ignacy Sachs: “Não se insistirá nunca o bastante sobre o fato de que a ascensão dos direitos é fruto de lutas, que os direitos são conquistados, às vezes, com barricadas, em um processo histórico cheio de vicissitudes, por meio do qual as necessidades e as aspirações se articulam em reivindicações e em estandartes de luta antes de serem reconhecidos como direitos”. (Ignacy Sachs, Desenvolvimento, Direitos Humanos e Cidadania, In: Direitos Humanos no Século XXI, 1998, p.156). Para Allan Rosas: “O conceito de direitos humanos é sempre progressivo. (…) O debate a respeito do que são os direitos humanos e como devem ser definidos é parte e parcela de nossa história, de nosso passado e de nosso presente.” (Allan Rosas, So-Called Rights of the Third Generation, In: Asbjorn Eide, Catarina Krause e Allan Rosas, Economic, Social and Cultural Rights, Martinus Nijhoff Publishers, Dordrecht, Boston e Londres, 1995, p. 243).

 

[19] Asbjorn Eide, Social Rights, In: Rhona K.M. Smith e Christien van den Anker. The essentials of Human Rights, Londres, Hodder Arnold, 2005, p.234.

 

 

[20]. Hector Gros Espiell, Los derechos económicos, sociales y culturales en el sistema interamericano, San José, Libro Libre, 1986, p. 16-17.

[21] A respeito, consultar Human Development Report, UNDP, New York/Oxford, Oxford University Press, 2007.

 

[22] “O Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais consagra três previsões que podem ser interpretadas no sentido de sustentar uma obrigação por parte dos Estados-partes ricos de prover assistência aos Estados-partes pobres, não dotados de recursos para satisfazer as obrigações decorrentes do Pacto. O artigo 2 (1) contempla a frase “individualmente ou através de assistência internacional e cooperação, especialmente econômica e técnica. A segunda é a previsão do artigo 11 (1), de acordo com a qual os Estados-partes concordam em adotar medidas apropriadas para assegurar a plena realização do direito à adequada condição de vida, reconhecendo para este efeito a importância da cooperação internacional baseada no livre consenso. Similarmente, no artigo 11 (2) os Estados-partes concordam em adotar “individualmente ou por meio de cooperação internacional medidas relevantes para assegurar o direito de estar livre da fome.” (Philip Alston e Gerard Quinn, The Nature and Scope of Staties Parties’ obligations under the ICESCR, 9 Human Rights Quartley 156, 1987, p.186, apud Henry Steiner e Philip Alston, International Human Rights in Context: Law, Politics and Morals, second edition, Oxford, Oxford University Press, 2000, p.1327).

 

[23] A expressão “aplicação progressiva” tem sido frequentemente mal interpretada. Em seu “General Comment n.03” (1990), a respeito da natureza das obrigações estatais concernentes ao artigo 2o, parágrafo 1o, o Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais afirmou que, se a expressão “realização progressiva” constitui um reconhecimento do fato de que a plena realização dos direitos sociais, econômicos e culturais não pode ser alcançada em um curto período de tempo, esta expressão deve ser interpretada à luz de seu objetivo central, que é estabelecer claras obrigações aos Estados-partes, no sentido de adotarem medidas, tão rapidamente quanto possível, para a realização destes direitos. (General Comment n.3, UN doc. E/1991/23).

 

[24] David Bilchitz, Poverty and Fundamental Rights: The Justification and Enforcement of Socio-Economic Rights, Oxford/NY, Oxford University Press, 2007, p.185.

 

[25] José Joaquim Gomes Canotilho,  Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Livraria Almedina, Coimbra, 1998.

[26] David Bilchitz, Poverty and Fundamental Rights: The Justification and Enforcement of Socio-Economic Rights, Oxford/NY, Oxford University Press, 2007, p.183-184.

 

[27] Asborn Eide, Economic, Social and Cultural Rights as Human Rights, In: Eide, A, C. Krause and A. Rosas (eds), Economic, Social and Cultural Rights: a textbook. 2nd revised edition, Dordrecht: Martinus Nijhoff Publishers, 2001, p.27

[28] Quanto ao direito à educação, dispõe o artigo 212 da Constituição: “A União aplicará, anualmente, nunca menos de 18, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios 25%, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e no desenvolvimento do ensino”. Quanto ao direito à saúde, os recursos orçamentários serão dispostos em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 198 da Constituição.

 

[29] José Joaquim Gomes Canotilho,  Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Livraria Almedina, Coimbra, 1998.

 

[30] A respeito da necessária aplicação progressiva dos direitos sociais e econômicos e da consequente cláusula da proibição do retrocesso social, ver artigo 2o , parágrafo 1o do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, bem como o General Comment n.03 do Comitê sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (General Comment n.3, UN doc. E/1991/23).

 

 

[31] Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, Ed. Malheiros, São Paulo, 2000.

[32] Dentre eles, destacam-se: a) a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, em 20 de julho de 1989; b) a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; c) a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 24 de setembro de 1990; d) o Pacto Internacional dos Direitos Ci­vis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992; e) o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em 24 de janeiro de 1992; f) a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992; g) a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradi­car a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995; h) o Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte, em 13 de agosto de 1996; i) o Protocolo à Convenção Americana em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), em 21 de agosto de 1996; j) o Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, em 20 de junho de 2002; k) o Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, em 28 de junho de 2002; e l) os dois Protocolos Facultativos à Convenção sobre os Direitos da Criança, referentes ao envolvimento de crianças em conflitos armados e à venda de crianças e prostituição e pornografia infantis, em 24 de janeiro de 2004.  A estes avanços, soma-se o reconhecimento da jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em dezembro de 1998.

 

[33] Ver Auditoria Cidadã da Dívida, boletim n.19, www.divida-auditoriacidada.org.br

 

[34] Fonte: SIAFI – Orçamento Geral da União – Sistema Access da Câmara dos Deputados. Não inclui o “refinanciamento” da dívida, ou seja, o pagamento de amortizações realizado por meio da emissão de novos títulos.

 

[35] Ver E/CN.4/2005/WG.18/2, para 48.

[36] Em seu General Comment n.02, o Committee on Economic, Social and Cultural Rights observa: “international measures to deal with the debt crisis should take full account of the need to protect economic, social and cultural rights through, inter alia, international cooperation. In many situations, this might point to the need for major debt relief initiatives”.

 

[37] Ver E/CN.4/2005/WG.18/TF/3, para 63.

[38] Ver E/CN.4/2005/WG.18/TF/3, para 62.

[39]             Carta disponível na página http://www.abrasco.org.br/publicacoes/arquivos/20060712142141.pdf . A Carta foi assinada pelas seguintes entidades: Centro Brasileiro de Estudos de Saúde – Cebes; Associação Brasileira de Economia da Saúde –Abres; Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva – Abrasco; Conasems – Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde; Associação Brasileira de Organização Não Governamental – Abong.

[40]             Texto de Eduardo de Freitas, da equipe Brasil Escola, disponível na página http://www.educador.brasilescola.com/trabalho-docente/a-qualidade-educacao-brasileira.htm .

[41]             Ver notícia em http://educacao.uol.com.br/ultnot/2008/09/04/ult105u6921.jhtm

[42]             Mensagem de Veto à Lei 10.172/2001, disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/Mensagem_Veto/2001/Mv0009-01.htm

[43]             Os dados acerca dos solos foram extraídos do Anuário Estatístico do IBGE (1997), e aqueles de área de lavouras constam no Censo Agropecuário (1996). Evidentemente, dentro desta área viável para a agricultura (371 milhões de hectares) incluem-se as áreas destinadas para preservação ambiental. Porém, mesmo que consideremos apenas 50% destes 371 milhões como áreas aproveitáveis para lavouras (o que totalizaria 185,5 milhões de hectares), ainda sobrariam 144,5 milhões não aproveitados. Esta área não aproveitada, provavelmente, estaria ocupada com pastagens (que ocupam 177,6 milhões de ha, segundo o Censo Agropecuário do IBGE, 1996).

[44]             Pesquisa disponível em Clique aqui para ter acesso à pesquisa