A crise de representação e a importância da Auditoria Cidadã da Dívida – Enio Pontes

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*Enio Pontes

É com muita apreensão que venho acompanhando os recentes fatos da política brasileira, que culminaram no cenário de crise que atualmente se apresenta. Não me refiro apenas à crise econômica, derivada em grande medida das fortes turbulências políticas dos últimos dois anos, mas também da falta de uma representação capaz de fazer um contraponto eficiente e legítimo sobre a situação do país.

Numa circunstância de normalidade institucional, esse papel deve caber aos partidos políticos, que seriam, em tese, as instâncias legítimas para fomentar o debate acerca dos rumos da nossa sociedade. Ocorre que, foram exatamente os partidos políticos, por meio dos seus representantes, que deterioraram a relação de confiança que tinham com o povo, permitindo assim a instalação da “antipolítica”. Parece um contrassenso, mas não é.

O discurso e à prática da maioria dos partidos políticos brasileiros convergem para uma forma de fazer política que “privilegia” a chamada governabilidade. Evidentemente esse posicionamento agrada ao governante de plantão, mas no fundo, apenas sedimenta a velha política do “toma lá dá cá”. É isso que estamos acompanhando, um modelo político que não representa a sociedade e que consolida uma espécie de república dos políticos, sem o povo.

Daí, a falta de vozes divergentes, salvo raras exceções, nos partidos políticos, capazes de apresentar saídas para o grave momento do país. A luz ao final do túnel, a meu juízo, tem sido as manifestações derivadas da sociedade civil organizada, como a Auditoria Cidadã da Dívida, que tem buscado mostrar concretamente os enormes prejuízos que poderão advir se houver a concretização do conjunto de reformas que estão por ser votadas no Congresso Nacional.

A Auditoria Cidadã da Dívida propõe uma reflexão profunda e necessária sobre os gastos públicos e principalmente com o modelo de financiamento estatal. A premissa básica é de que o Estado está alimentando um verdadeiro monstro que o engolirá mais cedo ou mais tarde. A metáfora mostra como o mercado financeiro é beneficiado pelo governo o seu maior devedor. Propõem de forma muito correta os seus integrantes, uma auditoria da Dívida Pública, como inclusive determina a Constituição Federal de 1988.

Além disso, a Auditoria Cidadã da Dívida também tem se debruçado em analisar e discutir de forma transversal temas fundamentais como a Reforma da Previdência. Nesse tocante, as críticas à fórmula apresentada pelo governo federal são muitas. A começar pela polêmica do “déficit”. O governo argumenta que o déficit refere-se ao regime Geral da Previdência Social (RGPS), que engloba tanto o setor urbano quanto o rural. Segundo o governo, esse déficit teria chegado ao número de R$ 103,4 bilhões.

O governo também afirma que o déficit foi calculado sem levar em conta a incidência da DRU (Desvinculação das Receitas da União). Sustentam os técnicos do governo que se DRU fosse computada o número seria ainda maior. Todavia, como havíamos indicado, juntamente com os demais integrantes da Auditoria Cidadã da Dívida, o governo deixou de inserir a DRU no cálculo do “déficit” da Previdência justamente porque não levou em conta o conjunto de receitas que sustentam a Seguridade Social.

Enfim, o chamado “déficit da previdência” não se sustenta a não ser pelo argumento meramente político. Do ponto de vista técnico é fácil mostrar que a conta do governo está errada. Ao contrário, a Seguridade Social, sistema ao qual faz parte a Previdência Social, tem sido superavitária nos últimos anos em alguns bilhões de Reais.
Creio que no vácuo da crise institucional e de representação que nos abateu é preciso valorizar e levar em conta as análises e posicionamentos de importantes atores sociais como a Auditoria Cidadã da Dívida Pública. Essa entidade tem desempenhado um relevante papel de contraponto ao discurso oficial, sendo a voz lúcida na defesa dos direitos adquiridos e ainda como plataforma de propostas concretas para melhorar o Brasil.

* Enio Pontes de Deus é professor, secretário Geral ADUFC Sindicato e coordenador Núcleo Auditoria Cidadã da Dívida CE