A dívida pública e a falta de reajuste para os servidores do Poder Judiciário da União – Eugênia Lacerda
Por Eugênia Lacerda, diretora da Fenajufe e da Anata e coordenadora do Núcleo DF da Auditoria Cidadã da Dívida
O Brasil é a sétima economia mundial, mas é o terceiro pior país em distribuição de renda do mundo. As pessoas pagam altos tributos e têm serviços públicos precários. Mas como seria possível oferecer serviços públicos de qualidade se quase a metade do orçamento público é destinado ao pagamento de dívida pública?
Enquanto a dívida pública consumiu mais de 40% do orçamento da União em 2013, a saúde ficou com 4,29%, o transporte com 0,59%, a educação somente com 3,70 % e a segurança pública com 0,40% dos recursos. Como é possível fornecer esses serviços com qualidade ao povo com esse orçamento minúsculo?
De acordo com a última Lei Orçamentária Anual aprovada no Congresso Nacional 42,02% do orçamento federal será utilizado pelo Brasil para o pagamento da dívida pública em 2014.
Apesar de a Constituição Federal (art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias) determinar expressamente, essa dívida nunca foi auditada.
O mais impressionante é que, como essa dívida nunca foi auditada, a população não sabe que dívidas são essas e quem são os credores. Em um país que se fala tanto em transparência, não é permitido acompanhar as transações das dívidas públicas. Os salários dos servidores públicos estão disponíveis na internet para quem quiser ver. Por que isso não ocorre com relação aos credores da dívida pública?
Que dívida é essa? Por que ela só aumenta? Para onde está indo o dinheiro do povo?
Para sabermos que dívida é essa, para onde está indo o dinheiro público, se são dívidas legítimas e legais e quem são os credores, para que haja a fiscalização da utilização do dinheiro público é necessária a realização de uma auditoria dessa dívida.
Vale esclarecer que auditar a dívida deveria ser uma rotina, afinal, estamos falando do maior gasto governamental. Não quer dizer “dar calote”, como alguns tentam descaracterizar e desqualificar, mas sim verificar a legalidade e a legitimidade das dívidas e pagar o que for devido. Quem deseja o calote, defende o calote e não a auditoria.
E, como o dinheiro utilizado para o pagamento da dívida pública é do povo, nada mais justo que essa auditoria contar com a participação do povo a fim de garantir a necessária transparência e controle social por parte de quem paga a conta.
Mas como operacionalizar a luta pela auditoria da dívida em um país tão grande? Como aumentar a organização social e preparar o cidadão para que se concretize a auditoria cidadã da dívida?
A Auditoria Cidadã da Dívida, associação sem fins lucrativos, Coordenada por Maria Lucia Fattorelli, luta pela auditoria cidadã da dívida desde 2001 após decisão do grande plebiscito popular sobre a dívida, no qual mais de 6 milhões de pessoas demandaram pela auditoria dessa dívida. Essa associação aponta uma forma de organizar a luta: por meio da criação de núcleos em todos os Estados.
Alagoas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Minas Gerais, Paraná (Região Oeste), Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo já possuem Núcleos. Acre, Amapá e Maranhão estão na fase de mobilização para o lançamento dos núcleos. É importantíssimo que esses núcleos sejam fortalecidos e que sejam criados mais grupos em outros Estados para disseminar o conhecimento sobre a auditoria da dívida.
Os núcleos possibilitam que os integrantes realizem estudos das publicações existentes e dos documentos das dívidas dos respectivos estados. O objetivo é disseminar esse conhecimento para a população local, a fim de organizar uma grande mobilização nacional para que a Constituição seja cumprida e a auditoria da dívida realizada.
Mas o que os servidores do Poder Judiciário têm a ver com isso? Além da obrigação de cada servidor público exercer o papel cidadão e se interessar pelos temas de nosso país, o problema da dívida afeta diretamente o salário dos servidores públicos. O argumento do governo para não cumprir o direito constitucional de reposição inflacionária é de que não tem dinheiro para isso, o que não é verdade porque o Brasil é um país rico. O governo do PT não prioriza os trabalhadores públicos, mas sim grandes empresas e bancos. Exemplo disso são as anistias fiscais e a desoneração da folha de pagamentos. Se o Brasil não tem dinheiro e precisa de mais arrecadação, por que abre mão de receber tributos de empresas e bancos enquanto os trabalhadores pagam altos impostos sobre tudo que consomem e a tabela do imposto de renda está com defasagem de mais de 60%?
Os servidores do Poder Judiciário estão há 8 anos sem reajuste digno. Os 15,8 % remanejados dentro do próprio orçamento do Judiciário, parcelados em 3 anos, não repôs nem a inflação do período. Mas como isso seria possível se o Orçamento Federal de 2014 destina ao Poder Judiciário, para que preste o serviço com eficiência, apenas 1,17%, enquanto ao pagamento da dívida pública destina mais de 40%?
A OAB ajuizou junto ao STF Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 59/2004 em 08.12.2004[1]). Já foram quase dez anos e, nesse intervalo, foi realizada uma CPI da Dívida na Câmara dos Deputados, que demonstrou fortes indícios de ilegalidades e ilegitimidades no processo de endividamento brasileiro. O atual relator da ADPF é o Ministro Barroso. O STF é o guardião da Constituição Federal, que tem sido descumprida em relação à realização da auditoria da dívida pública, à reposição das perdas inflacionárias dos servidores públicos e ao atendimento de direitos essenciais a milhões de brasileiros, em nosso rico país.
A mobilização social em torno da luta da Auditoria Cidadã da Dívida objetiva não só a melhoria dos serviços públicos, mas o respeito à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da nossa Constituição Federal.
[1] Inteiro teor da ADPF disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=1536065#2%20-%20Peticao%20inicial