Entendendo melhor a Dívida Pública – Enio Pontes

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Enio Pontes*

O aprofundamento da crise institucional no Brasil trouxe consigo, pelo menos, um reflexo imediato: o agravamento do cenário econômico. Com ele termos como ajuste fiscal, déficit público, déficit primário e dívida pública passaram a irrigar os noticiários.

Um “rendez-vous” que trouxe de volta às primeiras páginas dos jornais os assuntos econômicos, como era comum nos anos 1980 quando houve crises de repercussão semelhantes à atual. A “quebra do petróleo” em nível mundial e, aqui no Brasil, as diversas tentativas de estabilizar a economia por meio de pacotes econômicos, como os planos Collor, Bresser e Cruzado são alguns exemplos.

Desta vez o conceito do momento é o da dívida pública. Em praticamente todos os debates, entrevistas e comentários acerca da situação do Brasil, a dívida pública aparece como protagonista. Mas é preciso entender o que, de fato, vem a ser a dívida pública. Quem paga, quem cobra e, acima de tudo, quem se beneficia com ela. Partamos então do conceito extraído do portal (www.auditoriacidada.org.br):

“A dívida pública abrange empréstimos contraídos pelo Estado junto a instituições financeiras públicas ou privadas, no mercado financeiro interno ou externo, bem como junto a empresas, organismos nacionais e internacionais, pessoas ou outros governos”.

O papel institucional da dívida pública é, em tese, ampliar a capacidade do Estado em investir no bem estar social, em programas voltados para a educação, saúde, habitação e políticas públicas de inclusão social. Pelo menos é o que preconiza a legislação que regulamenta a matéria. Todavia, uma crítica importante que se faz ao modelo de financiamento do Estado por meio da dívida pública é de que a dívida, ao contrário do que é proposto pelo texto legal, tem sofrido enormes distorções é está servindo basicamente para ampliar os lucros do sistema financeiro.

Mas por que isso acontece? Porque os bancos brasileiros e estrangeiros detêm 62% do chamado “estoque da dívida”, ou seja, essas instituições financeiras são as principais credoras do país, cujo déficit primário é buscado incansavelmente pelo governo para pagar principalmente os juros estratosféricos devidos a essas instituições. Fica clara a distorção, à medida que recursos que deveriam financiar as atividades fins do Estado estão sendo utilizados para aumentar o poder do sistema financeiro nacional.

Outro tema importantíssimo que está intimamente relacionado à dívida pública é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55 ou 241, enviada pelo governo Temer ao Congresso Nacional. A emenda propõe o congelamento dos investimentos sociais por 20 anos, mas também pretende estabilizar a dívida pública.

De acordo com a economista Laura Carvalho, em artigo recentemente publicado na Folha de São Paulo, o argumento do governo de que a PEC 55 servirá para estabilizar a dívida pública não se sustenta. Ela explica que a crise fiscal brasileira é uma crise de arrecadação. As despesas primárias, que estão sujeitas ao teto, cresceram menos no governo Dilma do que nos dois governos Lula e no segundo mandato de FHC.

Ela alerta que o problema é que as receitas também cresceram muito menos – 2,2% no primeiro mandato de Dilma e 6,5% no segundo mandato de FHC, já descontada a inflação. No ano
passado, ainda segundo a economista, as despesas caíram mais de 2% em termos reais, mas a arrecadação caiu 6%.

Por fim, é preciso que a sociedade tenha a maior quantidade possível de informações para entendermos os cenários que nos avizinham. As medidas propostas pela PEC 55 terão repercussões efetivas nas nossas vidas. Do ponto de vista das políticas públicas, o Conselho Nacional de Saúde, em recente estudo, publicou que poderá haver perdas no setor da ordem de R$ 700 bilhões, caso haja paralisação por 20 anos nos investimentos. Na educação, especialistas apontam o enfraquecimento das universidades públicas, com a redução de verbas para ensino, pesquisa e extensão.

*Professor, secretário-geral da ADUFC-Sindicato, coordenador Estadual da Auditoria Cidadã da Dívida
secretariogeral@adufc.org.br nucleoauditoriaceara@gmail.com