CADTM: "A presidente do parlamento grego salvou a honra do Syriza", com Eric Toussaint:

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Entrevista com Eric Toussaint, por Fátima Fafatale
Tradução do inglês para o português por Giulia Pierro – original aqui.

“Agora o governo Tsipras tornou-se cúmplice dos credores, em violação dos direitos humanos”, diz Eric Toussaint, coordenador científico da Comissão da Verdade sobre a Dívida Grega, formada sob os auspícios do parlamento grego em abril de 2015. A própria Comissão da Verdade também enfrenta uma possível retirada de apoio. “Nós vamos continuar trabalhando enquanto [Zoe Konstantopoulou] continuar presidente e, mesmo se ela sair, vamos continuar por nossa conta”, diz ele. O cientista político belga propôs alternativas para a “capitulação”. Diagonal perguntou-lhe quais políticos gregos poderiam realizá-las. “Há uma maioria do Comité Central Syriza que se opõe ao acordo e é a favor da implementação de medidas radicais”, disse ele. Toussaint acredita que “uma saída do euro tornou-se uma perspectiva necessária.”

Qual é a sua avaliação da capitulação assinada por Tsipras?

É uma verdadeira capitulação com efeitos devastadores, porque agora o governo Tsipras tornou-se cúmplice dos credores, em violações de direitos humanos. De fevereiro de 2015 até agora não foi esse o caso, porque as leis aprovadas pelo parlamento grego buscavam restabelecer parcialmente esses direitos. É verdade, mesmo que insuficientemente, mas eram leis destinadas a restabelecer os direitos afetados por cinco anos de políticas ditadas pela Troika.

As consequências da capitulação certamente serão sentidas entre o povo grego a partir do outono. Mas desde já pode-se ver de forma muito clara que as leis apresentadas nas noites de 15, 16, 22 e 23 de julho e aprovadas pelo Parlamento foram propostas pelo governo, porém ditadas pelos credores. Elas afetam seriamente os direitos econômicos, sociais, civis e políticos dos cidadãos gregos, é por isso que eu menciono violações dos direitos humanos. Uma das leis aprovadas nas noites de 22 e 23 de julho permite aos bancos organizar a expulsão de famílias que atrasarem o pagamento de suas hipotecas. Na Espanha, você sabe o que isso significa. Essa lei não é tão nefasta quanto a atual lei espanhola, mas tem os propósitos semelhantes…

Também vale a pena mencionar o aumento do IVA, para uma alíquota de 23%, sobre uma parcela significativa dos produtos alimentícios, e os cortes de aposentadorias, mesmo para aqueles que estão abaixo do limiar da pobreza absoluta. Essas pensões ainda sofrerão novos cortes, além de já terem sido reduzidas em 40% entre 2010 e 2014.

Eu também estou falando sobre violações dos direitos humanos. Deixar de respeitar o voto popular no referendo de 05 de julho é uma violação dos direitos civis e políticos dos cidadãos gregos. Forçar a aprovação de leis sem a possibilidade de emendas, e introduzir um projeto de lei com apenas 24 horas de divulgação é uma violação do poder legislativo e, portanto, dos direitos dos cidadãos gregos.

Por que você acha que eles fizeram isso?

Eles fizeram isso porque não estão dispostos a desobedecer aos credores, quando a única maneira de construir correlação de forças favorável ​​ao povo grego e ao seu governo teria sido suspender o pagamento da dívida e assumir o controle dos bancos, em oposição aos acionistas minoritários privados que continuam a ditar a política. O Estado grego tem ações preferenciais, mas elas não dão direito a voto, por isto o governo Tsipras teria sido legalmente obrigado a mudar o estatuto para suas ações. Isso não foi feito, a fim de evitar o confronto não só com os credores da UE e do FMI, mas também com os banqueiros gregos privados, apesar de serem os responsáveis ​​pela crise bancária e até mesmo pela chegada da Troika, a partir de 2010. Eles também teriam que ter lançado uma moeda eletrônica complementar, e não o fizeram, a fim de evitar confrontos com o Banco Central Europeu.

Que consequências surgirão?

Com respeito às consequências, isso provavelmente vai provocar uma enorme desilusão, um sentimento de decepção que ainda não existe entre o povo grego, que continua a mostrar nas pesquisas seu apoio à gestão do governo Tsipras. As consequências da capitulação certamente serão percebidas a partir do outono, e poderá haver uma rápida mudança na opinião pública. Veremos. Mas está absolutamente claro que haverá uma grande decepção, que dentro de um ano ou mais poderá levar a um aumento do voto popular a favor do Golden Dawn (Aurora Dourada).

E que consequências poderia sofrer a Comissão da Verdade sobre a dívida grega?

É muito importante enfatizar que Zoe Konstantopoulou, a presidente do parlamento grego que criou a Comissão, salvou a honra do Syriza, com os 31 legisladores que votaram contra o acordo, em 15 de julho. Ela decidiu não renunciar. Enquanto ela continua, vamos manter a Comissão sob o estatuto atual. E se houver um golpe para obrigá-la a demitir-se, ou seja, um voto da direita e de uma parte do Syriza, ou então se ela decidir mudar sua posição em relação à renúncia, neste caso a Comissão continuará a atuar por sua própria conta, com a participação dela. Em qualquer caso, ela vai continuar a trabalhar com a Comissão. Em outras palavras, quer ela continue ou não como presidente do parlamento, vamos continuar a funcionar.

De tudo o que foi descoberto pela Comissão da Verdade sobre a dívida grega, o que lhe parece ser mais sério?

A coisa mais séria descoberta pela Comissão da Verdade é clara: toda a dívida reclamada pelos credores da Troika é ilegítima, odiosa, ilegal e insustentável. Não é apenas uma parte dela; é a totalidade da dívida.
Nós estamos em uma situação em que os três partidos à direita que perderam o referendo são aqueles que, juntamente com os credores, estão ditando as leis que o Parlamento deve adotar.

Que cenários são possíveis agora na Grécia?

O governo Tsipras está agora refém da direita, ou seja, tem voto majoritário graças ao voto de To Potami, PASOK, Nova Democracia, e dos independentes, os aliados de Syriza no governo (Anel). No entanto estamos em uma situação em que os três partidos de direita que perderam o referendo são aqueles que, juntamente com os credores, estão ditando as leis que o Parlamento deve adotar. Nas noites de 22 e 23 de julho foi aprovada uma reformulação do Código Civil; redigido durante o governo Samaras e agora aprovado pela nova maioria dos legisladores do Syriza, os Independentes, PASOK, To Potami e Nova Democracia. A situação política está totalmente na contramão da direção decidida pelo voto popular em 5 de julho.

Mas isso é insustentável. Quando serão convocadas eleições?

Eu nunca me preocupei em fazer previsões. O que é certo é que o atual acordo não vai produzir os resultados orçamentários exigidos pelos credores. Eles vão continuar insistindo em mais recessão e leis de austeridade. Quanto tempo Tsipras vai durar, implementando políticas que são contrárias à plataforma Syriza? Quem sabe? Outra incógnita é se os cidadãos e os trabalhadores gregos começarão a fazer protestos maciços. Até agora estes tipos de protestos não foram vistos e certamente não acontecerão também este verão, porque as pessoas estão simplesmente esgotadas. Uma parte ainda mantém a esperança de que Tsipras conseguirá impulsionar a economia. Além disso, a ação é inibida pela expectativa de que de alguma forma Tsipras terá sucesso.

O desgaste dos gregos é um elemento fundamental. As pessoas participaram massivamente das greves e protestos de rua de 2010 e 2013 e ou não estão em condições de repetir aqueles atos, ou não estão convencidas da possibilidade de alcançar a mudança política através de protesto.

Recentemente você escreveu sobre algumas alternativas possíveis em face da capitulação de Tsipras . Que partido grego, tendência ou políticos seriam capazes de realizar as alternativas que você propõe?

Não sabemos quando Syriza vai realizar o seu congresso nacional, mas até agora tem havido uma maioria no Comitê Central do Syriza que se opõe ao acordo e que é favorável à tomada de medidas mais radicais. Mas, enquanto não há nenhuma reunião do Comité Central ou um Congresso Extraordinário, não sabemos o que vai acontecer. Haverá muita pressão dos partidários de Tsipras.

Em sua alternativa à capitulação você também menciona a possibilidade de exclusão da zona do Euro. O povo grego está mudando a sua posição sobre permanecer na zona do Euro?

A maioria dos gregos quer permanecer com o Euro, mas não tenho certeza até que ponto essas pesquisas são realmente confiáveis, porque antes do referendo elas mostravam uma linha praticamente no meio entre o sim e o não. Pessoalmente, eu imagino que uma ligeira maioria ainda é a favor do Euro.
Deixar o Euro é uma opção. A discussão sobre esta opção no caso da Grécia precisa ser ampliada. Eu penso que uma saída do euro tornou-se uma perspectiva necessária. Eu falei sobre medidas radicais de desobediência aos credores em termos de socializar o banco, controlar a movimentação de capitais e criar uma moeda complementar. Tudo isso é viável sem sair do Euro, mas também poderia levar mais tarde a uma saída do Euro. Agora, então, para aqueles que dizem que a única opção é aceitar as condições dos credores ou deixar o Euro, parece-me um falso dilema quando você olha para a situação em que a Grécia se encontrava entre Janeiro e Junho de 2015.

O que você acha sobre a posição do Podemos no que diz respeito à Grécia e à dívida?

Espero que o Podemos se distancie da capitulação do Syriza e aprenda a lição de que quando se quer formar um governo capaz de mudar a situação em favor das pessoas na Espanha e na Europa, a alternativa deve ser um programa radical. O perigo é que Podemos poderia tornar-se apenas mais uma organização dentro do sistema político que está denunciando, e integrar-se dentro daquele sistema. Espero que não. Veja on-line: http://tlaxcala-int.org/article.asp?reference=15478

Eric Toussaint é professor na Universidade de Liège, porta-voz do Comitê Internacional para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), e membro do Conselho Científico da ATTAC França. Ele foi membro da Comissão de Auditoria Integral do Crédito Público do Equador e atualmente é o coordenador científico da Comissão da Verdade sobre a Dívida grega.