Escândalos Exigem Atenção da Sociedade Brasileira – Maria Lucia Fattorelli e Carmen Bressane

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ESCÂNDALOS EXIGEM ATENÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA

Carmen Bressanei
Maria Lucia Fattorelli

25/07/2016

 

O conjunto de medidas econômicas que está sendo proposto para implementação no País é um verdadeiro escândalo.

Trata-se de um pacote que representa, ao mesmo tempo, um enorme ataque aos direitos de servidores públicos e o comprometimento da prestação de serviços essenciais à sociedade. Adicionalmente, as contrarreformas da Previdência e a Trabalhista representam retrocesso brutal aos direitos dos trabalhadores voltando, em muitos aspectos, a uma condição anterior à existência da CLT. Para completar, há proposta de aumento de tributos para os trabalhadores e diversos bens públicos estratégicos estão sendo privatizados, e nossas valiosas matérias primas (nióbio, petróleo, urânio, etc.) sendo exploradas de forma inescrupulosa e entregues pelo preço ditado em Londres e Chicago.

Mas qual é a razão desse desmonte da estrutura do Estado, penalizando os trabalhadores tanto do setor público como privado, além da entrega de patrimônio público por meio de privatizações e desrespeito à nossa soberania?

A justificativa que vem sendo apresentada para tudo isso é a necessidade de garantir a sustentabilidade da dívida pública e contornar a chamada crise fiscal, apresentada por meio de estrondoso déficit que teria alcançado R$111,2 bilhões em 2015 e projetado para R$170,5 bilhões em 2016.

O escândalo que denunciamos começa a ser revelado quando colocamos, lado a lado, todas as receitas realizadas em 2015 e as despesas pagas, segundo dados oficiais, e, em vez de déficit, verificamos que sobraram R$480 bilhões no caixa do Tesouro Nacional ano passado, conforme gráfico a seguir:

Assim, que déficit é esse de R$111,2 bilhões em 2015? O mencionado déficit considera somente parte das receitas e parte das despesas. Deixa de lado todas as receitas que são destinadas de forma privilegiada à dívida pública, assim como todos os gastos com essa dívida correspondentes principalmente ao pagamento dos juros, que são os mais elevados do mundo.

A lista de escândalos prossegue quando verificamos que a dívida pública nunca foi auditada, como determina a Constituição Federal. Sequer se sabe exatamente que dívida é essa que consome quase a metade do orçamento federal anualmente, pois não há a devida transparência, e também não sabemos para quem estamos pagando juros, pois o nome dos credores é considerada informação sigilosa! A Auditoria Cidadã da Dívida tem denunciado as descobertas da CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados em 2009/2010, que revelou a existência de graves indícios de ilegalidade, ilegitimidade e até fraudes. Mas tudo isso é deixado de lado, enquanto pagamos juros sobre juros sobre uma dívida que se multiplica devido a uma série de mecanismos meramente financeiros e sem contrapartida alguma ao país ou à sociedade.

Pois bem, essa dívida nunca auditada é que está justificando o escandaloso pacote de medidas, cabendo destacar:

O PLP 257/2016, anunciado como “Plano de Auxílio aos Estados e ao Distrito Federal e medidas de estímulo ao reequilíbrio fiscal” significa, na realidade, ampla reforma administrativa que inclui o corte de direitos dos trabalhadores e aposentados do setor público de todas as esferas; afeta os aposentados do regime geral ao prever a limitação do reajuste do salário mínimo, e restringe fortemente o tamanho do serviço público. Ao mesmo tempo, coloca a União como seguradora internacional de investimentos e, ainda por cima, garante a remuneração da sobra de caixa dos bancos.

Em resumo, o PLP 257/2016 prevê:

  1. Alongamento oneroso para o pagamento da dívida dos estados com a União;
  2. Intenso ataque aos direitos dos servidores e intervenção mediante monitoramento e avaliação dos estados;
  3. União poderá receber bens, direitos e participações acionárias em sociedades empresárias, controladas por estados e DF, como contrapartida à amortização, para privatizá-las em seguida;
  4. Limita o gasto público primário a percentual do PIB redefinido no Plano Plurianual (PPA);
  5. Possibilita Regime Especial de Contingenciamento;
  6. Considera Aposentadorias e Pensões como “Despesas de Pessoal”;
  7. Torna mais rígidos os controles das despesas com pessoal;
  8. Estabelece mecanismos automáticos de ajuste da despesa para fins de cumprimento do limite concebido, em 3 estágios sequenciais;
  9. Permite a contratação de dívida para reduzir pessoal;
  10. Transforma a união em seguradora internacional para investidores privados nacionais e estrangeiros;
  11. Desrespeito às vinculações de recursos;
  12. Ilegalidade na previsão de atualização monetária para a dívida pública;
  13. garantia de remuneração da sobra de caixa de

A PEC 241/2016 vai mais longe e coloca, no texto constitucional, o congelamento de gastos primários por 20 anos, ao mesmo tempo em que garante a liberdade para gastos com a dívida pública e despesas com aumento de capital de empresas não dependentes. Tais empresas operam de forma ilegal! Mais um escândalo

que irá fazer parte da Constituição. O recente PLS 204, apresentado pelo então Senador José Serra em 10/maio/2016, visa “legalizar” as operações que usam créditos tributários em garantia de emissão de debentures por empresas não dependentes, gerando, na prática, dívida pública de forma totalmente ilegal e ilegítima.

Em resumo, a PEC 241/2016 prevê:

  • Congelamento, por 20 anos, da “despesa primária total” do governo federal – Poder Executivo, Judiciário, Legislativo, TCU, MPU, DPU – limitando-a ao valor gasto no ano anterior, corrigido pela variação da inflação (IPCA/IBGE);
  • Ficam for do limite:
    • transferências constitucionais da União a Estados e Municípios;
    • créditos extraordinários, despesas com eleições;
    • despesas com aumento de capital de empresas estatais não- dependentes.
  • Caso descumprido o limite, cada poder/órgão deverá congelar o gasto com servidores, impedindo, por exemplo, reajustes, planos de carreira, e impedindo também novos concursos públicos;
  • Revogação dos atuais pisos de recursos para a saúde e educação (inclusive para estados e municípios), que atualmente são relacionados à arrecadação tributária, e passam a ser reajustados apenas pela inflação.

As PEC 143/2015 e PEC 31/2016, que atualmente tramitam no Senado Federal, visam renovar a Desvinculação de Receitas da União (DRU), vigente desde 2000iii, e ampliar o seu percentual para 30%, bem como criar a mesma modalidade de desvinculação para receitas de estados (DRE) e municípios (DRM). Tal medida tem sido considerada a “morte do SUS”.

A contrarreforma da Previdência, sob a justificativa de falacioso déficit, não se justifica. A Previdência está inserida na Seguridade Social, juntamente com a Saúde e a Assistência Social, e tem sido altamente superavitária. Nos últimos anos, a sobra de recursos na Seguridade Social foi de R$ 55,1 bilhões em 2010, R$ 76,1 bilhões em 2011, R$ 83,3 bilhões em 2012, R$ 78,2 bilhões em 2013, R$ 53,9 bilhões em 2014 e R$ 24,2 bilhões em 2015, conforme dados oficiais segregados pela ANFIPiv.

Todas essas medidas decorrem da prioridade nacional na alocação de recursos para o pagamento de juros da dívida pública, que tem sido a principal justificativa para os cortes de direitos sociais e a desvinculação de receitas que a Constituição Federal designara especificamente para áreas sociais, especialmente a Seguridade Social, que engloba as áreas da Saúde, Previdência e Assistência Social.

Os Estados federados são afetados por todas essas medidas e a situação de suas respectivas dívidas públicas é igualmente grave, pois, tal como no caso da dívida federal, nunca foram objeto de uma auditoria.

O livro “Auditoria Cidadã da Dívida dos Estados” compila parte da experiência adquirida durante nossa assessoria à CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados, ocasião em que foram apurados diversos indícios de ilegalidade e ilegitimidade na renegociação feita pela União, que englobou os passivos dos bancos estaduais ao montante das dívidas dos estados. Um verdadeiro escândalo nunca devidamente apurado, pois não há a devida transparência acerca da natureza desses passivos que foram transformados em dívida pública.

A análise da evolução da dívida dos estados revela um abuso na cobrança de extorsivos juros, além de impressionante desrespeito ao Federalismo sob vários aspectos, comprovando-se a necessidade de revisão dos termos da referida renegociação e realização de auditoria dessas dívidas.

Ao mesmo tempo em que toda restrição tem sido colocada sob os direitos sociais e trabalhistas, todo privilégio para os pagamentos da dívida são mantidos. O que está provocando rombo nas contas públicas é o custo dos mecanismos que geram “dívida” sem contrapartida alguma:

  • Elevadíssimas taxas de juros: praticadas sem justificativa técnica, jurídica, econômica ou política, configurando-se uma transferência de renda e receita ao setor financeiro privado;
  • A ilegal prática do anatocismo, isto é, a incidência contínua de juros sobre juros, que promove a multiplicação da dívida por ela mesma;
  • A irregular contabilização de juros como se fosse amortização da dívida, burlando-se o artigo 167, III, da Constituição Federal;
  • As escandalosas operações de swap cambial realizadas pelo Banco Central (BC), que correspondem à garantia do risco de variação do dólar paga pelo BC principalmente aos bancos e a grandes empresas nacionais e estrangeiras, provocando prejuízo de centenas de bilhões em 2014/2015;
  • Remuneração da sobra do caixa dos bancos por meio das “operações compromissadas” realizadas pelo BC com os bancosvi, que já supera o montante de R$ 1 trilhão e sem a devida transparência. Estima-se gasto de pelo menos R$200 bilhões com essas operações em

O ajuste fiscal e os cortes devem ser feitos nos juros abusivos e mecanismos financeiros que têm gerado dívida pública sem contrapartida alguma, transferindo bilhões de reais ao setor financeiro enquanto toda a Nação é sacrificada.

A transferência de recursos para o setor financeiro se comprova diante do escandaloso lucro dos bancos no Brasil. Em 2015, apesar da desindustrialização, da queda no comércio, do desemprego e da retração do PIB em quase 4% o LUCRO DOS BANCOS foi 20% superior ao de 2014, e teria sido 300% maior não fossem as exageradas provisões que atingiram R$ 183,7 bilhões, e reduzem seus lucros tributáveis:


Fonte: http://www4.bcb.gov.br/top50/port/top50.asp

Os juros praticados no Brasil são escandalosos. O mais grave é que não existe justificativa técnica, política, jurídica ou econômica para o elevadíssimo patamar dos juros praticados no Brasil.

A alegação reiteradamente apresentada por sucessivos governos tem sido a de que os juros são altos por causa da inflação, e que enquanto a inflação não baixar, os juros não poderão cair. Trata-se de mentira escandalosa, tendo em vista que a inflação brasileira decorre de fatores que não são afetados pela taxa de juros. Nossa inflação decorre da elevação desordenada dos preços administrados (energia, telefonia, combustível, transporte, tarifas bancarias etc.) e dos preços de alimentos (devido a uma política agrícola totalmente equivocada). Juros altos não afetam esses fatores que provocam a inflação no Brasil, portanto, manter os juros altos não controla a inflação, mas amarra o investimento no país e promove uma imensa sangria de recursos para o pagamento do juros da camada dívida pública.

Os juros são elevados porque são definidos pelo próprio setor financeiro, convidado a opinar em relação às variáveis econômicas, em reuniões que antecedem a reunião do COPOM que definirá a taxa básica de juros, em flagrante conflito de interesses, pois é o próprio setor financeiro que mais se beneficia com os juros altos. Um verdadeiro escândalo!

Por fim, ao contrário das propostas de criação de tributos (CPMF e aumento da contribuição previdenciária) que irão onerar ainda mais os mais pobres, a arrecadação tributária poderia aumentar expressivamente sem onerar a classe trabalhadora, mediante o combate à sonegação e a correção de distorções e abusos que configuram escandalosas benesses tributárias. Estudos indicam que a ausência de regulamentação do Imposto sobre grandes fortunas; a esdrúxula “dedução de juros sobre capital próprio” que só beneficia grandes empresas e bancos; a isenção de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos e a isenção de ICMS sobre produtos primários e semielaborados destinados à exportação (Lei Kandir) – representam uma perda de arrecadação estimada em R$121,3 bilhões por ano!

Mas o maior escândalo é o fato de o nosso Brasil, um dos países mais ricos do mundo, ocupar a 79ª posição no ranking dos direitos humanos, segundo o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano – medido pela ONU; o penúltimo no ranking da Educação; o penúltimo no ranking do crescimento econômico em 2016, e o mais injusto do mundo, onde o fosso social entre ricos e pobres é o mais cruel entre todos os países, com a maioria da população sobrevivendo na pobreza ou miséria, sem acesso aos direitos fundamentais previstos no art. 6o da Constituição Federal.

Vivemos uma escandalosa indigência, no entanto, nossa realidade é de extrema abundância. O Brasil detém, por exemplo:

  • A maior reserva de nióbio do mundo. O Canadá possui apenas 2% das reservas mundiais de nióbio e, com esse recurso, garante saúde e educação pública, gratuita e de excelente qualidade para a sua população. O Brasil possui 98% das A exploração é feita principalmente em Minas Gerais de maneira totalmente opaca, por empresa particular, embora a Constituição Federal estabeleça que os minerais são bens da União;
  • A terceira maior reserva de petróleo do mundo, segundo dados divulgados pelo Sindipetro/RJ;
  • A maior reserva de água potável do mundo;
  • A maior área agriculturável do mundo e clima favorável, permitindo a produção de alimentos durante os 12 meses do ano;
  • Riquezas minerais diversas e Terras Raras que só existem em nosso País;
  • Riquezas biológicas: fauna e flora de incontáveis espécies;
  • Extensão territorial continental, com a população integrada, pois falamos o mesmo idioma;
  • Potencial energético, industrial e comercial;
  • Imensa riqueza humana e

Portanto, nossa realidade é de abundância, que nada tem a ver com o escandaloso cenário de escassez que nos está sendo imposto.

É urgente corrigir essa verdadeira “esquizofrenia” e estancar os imensos danos patrimoniais, sociais e morais que ela tem provocado ao nosso País e ao nosso povo.

Para isso, é imprescindível enfrentar o Sistema da Dívida, um dos principais responsáveis pela sustentação do cenário de escassez.

Conclusão

O momento atual exige grande atenção de toda a Nação brasileira, pois o pacote de medidas que está para ser aprovado no Congresso Nacional afetará profundamente a nossa vida e o nosso País, sendo que as justificativas apresentadas estão totalmente desviadas da nossa realidade de abundância em todos os sentidos. A Nação está sendo submetida a um conjunto de inaceitáveis escândalos.

É urgente exigir completa auditoria das dívidas públicas federal e estaduais, antes que estas sirvam de justificativa para tão significativo corte de direitos e desmonte do Estado.

É urgente sair do cenário de escassez e garantir vida digna para todas as pessoas.

 

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i Coordenadora do Núcleo São Paulo da Auditoria Cidadã da Dívida
ii Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida
iii A DRU foi criada no ano 2000, em substituição ao chamado “Fundo Social de Emergência” criado desde 1994 sob a justificativa de estabilização econômica.
iv ANFIP- Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Previdência Social www.anfip.org.br
v FATTORELLI, Maria Lucia Auditoria Cidadã da Dívida dos Estados (2013) Inove Gráfica e Editora, Brasília.
vi http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/artigos/o-banco-central-esta-suicidando-o-brasil-
vii Estimativa de perda de arrecadação tributária anual devido a privilégios fiscais:

  • Imposto sobre grandes fortunas

Se a riqueza acumulada acima de R$ 50 milhões passasse a ser tributada com uma alíquota de 5% (incidente apenas sobre a parcela de riqueza que excede estes R$ 50 milhões) se poderia arrecadar R$ 90 bilhões ao ano.

  • “Dedução de juros sobre capital próprio” e “Isenção de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos”

Benesses criadas pela Lei 9.249/1995. As duas produzem perda anual de R$ 11,3 bilhões, segundo Sindifisco Nacional.

  • Isenção de ICMS sobre produtos primários e semielaborados destinados à exportação (Lei Kandir) – Isenção concedida pela Lei Complementar 87/1996, representa perda anual de cerca de R$ 20 bilhões, segundo o CONFAZ

viii Índice Global de Habilidades Cognitivas e Realizações Educacionais
ix http://www.cbmm.com.br/br/p/82/vendas-e-logistica.aspx
x Art. 20 da Constituição Federal