Esquema Ilegal de Geração de Dívidas Públicas para Estados e Municípios – Maria Lucia Fattorelli

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Maria Lucia Fattorelli

Dá para acreditar que o Senado Federal possa ter aprovado “a jato” uma Resolução que contraria a Constituição Federal?

Pasmem! Em apenas 3 semanas, o projeto de resolução no 50/2015, datado 20/10/2015, assinado pelos senadores José Serra e Romário, percorreu todos os trâmites, e no mesmo dia,  em 10/11/2015, foi aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos e pelo Plenário do Senado. Assim surgiu a Resolução no 17/2015, que consta como tendo sido aprovada em 11/11/2015 nos registros disponíveis para consulta de normas do Senado[i], porém, em 10/11/2015 o Jornal do Senado já revelava a sua aprovação:

Senado aprova fim de barreiras à cessão de dívida ativa de estados e municípios

O Plenário do Senado aprovou nesta terça-feira (10) o Projeto de Resolução do Senado (PRS)50/2015, que elimina barreiras às operações de cessão de créditos da dívida ativa de estados e municípios. De autoria dos senadores José Serra (PSDB-SP) e Romário (PSB-RJ), a proposta havia sido aprovada mais cedo na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e foi levada ao Plenário em regime de urgência.

A essência dessa Resolução no 17/2015 aprovada “a jato” é possibilitar que terceiros – firmas, empresas ou bancos por exemplo – passem a exercer atividade exclusiva de Estado, ou seja, cobrar créditos de estados e municípios decorrentes de tributos e multas inscritos em dívida ativa. Cabe esclarecer que a dívida ativa surge sempre que a autoridade estatal encarregada de cobrar tributos, tarifas e multas devidos e não recolhidos pelos contribuintes toma a iniciativa de inscrever tais débitos na repartição administrativa competente.

Esse tema já foi objeto de diversos pareceres da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional – PGFN[ii], e do Tribunal de Contas da União – TCU[iii], que se manifestaram frontalmente contra tal tipo de cessão de créditos relacionados à dívida ativa, por ser manifestamente inconstitucional.

O recente Parecer PGFN/CDA no 1505/2015[iv] não deixa margem de dúvida quanto à inconstitucionalidade da matéria, tanto para o âmbito federal como para estados e municípios:

Nada obstante, dada a robustez das razões utilizadas no Parecer PGFN/CDA de no 683/2005 – em sentido contrário, portanto, a cessão de créditos inscritos em dívida ativa da União para entidade privada dada a sua manifesta inconstitucionalidade -, permitimo-nos trazê-los à colação:

(…)

5. (…) esqueceram-se os proponentes que o crédito tributário seja da União, seja dos Estados, seja dos Municípios, estando ele inscrito em dívida ativa ou não, pois esta inscrição não lhe retira a natureza tributária, é inalienável e indisponível porque assim o quis o Poder Constituinte Originário na Constituição Federal de 1988. Tal posição está respaldada em diversos dispositivos da Carta Constitucional e, mormente, nas diversas seções do seu Capítulo I do Título VI. E mais, aquele mesmo poder jurígeno, dando amparo constitucional ao conceito legal e cientifico de tributo que envolve a sua cobrança mediante atividade administrativa plenamente vinculada, previu a criação de órgãos específicos no âmbito da União, dos Estados e, por simetria, dos Municípios para a realização dessa atividade nas searas administrativa e judicial.

(…)

25. Ora, não é preciso ter uma visão profundamente aguçada para concluir que quaisquer vinculações de receitas de tributos em geral a órgão, fundo ou despesa somente poderão ser criadas mediante emenda constitucional e qualquer desvinculação das respectivas destinações constitucionais também dependerá de norma de mesma hierarquia.

(…)

14. De clareza solar as razões externadas por esta Coordenação-Geral no Parecer PGFN/CDA de nO 683/2005. Seja com fulcro em normas constitucionais explícitas, seja com base naquelas de cunho implícito, a cessão de créditos inscritos em dívida ativa da União para entidades privadas, tal como proposto pelos projetos de lei sub examine, revelam-se eivadas de patente inconstitucionalidade.

(…)

15. Como posto, em argumentação inicial, o Parecer PGFN/CDA de nO 683/2005 sustenta que qualquer tentativa de alienar créditos inscritos em dívida ativa da União para entidades privadas esbarra frontalmente no superprincípio da indisponibilidade do interesse público. (grifos nossos)

É inconcebível que, enquanto se encontram em tramitação no Congresso Nacional projetos de lei sobre a mesma matéria[v] e já com parecer contrário da PGFN acima mencionado, o Senado Federal tenha aprovado a Resolução no 17/2015, como um contrabando, passando por cima da Constituição Federal, do Código Tributário Nacional, da Lei de Responsabilidade Fiscal e de pareceres da PGFN e do TCU.

Na medida em que autoriza cessão de créditos de dívida ativa a terceiros, a Resolução no 17/2015 passa a acobertar esquema sofisticado de emissão de papéis financeiros com garantia de estados e municípios, em flagrante desacordo com a Constituição Federal.

Na prática, tais papéis, que contam com a garantia do poder público e são remunerados, possuem a mesma natureza de títulos da dívida pública. Assim, como num passe de mágica, o crédito referente à dívida ativa se transforma em obrigação refletida em dívida pública, com grandes ganhos para firmas e bancos que fazem a intermediação de tais papéis.

Esse esquema inconstitucional que provoca a geração ilegal de dívida pública para estados e municípios já vem sendo implementado em alguns entes federados.

Em Belo Horizonte, por exemplo, foi criada a PBH Ativos S/A, que conta com a intermediação financeira do banco BTG Pactual[vi] para a comercialização dos papéis que emite com a garantia do Município de Belo Horizonte, com elevada remuneração. Esquema semelhante foi implantado no Estado de Minas Gerais com a MGi – Minas Gerais Participações S/A, que tem contado com a intermediação do Citibank.

No Estado de São Paulo foi criada a Cia. Paulista de Securitização (CPSEC), cujas operações têm sido coordenadas pelo Banco Fator. O Município de São Paulo tem contado com a intermediação do JPMorgan Chase & Co. e esquemas semelhantes estão sendo criados em vários estados e municípios no País.

Esse esquema inconstitucional é altamente rentável para os intermediadores. Cursos de consultoria para canalizar clientes para tal esquema têm sido oferecidos abertamente, o que pode transformar essa ilegalidade em uma praga incontrolável no País, conforme fotos retiradas de sites da internet:

ABBA

 

 

Emissão de Debêntures para Estados e Municípios

 

debentures

A ABBA Consultoria e Treinamento está preparando para os meses de setembro e novembro cursos voltados para os Estados e Municípios que desejam conhecer detalhes dessa operação, seus aspectos jurídicos e operacionais, desde a elaboração do edital até a colocação das debêntures a mercado.

O curso será ministrado pelo Professor Edson Ronaldo Nascimento, ex Presidente da PBH Ativos S.A e por profissionais da área do Direito que participaram dessas operações na cidade de Belo Horizonte.

E você, vai ficar de fora ?? 

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O município de São Paulo escolheu o JPMorgan para coordenar a venda de R$ 550 milhões em papéis de cinco anos denominados em reais

Francisco Marcelino e Cristiane Lucchesi, da Bloomberg

 

São Paulo – Os bancos JPMorgan Chase & Co. e o Citigroup Inc. estão ressuscitando o mercado de títulos de dívidas municipais no Brasil, encontrando brechas nas restrições em vigor há 15 anos, à medida que a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 se aproximam.

(…)

A emissão de debêntures como forma de financiamento por meio de antecipação de recebíveis da dívida ativa já é uma realidade no Brasil. Além dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, outros estados da federação também estão preparando suas emissões. A Prefeitura de Belo Horizonte foi a primeira capital do país a emitir debentures a mercado em um montante de R$ 230 milhões. (grifos nossos)

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É urgente que o TCU e a PGFN se manifestem sobre a inconstitucionalidade da Resolução no 17/2015, orientando as respectivas Procuradorias nos Estados e Municípios a fim de evitar a concretização de uma medida em desacordo com a Constituição, conforme cartas enviadas pela Auditoria Cidadã da Dívida a tais órgãos.

Adicionalmente, se espera que o Senado Federal atue no sentido de reparar o estrago, pois é inaceitável a aprovação “a jato” da Resolução no 17/2015, ato flagrantemente inconstitucional, acobertando esquemas ilegais de venda de patrimônio publico inalienável, que vêm ocorrendo em diversos entes federados.

Finalmente, a sociedade deve se mobilizar, pois esse esquema inconstitucional tem efeitos sobre as finanças públicas atuais e futuras, comprometendo ainda mais a aplicação de recursos no atendimento dos direitos sociais, ao mesmo temo em que geram dívida pública e enormes ganhos para firmas, empresas e bancos intermediadores desse esquema.

 

[i] http://legis.senado.leg.br/legislacao/ListaNormas.action?tipo_norma=RSF&numero=000017&data=2015&SUBMIT1=Pesquisar

[ii] Parecer PGFN/CDA no. 1505/2015, disponível em http://dados.pgfn.fazenda.gov.br/storage/f/2015-11-03T142645/parecer1505.pdf , que menciona diversos pareceres sobre a mesma matéria: Parecer PGFN/CDA de nO 120/2000; Parecer PGFN/CDA de nO1052/2001; Parecer PGFN/CDA de nO 15/2004; Parecer PGFN/CDA de nO683/2005

[iii] TC 016.585/2009-0, Decisão de 11/12/2014, sendo o Relator Ministro Raimundo Carreiro

[iv] Parecer PGFN/CDA no. 1505/2015, disponível em http://dados.pgfn.fazenda.gov.br/storage/f/2015-11-03T142645/parecer1505.pdf

[v] Projeto de lei no 3337/2015 e Projeto de lei complementar no 181/2015.

[vi] https://drive.google.com/file/d/0B2C5anVcaxp5SVVEOXhlNWlOdDQ/edit?pli=1