Extra Classe: 34 anos de descumprimento da Constituição Federal, por Maria Lucia Fattorelli

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Neste dia 5 de outubro de 2022 completamos 34 anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, que prevê, textualmente, a realização da auditoria da dívida pública (Art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), até hoje não cumprido, apesar da centralidade do Sistema da Dívida. Além de consumir cerca de metade do orçamento federal anualmente, a chamada dívida pública tem sido usada como justificativa para contínuas privatizações insanas, contrarreformas (principalmente as da Previdência e Administrativa), contingenciamentos, cortes e teto de gastos sociais.

Ironicamente, o artigo 166, § 3º, II, b, da CF/88, que privilegia os gastos com a dívida pública – e não foi devidamente votado, como denunciado pelos professores Adriano Benayon e Pedro Antônio Dourado de Resende em sua investigação denominada “Anatomia de uma fraude à Constituição”– tem sido rigorosamente cumprido!

Referido dispositivo diz que os gastos com a dívida pública não precisam indicar a fonte do recurso para o seu pagamento, e essa tremenda benesse não foi devidamente debatida e votada durante o processo constituinte, como comprova a citada investigação:

“Art. 166 – Os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do regimento comum.
(…)
§ 3º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:
(…)
II – indiquem os recursos necessários, admitidos apenas os
provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:
(…)
b) serviço da dívida;”

Assim, enquanto todos os investimentos e gastos públicos imprescindíveis para o nosso desenvolvimento socioeconômico ficam submetidos à existência de recursos, sucessivos cortes e até a “teto” constitucional (a Emenda Constitucional no 95 em 2016 estabeleceu teto somente para as despesas primárias, para que sobrem ainda mais recursos para os gastos financeiros com a chamada dívida pública), os gastos com a dívida pública contam com previsão orçamentária anual estratosférica e têm tido fonte garantida na emissão de novos títulos, provocando o aumento da dívida sem limite ou controle algum!

A previsão orçamentária extraordinária para gastos com a dívida sequer pode ser alterada pelo Congresso Nacional, com base em interpretação dada a esse mesmo dispositivo inserido no texto constitucional sem a devida discussão e votação (Art. 166, § 3º, II, b, da CF/88).

Em resposta ao Inquérito Civil Público ICP 1.34.023.000285/2011-48 apresentado para questionar a inconstitucionalidade do referido dispositivo constitucional que privilegia o gasto com a dívida pública o Ministério Público Federal chegou a reconhecer que houve inobservância das normas procedimentais, porém, apesar dessa grave constatação, o inquérito não foi adiante:

“De início, no que tange ao mérito há certa plausibilidade na tese apresentada pelo representante. Com efeito, os documentos acostados à representação indicam ter havido inobservância, pelo constituinte de 1988, das normas procedimentais que regiam o processo de elaboração da Constituição da República, previstas no Regimento Interno da Assembleia Nacional Constituinte, (RI/ANC) aprovado pela Resolução 2, de 25 de março de 1987.”

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