EXTRA CLASSE: “Juro alto depende do Arcabouço Fiscal para baixar?” Por Maria Lucia Fattorelli

Compartilhe:

Publicado originalmente pelo Extra Classe

O Brasil aplica os juros reais mais altos do mundo atualmente e esse problema não é de hoje. A Selic, taxa básica de juros arbitrada pelo Banco Central, foi elevada ao absurdo patamar de 13,75% ao ano desde agosto 2022 e permanece aí até hoje, provocando estragos acumulados e aprofundando, a cada dia, a recessão econômica em que já nos encontramos.

A desculpa do Banco Central para elevar a Selic, que em março de 2021 estava em 2%, tem sido o controle inflacionário, o que não tem base científica alguma, tendo em vista que a inflação no Brasil tem sido provocada pelos constantes aumentos dos preços de alimentos e dos preços administrados pelo próprio governo, principalmente combustíveis e energia.

O único instrumento que o Banco Central possui para controlar inflação é subir juros. A inconsistência é flagrante. É evidente que subir juros não faz cair o preço de combustíveis, energia e alimentos, os quais têm sido os maiores responsáveis pela inflação.

Para reduzir a inflação, o governo teria que enfrentar as causas dessa inflação, conforme sugestões apresentadas pela Auditoria Cidadã da Dívida à equipe de transição do governo eleito, registradas em Carta Aberta que foi amplamente divulgada no país e até no exterior.

A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado convidou Roberto Campos Neto para explicar o patamar da taxa Selic e, também nessa oportunidade, a Auditoria Cidadã da Dívida preparou e enviou às senadoras e senadores documento contendo sugestão de diversos questionamentos que precisariam ser respondidos por Campos Neto, tais como:

– Esclarecer sua afirmação no sentido de que “Você tem que colocar o país em recessão para recuperar credibilidade…”, prejudicando toda a economia do país e a coletividade, em flagrante ofensa ao disposto no art. 192 da Constituição Federal. Que tipo de “credibilidade” se pretendia recuperar com essa atitude contrária aos interesses do país? “recuperar credibilidade” junto a quem?

– Por que relegar a preocupação com a atividade econômica do país e a garantia de pleno emprego, para aplicar o veneno dos juros altos que não têm serventia alguma para controlar o tipo de inflação que existe no Brasil?

– Quais as “justificativas” técnicas e econômicas do BC para a exagerada remuneração parasita aos bancos (operações compromissadas e depósito voluntário remunerado), apesar dos imensos danos que essa operação provoca à economia do país (dano aos cofres públicos; elevação dos juros de mercado; elevação da dívida pública)?

– Por que a maioria dos representantes do Copom, que decide o patamar da Selic, são provenientes do mercado financeiro, único setor da economia que se beneficia da alta exagerada da Selic, enquanto todos os demais setores econômicos e sociais são prejudicados?

– Por que pagar R$ 181 bilhões de juros aos bancos em 2022, remunerando a sua sobra de caixa, (dinheiro da sociedade) e provocando elevação de todas as taxas de juros de mercado, além de gerar prejuízo brutal ao próprio BC, ainda mais considerando que todo o prejuízo do BC pode vir a ser transferido ao Tesouro Nacional (Art. 7º da “Lei de Responsabilidade Fiscal”)?

Durante a audiência pública realizada no dia 25, a senadora Zenaide Maia chegou a formular alguns desses questionamentos a Campos Neto, que respondeu com descaso, marcando sua fala por um tecnicismo sem fundamentação científica alguma e até um certo terrorismo em vários momentos, quando dizia que a situação ainda poderia estar pior se o Banco Central não tivesse subido os juros a esse patamar estratosférico.

A verdade é que por trás desses juros injustificados está uma transferência brutal de renda da sociedade para o setor financeiro e o aprofundamento da recessão de forma deliberada, como declarou: “Você tem que colocar o país em recessão para recuperar credibilidade”.

Em vários momentos durante a audiência, Campos Neto chegou a declarar que o controle de gastos públicos ajudaria a baixar os juros, referindo-se à necessidade de o Congresso Nacional aprovar logo o arcabouço fiscal apresentado pelo governo na semana passada por meio do PLP 93/2023.

Essa assertiva só tem alguma lógica se a considerarmos como uma chantagem para sacrificar ainda mais os investimentos sociais, para que sobre mais recursos ainda para o pagamento dos juros da chamada dívida pública nunca auditada.

Dado do próprio BC informa que cada 1% de aumento da Selic provoca aumento de R$ 40,1 bilhões no gasto com os juros da dívida, ou seja, são os juros altos que estão fazendo a dívida explodir, pois para pagar esses juros são emitidos mais títulos públicos! Com essa alta injustificada da Selic para quase 14% ao ano, o gasto com juros teve um aumento anual de quase meio trilhão de reais. E esse gasto se repetirá todos os anos, até que a Selic caia.

Arcabouço e a política suicida

Nesse contexto, o governo apresentou o “arcabouço fiscal” mantendo o teto de gastos, permitindo apenas uma diminuta margem de crescimento real do conjunto de despesas primárias (relacionados ao funcionamento do Estado e serviços públicos) que poderá variar entre 0,6% e 2,5% ao ano em relação às despesas primárias do ano anterior.

Adicionalmente, para crescer acima de 0,6%, ficará condicionado também ao crescimento das receitas tributárias do ano anterior, devendo ainda alcançar a meta de resultado primário estabelecida no projeto.

Segundo explicação contida na Exposição de Motivos assinada pela equipe econômica, “a ideia desses limites é … permitir que o Governo consiga guardar recursos importantes para abatimento do endividamento público”.

Assim, ao contrário do que Campos Neto diz, na realidade o “arcabouço fiscal” viabiliza a sua política monetária suicida, pois garante os recursos para a manutenção do privilégio dos gastos financeiros, mantendo teto rebaixado para as despesas com os serviços prestados à população e a manutenção do Estado.

Precisaremos de muita mobilização social para vencer o cinismo de Campos Neto e o equívoco da equipe econômica ao apresentar um projeto como esse PLP 93/2023, quando deveria estar enfrentando os mecanismos do Sistema da Dívida e empenhando-se pelo estabelecimento de limite legal para os juros (a exemplo do PLP 104/2022), impondo uma agenda que de fato possa iniciar passos concretos em direção ao nosso desenvolvimento socioeconômico.

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.