Fórum “Minas Por Um Outro Mundo”

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TRANSCRIÇÃO

Conteúdo: Análise do processo de endividamento brasileiro nos planos interno e externo, informes sobre tentativas de exame da dívida e discussão sobre a proposta de realização de uma auditoria cidadã da Dívida.

Palestrantes:

– Lécio Morais (Consultor parlamentar representando o Deputado Federal Sérgio Miranda – PC do B – MG)

– AFRF Roberto Piscitelli (Economista, consultor parlamentar e Diretor Suplente do Unafisco Sindical)

Coordenação: Maria Lucia Fattorelli Carneiro (Presidente da DS/BH do Unafisco Sindical)

Maria Lucia:

Eu quero convidar para compor a mesa, o Lécio Morais que está aqui substituindo o Deputado Sérgio Miranda. O Deputado está em Juiz de Fora, vai tentar chegar. O Lécio trabalha com ele, é assessor dele e o Lécio trabalha na liderança do PC do B em Brasília e é a pessoa que faz esses estudos para o Partido.

Muito obrigada por ter vindo Lécio.

Para chamar à mesa também o Auditor Fiscal da Receita Federal, Roberto Pscitelli. Ele já se aposentou, muito cedo, e trabalha como consultor parlamentar na Câmara dos Deputados, e é diretor suplente da diretoria nacional do nosso sindicato.

Eu quero agradecer a presença de todos e convidar para vir partilhar a mesa com a gente o professor Reinaldo Gonçalves, que foi um dos palestrantes da manhã. Tenho que registrar a presença, que ele ficou para prestigiar nossa oficina.

E agradeço, não vou nominar todo mundo, mas são várias entidades aqui representadas, e inclusive o presidente da nossa Nacional, Paulo Gil, vai ajudar com as transparências, vai participar também da oficina.

Então eu passo a palavra primeiro ao Lécio e vamos iniciar os nossos trabalho.

Lécio Morais:

Boa tarde. É um prazer estar com vocês. Primeiro eu gostaria de, em nome do Deputado Sérgio Miranda, pedir desculpas, ele infelizmente não pôde comparecer. A situação das universidades atualmente está muito difícil e ele teve que participar de um evento em Juiz de Fora. Ele lamentou muito e pediu para que eu pedisse desculpas aqui, especialmente porque ele se sente particularmente muito ligado a esse evento, não só pela entidade que patrocina, mas também pelo próprio tema que aqui se discute.

Então, a mim cabe essa tarefa um tanto ingrata de substituir aqui o Sérgio Miranda. Espero fazer alguma coisa que seja útil.

Gostaria de dizer que rapidamente vou fazer aqui uma exposição de idéias sobre a questão da Dívida Externa, suas relações, sua gênesis, as suas relações com as dívidas públicas, interna e externa, tentando explicar um pouco a dinâmica do processo.

Começando, a gente poderia dizer, de uma forma bem genérica, que a história dos países dependentes pode ser contada do ponto de vista do processo histórico de círculo de endividamento. Desde o império, a nossa economia vem sendo comandada por processos de expansão da dívida, crise e estagnação, depressão econômica, até que entrou num novo círculo de crédito. Basicamente você tem três fases, uma fase em que existe uma grande abundância de crédito internacional a taxas de juros bastante baixas, existe uma grande liquidez no mercado financeiro internacional, então é um processo de forte endividamento dos países, não só do Brasil como dos outros países dependentes.

Num segundo momento essa liquidez cessa, há uma dificuldade de refinanciar a dívida tomada, então há o aumento da crise. Por fim, num terceiro momento, mesmo o refinanciamento passa a ser extremamente escasso quando não absolutamente inexistente e no máximo consegui-se refinanciar parcialmente o serviço da dívida, amortização, seus juros. E esse é um momento, geralmente de grande depressão e estagnação das economias.

No primeiro e no segundo momento, as elites dos países dependentes, no caso o Brasil, adotam sempre o slogan de que é preciso atrair capital externo, Na primeira fase do endividamento porque ele vai alavancar o desenvolvimento, o crescimento. Quando há uma crise, continuam dizendo: ‘’precisamos atrair capital externo’’, para naturalmente poder saldar os compromissos assumidos anteriormente. Quando chega a terceira fase, quando não existe mais refinanciamento, a não ser parcial da rolagem da dívida, então eles adotam um outro slogan, tipo ‘’exportar é o que importa’’, os mais velhos se lembram do Delfim no começo da década de oitenta, ou então ‘’exportar ou morrer’’. Aparentemente nós estamos entrando na terceira fase.

A caracterização desse problema da dependência, com esse endividamento, se deve ao fato de que, diferente dos países centrais, nós não temos uma moeda conversível. Para relacionarmos com o exterior precisamos capturar divisas, moedas dos outros, essas conversíveis, com hegemonia atualmente do dólar. Por isso que esse problema da relação externa, que caracteriza basicamente os países dependentes, ele também comanda a dinâmica da economia. Enquanto que em países no centro do sistema, os ciclos econômicos são determinados internamente pelo movimento da sua taxa de lucro, em países dependentes esse comando do ciclo é como se externo e isso acaba frustrando muito essa economia dependente porque às vezes quando ela está no pico da subida, com grandes possibilidades de crescimento, uma crise cambial estrangula e mata na fonte o crescimento. Há uma espécie de descompasso. É muito comum se chamar esse fenômeno de restrição externa. Há muitas definições, mas aqui, gostaria de definir essa questão da restrição externa, como o limite externo sobre o crescimento do capital de uma economia dependente. Ou seja, é ela que determina o nível de crescimento e a duração de um ciclo de crescimento de um país dependente. Uma coisa interessante é que nesses ciclos de endividamento e no que diz respeito a manejar essa restrição externa, eu penso que o papel dos países dependentes não é um papel ativo, nessa questão do endividamento. Eles não simplesmente dizem assim: ‘’agora eu vou me endividar e assim cresceremos’’. Não, eles geralmente tem um papel passivo, o papel ativo é do mercado financeiro internacional, que como induz políticas quando detém liquidez e não tem onde colocar esse dinheiro, a quem emprestar.

Então, sempre coincidem ciclos de endividamento quando há também ciclos de queda na taxa de juros internacional. Se houvesse um processo ativo da parte dos países periféricos, dos países dependentes como o Brasil, o fato de entrarmos, o Brasil e todos os outros, ao mesmo tempo no mercado tomando emprestado, o que aconteceria imediatamente seria um movimento de subida na taxa de juros, por motivos óbvios. Mas não é isso que acontece, o que acontece é que existe uma queda na taxa de juros e aí os países começam a tomar emprestado e a taxa de juros não sobe, continua por um largo período em baixa. Isso mostra não existe esse papel ativo dos países ditos irresponsáveis, que se endividam demais e com isso terminam se condições de pagar. O movimento é mais ou menos o contrário. Existe uma indução.

O que nós estamos vendo aí (no telão), é um movimento da taxa de juros real, a taxa de juros preferencial americana, ou seja, a taxa de juros do sistema financeiro americano. É apenas uma taxa de referência. Vocês vêm que existe um verdadeiro vale na taxa de juros a partir de 1987, essa taxa de juros permanece nesse vale até 1994. Neste vale, que foi ocasionado por duas razões, primeiro pelo crack da bolsa de Nova Iorque em outubro de 1997, que fez com que o Banco Central americano reduzisse extremamente a taxa de juros e inundasse o mercado de dinheiro, para salvar da falência uma grande quantidade de instituições financeiras e depois a recessão americana de 1989 e 1991. Foi exatamente nesse vale, nesses anos que vão de 1987 a 1994, que criaram-se os chamados “mercados emergentes”. Antes, no início de uma fase de liquidez do mercado financeiro internacional, 1967, 1968, os países que eram subdesenvolvidos passaram a se denominar países “em desenvolvimento”. Eram todos então candidatos a virarem primeiro mundo, desde que tomassem emprestado. Nessa fase, denominaram-se os países em desenvolvimento, que não se desenvolviam, passaram a se chamar “mercados emergentes”. Eram oportunidades de negócios. Nesse vale foi que veio a enxurrada de empréstimos para os países da periferia, agora, mercados emergentes.

Só que nesse ciclo, as políticas que foram induzidas tinham uma característica bem específica, diferente do que aconteceu no final de década de 60, não por acaso aconteceu o “milagre brasileiro”. Era uma política que vivia dizendo: é preciso que se libere a conta capital, ou seja, libere o livre trânsito de capital nas fronteiras, é preciso que se derrubem as tarifas sobre o comércio externo, com a liberação comercial, é preciso que se desregulamente a economia e se privatize para criar oportunidades de negócios e por fim é preciso que se estabilize a moeda, de preferência a vincule ao dólar, senão a valorize em relação ao dólar.

Por que essas políticas? Porque havia uma proposta clara, quer dizer, não era uma coisa de maluco, era uma estratégia óbvia, evidente, que propunha isso aí, por volta da virada da década de noventa. “Você tem crédito abundante barato, por isso nós vamos alavancar o desenvolvimento de vocês, trazendo a poupança externa, agente financia as importações, vamos ampliar e modernizar a economia, todo o sistema produtivo. O investimento direto vai viabilizar também, sem lucro, o custo cambial, já que o investimento não tem data mercada para ir embora. E com isso agente vai investir aqui e alavancar os investimentos internos necessários”. Por isso havia a contra partida. Qual era a dessa proposta? Era que se adotasse esse tipo de política aí. A elevação da taxa de juros para atrair o capital.

Isso tudo estava dando absolutamente certo até que o ciclo mudou, como o Brasil chegou muito atrasado e isso se deve ao fim do regime militar que aparentemente desorganizou um pouco as elites nacionais, eles ficaram alguns anos sem saber muito o que fazer. Como também a desgraça do governo Collor. Enquanto a Argentina, o México já tinham embarcado nesse ciclo, no final da década de oitenta, o Brasil só veio embarcar depois de 1991, quando o Marcílio Moreira assumiu o ministério da economia. Por que apesar do Collor não ser de confiança, o Marcílio tinha pedigree, era um homem de confiança do sistema. No entanto, vejam só, era tão forte o desejo de emprestar ao Brasil, que nós tínhamos no país, em 1992, em franca recessão, um presidente que não tinha minoria, não gozava da confiança das elites, da Avenida Paulista, etc, e ainda entrou num processo de impeachment. Com uma inflação galopante e ainda assim a fluir bilhões e bilhões de dólares para o Brasil. Por que? Porque eles não tinham onde colocar o dinheiro. É verdade que dessa fase até 1994, o dinheiro que chegou foi o dinheiro de brasileiros, pelo menos grande parte, que tinha sido exportado ilegalmente na década de oitenta e voltou para o Brasil graças a elevadas taxas de juros que tinham sido induzidas pela liquidez do mercado financeiro internacional.

Só a partir de 1994 foi que entraram os grandes capitais estrangeiros. O problema aconteceu exatamente em 94. Por razões que não tem nada a ver com a periferia o Banco Central americano elevou sete vezes a taxa de juros durante o ano de 94. No final do ano o México quebrou e nós estávamos começando o nosso plano aqui, o plano real. No dia em que o Fernando Henrique assumiu a Presidência da República, no reveillon de 1995, o plano Real não era mais viável, porque ele era baseado numa situação que havia juro barato e grande liquidez para financiar o déficit externo, para financiar nossa liberalização comercial que fez com que nossa balança comercial passasse de R$10 bilhões de superávit para R$10 bilhões de déficit, de uma hora para outra. Então, essa situação fez com que nós tivéssemos um plano inviável, e um governo e toda uma elite continua apostando nesse plano e por conta dessa circunstância incorreu-se num grave custo. Um custo não só social, mas falando aqui particularmente, um grande custo para a economia, que se expressa basicamente em termos de aumento da nossa vulnerabilidade externa, quando mudou-se, um pouco, a nossa matriz produtiva. E fez com que na nossa matriz, a parte intermediária, dos bens intermediários, caíssem em quase 5% ou 6% no começo da década de noventa até meados de 97, aí até onde eu tenho os últimos dados que eu ouvi das contas internacionais. Significa que boa parte dos bens intermediários, que servem para produzir os bens finais, hoje são importados. Isso fez com que nós não só perdêssemos mercado dos bens finais, a importação que veio substituir o bem fabricado no Brasil, mas também boa parte daquilo que as empresas consomem, para produzir, para fabricar, para prestar serviços, passou também a ser importado. Quebrando a nossa autonomia de produção.

Passamos, para produzir, a depender também de importação. Não só daquilo que é clássico, que nós não tínhamos, mas também daquilo que nós já produzíamos. Esse custo foi particularmente levado em algumas cadeias industriais. Além dessa perda de soberania, porque nós nos tornamos muito vulneráveis externamente, nós também tivemos uma grave perda fiscal e é aí onde entra o gancho com a questão da Dívida.

A outra face da manutenção dessa estratégia fracassada foi a nossa ruína fiscal. O endividamento que trouxe também a restrição à capacidade de investir, sucateou boa parte do serviço público, especialmente pela prioridade que é dada para o pagamento do serviço da Dívida.

A relação entre o déficit externo e o déficit público (interno) era muito discutida no início da década de noventa como que havia uma estreita relação entre esses dois déficits. Os economistas neo-clássicos começaram a observar que toda vez que um país começava a se endividar, no início da década de noventa, imediatamente também começava a haver um grande déficit público nesse país. E eles chegaram à seguinte conclusão: o que acontece é que governos ineficientes tomam emprestado e todo dinheiro que entra, todo recurso externo que entra, é absorvido por esse governo ineficiente, por isso não é aproveitado na produção, todo ele é absorvido improdutivamente pelo governo.

(Mostrando a transparência) Isso mostra um pouco o comportamento da Dívida, do déficit externo e do déficit público, a partir de 1995. Vocês vêm que eles sobem juntos até 1995, então aqueles economistas disseram: o problema é esse, esses governos ineficientes estão absorvendo todos os recursos externos e não estão deixando que esses recursos cheguem à produção para modernizar, ampliar a economia, etc. O que é preciso então? É preciso reduzir esses governos, retirá-los da produção. E aí voltamos à aquela história do consenso de Washington. Mas como vocês vêm, pouco depois existe um claro descolamento entre o déficit externo e o déficit público. A partir de 1995 o externo segue crescendo enquanto que o déficit público, ano a ano, começa a crescer bem mais de vagar.

Como se dá essa relação entre o déficit esterno e a Dívida pública? Há diversas formas de ligação, mas basicamente existem duas que são muito importantes. Primeiro é a questão da conversão da moeda estrangeira na moeda nacional. Como? O dólar não tem curso forçado na nossa economia. É preciso que todo dinheiro que entre seja convertido em Reais. O problema é que se você descontrola a entrada e se você tem uma avalanche de dinheiro chegando, você não pode simplesmente deixar esse dinheiro entrar e circular sob a forma de Real, porque senão acontecerá uma explosão inflacionária. Se nós temos quarenta bilhões de base monetária, hoje se você tem uma entrada liquida de 20 ou 30 bilhões de dólares, isso significaria mais do que duplicar nossa base monetária no decorrer de um único ano. Explodiriam os preços.

O que é que faz o governo? Lança seus títulos para, como se diz, esterilizar o meio circulante. Foi o que aconteceu com a Dívida a partir de 1992, toda a dívida pública que desde o plano Collor tinha caído para 3% do PIB, quando chegou em 1994 já tinha 20% ou 30%. Até 1995 influenciou muito a entrada de recursos externo, mas a partir daí, um outro componente ainda mais violento entrou no crescimento da Dívida, que foi a questão do custo dessa Dívida. As elevadas taxas de juros que garantiam a atração de capital, fez com que essa dívida crescesse, como se diz, endogenamente, ou seja, ela cresce por ela mesma. Até 1995 ela crescia por causa da entrada de dividas, e a partir daí ela começou a crescer basicamente por causa do seu próprio custo. E um pouco depois, a partir de 1998, especialmente, passou a crescer por conta dos chamados títulos cambiais, a transformação de títulos do tesouro, títulos do Banco Central, em vez de títulos a juros, títulos vinculados à variação do dólar para proteger os capitais da eventual desvalorização da moeda.

Esse gráfico (mostrado na transparência) tem um resumo de um trabalho que foi feito por mim até o meio do ano passado, um trabalho sobre a década de noventa, onde procuramos juntar todas as variáveis que influenciam o crescimento da Dívida, aí são valores anuais, não são valores acumulados. Por isso que 1994 está bastante alto por conta da inflação da época. E a suma das variáveis, de todas as variáveis que influenciam o crescimento da Dívida pública, não só troca de divisas, o resultado fiscal do governo, a soma delas todinha é essa linha vermelha. A linha preta, por trás, é o crescimento anual da Dívida, vocês vêm que existe um casamento bastante razoável entre as curvas. Eu tinha um gráfico melhor, mas não se assustem que eu vou explicar. A dívida é a mesma linha da anterior, só que aí as variáveis estão desdobradas. A Dívida é essa preta, que é a única que tem esses pontinhos. Só que eu chamo a atenção para essa curva que está sempre colada na Dívida, essa que é um pouco marrom está sempre colada nessa linha preta. Essa linha marrom, avermelhada, é o custo da Dívida.

Então a Dívida obedece praticamente o custo que ela tem. Especialmente a partir de 1995, quando a entrada de divisas caiu, mas à exceção de endividados em 1997 e 98, mas aí eu não vou explicar porque se não vai dar dor de cabeça em todo mundo. É só para mostrar os mecanismos que estão por trás disso, agora vamos ver os mecanismos da Dívida externa. Como a Dívida pública se relaciona com esse processo do endividamento externo, porque o endividamento externo é basicamente privado. Na década de setenta, como também na década de noventa, todo o endividamento externo era um endividamento privado. Empresas tomando emprestado, investidores privados vem para cá e se associam com outros investidores privados do Brasil. Ela só se torna estatal no fim do ciclo. Foi o que aconteceu na década de oitenta. Porque? Por que o Brasil não tinha mais divisas e a desvalorização intensa da moeda fez com que os privados em vez de tomarem emprestado lá fora , com a subida da taxa de juros, se recusaram a isso e procuraram simplesmente pagar, por que eles têm que pagar em Reais. Mas nós não podíamos pagar em Reais, tínhamos que pagar em dólar. E quem faz isso? O Banco Central. Como o Banco Central não tinha divisas, o que é que ele faz? Toma ele próprio emprestado e paga. No fim, a dívida que era privada se transforma em Dívida pública.

E porque faltam divisas? Por dois motivos: Primeiro se você não tem um saldo comercial grande, você não tem uma fonte independente de dólar. E segundo, se quem vem para cá traz o dólar e no final ele valoriza aqui dentro e quer levar dois dólares, quem é que vai arranjar o outro dólar? Vai faltar.

O Lara Resende, que é um economista suspeito, não o pai naturalmente que era um grande escritor, diz que 1 dólar em 1994 até 1998 teria se desvalorizado, se fosse um investidor moderado, conservador, 250%. Ora, significa que quem colocou 1 dólar em 1994 aqui, em 1998 quando foi embora, na crise, levou 3,5. Por isso falta dólar. Aí entra o estado e com isso vai arranjar o dólar para pagar os compromissos e a liberdade de ir e vir do capital. E com isso aquilo que é endividamento privado se transforma em endividamento público.

Mas há uma outra forma do estado atuar nesta circunstância, voltando a lembrar aquela questão que eu já falei, dos títulos cambiais, títulos vinculados ao dólar.

O governo brasileiro, no caso específico, como aconteceu na economia mexicana antes, mas um pouco diferente, um pouco mais radical lá no México, trata de colocar os seus títulos vinculados ao dólar e com isso ele dá segurança para o investidor ou para quem está devendo aqui dentro , caso haja a desvalorização ele não perca, ele não vá à falência, ele não perca seu dinheiro aqui dentro porque ele pode debitar o valor dele em dólar. Resultado: começaram a fazer uma pilha de dívida que, apesar de ser em Reais é vinculada ao dólar.

Isso aí (Transparência) é o crescimento da Dívida vinculada ao dólar. Vocês vêm que ela parte de um patamar abaixo de 96 e vai crescendo e está hoje, aquilo ali não é em Reais é em dólar, 68 Bilhões de dólares. Cada vez que existe uma desvalorização o tesouro leva o maior tombo, levou um tombo de 60 a 80 bilhões de Reais na desvalorização de Janeiro/fevereiro de 1999. Isso salvou todos os grandes devedores, exceto os incautos. Salvou todos os grandes investidores. E quem dança? A viúva. Hoje, em número de julho, com 68 bilhões de dívida em títulos internos e mais 70 e poucos bilhões em dívida externa. Cada centavo de desvalorização na taxa do dólar custa Um bilhão duzentos e quarenta e seis milhões de Reais. Esse ano o superávit primário esperado é de 28 bilhões, subindo 20 centavos o dólar, a Dívida pública já cobriu isso tudo. Vocês se lembram qual era a taxa do dólar no come;co do ano? (1,85) Hoje estamos com 2,55, vocês vejam o tombo que nós já levamos.

Bom, essa é a situação. E aí também nesse processo de garantir a Dívida externa através da estatização da Dívida é que entra também a questão do FMI. É interessante falar sobre qual é o papel do FMI. É óbvio que o FMI tem uma ajuda financeira de caixa, o principal papel do FMI seria isso. Mas na verdade esse não é o principal papel. O principal papel do FMI é dar garantia de que as políticas que estão sendo implementadas naquele país, são políticas confiáveis, ou seja, políticas que vão priorizar o pagamento das obrigações. E segundo, o FMI, ao contrário dos credores externos individualmente, bancos, grandes investidores, pode ser um condômino do poder naquele país, pode sentar-se à mesa porque eles vêm de três em três meses, sentam-se à mesa, conversam com ministro, etc. Tem acesso diário a todos os dados financeiros e econômicos que o país tem. É para isso que serve o FMI. E com isso eles tem um poder de barganha que é absolutamente desproporcional com as outras forças políticas internas, mesmo as poderosas.

Essa faixa azul (transparência) é a soma do nosso déficit em conta corrente e das amortizações que o mesmo faz a nossa Dívida externa. A linha preta mais escura, que tem essas continhas é o investimento direto. Acima dessa linha preta mais escura, até em cima é necessidade de financiamento liquida, ou seja, é preciso tomar emprestado pelo menos para rolar isso aí, porque não tem mais dinheiro nenhum, é só déficit, o dinheiro já acabou, aí só aparece o déficit. E foi por conta, vocês estão sendo, a partir de uma faixa que está escrito previsão, e aí eu estou trabalhando com números do governo, 22 bilhões de investimento no fim do ano e 41 bilhões de amortização durante o ano de 2001. Está dando 67 bilhões calculados durante esse ano, com juros do governo. Foi por conta daquela linha preta caindo e aquela linha lá de cima subindo que o governo correu para o FMI, porque ele precisa até o fim do ano, até agora ele já cobriu 30 bilhões, precisa ainda cobrir outros 15 bilhões nesses cinco meses que restam. Então ele foi ao FMI.

Não é o FMI que salva o problema das contas externas na verdade, o que ele faz é ajudar a que os outros continuem rolando a dívida. Esse é o papel do FMI. Até que Deus dê bom tempo, ou seja, de novo haja algum tipo de liquidez no mercado financeiro internacional e haja de novo portas abertas para emprestar à gente, e que eles queiram nos emprestar outra vez. E aí talvez a gente não seja mais mercado emergente, seja um outro nome qualquer.

O grande medo que eles tem, o maior terror do credor externo, do investidor externo é o que? É que não se pague a Dívida, é que se faça qualquer empecilho à saída de capitais, aos lucros, aos juros e à própria remessa do capital investido aqui dentro. Esse é o grande temor. E dizem, principalmente, aqui para encerrar, que aquele país que faz uma moratória, esse está excluído do mercado internacional e quando vier uma próxima oportunidade de crescer, não terá quem confie nesse país para investir ou para emprestar, por isso não façam essa bobagem mesmo que tenham ganhos imediatos com a moratória, não façam isso porque no futuro, que pode ser próximo, vocês vão ser muito mais penalizados. Há muitos exemplos históricos disso mostrando que isso não é verdade, a Grã-bretanha mesmo na década de 30, os EUA em 1971 deu um tremendo de um trambique na praça, rompeu o acordo de Bertolucci unilateralmente. Tinha compromisso de pagar 75 dólares a onça de ouro e disse não vou pagar mais e pronto, vão se catar.

Mas nós temos um exemplo muito próximo. A Rússia deu o maior calote no começo de 1998, deu uma moratória, deu um tombo no mercado que nós aqui, todo mundo sabe foi a Rússia a culpada daquela crise de 1998, puseram culpa na Rússia. Pois muito bem, a Rússia ficou uma coisa execrada e em março deste ano o Banco Central americano tinha comunicado reservado a suas instituições financeiras, por conta da situação difícil que o Brasil vive, a falta de expectativas não só econômicas como também o problema da incerteza política, deles não saberem o que vai ser do ano de 2002, fez a seguinte recomendação, as instituições americanas: não priorizem o refinanciamento do Brasil e da Argentina e priorizem o refinanciamento da Rússia. Por que? Porque a Rússia depois da moratória se deu muito bem, saiu um pouco do sufoco, cresceu a 8% o ano passado, está crescendo a 5% esse ano, tem um saldo comercial, na balança comercial 60 Bilhões de dólares acumulados e 45 bilhões na conta corrente. Eles foram para lá de novo.

Então, espero que o que eu esteja dizendo aqui esteja mais de acordo com os fatos do que o discurso que a gente está ouvindo sempre e sempre na mídia e por todo lugar.

Muito obrigado.

Maria Lucia:

Muito obrigada Lécio, eu deixei você passar do tempo porque estava muito boa, esclarecedora a sua exposição. A gente vai passar para o Piscitelli, mas antes disso chegou aqui para a gente divulgar para todos os participantes do Fórum uma moção que a vereadora Neila Batista, do PT, protocolizou hoje na Câmara Municipal de Belo Horizonte e eu vou ler para vocês: ‘’Apresento à Vossa Excelência (Presidente da Câmara Municipal) nos termos do artigo 132 do regimento interno, a presente moção de congratulação a ser encaminhada à coordenação do Comitê Mineiro do Fórum Social Mundial, pela importante iniciativa de realização do encontro Minas Por Um Outro Mundo, o qual está sendo realizado na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. Este evento, preparatório para o Fórum Social Mundial de 2002, é de suma importância ao colocar Minas Gerais na vanguarda do questionamento dessa desordem mundial, marcada pela concentração de riquezas, destruição ambiental e exclusão social. Foi o esforço coletivo e voluntário de indivíduos e instituições que tomaram para si essa grande tarefa, que viabilizou o evento que hora ocorre em nossa Capital. Homenageando o comitê mineiro, como gostaríamos de homenagear a todos que, em várias partes do planeta assim como fazia Carlo Giuliani, continuam acreditando que um outro mundo é possível. ( Vocês se lembram, Carlo Giuliani morreu assassinado, outro dia, manifestando em Gênova contra os países do G8). Belo Horizonte, 31 de agosto, Neila Batista, vereadora’’.

Roberto Piscitelli:

Eu acho quer o Lécio fez uma exposição técnica com muito rigor e muita propriedade. Realmente eu vim na expectativa de que a maior parte do auditório, dos participantes não sejam economistas, especialistas na área. Então eu acho que necessariamente minha intenção é colocar alguns pontos e levantar algumas discussões posteriormente, algumas questões tópicas. E falar um pouco mais especificamente sobre alguns aspectos relacionados à auditoria propriamente dita. Mas antes de entrar propriamente no assunto, eu queria dizer que é muito grande a minha satisfação de estar aqui e é com muito orgulho que eu estou aqui como integrante da diretoria do Unafisco e ratificar o apoio incondicional que a nossa entidade está dando e pretende dar a esse movimento em prol da cidadania. Nós estamos realmente decididos a nos integrar a esse rol de outras entidades que nesse momento começam a achar necessário, graças a Deus, em função de alguma perspectiva, de uma expectativa favorável para o futuro.

Eu vejo na platéia algumas pessoas que certamente do ponto de vista não teriam nada o que ouvir, o que escutar. Alguns de nossos mestres, de nossos gurus até, temos entre nós aqui o professor Reinaldo, que melhor do que qualquer um de nós poderia estar aqui se referindo a todas essas questões do ponto de vista estritamente técnico. O professor Reinaldo é um representante do Conselho Federal de Economia, assim como eu também pertenço ao Conselho de Economia, e é aliás o Professor Reinaldo que a gente quer ver muito brevemente à frente do nosso conselho.

Mas eu comecei fazendo uma reflexão desse tipo, porque se fala em Auditoria Cidadã, o que se quer dizer com isso? Eu acho que a necessidade de se falar e de se fazer a Auditoria Cidadã é porque de certa forma existe uma ânsia na sociedade brasileira de que a gente possa em fim ter uma participação e uma participação mais direta nos destinos da sociedade, e não apenas limitada com a representação ordinária da sociedade através, digamos assim, das suas organizações políticas ou político-partidárias. Eu acho que nós estamos insatisfeitos, acho que nós estamos frustrados com essa falta de representação, com essa sub-representação, com essa falsa representação. E é lógico, eu acho que não há como fugir da constatação de que em 1988, quando se fez justamente uma constituição dita cidadã, no auto das disposições transitórias, artigo 16, se determinava um exame analítico e pericial das causas, das circunstâncias do endividamento externo. E isso como tantas outras coisas previstas e inseridas na constituição, provocou uma enorme frustração.

No meu caso particular até, eu acompanhei isso muito de perto e essa frustração é muito pessoal também, porque à época eu trabalhava numa assessoria do deputado Luís Salomão, que sucedeu ao senador Severo Gomes na relatoria da então chamada Comissão Mista, ou seja, de deputados e senadores, que foi constituída com essa finalidade. E, como nós sabemos, isso está muito bem expresso, eu queria já de antemão cumprimentar a Maria Lucia pelo magnífico trabalho que a equipe está fazendo. Ainda é um esboço, não é definitivo, agente tem até algumas sugestões, mas isso está muito bem expresso nesse documento. Não sei se algum de vocês já tiveram acesso a ele. Uma cartilha chamada Auditoria Já, que a idéia é de se difundir um pouco esse debate, de popularizar um pouco, de dissecar um pouco o seu significado. Então esse trabalho mostra as tentativas anteriores feitas nesse país, já na época do Getúlio, se fazer um exame de Dívida em 1971, e a segunda tentativa na década de 80. Tem coisas preciosas nesse documento, no relatório do Fernando Henrique, o que ele diz sobre o endividamento e a falta de governo é inacreditável. A frase é alguma coisa para a gente difundir em campanha .

‘’A situação que hora vivemos, o arrocho salarial direto dos trabalhadores do setor público e indireto de toda a força de trabalho, submissão da política econômica às regras e monitoramento do FMI, acomodação dos interesses dos grandes bancos internacionais, etc, não passam da incenação de inequívoca falta de governo no país’’. Acreditem senhores, realmente eu já não lembrava disso, tive que ler duas vezes, para me dar conta de que isso aqui foi dito pelo FHC. Que coisa incrível, né? O que é esse país? Mas ele deve ter esquecido. Agora, nós não podemos esquecer.

E vejam bem, a primeira parte do trabalho eu diria que foi parcialmente feita, houve inclusive o relatório preliminar do senador Severo Gomes. Ele foi aprovado, mas foi um relatório parcial, depois a relatoria passou para o deputado Luiz Salomão. A comissão sempre negou quorum, não aprovou o relatório que ele preparou, que era de uma análise, não de uma perícia, mas de uma análise. Depois se levou esse trabalho ao plenário e ele nunca chegou a ser votado. Houve um boicote durante a realização dos trabalhos, uma enorme dificuldade, eu acompanhei de perto isso aí, da demora a obtenção de dados, principalmente junto ao Banco Central, mas com muita dificuldade o Luiz Salomão e algumas outras pessoas como o senhor Luiz Fernando Vitor e outros, com alguma dificuldade e levantaram alguns desses dados por amostragem. O Luiz Salomão inclusive editou um livro sobre o assunto e isso de certa forma a gente está recuperando, é muito importante a recuperação dessa memória. Agora, eu também pensei no seguinte: porque que essa palavra, essa expressão auditoria causa tanto pânico? É uma coisa impressionante, né? Quando se fala auditoria da Dívida, eu nunca vi, em todos esses quase oito anos de gestão do ministro Malan, um momento de desequilíbrio tão forte como quando se anunciou o plebiscito da Dívida Externa. Ele teve uma reação que foi insólita, tendo em vista esse comportamento, até eu diria, bastante discreto, ele de um modo geral é uma pessoa afável, educada.

Mas quando se anunciou e se iniciou o trabalho do plebiscito da Dívida, ele perdeu o controle, falou que isso é uma baboseira, besteirol, xingou à vontade. Uma coisa que até não faz muito o gênero da linguagem, do discurso que ele faz.

Interessante, eu acho que a gente tem que bater nesse ponto, eu acho que esse é o trabalho cidadão da nossa parte. Vocês já imaginaram se uma empresa, todas as empresas tem as suas auditorias internas e externas e em alguns casos a auditoria é obrigatória, as empresas, por exemplo, que atuam no mercado, que captam recursos do público em geral, a auditoria para elas é uma coisa obrigatória. As próprias empresas estatais tem auditoria obrigatória.

Agora vocês imaginem se uma empresa anunciasse a realização de uma auditoria, os credores deixariam de emprestar para a empresa ou investir nela? De qualquer maneira nesse trabalho cidadão que a gente está fazendo, tem que ter muito cuidado para não assustar principalmente a classe média, e a gente tem que evitar certas palavras. Até porque agora se aproxima um período de grande confrontação eleitoral, etc. Eu sugeriria que a gente evitasse usar palavras, ou categoricamente negasse quando se quisesse impingir a esse tipo de grupo de trabalho a intenção de dar algum calote ou fazer alguma moratória. Não é isso a nossa intenção.

Eu acho que isso que a gente tinha que colocar claro para a sociedade. Quando a gente fala em auditoria, eu acho que o que a gente precisa dizer é que a nossa intenção é conhecer a origem, a natureza, a finalidade e principalmente a destinação , a utilização dos recursos. E a gente não sebe quase nada disso. Veja bem, isso é um direito! Nós temos que defender o nosso trabalho como um direito da própria cidadania, eu acho que nós queremos verificar a efetividade e a legitimidade dessas obrigações. E a gente sabe muito pouco disso aí. Eu vou dizer uma coisa a vocês que quem está mais perto da administração fica sabendo daquelas coisas que não são muito oficiais, mas até pouco tempo atrás, colegas meus da STN (Secretaria do Tesouro Nacional) me disseram com muita franqueza, e vejam bem isso faz 10-15 anos, que eles não sabiam muito bem a composição da dívida e não sabiam muito bem o que tinham que pagar e quanto tinham que pagar. Eu ouvi isso do pessoal, dos analistas de finanças da STN. Eu ouvi de colegas meus que, principalmente nos primeiros anos da STN, havia uma dificuldade de programação dos desembolsos, porque volta-e-meia eles recebiam um aviso de cobrança (ou equivalente, não sei se a expressão que eu estou utilizando é adequada) em função de créditos alegadamente tidos como vencidos e que o país não estava honrando ou estava atrasado. Eu afirmo a vocês, se é que merece credibilidade o que eu estou dizendo, que ouvi isso de colegas meus da STN.

Então eu acho que o cidadão, como eleitor e como contribuinte, ele tem o direito, eu exijo, eu quero que se faça realmente essa auditoria. Eu quero que se faça a auditoria não é para dar calote não, eu quero saber realmente o que eu devo e em que condições essa dívida foi contraída. E eu acho que essa questão nos oprime mais agora porque a questão da dívida nos sufoca, nos sangra, o Lécio falou e mostrou todos esses números, e não vale à pena a gente perder muito tempo nisso. Mas eu acho que é preciso que nós tenhamos consciência de que ela está absorvendo uma parcela crescente do nosso esforço de produzir internamente, ela está sugando uma parcela crescente da produção interna do nosso esforço de produzir. E portanto nesse aspecto ela se caracteriza cada vez mais como uma espécie de derrama. Nós que estudamos lá no primeiro e segundo graus, sabemos o que isso significa. Aliás, a gente tem falado muito isso no Unafisco, porque também do ponto de vista tributário a gente está se submetendo a uma espécie de derrama, né? Classe média, assalariado.

Nós estamos pagando muito mais que o ‘’quinto’’. A questão da nossa luta pela atualização da tabela do imposto de renda. Isso é uma verdadeira derrama. Eu pensei também, enquanto fazia essas anotações, eu acho não é só uma derrama, isso está tendo hoje uma característica, e é por isso que eu quero dar muita ênfase à questão política, de uma espécie de ‘’reparação de guerra’’. E é curioso que depois que eu coloquei essa expressão, eu lendo o trabalho que a Maria Lucia me mandou, tem uma referência no seu trabalho de ‘’reparação de guerra’’e ela faz uma comparação justamente de como nós estamos, em certo sentido, muito mais onerados do que a Alemanha no intervalo entre a duas guerras. Então a dívida externa, para os países emergentes, tem o papel que tem uma ‘’reparação de guerra’’.

Eu vou ler esse trecho: ‘’Essa transferência de recursos reais corresponde na média a 20% ao ano, da poupança nacional. Trata-se de cifra superior à da histórica transferência da Alemanha na segunda metade dos anos 20, para cobrir reparações de guerra, com resultados políticos conhecidos’’. Isso consta no relatório de 1987, que o FHC foi relator. Aliás ele foi também relator da famosa CPI da evasão fiscal.

Esse processo é uma coisa perversa porque se paga. Paga-se sempre e quanto mais se paga mais a Dívida cresce. Então, acho que é uma coisa importante que a gente tem que levar para a cabeça das pessoas. Olha, isso é uma coisa parecida sabe com o que? Todo mundo vai entender. Com o BNH. Se falar no BNH, o povão vai entender. Mas que diabo, a gente paga, paga, paga e a dívida cada vez maior, se eu for vender o meu imóvel, eu não pago o saldo devedor. Ele vale muito menos do que a dívida que eu tenho sobre esse imóvel. Então a coisa é realmente enlouquecedora.

Hoje, mais do que o estoque da Dívida, o problema é o fluxo. O Lécio se referiu muito bem a isso. E o problema do fluxo é que ele é uma espada na cabeça, É a rolagem, a rolagem contínua. Qual é o Déficit? Vejam bem, para um economista isso é uma coisa fácil de entender. É o fluxo. Fluxo é aquilo que é dinâmico. Uma coisa é o estático, é o estoque. Outra coisa é aquilo que é contínuo. Então a coisa, em termos de fluxo, realmente é assustadora.

A nossa situação é extremamente vulnerável e nós somos obrigados a cobrir esse déficit a qualquer custo. Porque na situação de passividade com que a gente está enfrentando o problema, o que a gente aceita? Qualquer recurso a qualquer preço. É o que a Argentina acabou de fazer, pagando taxas extorsivas para renovar obrigações que se venciam em 90 dias. Vejam bem. Não é para 1 ano, 2 anos, 5 anos não. É para 90 dias. Isto é o que, em linguagem popular, a gente chama de que? Empurrar com a barriga.

Porque essas condições, não tenham dúvidas, elas se tornarão cada vez mais onerosas, mais problemáticas, com um grau de desconfiança muito maior. É aquela velha história: não pago para o agiota, aí eu vou rolar o juro também. Eu vou rolar a prazos cada vez maiores, o risco é cada vez maior, o interno também. Não adiante, eu tenho que romper esse processo, tenho que romper esse círculo vicioso. Então, vejam bem, a situação é tão vulnerável do país, e o que acontece? A gente não escolhe o que entra e não controla o que sai. Essa é uma coisa complicada.

Então, hoje a gente chama de investimento direto aquilo que de investimento direto não tem nada. Ou que são meras aplicações que, digamos assim, tem uma mobilidade muito grande. O que está se chamando hoje de investimento direto, num tratamento estatístico inadequado, não é aquele investimento na formação de capital das empresas, capital fixo, de longo prazo, permanente. Não. Está se computando como investimento direto (no desenrolar do debate , o professor Reinaldo até poderia explicar melhor isso porque ele conhece muito melhor que eu) muita coisa que de investimento direto não tem nada. E também não se controla o que sai, porque a liberalidade no tratamento dos fluxos dos capitais externos que entra e sai do Brasil é praticamente absoluta. Não temos nenhum tipo praticamente de regulamentação em termos de volumes, de prazos, de condições. E o que sai, também sai livremente e sem qualquer ônus.

A nossa situação é tão vulnerável que a gente não descobre mais nada. E como disse muito bem o Lécio, a questão toda é que se criou na sociedade uma idéia de que não se pode criar nenhum tipo de dificuldade, qualquer coisa que se faça pode afugentar o investidor. Então, a nossa posição é absolutamente passiva. Ora, se o buraco é grande e o fluxo e esse é contínuo, a percepção do risco é alta e o prêmio para esse risco necessariamente será muito elevado.

Então, a questão toda, e o raciocínio para país é muito parecido com o que se faz com relação a uma empresa. E é forçoso enfrentar esse problema e nós temos que enfrentar, digamos assim, nos próximos meses, e eu acho que o problema tem que ser colocado publicamente durante a campanha eleitoral inclusive. Se não houver uma interrupção de alguma forma, um retardamento desse fluxo, dessa sangria de recursos, nós vamos entrar num processo de “bola de neve” em que, provavelmente aí sim, ao invés de nós fazermos uma negociação ou sairmos dessa situação dentro de um processo ordenado, nós vamos sair à moda Argentina, ou, de qualquer jeito. Simplesmente ninguém mais vai querer investir a longo prazo, ou simplesmente investir. E em parte isso já está se manifestando claramente, diante da dificuldade que a gente está tendo, esse ano, de fechar o buraco externo, o déficit das transações correntes. Caiu vertiginosamente os chamados investimentos diretos e o acordo de curto prazo, acordo “tapa-buraco”, com o FMI vem exatamente para, digamos assim, dar uma certa calmaria para garantir o fechamento desse buraco, pelo menos até o fim do ano que vem.

Nós estamos cada vez mais transformando o juro em principal, com a perspectiva de juros serem cada vez maiores e essa conta aumenta não só porque aumenta a taxa em si, mas aumenta o estoque. Quer dizer, aumenta a base de cálculo e aumenta a alíquota, para usar uma expressão que a gente utiliza em legislação tributária. E o juro tem que ser cada vez maior com o pretexto de que ele precisa que atrair e pagar esse risco. Claro, o problema já foi analisado e esse excesso de exposição que a gente tem hoje, diante do mercado financeiro internacional, ele é um problema que emerge particularmente a partir do Real, com câmbio fixo, com atraso cambial, com o dólar barato, artificial. Com todo esse processo de abertura comercial acelerada e disseminada, que nos colocou como reféns também do ponto de vista da competição comercial. O que fez gerar esses enormes e crescentes déficits comerciais e de serviços. Vejam bem, que com uma enorme dificuldade e com essa enorme desvalorização cambial, já de 30 ou um pouco mais esse ano, ele está começando a reverter ligeiramente o sinal da balança comercial, mas vejam bem, nós precisamos chegar a 2.55 de taxa cambial, para conseguir uma melhoria nesse fluxo. O que é uma situação muito diferente daquela que a gente tinha a 6, 7 anos atrás.

Mas o que eu acho importante, que o Lécio colocou aqui, e eu acho que essa é uma questão fundamental, é que esse processo todo, decorrente da política ou do plano Real, é que ele provocou uma desestruturação de todo o parque produtivo, de toda a estrutura de produção nacional, que era bastante diversificada e, digamos assim, tinha um lugar de destaque entre outros países, em especial em relação aos países da América Latina. Nós desestruturamos não só o lado das exportações como das importações. Hoje a gente tem dificuldades muito maiores para exportar e perdeu alguns mercados que tínhamos, cuja reconquista é muito difícil, como também se tornou muito mais vulnerável do ponto de vista das importações, que se tornaram mais baratas, desestruturaram o parque produtivo nacional, desestimularam a produção interna, etc.

Então, ficou muito mais fácil importar e muito mais difícil exportar. E nós comprometemos irremediavelmente a nossa matriz de produção. Uma desestruturação, portanto, da produção interna, que leva a um aumento da dependência e dessa vulnerabilidade. É uma coisa complicada essa questão de regular os fluxos externos, porque hoje o que está saindo, está saindo praticamente sem empecílio, sem nenhuma restrição. Criar restrições a curto prazo porque nós temos que ter uma abordagem a curto prazo, que seria um período de transição, para alguma coisa a longo prazo que se faria, que se imagina poder fazer a partir de 2003. De qualquer maneira, a maior parte desse capital com que a gente conta ou eventualmente pode contar é um capital essencialmente imigrante, ele tem muita facilidade para se deslocar.

Como disse o Lécio, eu acho que a idéia do pânico que se criou é muito mais uma questão de caráter psicológico. Então, hoje o Brasil está refém de uma idéia ou de um receio de que qualquer coisa que se possa fazer, vai fechar as torneiras desses fluxos internacionais de capitais e nós não vamos ter capacidade de tapar cobrir esse buraco. Mas eu acho que o problema está muito mais na subserviência e na passividade com que essa questão tem sido abordada ou tem sido conduzida pelos nossos, chamados, negociadores. Parece que nós estamos com medo de que as coisas aconteçam, antes de que eventualmente elas possam acontecer. Então, o tratamento dessas questões relacionadas com a possível mudança que a gente queira fazer, com restrições que a gente queira criar, elas lembram muito aquele tipo de discussão que a gente tinha durante o regime militar. Que a gente dizia: Não tome determinada iniciativa porque se você fizer os militares fecham e vai haver um retrocesso .

Então, parece que hoje nós estamos patinando. Nós somos incapazes de negociar em condições soberanas, porque a gente acha que não é capaz de impor nenhuma condição. Na realidade nós não estamos negociando nenhuma condição, nós estamos aceitando praticamente todas as imposições, sem que se ofereça sequer uma contra-proposta. As próprias condições de negociação dos acordos que nós fizemos, que particularmente os países da América Latina fizeram, não são as mesmas que, por exemplo, os países do sudeste asiático fizeram.

O que é que falta a esses negociadores? Falta patriotismo? Seria uma coisa meio piegas. Quem são esses negociadores? Na realidade, uma coisa que tem me assustado ao longo do tempo é que esse processo todo sempre pareceu meio obscurecido. Ao longo do tempo, dos anos e das últimas décadas, quase sempre essa questão tem sido, como tantas outra no nosso país, uma verdadeira caixa-preta. Quantas vezes eu me lembro, ao longo desses últimos anos, que esses acordos tinham 1 negociador brasileiro. Eu fico espantado com isso.Mas como é que é possível? Como é que um país de 160 milhões de habitantes se pode fazer representar por uma pessoa que assume compromissos, que assina documentos, que não são discutidos, que só são dados ao conhecimento da população posteriormente ou que não chegam inteiramente ao conhecimento da população? Como é que essas pessoas tem delegação, como que a gente permite que essas pessoas atuem em nosso nome?

Você sabe que a maior parte desses acordos passam ao largo das discussões do congresso. Eu trabalho num setor onde todos esses acordos externos recebem pareceres e eu afirmo a vocês que praticamente as informações que nós damos são meramente carimbos. São homologação de acordos que já foram, às vezes, negociados durante muito tempo, sempre por autoridades do executivo, pela área econômica. Simplesmente esse acordo é destinado, é distribuído a um parlamentar da base governista que, na comissão de relações exteriores, se limita a, digamos assim, carimbar uma aprovação. É uma coisa esquemática, praticamente padrão.

O Congresso Nacional praticamente não tem nenhuma participação nessas negociações e nenhum conhecimento, a não ser a posteriori, daquilo que foi previamente estabelecido. Então, eu acho que é isso que reforça a intenção deste grupo, desta equipe, deste conjunto de entidades. Ou seja, já que no congresso a nossa representação político-partidária não é capaz de fazer esse trabalho, eu acho que os cidadãos tem que assumir a responsabilidade. Nós não podemos mais aceitar essa política feita de fora, sob medida, padronizada. Eu acho que a gente precisa de alguma forma reagir e essa reação vai ter que se fazer por nosso intermédio, já que os nossos representantes não tem mais condições de fazê-lo. Eu tenho a impressão que a gente vai ter uma faze de transição muito difícil e existe, como todos nós sabemos, uma perspectiva como talvez nunca se tenha tido na história desse país, de que num outro tipo de governo, esquerda, enfim, numa outra concepção de administrar a coisa pública, venha a ter sucesso.

Essa fase certamente vai ser muito difícil, de muita incerteza e isso, de certa forma, ou o receio que isso levanta, já tem alguma influência, por exemplo, nessa redução dos investimentos diretos ou daquilo que se convencionou chamar de investimento direto. Eu chamo muita atenção para isso, que mesmo boa parte daquilo que está se contabilizando como investimento direto, na realidade não é mais do que mera compra ou transferência de ativos. Ou seja, não agrega nada de novo, pelo contrário, só desnacionaliza, só privatiza e desnacionaliza.

Então, eu acho que uma séria de medidas ou de propostas, já que dizem que a gente nunca é propositivo, que a gente só faz diagnóstico e critica, eu acho que algumas coisas que a gente tem que levantar e que tem colocar no discurso, na proposta e no programa de ação da esquerda, ou daqueles candidatos que supostamente melhor apresentam essas preocupações hoje e os anseios de mudança da sociedade brasileira. Eu coloquei aqui uma série de coisas, algumas poderão fazer as pessoas corarem, outras não sei. Algumas talvez sejam viáveis, outras talvez sejam produto do meu idealismo. Mas eu acho que isso precisa começar a ser negociado plenamente e é preciso haver uma intensa mobilização dessas forças, dessas novas forças políticas, inclusive junto à instituições internacionais a partir de agora, ou seja, com muita antecedência.

Eu percebo algumas coisas que a gente precisa colocar como programa. Primeiro que a gente tem que exercer uma participação efetiva, a sociedade como um todo, as organizações da sociedade e é isso que nós estamos fazendo através das nossas entidades, na discussão e a provação desses acordos e alterações. A gente tem que exigir que essas propostas, que as propostas que são apresentadas em debate sejam discutidas previamente. A tramitação desse tipo de operação, de negociação, não pode continuar a ser feita como tem sido feita. Eu acho que nesse tipo de negociação a intermediação tem que ser feita através de uma representação coletiva e pública. Não há mais negociador, não há mais alguém que monopolize esse tipo de ação. Tem que haver uma representação coletiva tem que haver uma participação de representante do congresso, etc. É tudo complicado no congresso, né? Hoje o governo tem uma maioria esmagadora.

Eu acho que nós temos que começar uma grande campanha, paralelamente à aquela campanha que esta se começando a fazer junto à opinião pública nacional internamente, inclusive através da mídia. Eu acho que nós temos que começar a exercer fortes pressões junto a organismos internacionais e exigir, e aí eu não sei o termo que a gente vai empregar, mas eu acho que a gente tem que dar a idéia de que nós precisamos, de alguma forma, fazer uma renegociação da Dívida dos chamados países emergentes. Essa renegociação terá que ser uma renegociação moderada para que não seja uma renegociação forçada. Eu acho que nada pior para o credor do que a perspectiva dele não receber o seu crédito. Então é por isso que a gente não pode falar em calote e em moratória. Nós temos que dizer que queremos honrar os nossos compromissos, mas para honrá-los, a exemplo de qualquer empresa, nós talvez precisemos de uma concordata. Qualquer empresa faz isso. Muitas empresas que saem de uma concordata, saem para uma muito melhor, isso é muito comum no mundo dos negócios. A concordata é para evitar a falência, para isso que existe a concordata. E que essas condições de renegociação tem que se fazer, sobretudo, discutindo prazos e encargos. Por exemplo: de modo geral, os contratos são firmados em condições, bom, antes eram firmados em condições de juros flexíveis, isso é muito curioso, aí quando a taxa de juros aumentava a gente passava a pagar mais. Agora, é curioso, o juro só vai para cima, não vai para baixo. Porque quando ele baixa no mercado internacional, a gente continua pagando a mesma taxa? Porque quando o contrato é assinado, a gente paga uma taxa de risco? O risco varia, pode diminuir e a gente continua pagando a mesma taxa de risco. Porque que a gente não pode discutir, portanto, as condições do encargo?

Eu acho que a gente tinha que apresentar outras propostas. Eu acho que a gente poderia tentar vincular os fluxos de pagamento ao comportamento de determinadas variáveis macroeconômicas. Por exemplo: não se faz isso no plano interno? Uma série de limitações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Tal despesa não pode ser superior a isso, tem tal limite, etc. Menos as despesas financeiras.

Mas eu acho, por exemplo, que a gente deveria sim partir para um tipo de negociação que vincule, por exemplo, o fluxo de saída de recursos, de pagamentos, à coisas tais como receita de exportação. Mais do que isso, que a receita de exportação esteja, de alguma forma, vinculada também às quantidades e aos preços das mercadorias que nós exportamos. Porque também não adianta exportar ou melhorar o sinal da balança comercial, como está acontecendo agora, exportando a qualquer preço. O que nós exportamos representa uma tendência de um esforço crescente da nossa produção interna. Nós cada vez exportamos quantidades maiores a valores unitários menores. Então, porque nós não vincularmos de alguma forma esses fluxos de pagamentos das nossas obrigações, a uma contrapartida dos nossos clientes. Eu acho que nós temos outras perspectivas. Eu acho que nós temos que colocar em discussão, no plano internacional, mecanismos de conversão de parte da Dívida, de algumas das dívidas. Eu acho que terá que haver alguma sensibilidade para que nós possamos discutir a conversão de parte dessas dívidas em programas sociais, com um acompanhamento de tudo o que se fizer, não com monitoramento. É diferente. E essa é a postura que a gente teria que adotar daqui para frente, acompanhamento sim, monitoramento não. Eu acho, e nisso o professor Reinaldo pensa bem diferente de mim, ao contrário do que se está fazendo, nós temos que buscar um fortalecimento dos mercados regionais e, nesse sentido, nós temos que resistir fortemente à tentativas do tipo ALCA e outras. Porque eu vejo uma perspectiva, isso é muito complicado do ponto de vista prático, mas eu acho que agente teria que discutir a possibilidade de que através do fortalecimento dos mercados regionais a gente pudesse fugir da questão da moeda de troca internacional. Que a gente pudesse, através disso, buscar uma alternativa para algum tipo de mecanismo, que seria algo do tipo troca direta ou compensação de trocas. Pra que a gente, no momento de transição, pudesse reduzir um pouco o grau de vulnerabilidade que tem e que aumentou após o plano Real, em decorrência dessa maior exposição, desse maior grau de abertura comercial. Que esse é um dos riscos que as pessoas sempre apontam: não dá para fazer nada, imagine, vão cotar o nosso crédito. Crédito de curto prazo. Crédito de 30, 60, 90 dias. Vão cortar o nosso suprimento de matérias primas, de insumos essenciais. Duvido, como disse o Lécio. Eu tenho a mesma impressão.

Capitalista não é burro. Ele não está a fim de perder todo dinheiro que tem investido aqui. Ele não está a fim de perder esse mercado potencial, que é um dos maiores mercados potenciais do mundo. Eu acho que estão fazendo o bicho muito maior do que ele é.

Algumas coisas, nem tudo, pode ser feito a curto prazo, mas eu acho que sem dúvida nós vamos ter que pensar, dentro de uma nova programação de governo, nesse processo, nesse grau crescente de abertura. Eu não sei se a gente chegou a um limite. Daqui para frente, ao contrário do que se tem defendido, eu acho que nós vamos ter que para ou regredir. E isso é mais ou menos simultâneo a um esforço, a um processo de diversificação de exportações e importações.

Eu não sei até onde, mas eu acho que a gente precisa criar alguns mecanismos para controlar tanto os fluxos de entrada como os de saída de recursos, ou estabelecer condições com algum tipo de restrição. Eu acho que nós temos que estabelecer condições sim, tanto para a aplicação quanto para repatriamento de recursos e eu acho que nesse aspecto na área tributária, algumas coisa que a gente precisa fazer, que a gente fazia e deixou de fazer. Nós recuamos. É incrível. Por exemplo, hoje nós não tributamos mais a distribuição de resultados. Nós ainda criamos um mecanismo que consiste na possibilidade de deduzir o juro calculado sobre o patrimônio liquido.

De qualquer forma, a campanha de mídia é essencial principalmente para tranqüilizar a classe média. Acho que a gente tem que deixar muito claro para a população que o país não tem interesse, nem externa nem internamente, porque há uma forte associação entre essas duas coisas, até em função dos mecanismos da dívida externa e da dívida pública interna, que não há nenhuma intenção de romper os contratos, de rompe-los unilateralmente. A nossa experiência nesse sentido, no período Collor é muito dolorosa.

Eu acho que a gente tem que propor uma auditoria sim, mas propor a auditoria com a seguinte estratégia: uma auditoria permanente, não é uma auditoria circunstâncial, episódica. Não. Nós vamos instituir um sistema de auditoria permanente e esse sistema tem que se fazer através de um órgão multifacetado, com participação governamental e não-governamental. Eu quero saber, porque eu tenho o direito de saber, para onde foi o dinheiro, quem foi o responsável pela operação, se a documentação é legítima, quanto já foi pago, se as cláusulas são razoáveis, etc.

Eu acho que essa história de se assustar ou de achar que o pessoal vai fugir daqui é bobagem. Pode haver um pequeno refluxo. Mas o capitalista não é bobo. E ele sabe que o potencial desse país é muito grande e além do mais, a credibilidade do país decorre das suas perspectivas de médio e longo prazos e dos seus verdadeiros fundamentos econômicos, só que, muita gente tem falado de fundamentos econômicos de uma forma bastante dúbia. Porque viviam nos dizendo que a gente tinha sólidos fundamentos, de um momento para outro, os fundamentos foram para o espaço. Sobreveio a crise de energia. Isso não é fundamento econômico? A capacidade física de produção. Eu nunca vi eles dizendo que isso é fundamento econômico. Bom, isso é um fundamento econômico fundamental. Eles se esqueceram disso.

Acima de tudo eu acho que o nosso trabalho é um trabalho que deve envolver uma relação de confiança com a coletividade, de campanha junto à mídia nacional, de esclarecimento juntos às instituições internacionais e sobretudo de restabelecimento de confiança na coerência das políticas econômicas e na própria estabilidade das regras. E por isso o respeito aos contratos é uma coisa fundamental. É uma coisa em que efetivamente o país não tem primado e que é exatamente um dos fatores que mais incerteza cria nesses momentos de mudança.