Justiça na política ou política na Justiça? – STF joga decisão sobre dívida dos estados para Câmara dos Deputados

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As graves denúncias sobre as irregularidades nas dívidas dos estados com a União que vêm sendo feitas pela Auditoria Cidadã da Dívida desde 2010 entraram para o debate nacional, no último mês. Na via jurídica, liminares foram concedidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), alterando a forma de cálculo dos juros das dívidas estaduais, de juros compostos para juros simples. Na via política, o PLP 257/16, de iniciativa do Executivo, propõe um alongamento do pagamento da dívida dos estados, o que pode representar um certo alivio momentâneo de caixa para alguns, porém, impõe medidas de cortes drásticos que afetam gravemente o serviço público estadual e, de quebra inclui algumas armadilhas, como a garantia de remuneração de sobra de caixa dos bancos e a transformação da União em seguradora internacional, medidas que afetarão negativamente as finanças públicas do país.

Enquanto o PLP 257/16 aguarda na pauta da Câmara para ser votado, na última quarta-feira, 27 de abril, o plenário do STF julgaria a manutenção ou não das liminares concedidas a Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais. O caso afirmativo poderia representar o primeiro questionamento enfático e definitivo da suprema corte brasileira ao Sistema da Dívida, que extrai dos recursos públicos e do trabalho dos cidadãos brasileiros toda a sua riqueza, sem dar contrapartida alguma à sociedade. Seria o momento da Justiça evidenciar que o lucro rentista, advindo do engenhoso, imoral e ilegal mecanismo do juros sobre juros, conhecido como anatocismo e já proibido pela Súmula 121 do próprio STF, não pode acontecer às custas do povo brasileiro, principalmente, entre entes públicos e governamentais.

Os procuradores gerais dos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Minas Gerais denunciaram o que a dívida tem feito com os seus respectivos estados. Dívida, por certo, já paga. E como, em um espetáculo surreal, a União passou a lucrar bilhões em cima das dívidas estaduais, reproduzindo o modelo do mercado ao qual vem indevidamente se submetendo. A defesa do governo federal, inclusive, é justamente essa: “O mercado cobra de nós juros compostos, portanto, precisamos cobrar juros compostos dos estados”. Em outras palavras: “O mercado lucra com o governo federal por meio da sua dívida pública, portanto, o governo federal deve lucrar por meio da dívida dos estados”. Ao que parece, a ninguém preocupa que o catarinense, o gaúcho e o mineiro são igualmente cidadãos brasileiros, e dessa forma, têm duplamente suas riquezas extraídas sem contrapartida em qualquer categoria de serviços públicos ou bens públicos.

A esperança no STF, trazida à tona pelas liminares concedidas aos estados, no entanto, foi por água abaixo. Não porque os ministros tenham atestado a legitimidade dos juros compostos, mas porque preferiram deixar a decisão para o campo político. Logo após o voto do ministro Edson Fachin, pela derrubada das liminares, o ministro Luís Roberto Barroso propôs que se tente chegar a um acordo entre União e estados, pela via política, nos próximos 60 dias.

Que os entes federados – União e estados – se resolvam entre si, junto ao Congresso Nacional, sem a necessidade da via judicial? Ótimo. Não fosse a imensa crise de representatividade que atinge grande parte dos representantes do Executivo e Legislativo no país.

Restou evidente a incapacidade de enfrentamento do Sistema da Dívida, que extorque a população brasileira pela via estadual e federal, assim como a incapacidade de ir à origem do problema e questionar a legitimidade de dívidas contraídas de formas estapafúrdias, com bancos estaduais sendo privatizados e dívidas privadas sendo transformadas em dívidas públicas.

Restou evidente também a busca de uma “solução milagrosa” via PLP 257/16, que irá manter o funcionamento do Sistema da Dívida às custas de imensuráveis prejuízos aos servidores públicos e à sociedade que depende dos serviços públicos nos estados.

Veja alguns dos riscos do PLP 257:

1) o corte de 10% das despesas mensais com cargos de livre provimento;

2) proibição de aumento de remuneração dos servidores a qualquer título;

3) suspensão de contratação de pessoal, exceto reposição de pessoal nas áreas de educação, saúde e segurança e reposições de cargos de chefia e direção que não acarretem aumento de despesa;

4) a vedação de edição de novas leis ou a criação de programas que concedam ou ampliem incentivos ou benefícios de natureza tributária ou financeira;

5) a instituição do regime de previdência complementar, caso ainda não tenha publicado outra lei com o mesmo efeito;

6) a elevação das contribuições previdenciárias dos servidores e patronal ao regime próprio de previdência social (sendo a elevação para pelo menos 14%, no caso dos servidores);

7) a reforma do regime jurídico dos servidores ativos, inativos, civis e militares para limitar os benefícios, progressões e vantagens ao que é estabelecido para os servidores da União;

8) a definição de um limite máximo para acréscimo da despesa orçamentária não financeira a 80% do crescimento nominal da receita corrente líquida do exercício anterior;

9) a instituição de monitoramento fiscal contínuo das contas do ente, de modo a propor medidas necessárias para a manutenção do equilíbrio fiscal;

10) a instituição de critérios para avaliação periódica dos programas e projetos do ente;

11) remunera sobra de caixa dos bancos;

12) transforma a União em garantidora de investimentos nacionais e estrangeiros fora do país.

Por isso, a sociedade que paga essa conta precisa se mobilizar, apoderando-se do conhecimento técnico sobre o Sistema da Dívida, e exigindo de todos os representantes que ocupam os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, tanto em níveis estaduais como federal, que enfrentem o problema da dívida desde a sua origem, para que uma solução de fato venha a ser adotada, e não desvios que aprofundarão ainda mais os problemas sociais no país, como o PLP-257.

Fica a pergunta… Há Justiça na Política? E há política na Justiça?