Lei 159/2017 e o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal: Um Novo Ataque à Sociedade

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Eduardo Santos Maia*

A Lei 159/2017 e sua relação com a Dívida Pública

São diversos os mecanismos pelos quais a dívida pública drena recursos da União e dos Estados. Desde a fomentação de um ordenamento jurídico que favoreça o pagamento de juros e amortizações até a intervenção financeira de organizações internacionais no país, o orçamento público brasileiro é sistematicamente abocanhado em favor do setor financeiro internacional.

Um dos principais canais de escoamento de dinheiro público é a dívida dos Estados. Dentre as principais ilegalidades e irregularidades estão a ingerência do FMI, o desrespeito à autonomia dos Estados e a adoção de juros abusivos, maiores do que os praticados com empresas privadas e maiores do que o autorizado por lei. O sistema de crédito entre União e Estados que, em teoria, teria a função de capitalizar os Estados e alavancar seu desenvolvimento passa a ser um instrumento de repasse para o sistema financeiro uma vez que os valores recebidos pela União são utilizados para pagamento da dívida pública, conforme dispositivo legal.

A última renegociação entre Estados e União se pautou na Lei 9.496/97, que demandava contrapartidas tais como a privatização de patrimônio estatal e a incorporação de dívidas dos bancos estaduais a serem privatizados. Nem mesmo a alegação de que o acordo seria benéfico pelo valor da taxa de juros a ser pago se realizou, pois as taxas pagas à União permaneceram altas, calculadas pelo IGP-DI, índice historicamente superior à inflação oficial. O saldo para os Estados foi a manutenção de uma dívida impraticável aliada à perda patrimonial e de parte de suas fontes de renda.

Vinte anos após tal renegociação, os Estados voltam a enfrentar uma profunda crise, com casos extremos como a falta de caixa para pagamento dos servidores estaduais no Rio de Janeiro, que vem parcelando pagamentos desde o final de 2016. É importante notar que parte da crise, de fato, deve ser creditada à má administração, escândalos de corrupção e incentivos fiscais bilionários; no entanto, estes eventos mascaram a relevância do papel da dívida dos Estados em suas crises. A culpabilização dos servidores e a falácia do “Estado inchado” contribuem para a criação de uma cortina de fumaça que impede a sociedade de enxergar o caráter estrutural da dívida dos Estados e seu impacto nos orçamentos estaduais.

O momento de excepcionalidade política atual é favorável a desmontes sociais e aprofundamento de estruturas favoráveis ao grande capital. Nesse ensejo, é apresentado na Câmara dos Deputados, em caráter de urgência, o Projeto de Lei Complementar 343, que institui o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados e do Distrito Federal, do relator Pedro Paulo (PMDB-RJ) e já transformado na Lei Complementar 159/2017, com publicação no Diário Oficial da União em 22/05/2017.

A Lei 159/2017 tem por objetivo alegado a reestruturação das finanças dos Estados, vinculando-a à paralisação do pagamento de suas dívidas com a União, embora o pagamento ainda seja devido com correções após o fim do Regime. Na prática, a Lei representa um novo ataque à autonomia dos Estados, bem como ao papel do poder público como agente na construção de uma sociedade de melhor bem-estar. Dentre os elementos principais do texto, destacam-se a autorização de privatizações de empresas estaduais de setores-chave como energia e saneamento; a supressão de benefícios de servidores públicos e; a adoção de um Regime Próprio de Previdência Social mantido pelo Estado.

A privatização de empresas acarretará em nova redução do combalido patrimônio público estadual, reduzindo fontes de renda sem efetivamente resolver a questão da dívida dos Estados. Também serão transferidos para mãos privadas bens públicos que, grande parte das vezes, são superavitários e ao serem privatizados passarão a atender interesses exclusivamente privados, sem que isso signifique necessariamente melhoria dos serviços.

A supressão de benefícios ou vantagens não previstos no regime jurídico único dos servidores públicos da União implica em perdas salariais e impossibilita ajustes e bonificações. A precarização das condições de trabalho e a ausência de reajustes ou reajustes abaixo da inflação contribuem para o desprestígio da função e, ao longo das últimas décadas, têm representado arrocho na qualidade de vida dos servidores públicos estaduais.

A adoção de regime próprio de aposentadoria para servidores estaduais vai ao encontro da PEC 287, que trata da reforma da previdência, resultando na inviabilização da aposentadoria para parte da população, bem como precarização de suas condições. É digno de nota que o Governo Federal estimule a criação de fundos de pensão estaduais, e indiretamente de fundos privados, em um momento de descrédito internacional nos fundos, em parte responsáveis pela crise financeira de 2008. A FUNPRESP (Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público Federal do Poder Executivo) foi um caso similar de mudança de regime previdenciário já em vigor. Ainda que uma análise pormenorizada da FUNPRESP seja prematura nesse momento, é possível estabelecer seu risco para os contribuintes, que não podem mais contar com a solidariedade de um fundo de pensão comum e ficam sujeitos a variações de mercado e má administração dos valores aplicados.

A luta contra projetos prejudiciais à sociedade não é fácil. Nossa democracia constantemente dá mostras de não estar madura e seus meandros dificultam uma participação popular efetiva na tomada de decisões. Ainda assim, cabe a todo cidadão a responsabilidade de buscar melhorias não somente para si, mas para a sociedade como um todo; a participação e vontade populares devem ser princípios norteadores da política brasileira e somente com uma atuação combativa é possível caminhar nesta direção.

* Trabalho de Conclusão do Curso de Ensino à Distância Dívida Pública Brasileira e suas consequências para os diversos segmentos sociais – Auditoria Cidadã da Dívida: Por quê? Para quê? Como? 

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Referências bibliográficas

AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA (Brasília). A Dívida Pública em Debate: Saiba o que ela tem a ver com a sua vida. Brasília: Inove, 2012. 78 p.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei Complementar nº 343-C, de 2017. Redação Final: Projeto de Lei Complementar Nº 343-c de 2017.

FATTORELLI, Maria Lucia. Auditoria Cidadã da Dívida dos Estados. Brasília: Inove, 2013. 387 p.