MANIFESTO – REFORMA TRIBUTÁRIA – TEM QUE SER COM JUSTIÇA FISCAL

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O Instituto Justiça Fiscal (IJF), o Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), a Rede Brasileira de Integração dos Povos (REBRIP), a Internacional de Servidores Públicos (ISP) e a Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), com o apoio da Red Latinoamericana sobre Deuda, Desarrollo y Derechos (LATINDADD), da Red de Justicia Fiscal de América Latina y el Caribe (RJFALC), da Associação Nacional dos Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP), das Delegacias Sindicais do Sindicato Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (SINDIFISCO NACIONAL) de Salvador, do Rio de Janeiro, de Porto Alegre, do Ceará e do Espírito Santo, realizaram, nos dias 21 e 22 de janeiro, no Fórum Social Mundial Temático – 2016, oficinas para tratar do tema JUSTIÇA FISCAL PARA UM MUNDO MELHOR, e elaboraram, a partir dos debates realizados, o presente MANIFESTO.

 

 

REFORMA TRIBUTÁRIA – TEM QUE SER COM JUSTIÇA FISCAL

O tributo não é um fim em si mesmo, mas um meio para atender as demandas sociais. As grandes transformações sociais em andamento tanto demográficas e culturais quanto de estrutura produtiva têm produzido novas demandas que requerem uma reconfiguração e ampliação do fundo público especialmente aquele destinado à seguridade social, com garantia de suas fontes de financiamento.

Soma-se a isso o caráter injusto da atual carga tributária, não por seu tamanho, mas por sua distribuição, o que impõe a necessidade urgente de uma reforma tributária. O alto peso da tributação sobre o consumo quando comparado com a tributação sobre a renda e o patrimônio faz com que os mais pobres acabem pagando mais tributos do que os mais ricos, proporcionalmente às suas rendas, aumentando a desigualdade social. Segundo o IPEA (2008), quem ganhava até 2 salários mínimos comprometia mais de 50%  de sua renda em tributos enquanto os que ganhavam mais de 30 salários mínimos, comprometia menos de 30%.

Em 2013, mais de 50% da arrecadação total veio do consumo, e somente cerca 20% foi proveniente da renda. A tributação sobre o patrimônio representou menos de 4% da arrecadação total. Nos países da OCDE esta relação é invertida, sendo que a maior parte da tributação decorre da renda. Nos EUA, por exemplo, mais de 50% da arrecadação provêm da renda e somente 16% têm origem no consumo.

Portanto, uma reforma tributária com justiça fiscal, que respeite a capacidade contributiva, deve ser capaz de deslocar parte da carga tributária que incide sobre o consumo (tributos indiretos) para o patrimônio e a renda (tributos diretos). Para isso, uma importante medida é promover tratamento isonômico na tributação das rendas independente de sua origem, se do trabalho ou do capital e elevar a tributação sobre as altas rendas. O Imposto de Renda das pessoas físicas no Brasil, que representa apenas 2,7% do PIB enquanto a média dos países da OCDE é de 8,5%, é extremamente benéfico aos rendimentos do capital e oneroso aos rendimentos do trabalho. Isso porque, de forma isolada em relação aos demais países, as rendas decorrentes da distribuição de lucros e dividendos no Brasil são isentas deste tributo, desde 1995.

Além disso, diante da urgente necessidade de reduzir as desigualdades sociais torna-se imprescindível aumentar a tributação sobre o patrimônio, elevando-se as alíquotas incidentes sobre as grandes propriedades rurais e sobre heranças, e instituir taxação sobre grandes fortunas e IPVA de embarcações e aeronaves, e reduzir seletivamente a tributação sobre o consumo.

No entanto, uma reforma tributária justa só será possível a partir da constituição de hegemonia popular, o que impõe a necessidade de aperfeiçoar a comunicação e a articulação social, com vistas a promover uma nova consciência de cidadania. Neste aspecto, programas de educação fiscal, governamentais ou não, precisam ser estimulados e protegidos contra tentativas de distorções de seu conteúdo, patrocinadas por determinados setores, que vêm descaracterizado sua característica de interesses coletivos e não individuais.

TRIBUTAÇÃO DO SETOR EXTRATIVO – CHEGA DE LEVAR NOSSAS RIQUEZAS E NOS DEIXAR COM A LAMA

O setor extrativo mineral tem características diferenciadas quando comparado com outros setores econômicos, o que exige, por questão de equidade, tratamentos fiscais específicos. Primeiro por se tratar de um bem não renovável. Segundo, porque o minério é um bem público, cuja exploração ocorre por concessão.  Terceiro, que esta atividade se desenvolve obrigatoriamente no local onde se encontra a jazida, muitas vezes desalojando comunidades, destruindo seus meios e modos de vida, contaminando mananciais, destruindo florestas. Quarto, o fato de ser uma atividade preponderantemente comandada por gigantes transnacionais que exploram o recurso mineral quase que exclusivamente para a exportação.

A sociedade brasileira, não apenas as comunidades afetadas pelas atividades extrativas, precisas debater sobre o futuro de suas reservas, inclusive quanto à conveniência ou não de continuar explorando suas riquezas, levando em conta, dentre outros: 1. alternativas de atividades econômicas para a área possivelmente afetada, 2. questão estratégica de manutenção de reservas tendo em vista a crescente escassez de determinados minérios; 3. o retorno à sociedade deve ser suficiente para garantir alternativas econômicas que independam da existência daqueles recursos e que promovam condições econômicas, sociais e ambientais, após o esgotamento dos recursos, superior às condições existentes antes da exploração; e 4. a necessidade de internalização dos custos sócioambientais nos próprios projetos de exploração.

Para promoção da justiça fiscal no setor extrativo é preciso também estabelecer novos marcos legais e normativos para disciplinar as concessões de exploração dos recursos rompendo a lógica feudal vigente que permite que empresas detenham reservas baseada exclusivamente na lógica temporal (ordem de pedidos). Deve-se revogar a Lei Kandir que isenta de ICMS a exportação de minérios; rever a legislação que regula os royalties minerais por serem os mais baixos do mundo; implementar participação especial para projetos de grandes volumes ou grande rentabilidade, a exemplo do setor de petróleo e gás; eliminar as isenções fiscais concedidas no âmbito da SUDAM para a exploração desses recursos; e rever as legislações subnacionais que conferem tratamento diferenciado na cobrança do ICMS para a Mineração.

Não é razoável que pautemos o desenvolvimento nacional na premissa de assumir impactos sociais e ambientais como parte do jogo, facilitando e desonerando a exportação de insumos sob o único ou principal argumento da geração de superávits comerciais, sem considerar todos os elementos que deveriam ser avaliados para permitir a exploração da riqueza de uma nação.

Por se tratar de exploração de recursos públicos, é ainda necessário estabelecer mecanismos que garantam absoluta transparência sob aspectos tributários, sociais, ambientais e econômicos das empresas incluindo transparência em relação aos registros contábeis e às transações internacionais de todas as suas subsidiárias país por país.

 

ARQUITETURA ECONOMICA E FINANCEIRA GLOBAL – O CERCO AOS MECANISMOS DE EVASÃO FISCAL TEM QUE SER FECHADO

A reconfiguração da economia mundial promovida pela globalização trouxe inúmeros mecanismos de fragilização da capacidade de tributação das nações. O incremento do comércio internacional, tanto de bens como de serviços, se deu basicamente por operações intrafirma; cujos preços, portanto, são determinados não por meras questões de oferta e demanda, mas sim, para atender os agressivos interesses do planejamento tributário das multinacionais.

Assim, o comércio internacional que decorre da globalização não é mais comércio em sua essência, mas simples transferências de mercadorias ou de insumos entre unidades de uma mesma corporação; de tal forma que tanto o faturamento das empresas pulverizadas ao redor do mundo, quanto os custos dedutíveis são manipulados com vista a deslocar os lucros para paraísos fiscais ou para países que ofereçam benefícios tributários especiais. É exatamente este mecanismo que tem sido responsável por uma parcela significativa da evasão fiscal, pressionando a carga tributária em direção às parcelas mais vulneráveis da população, dificultando o poder regulador do Estado e impossibilitando o financiamento de serviços públicos universais de qualidade.

 

CAMPANHA GLOBAL POR JUSTIÇA FISCAL – QUE AS TRANSNACIONAIS PAGUEM O JUSTO

A falta de recursos para as políticas públicas, para a promoção de direitos e para atender as demandas mais urgentes das sociedades, como saúde, educação, segurança, saneamento e outras, ocorre em grande medida devido à enorme evasão/elisão fiscal promovida pelas grandes corporações multinacionais, através de planejamentos tributários agressivos, utilizando-se de manobras contábeis ou brechas legais para reduzir consideravelmente seus tributos devidos.

Esta realidade impõe a necessidade de mobilização cidadã com o objetivo de pôr fim a este verdadeiro saque aos recursos públicos. Para tanto, várias organizações da região, impulsionadas pela Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe vêm desenvolvendo uma campanha que busca canalizar, a nível continental, ações de pesquisa, denúncia, mobilização e divulgação a favor da justiça fiscal.

A campanha QUE AS TRANSNACIONAIS PAGUEM O JUSTO visa a gerar capacidade crítica e cidadã na sociedade para a implementação de uma série de reformas sobre a tributação das grandes multinacionais. Almeja também a cooperação tributária na região que elimine a competição entre os países para ver quem concede mais incentivos às transnacionais. Além disso, pleiteia uma série de medidas coordenadas para evitar a evasão de tributos, tais como: transparência fiscal; fim dos paraísos fiscais; multinacionais serem tratadas como únicas e não como diversas filiais independentes, realizando reporte país a país; combate aos fluxos ilícitos; fim das renúncias tributárias.

A presente campanha visa sensibilizar a sociedade para os riscos que o aprofundamento deste modelo de internacionalização da economia, sem controles nacionais ou supranacionais, pode produzir na capacidade das Nações de atenderem às demandas das sociedades, de construir um sistema tributário mais justo, de preservar suas soberanias e meio ambiente e de fortalecer as democracias. QUE AS TRANSNACIONAIS PAGUEM O JUSTO, de acordo com a atividade econômica que produza em cada país, é condição essencial para a construção de uma sociedade mais justa, livre e solidária.

 

Porto Alegre, 22 de janeiro de 2016.

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