NOTA TÉCNICA ACD 4/2020 Breve análise do Substitutivo 2 à PEC 10/2020 no Senado, divulgado dia 15.04.2020

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Se querem colocar o Banco Central para fazer mera doação de dinheiro do Tesouro Nacional aos bancos (ou às grandes empresas), que isso seja dito assim, às claras, e não mediante subterfúgio de operação feita às sombras, em mercado de balcão, absorvendo títulos podres que
serão pagos com títulos da dívida pública brasileira.
Maria Lucia Fattorelli

 

O último substitutivo do Senador Antonio Anastasia (PSD/MG), apresentado poucas horas antes do processo de votação da PEC no Senado, traz alterações que não corrigem os principais riscos da PEC 10/2020:

– Limita as operações a mercados secundários nacionais, o que não altera o risco e a obscuridade das operações nesse mercado de balcão, pois papéis relacionados a créditos internacionais podem ser negociados no mercado nacional;

– Prevê que os ativos que serão adquiridos pelo Banco Central tenham classificação em categoria de risco de crédito no mercado local equivalente a BB- ou superior, ou seja, coloca na Constituição que o BC poderá comprar ativos de “GRAU ESPECULATIVO”, que é o significado de BB-. Ademais, as agências classificadoras têm tido a sua conduta seriamente questionada, em especial desde a Crise de 2008, por atuarem a favor de suas contratantes, ou seja, os bancos, com evidentes conflitos de interesses. Também têm sido acusadas de fraudes até em processos movidos pelo governo dos Estados Unidos da América do Norte. Ademais, será altamente questionável a avaliação, por uma agência internacional de risco, de derivativos privados emitidos por empresas não-financeiras, sendo que tais ativos sequer são negociados em bolsas de valores! É evidente a impossibilidade de uma avaliação minimamente séria!

– Dá a preferência à aquisição de títulos emitidos por micro, pequenas e médias empresas, o que denota desconhecimento quanto ao tipo de empresa que pode emitir papéis financeiros (debêntures e derivativos que a PEC 10/2020 menciona). Somente grandes empresas – S/A – podem emitir tais papéis, a não ser no caso de empresas de fachada, fantasmas, ou as novas empresas estatais não dependentes que têm sido criadas para operar esquemas financeiros fraudulentos da denominada Securitização de Créditos Públicos (estas costumam ser criadas com capital reduzido e emitem debêntures com garantia estatal elevadíssima). Adicionalmente, o próprio relator, em seu relatório, afirmou que
nenhuma empresa seria beneficiada com recursos dessas aquisições feitas pelo Banco Central, e chegou a usar essa afirmação como argumento para rejeitar emendas de senadores que pediam contrapartidas (manutenção de empregos e não distribuição de lucros aos sócios). Os bancos é que serão os maiores beneficiários.

– Mantém a falta de transparência necessária, na medida em que, dentre as informações a que se propõe prestar, não inclui o nome dos beneficiários das operação e sequer atende as demais exigências indicadas como “Procedimentos Mínimos” determinados pela Anbima 1 . Prevê apenas um pacote de números “com todas as respectivas informações, incluindo condições financeiras e econômicas das operações, como taxas de juros pactuadas, valores envolvidos e prazos”, o que está muito longe de alcançar o cumprimento do princípio da transparência.

– Mantém o pagamento de juros sobre o capital próprio e dividendos até o mínimo obrigatório estabelecido em lei ou no estatuto social, o que é inócuo, dado que o estatuto social pode ser alterado a bel prazer dos interessados. Ademais, não exige nenhuma contrapartida em termos de investimento da economia do país ou manutenção de empregos e pagamento de salários.

– Mantém a remuneração, fixa ou variável, de diretores e membros do conselho de administração, no caso das sociedades anônimas, e dos administradores, no caso de sociedades limitadas, limitando-se a vedar apenas eventual aumento desses ganhos (em alguns casos altíssimo) de tais administradores.

– Mantém a insana modificação das funções institucionais do Banco Central, na medida em que mantém a autorização para o Banco Central atuar no desregulado mercado de balcão, como um agente independente, assumindo riscos e prejuízos dos bancos sem limite e sem exigir contrapartida alguma ao país.

– Mantém o uso de dinheiro público para a compra da carteira podre de bancos, com ônus de 100% ao Tesouro Nacional. Embora a menção do Tesouro tenha sido omitida no texto da PEC 10/2020, o Tesouro Nacional cobrirá de qualquer forma o ônus financeiro de tais operações, tendo em vista o disposto no art. 7º (§1º) da “Lei de Responsabilidade Fiscal”, segundo o qual os prejuízos do Banco Central são integralmente cobertos pelo Tesouro Nacional.

Mantém a transformação, em títulos da Dívida Pública, de trilhões de reais de derivativos, créditos incobráveis e papéis podres acumulados durante anos nas carteiras dos lucrativos bancos, que inclusive já se ressarciram dessas perdas por meio da provisão deduzida de seu lucro tributável em cada ano.

– Mantém a geração de trilhões de reais de Dívida Pública completamente ilegítima, resultante da transformação de carteira podre de bancos.

– Mantém a prática de operações altamente temerárias para os cofres públicos, pois a avaliação de rating deve ser considerada apenas como uma informação adicional e não uma condição suficiente para a aquisição de créditos privados, conforme recomendação da Anbima em Parecer de Orientação 11/2008.

– Mantém a temeridade da operação em relação à instabilidade de preço de referência dos papéis no desregulado mercado secundário, em especial em tempos de crise, não sendo suficiente apenas uma informação emitida por alguma instituição do mercado que pode ser justamente a interessada em se livrar do crédito podre.

Mantém a subserviência do Banco Central à instituição privada BIS, de onde emanam as determinações para essa atuação dos bancos centrais de vários países a serviço da banca privada.

– Mantém a ausência de motivação e justificativa minimamente plausível para a aquisição, pelo Banco Central, de títulos podres da carteira de bancos, no valor de trilhões de reais, às custas do Tesouro Nacional, sacrificando ainda mais o povo brasileiro.

Conforme análise mais detalhada constante das Notas Técnicas 1, 2 e 3 2 e Alerta ao Senado expedidos nas duas últimas semanas, o que consta dessa PEC 10/2020 configura mero oportunismo, em plena crise provocada pela pandemia do coronavírus, pois em sua essência se resume à mera compra, pelo Banco Central, de carteira podre acumulada no passado por bancos, sem limite ou controle algum, transferindo-se todos os riscos e prejuízos desses lucrativos bancos para as costas do Tesouro Nacional! Não se tem notícia de operação semelhante por qualquer Banco Central do mundo!

Contamos com a seriedade e responsabilidade dos Senadores e Senadoras para impedirem que as aberrações elencadas na presente Nota
Técnica passem a fazer parte da Constituição e demais leis do país.

Brasília, 15 de abril de 2020

Coordenação Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida
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Coordenação Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida

SAUS, Quadra 5, Bloco N, 1º andar – Brasília/DF – CEP:70070-939 – Edifício Ordem dos Advogados do Brasil
Telefone (61) 2193-9731 – E-mail contato@auditoriacidada.org.br – Página web www.auditoriacidada.org.br

1 Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais
2 https://auditoriacidada.org.br/conteudo/nota-tecnica-acd-3-2020-substitutivo-do-senado-a-pec-do-orcamento-de-