Nota Técnica da Auditoria Cidadã da Dívida no 1/2016 para o STF

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Nota Técnica da Auditoria Cidadã da Dívida no 1/2016

Análise da repercussão dos Mandados de Segurança impetrados pelos Estados (SP, RJ, MG, RS, SC, AL), alguns com liminares concedidas, que tratam da aplicação da Lei Complementar nº 148/2014 sobre as finanças da União.

RESUMO: da inconstitucionalidade da aplicação de juros sobre juros; da ausência de repercussão significativa do cancelamento de parte da dívida sobre as finanças da União – a União não quebra; do desrespeito ao Federalismo decorrente da aplicação da Lei Federal nº 9.496/97 – a União lucrou indevidamente; do reconhecimento de ônus excessivo imposto pela União aos Estados; da síntese dos argumentos da Auditoria Cidadã da Dívida sobre a Dívida dos Estados; resumo dos indícios de ilegalidades e ilegitimidades que recaem sobre a dívida dos estados; necessidade de Auditoria da Dívida dos Estados; conclusão.

O objetivo da presente nota técnica é apresentar as contribuições da Auditoria Cidadã da Dívida acerca da dívida dos estados e colaborar para desmistificar a ideia de que a tese defendida nos Mandados de Segurança, se vencedora, “quebraria” a União. A União não quebra com a aplicação dos juros simples, como se demonstrará.

A Auditoria Cidadã da Dívida é uma associação sem fins lucrativos, conta com apoio e colaboração de importantes entidades da sociedade civil e cidadãos voluntários que colaboraram na elaboração da presente notai e, há 15 anos, atuam pelo cumprimento da Constituição Federal, no que diz respeito à realização da auditoria da dívida (art. 26 do ADCT da CF de 1988), tendo em vista que a dívida pública tem sido um dos principais empecilhos ao desenvolvimento socioeconômico do Brasil.

O livro “Auditoria Cidadã da Dívida dos Estados”ii compila parte da experiência adquirida durante nossa assessoria à CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados (no período de agosto/2009 a maio/2010), ocasião em que foram apurados diversos indícios de ilegalidade e ilegitimidade na renegociação e evolução da dívida dos estados e impressionante desrespeito ao Federalismo sob vários aspectos, comprovando-se a necessidade de revisão dos termos da referida renegociação e realização de auditoria dessas dívidas.

  1. Inconstitucionalidade da cobrança de juros sobre juros

A inconstitucionalidade da cobrança de juros sobre juros nos contratos de refinanciamento das dívidas dos entes federados pela União já vem sendo perfeitamente analisada por essa Egrégia Corte, em recentes liminares concedidas em processos de mandado de segurança impetrados respectivamente pelos estados do Rio Grande do Sul (MS 34110); Santa Catarina (MS 34023); Minas Gerais (MS 34122), Rio de Janeiro e outros.

As referidas liminares apoiam-se nos princípios da Súmula 121 do STF: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”. Inaceitável a ideia de cobrança de juros entre entes da Federação. Muitíssimo mais grave é admitir-se juros compostos, qual seja juros sobre juros. Assim, parabenizamos pelas liminares concedidas e esperamos que estas recebam acolhimento por ocasião do julgamento do mérito dos mandados de segurança.

  1. A União não “quebra”

Importante destacar, preliminarmente, que a União não “quebrará” em decorrência da revisão do cálculo da dívida dos entes federados autorizado liminarmente por essa Egrégia Corte.

Algumas discussões que apontam uma estimativa de perda da União em torno de R$ 313,33 bilhões, divulgadas nos meios de comunicaçãoiii, não significam prejuízo imediato aos cofres federais, uma vez que é preciso considerar, como indicado a seguir, o fluxo esperado dos pagamentos. Esse fluxo, a se manter os contratos nos prazos originais, segue até o ano de 2038 e se dilui no tempo, não comprometendo parcela significativa das receitas anuais da União. Aliás, quanto mais decorre o período, menor a receita esperada dos pagamentos.

Com os dados a seguir vamos demonstrar que o fluxo das receitas anuais representa ínfima fatia das receitas da União.

Conforme dados oficiais de 2015, evidenciados no Quadro Iiv a seguir, que compara as Receitas Federais realizadas em 2015v com as Despesas Federais pagas em 2015vi, verifica-se que os estados e municípios transferiram para a União cerca de R$ 22 bilhões, correspondentes ao pagamento de suas dívidas e outras transferências. Esse valor corresponde a apenas 0,8% do total de receitas federais realizadas em 2015 (R$2,748 trilhões).

Ainda que a comparação entre os valores pagos pelos entes federados fosse feita somente com as receitas não financeiras (isto é, excluindo-se as receitas de capital de R$ 1,319 trilhão), o valor recebido pela União, proveniente de estados e municípios, corresponderia a apenas 1,52% do total.

Assim, ainda que a União venha a deixar de receber a totalidade do que tem sido transferido pelos estados e municípios atualmente, é incabível a alegação de que viria a “quebrar” por falta de tais receitas.

QUADRO I

Outra fonte de dados recentemente obtida junto ao Tribunal de Contas da União, em resposta a Requerimento no âmbito da Lei de Acesso à Informação, indica que os estados e municípios teriam transferido para a União R$ 37 bilhões em 2015vii, correspondentes ao pagamento de suas dívidas. Embora seja bem superior ao dado obtido nas planilhas divulgadas pela CGU, antes mencionadas, esse valor corresponde a apenas 1,35% do total de receitas federais realizadas em 2015.

Semelhante comparação (entre o valor recebido pela União, proveniente de estados, e a soma de receitas não financeiras) feita em outros anosviii mostra que de 2009, 2010, 2011 e 2014 os pagamentos das dívidas estaduais representaram, respectivamente, apenas 1,81%, 2,08% e 2,01% e 2,27% das receitas não financeiras da União, evidenciando-se que a União não “quebrará” se os Estados deixarem de pagar!

  1. Insustentabilidade da Dívida para os Estados

Se por um lado o valor pago pelos estados à União representa percentual desprezível de sua receita total, para os estados o ônus provocado por esse processo chegou a uma situação insustentável.

O refinanciamento efetuado com base na Lei no 9.496/97 veio inserido em um pacote que obrigou os estados a privatizar seu patrimônio público, assumir dívidas dos bancos estatais que seriam privatizados (PROES), além de refinanciar sua dívida mobiliária – em títulos – por seu valor de face total, sendo que tais títulos haviam sido arrematados por instituições financeiras por valores muito abaixo do valor de face.

Desde o início, o citado refinanciamento vem lesando todos os entes federados, que perderam o seu patrimônio público e ainda assumiram questionáveis passivos de bancos, que foram somados ao valor refinanciado, conforme tabela fornecida pelo Tesouro Nacional à CPI da Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados Federaisix.

Com o passar dos anos, apesar de os estados terem cumprido as exigências de privatização de seu patrimônio e efetuado o pagamento das parcelas mensais, as onerosas condições financeiras impostas pela Lei no 9.496/97 provocaram a multiplicação do valor das dívidas refinanciadas, de tal forma que apesar de já terem sido pagas múltiplas vezes, o saldo devedor ressurge muitas vezes superior ao valor refinanciado, conforme resumo indicado no Quadro II seguinte:

QUADRO II

DÍVIDA DOS ESTADOS COM A UNIÃO – 1999 a 2014

Saldo inicial (Retificado)

R$ 112,18 bilhões

Pagamentos Efetuados

R$ 246,00 bilhões

Saldo Devedor

R$ 422,00 bilhões

Fontes: Saldo inicial obtido da Tabela fornecida pelo Tesouro Nacional à CPI. Pagamentos efetuados e Saldo devedor obtidos do Balanço Geral da União.

É evidente que essa conta não fecha, comprovando-se a necessidade de rever, desde o início, os desequilíbrios gerados pela renegociação efetuada nos moldes da Lei no 9.496/97.

  1. Desrespeito ao Federalismo. A União lucrou indevidamente

Os contratos firmados sob a Lei no 9.496/97 significaram onerosidade excessiva aos estados e ganho desproporcional à União, daí a edição da Lei Complementar no 148/14, prevendo descontos sobre o saldo das dívidas com a União. Os contratos significaram preponderância de uma lógica financista sobre a necessária equidade e solidariedade na relação entre os entes da federação, resultando em clara violação do equilíbrio econômico- financeiro do pacto inicial e inaceitável desrespeito ao Federalismo.

A União passou a exigir dos estados o maior rendimento nominal do mundo, devido à imposição de atualização monetária mensal e cumulativa, calculada pelo IGP-DI (índice publicado por instituição privada, a Fundação Getúlio Vargas), acrescido de juros reais de 6,17 a 7,76%.

Para se ter uma ideia do peso dessa lógica financista para os Estados, cabe exemplificar o que ocorreu com o Estado de Minas Gerais no ano de 2010: os juros totais devidos alcançaram o patamar de quase 20% ao ano (compreendendo a elástica atualização mensal pelo IGP-DI de 11,3%, acrescida de juros capitalizados de 7,76%)! Naquele mesmo ano, o Banco Central do Brasil emprestou, aos Estados Unidos da América do Norte, centenas de bilhões de reais a uma taxa de juros inferior a 1% ao ano. Adicionalmente, o BNDES emprestou a empresas privadas a taxas inferiores a 6% ao ano. É inadmissível o tratamento excessivamente oneroso imposto pela União aos entes federados.

Os dados obtidos nos Relatórios de Gestão Anual da Secretaria do Tesouro Nacional apresentados ao Tribunal de Contas da União demonstram os ganhos excessivos da União realizados sobre os Estados. Destaque-se que no ano de 2014x a União obteve o impressionante ganho de 121.916% (cento e vinte e um mil, novecentos e dezesseis por cento) sobre o que recebeu dos Estados em decorrência do pagamentos de suas dívidas refinanciadas pelos contratos firmados sob a Lei no 9.496/97.

O quadro III seguinte é elucidativo do desequilíbrio nas relações estabelecidas a partir da Lei no 9.496/97, pois compara os valores despendidos pela União com títulos federais emitidos para refinanciar as dívidas dos estados (acrescidas do PROES) com o valor obtido dos entes federados a partir dos contratos firmados, calculando o ganho percentual em cada ano.

QUADRO III

Ganhos da União Decorrentes da Lei no 9.496/97

(a)

(b)

(c = a / b)

Ano

Valor bruto dos gastos da União relacionados ao refinanciamento da dívida dos estados

Valores recebidos dos estados em pagamento de suas dívidas refinanciadas

Ganho da União sobre Estados

2005

257.800.003,52

10.800.455.000,00

4.102%

2006

234.954.513,00

13.102.238.000,00

5.477%

2007

134.942.326,43

14.437.086.000,00

10.599%

2008

*1

17.144.108.000,00

2009

94.390.849,66

18.471.602.000,00

19.469%

2010

83.242.854,66

20.109.832.000,00

24.058%

2011

87.460.087,62

22.838.005.000,00

26.012%

2012

86.679.924,62

28.281.323.000,00

32.527%

2013

81.776.623,38

28.590.497.000,00

34.862%

2014

25.334.863,80

30.912.518.000,00

121.916%

Elaboração: João Pedro Casarotto

Fonte: Dados extraídos dos Relatórios de Gestão Anual da STN apresentados ao TCU

*1 Nota: No exercício de 2008 a União não informou o valor bruto dos seus gastos com as dívidas assumidas.

  1. Reconhecimento de ônus excessivo imposto pela União aos Estados

Reconhecendo a necessidade de rever o ônus exagerado imposto pela União aos entes federados, em 2013 o governo federal apresentou ao Congresso Nacional o projeto de lei que recebeu o no 238 na Câmara dos Deputados e no 99 no Senado Federal, propondo modificações mínimas às condições financeiras estabelecidas na Lei no 9.496/97 que, longe de resolver o problema, significavam um reduzido alívio para os estados e municípios.

Tal projeto foi discutido nas duas Casas Legislativas, tendo sido aprovada, em 5 de novembro de 2014, a Lei Complementar no 148xi. No dia 25 do mesmo mês a Lei foi sancionada pela Presidente Dilma, autorizando, em resumo, as seguintes modificações:

    • Em relação ao cálculo dos juros, estes passariam a ser calculados e debitados mensalmente, à taxa de quatro por cento ao ano (antes variavam de 6 a 9%), sobre o saldo devedor previamente atualizado. A atualização passaria a ser calculada mensalmente com base na variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Ampliado – IPCA (antes era aplicado o IGP-DI). Esse somatório de atualização mais juros reais ficaria limitado à Selic.

    • Em relação ao estoque, este seria recalculado com base na Selic, e a União concederia descontos se o recálculo resultasse em valor inferior ao existente.

Após anunciar, na tarde de 24 de março de 2015, que não iria cumprir a Lei Complementar no 148/2014, o governo federal publicou, em 29 de dezembro de 2015, o

Decreto no 8.616xii, regulamentando a modificação dos termos dos contratos de refinanciamento de dívidas de estados e municípios. Referido decreto foi parcialmente revogado logo em seguida, conforme Decreto no 8.665, de 10 de fevereiro de 2016.

Diversos estados da federação vêm denunciando que as condições ditadas pelo Decreto no 8.616/2015 levam a condições financeiras mais onerosas que as aprovadas pela Lei no 148/2014, pois impõe cálculo composto ao aplicar a SELIC retroativa, obtendo resultado contrário ao anunciado recálculo favorável e possível desconto indicado pela Lei no 148/2014, e, adicionalmente, superior até mesmo ao cálculo obtido com a redação original da Lei no 9.496/97.

O Estado do Rio Grande do Sul, no MS 34110, destaca que a União, ao efetuar os cálculos para aplicação da Lei Complementar nº 148/2014, indicou que o saldo da dívida corrigido pelo critério da SELIC composta representava R$ 50.953.677.925,88 em 1/1/2013. A dívida calculada pelo critério inicialmente contratado era de R$ 43.114.274.191,21. Evidente o desrespeito ao espírito do legislador ao buscar a repactuação em melhores condições para os demais entes federados. Aquilo que deveria ser um desconto, na interpretação dada nos decretos da União, se transforma em acréscimo!

Chegamos então à mais esdrúxula situação, segundo a qual o dispositivo legal apresentado e aprovado para aliviar minimamente a situação dos entes federados se transforma em ato que torna tal situação ainda mais gravosa.

Nesse sentido, são totalmente coerentes as liminares expedidas pelo Supremo Tribunal Federal que, em face do que foi aprovado pelo Congresso Nacional e disposto na Lei no 148/2014, determinam o recálculo pela SELIC de forma simples e não composta.

  1. Resumo dos indícios de ilegalidades e ilegitimidades que recaem sobre a dívida dos estados

A dívida e os contratos dos entes federados se encontrarem inflados por ilegalidades e ilegitimidades desde a origem dos convênios firmados com base na Lei 9.496/97, cuja gênese está expressa em Carta de Intenções de dezembro/1991 com o FMI, itens 24 e 26. Dentre as ilegalidades dessas renegociações cabe destacar:

  • Desrespeito ao Federalismo: A exagerada remuneração nominal estabelecida na Lei 9.496/97 impôs ônus excessivo aos Estados e Municípios, muitas vezes superior à remuneração recebida pela União sobre empréstimos feitos pelo BNDES a empresas privadas, por exemplo.

  • Desrespeito à Sociedade: O mesmo princípio que impede a cobrança de tributos entre os entes federados (Constituição Federal, art. 150, VI, “a”) deve ser aplicado em relação à cobrança de juros entre entes federados, pois tal ônus recai sobre o cidadão. A separação entre União, Estados e Municípios é meramente organizativa, já que somos uma federação indissociável, sendo impossível que o cidadão viva em um município e não viva em um estado ou no país. Quando um ente cobra remuneração financeira excessiva de outro ente federado, o cidadão é lesado. Cabe lembrar que a mesma Lei no 9.496 determinou que os valores

recebidos dos Estados e Municípios se destinam obrigatoriamente ao pagamento da dívida pública federal.

    • Cobrança de juros sobre juros: a exigência de exagerada remuneração tem continuamente transformado parcelas de juros em nova dívida, sobre a qual passam a incidir novos juros, caracterizando-se a prática de anatocismo, ilegal conforme súmula 121 do STF, de 1963, que assim se pronunciou: “É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”.

    • Capitalização mensal de juros: A Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933), vigente, estabeleceu: “Art. 4º – É proibido contar juros dos juros; esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta-corrente de ano a ano”.

Dessa forma, juros vencidos e não pagos deveriam ser computados à parte, mas sobre estes não poderiam incidir novos juros, em obediência à Súmula 121 do STF.

O texto do Decreto 22.626/33 aponta para mais uma questão relevante: os juros somente poderiam ser acumulados em conta-corrente ao final de cada ano e não mensalmente.

    • Cobrança de juros superiores aos autorizados pelo Senado: Na prática, os juros que estão sendo pagos pelos entes federados têm sido superiores aos autorizados em Resoluções do Senado Federal. No caso de Minas Gerais, por exemplo, em vez dos 7,5% a.a. autorizados pelo Senado, foram pagos 7,763%, o que significou erro nos cálculos superior a R$ 2 bilhões no período analisado. No caso do Rio de Janeiro, em vez de 6%, foram pagos 6,17% a cada ano. Tal ônus excedente decorre de erro do programa de cálculo que divide a taxa anual por 12, mas as aplica mensalmente e de forma cumulativa, resultando em percentual superior ao aprovado.

    • Remuneração nominal exorbitante: A atualização monetária mensal e cumulativa do estoque da dívida refinanciada (com base no índice mais oneroso do país que é o IGP-DI calculado por instituição privada, FGV) e, em cima dessa atualização, a aplicação mensal dos juros reais, constituiu-se em um mecanismo que provocou a multiplicação das dívidas refinanciadas por diversas vezes, condenando os estados a uma eternização das obrigações, apesar do cumprimento de todas as condições exigidas.

    • Exigência de robustas garantias: O pagamento das dívidas dos entes federados tem como garantia as transferências constitucionais obrigatórias devidas pela União (FPE e FPM), o que significa que o risco de inadimplência é nulo, não justificando cobrança de remuneração tão abusiva.

    • Desequilíbrio entre as partes: Estados e Municípios haviam sido impedidos de acessar outros créditos com entidades federais (Decreto nº 2.372/97) e foram forçados a aderir às condições da Lei no 9.496 para refinanciar dívidas anteriores em condições ainda mais onerosas, além de submeterem a amplo programa de privatizações e ajuste fiscal.

    • Desconsideração do valor de mercado dos títulos estaduais e municipais: A União não considerou o baixo valor de mercado da dívida mobiliária estadual e municipal, tendo refinanciado tais dívidas a 100% de seu valor nominal, o que representou inaceitável transferência de recursos públicos para o setor financeiro privado. Também foram ignoradas as práticas fraudulentas denunciadas pela CPI dos Títulos Públicos (conhecida como CPI dos Precatórios).

    • Assunção de dívidas privadas representadas por passivo de bancos estaduais no esquema PROES: Passivos dos bancos estaduais privatizados (ou não) foram transferidos para os respectivos estados e foram refinanciados em conjunto com as dívidas de cada estado, onerando indevidamente as finanças estaduais.

    • Desconsideração dos antecedentes: Não foram considerados os impactos da política monetária federal, principalmente no início dos anos 90, que provocou crescimento astronômico da dívida dos Estados antes da negociação, evidenciando co-responsabilidade da

  1. Necessidade de Auditoria da Dívida Pública

É necessário rever o estoque da dívida renegociada desde o seu início, pois não houve conciliação de cifras; obscuros passivos de bancos foram transferidos a cargo dos Estados; há denúncias de fraudes (CPI dos Precatórios); outras negociações anteriores transferiram dívidas do setor privado e de saneamento de bancos para os Estados, tudo sem a devida transparência. A problemática do endividamento dos Estados existe desde a Ditadura Militar e nunca foi enfrentada.

As investigações já realizadas indicam que o endividamento público deixou de ser um instrumento de financiamento do Estado e se transformou em um mecanismo meramente financeiro, sem contrapartida real em bens e serviços, funcionando como um veículo de contínua subtração de recursos em benefício principalmente do setor financeiro privado. É o que denominamos Sistema da Dívida. A operação desse sistema tem submetido a maior parcela da população, que permanece carente de direitos sociais básicos, dependentes de prestações estatais hoje limitadas pelo fato de a dívida pública consumir quase a metade do Orçamento Federal, minando os recursos destinados aos entes federados, e grande parte dos orçamentos estaduais.

Enquanto não se realiza a necessária auditoria em cada Estado, o recálculo das dívidas, desde a sua origem, com Selic simples, tal como entendimento exarado nas liminares concedidas recentemente pelo STF, constituem importante passo para minorar a ilegítima subtração de recursos dos entes federados.

Cabe ressaltar que, de acordo com determinação da Lei no 9.496/97, tais recursos arrecadados pela União junto aos entes federados são, obrigatoriamente, destinados para o pagamento da dívida federal, que por sua vez também possui diversos indícios de ilegalidades e deveria ser urgentemente auditada, conforme pede a ADPF Nº 59/2004, apresentada pela Ordem dos Advogados do Brasil junto a essa Egrégia Corte.

Uma redução de apenas 1% (um ponto percentual) nos juros incidentes sobre a dívida federal representaria um alívio de cerca de R$ 40 bilhões anuaisxiii aos cofres federais, cifra muito superior ao que a União arrecadada anualmente de todos os entes federados somados.

Essas e outras relações serão reveladas por uma auditoria da dívida, trazendo a possibilidade de revisão de injustiças e garantia de respeito ao Federalismo.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, expressamos o nosso entendimento de que as liminares concedidas recentemente pelo STF devem receber acolhimento no julgamento do Mérito dos Mandados de Segurança, tendo em vista que referidos julgados minoram os impactos das numerosas ilegalidades perpetuadas ao longo dos últimos 17 anos.

Colocamo-nos à disposição dessa Egrégia Corte para prestar quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários sobre o tema do endividamento público.

Brasília, 19 de abril de 2016.

Maria Lucia Fattorelli

Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida

i A presente nota contou com a colaboração de diversos Núcleos Regionais da Auditoria Cidadã da Dívida, especialmente: Amauri Perusso (RS), Eulália Alvarenga (MG), Gisella Colares (DF), José Alexandre Senra (RJ), Josué Martins (RS), Rodrigo Ávila (DF).

ii FATTORELLI, Maria Lucia Auditoria Cidadã da Dívida dos Estados (2013) Inove Gráfica e Editora, Brasília.

iii Conforme cálculos divulgados em matéria jornalística e amplamente utilizados pela imprensa: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,juros-simples–consequencias-severas,10000025864 <Acesso em 12/4/2016, 17h.> iv Importante ressaltar que no cotejo das receitas realizadas em 2015 informadas no site oficial da CGU (Portal da Transparência) com as despesas pagas em 2015 informadas no site oficial do Senado (Sistema SIAFI), observou-se uma diferença a maior, nas receitas, da ordem de R$480 bilhões, cuja aplicação não está refletida no detalhamento das despesas federais.

v CGU – Transparência Brasil – RECEITAS FEDERAIS REALIZADAS EM 2015 = R$2,748 trilhões http://goo.gl/adBGo3 vi SIAFI (dados divulgados pelo Siga Brasil do Senado) – DESPESAS FEDERAIS PAGAS EM 2015 = R$ 2,268 trilhões http://goo.gl/YDH5Bn

vii Conforme Resposta encaminhada pelo TCU, disponível na página ( http://www.auditoriacidada.org.br/wp-

content/uploads/2016/04/Resposta-do-TCU-1.pdf), conforme a Tabela “Receita arrecadada x Despesa paga 2015”, na linha correspondente à Fonte 73 (“REC.DAS OPER.OF.DE CREDITO-RET.DE OC.EST.MUN.”)

viii Estudo feito por João Pedro Casarotto, auditor fiscal aposentado, disponível em: http://www.auditoriacidada.org.br/wp- content/uploads/2016/04/SENGERS-PUCRS-30MAR16.pdf

ix Tabela fornecida pelo Ministério da Fazenda à CPI da Dívida Pública, reproduzida às páginas 90/91 do livro Auditoria Cidadã da Dívida dos Estados.

x Relatório 2014 disponível em http://portal.tcu.gov.br/contas/contas-e-relatorios-de-gestao/contas-do-exercicio-de-2014.htm

xi Lei Complementar 148, de 2014, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp148.htm .

Decorre de projeto de lei apresentado pelo governo federal ao Congresso Nacional, que recebeu o no 238 na Câmara dos Deputados e no 99 no Senado Federal.

xii Decreto 8.616, de 29/12/2015, disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8616.htm xiii Valor obtido aplicando-se o percentual de 0,5% ao estoque da dívida interna federal (R$ 3,952 trilhões, conforme quadro 36 da Tabela disponível em http://www.bcb.gov.br/ftp/NotaEcon/NI201603pfp.zip ). Apesar de apenas uma parcela deste valor ser indexado à Taxa Selic, na prática, os investidores privados acabam tomando tal valor como referência para exigir taxas maiores nos leilões de títulos indexados a outros parâmetros (índices de preços, pré-fixados etc.).

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