O Refinanciamento/Rolagem é uma simples troca de títulos públicos velhos por títulos públicos novos ou representa um grande custo aos cofres públicos brasileiros?

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O Refinanciamento/Rolagem é uma simples troca de títulos públicos velhos por títulos públicos novos ou representa um grande custo aos cofres públicos brasileiros ?

Paulo Lindesay – Diretor da Assibge-sn/Coordenador do Núcleo Sindical Canabarro/ Coordenador do Núcleo RJ da

AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA

16/11/2022

Antes de responder essa pergunta, precisamos explicar alguns conceitos básicos e esclarecer qual cenário e terreno minado o povo brasileiro está pisando.

Sabemos que a dívida pública federal é um tema árido para a maioria dos cidadãos brasileiros, o que, muitas vezes, inviabiliza o Estado brasileiro e a sociedade em geral.

Conforme constou do artigo “Gasto com dívida pública sem contrapartida quase dobrou de 2019 a 2021”, de Maria Lucia Fattorelli e Rodrigo Ávila 1 :

“O falacioso discurso de que estaríamos apenas “rolando” a dívida dá a impressão de que a situação não estaria se agravando e que essa “rolagem” não teria efeito orçamentário ou econômico, pois rolagem significaria a mera troca de título que está vencendo por outro. Na realidade os dados comprovam o contrário: nova dívida está sendo contraída, o estoque está aumentando, e os novos títulos públicos emitidos são consumidos pelo Sistema da Dívida, inclusive para pagar gastos com juros (despesa corrente), e isso não pode ser chamado de “rolagem”.

Em 2021, por exemplo, verificamos que quase R$ 1 TRILHÃO de gastos com a chamada dívida nada tem a ver com a chamada “rolagem”, tendo em vista que no mínimo R$ 618 bilhões foram gastos com o pagamento de juros e R$ 291 bilhões de amortizações foram financiados com outras fontes de receita que nada têm a ver com emissão de novos títulos públicos.

Além disso, o montante passível de ser considerado como “rolagem” ou “refinanciamento” deve ser considerado no custo do serviço da dívida pública (…). Quando o governo toma um empréstimo, ele está fazendo uma opção política sobre o que fazer com o dinheiro: investir na sociedade, ou pagar uma dívida repleta de ilegitimidades, que jamais foi auditada com a participação da sociedade civil. Em países desenvolvidos, novos empréstimos são continuamente utilizados para investimentos sociais (inclusive com juros negativos), enquanto no Brasil são utilizados para continuar enriquecendo os muito ricos, o que tem nos condenando à calamidade social, à injustiça e ao atraso tecnológico. Portanto, os que dizem que a “rolagem” ou “refinanciamento” não teria nenhum significado econômico estão tentando evitar o debate sobre como o endividamento público tem prejudicado o país.”

1 Artigo disponível em https://auditoriacidada.org.br/conteudo/gasto-com-divida-publica-sem- contrapartida-quase-dobrou-de-2019-a-2021/

  1. – O que é Regra de Ouro?

Regra constitucional, garantida no artigo 167, inciso III que determina que a realização de operações de crédito não pode superar as despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos adicionais suplementares ou especiais aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta.

Portanto, a lógica da Regra de Ouro é vedar as emissões de títulos públicos para pagar despesas correntes. Os JUROS DA DÍVIDA PÚBLICA são considerados despesa corrente. As emissões permitidas, com autorização do Poder Legislativo, são para despesa de Capital. A AMORTIZAÇÃO é considerada despesa de capital.

  1. – Você sabe o porquê do privilégio ao pagamento da DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL?

No artigo 166, parágrafo 3, inciso II, alínea “b”, há um grande privilégio ao pagamento da Dívida Pública Federal, sem limite de gasto, sem que o Congresso Nacional possa alterar a previsão de valor (proposto pelo Poder Executivo) que poderá ser destinado ao pagamento do serviço da dívida a cada ano, que sempre tem sido astronômico. Para outras despesas será necessária a indicação de fonte de recurso.

O artigo 166 da Constituição Federal, ano após ano, garante lucros crescentes e vitalícios ao grande capital financeiro e as grandes corporações. Usando a principal ferramenta de captura do fundo público federal, a Dívida Pública Federal. Portanto, é imprescindível a revogação desse privilégio constitucional. Sem o qual não haverá liberdade do uso do fundo público federal em benefício da população brasileira, a partir de investimentos em políticas públicas.

Dívida Pública não é um problema. Pode ser usado como ferramenta de financiamento do Estado. O problema é quando não contrapartida em serviços públicos e essas operações de créditos, a partir de emissões de títulos públicos, são usadas para garantir lucros crescentes e vitalícios ao setor financeiro rentista e às grandes corporações.

Podemos ratificar os nossos argumentos ao compartilharmos os dados oficiais do Banco central do Brasil, referentes ao crescimento do Estoque da Dívida Pública Federal em pouco mais de 46 meses, no período do governo Bolsonaro. Nesse período a Dívida Pública Federal cresceu cerca de R$ 2 trilhões. Qual a justificativa plausível para o crescimento do estoque da DPF bruta?

  1. – O que é AMORTIZAÇÃO DA DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL?

A amortização da dívida representa os pagamentos do principal, ou seja, do valor original que foi tomado emprestado pelo governo. Porém, o governo tem incluído nas amortizações grande parte dos juros, classificados como “atualização monetária”.

Se Amortizar é pagar o principal, como justificar o crescimento do Estoque da Dívida Pública Federal2 entre dezembro de 2018 (R$ 5,671 trilhões) e setembro de 2022 (R$ 7,797 trilhões), de R$ 2,125 trilhões, se no mesmo período o governo Bolsonaro AMORTIZOU3 R$ 5,115 trilhões?

  1. – O que é Base Monetária?

Base monetária consiste no total de moeda que está em circulação na economia, somado às reservas bancárias que os bancos comerciais mantêm no Banco Central (Bacen). Ou seja: é a parcela mais líquida da oferta da moeda na economia.

Em setembro de 2022, a Base Monetária do Brasil4 representa cerca de R$ 393 bilhões ou 4,2% do PIB. Uma economia do tamanho do Brasil deveria ter uma Base Monetária em torno de 40% do PIB.

Bom, depois de esclarecer alguns conceitos básicos, agora respondemos aos questionamentos dos economistas neoliberais, alguns analistas de plantão da grande mídia e inclusive de alguns setores da esquerda que atacam os argumentos da AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA em relação ao pagamento da Dívida Pública Federal. Principalmente, apontam erro no gráfico de pizza da ACD.

Dizem que refinanciamento/rolagem da Dívida Pública Federal representa uma simples troca de títulos públicos velhos por títulos públicos novos, sem custo financeiro para os cofres públicos. Dizem que não há desembolso financeiro. Será verdade? Vamos aos dados oficiais da série histórica da Despesa da União5, na tabela por função.

Só o governo Bolsonaro, em pouco mais de 46 meses, entre 2019 e outubro de 2022, pagou a título da Dívida Pública Federal cerca de R$ 6,217 trilhões. Como um governo que pagou cerca de R$ 6,217 trilhões precisou fazer alterações constitucionais, inclusive instituir o estado de calamidade para conseguir recursos ao pagar o AUXÍLIO BRASIL e outros benefícios à população mais carente?

  1. – Pagamento da Dívida Pública Federal – 2018 a 14/11/2022 – R$ 7,281 trilhões.

  • 2018 – “Juros” R$ 279 bilhões – Amortização R$ 786 bilhões = R$ 1,065 trilhão;

  • 2019 – “Juros” R$ 285 bilhões – Amortização R$ 752 bilhões = R$ 1,038 trilhão;

  • 2020 – “Juros” R$ 346 bilhões – Amortização R$ 1,034 trilhão = R$ 1,381 trilhão

  • 2021 – “Juros” R$ 256 bilhões – Amortização R$ 1,704 trilhão = R$ 1,960 trilhão

  • 2022 (até 14/11) – “Juros” R$ 213 bilhões – Amortização R$ 1,623 trilhão = R$ 1,837 trilhão.

2 https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f?p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO_ANEXO:17848 – Quadro 2.1

3

https://www1.siop.planejamento.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=IAS%2FExecucao_Orcamentaria.qvw &host=QVS%40pqlk04&anonymous=true&sheet=SH06

4 https://www.bcb.gov.br/estatisticas/estatisticasfiscais – Tabela 4

5 https://www.tesourotransparente.gov.br/publicacoes/despesas-da-uniao-series-historicas/2019/11

Mais uma vez vamos recorrer à série histórica da Despesa da União, por função, para esclarecer as dúvidas sobre os ataques à AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA, em relação à nossa afirmativa que refinanciamento/rolagem tem custo financeiro aos cofres públicos.

Em muitos casos os dados públicos não são transparentes. Por isso vamos trabalhar com dados disponíveis: PAGAMENTO DA DÍVIDA PÚBLICA REFINANCIAMENTO DA DÍVIDA PÚBLICA MOBILIÁRIA (TÍTULOS PÚBLICOS) PAGAMENTO DA CORREÇÃO MONETÁRIA E CAMBIAL DA

DÍVIDA MOBILIÁRIA (TÍTULOS PÚBLICOS), entre 2018 (último ano do golpista TEMER) até setembro de 2022, últimos dados disponíveis do governo BOLSONARO.

  1. – REFINANCIAMENTO DA DÍVIDA PÚBLICA MOBILIÁRIA E PAGAMENTO DA CORREÇÃO MOBILIÁRIA E CAMBIAL DA DÍVIDA PÚBLICA MOBILIÁRIA – 2018 A OUT/2022.

    • 2018 – Refinanciamento da Dívida Mobiliária – R$ 443.622.988.599

    • 2018 – Correção Monetária e Cambial da Dívida Mobiliária – R$ 96.891.838.398

Obs. Como podemos observar, dos 443 bilhões de reais do REFINANCIAMENTO, em 2018, 96 bilhões de reais ou 22% desse total, foram usados para pagamento de CORREÇÃO MONETÁRIA E CAMBIAL DA DÍVIDA PÚBLICA MOBILIÁRIA. Somando o pagamento dos JUROS

DA DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL, no mesmo período, cerca de 279 bilhões de reais. Totalizamos, cerca de 375 bilhões de reais de custo aos cofres públicos federais em 2018.

Como alguém em sã consciência pode afirmar que refinanciamento da Dívida Pública Federal

não representa custo aos cofres públicos federais?

    • 2019 – Refinanciamento da Dívida Mobiliária – R$ 468.632.132.672

    • 2019 – Correção Monetária e Cambial da Dívida Mobiliária – R$ 88.638.105.761

Obs. Como podemos observar, dos 468 bilhões de reais do REFINANCIAMENTO, em 2019, 88 bilhões de reais ou 19% desse total, foram usados para pagamento de CORREÇÃO MONETÁRIA E CAMBIAL DA DÍVIDA PÚBLICA MOBILIÁRIA. Somando o pagamento dos JUROS

DA DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL, no mesmo período, 285 bilhões de reais, totalizamos 373 bilhões de reais de custo aos cofres públicos federais em 2019.

Como alguém em sã consciência pode afirmar que refinanciamento da Dívida Pública Federal

não representa custo aos cofres públicos federais?

    • 2020 – Refinanciamento da Dívida Mobiliária – R$ 709.042.617.772

    • 2020 – Correção Monetária e Cambial da Dívida Mobiliária – R$ 132.219.329.786

Obs. Como podemos observar, dos 709 bilhões de reais do REFINANCIAMENTO, em 2020, 132 bilhões de reais ou 19% desse total, foram usados para pagamento de CORREÇÃO MONETÁRIA E CAMBIAL DA DÍVIDA PÚBLICA MOBILIÁRIA. Somando o pagamento dos JUROS

DA DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL, no mesmo período, cerca de 346 bilhões de reais, totalizamos

478 bilhões de reais de custo aos cofres públicos federais em 2020.

Como alguém em sã consciência pode afirmar que refinanciamento da Dívida Pública Federal

não representa custo aos cofres públicos federais?

  • 2021 – Refinanciamento da Dívida Mobiliária – R$ 1.384.560.557.758

  • 2021 – Correção Monetária e Cambial da Dívida Mobiliária – R$ 307.996.881.543

Obs. Como podemos observar, dos 1,384 trilhão de reais do REFINANCIAMENTO, em 2021, cerca de 307 bilhões de reais ou 23% desse total, foram usados para pagamento de CORREÇÃO MONETÁRIA E CAMBIAL DA DÍVIDA PÚBLICA MOBILIÁRIA. Somando o pagamento

dos JUROS DA DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL, no mesmo período, cerca de 256 bilhões de reais, totalizamos 563 bilhões de reais de custo aos cofres públicos federais em 2021.

Como alguém em sã consciência pode afirmar que refinanciamento da Dívida Pública Federal não existe custo aos cofres públicos federais?

  • 2022 (até 14/11) – Refinanciamento da Dívida Mobiliária – R$ 1.407.070.114.003

  • 2022 (até 14/11) – Correção Monetária e Cambial da Dívida Mobiliária – R$ 338.282.271.879

Obs. Como podemos observar, dos 1,407 trilhão de reais do REFINANCIAMENTO, até 14/11/2022, 307 bilhões de reais ou 22% desse total, foram usados para pagamento de CORREÇÃO MONETÁRIA E CAMBIAL DA DÍVIDA PÚBLICA MOBILIÁRIA. Somando o

pagamento dos JUROS DA DÍVIDA PÚBLICA FEDERAL, no mesmo período, cerca de 213 bilhões de reais, totalizamos 520 bilhões de reais de custo aos cofres públicos federais até 14/11/2022.

Como alguém em sã consciência pode afirmar que refinanciamento da Dívida Pública Federal não representa custo aos cofres públicos federais?

Alguém acha que poderemos construir um projeto de Brasil, solidário, inclusivo e com divisão de renda para a maioria do povo brasileiro sem atacar o SISTEMA DA DÍVIDA PÚBLICA?

A previsão de Despesa Geral da União colocada no PLOA/2023 representa 5,031 trilhões de reais. Desse total cerca de 2,559 trilhões de reais ou 50,87% da despesa da União, serão destinados ao pagamento da Dívida Pública Federal. Alguém em sã consciência acha que a dívida pública não é o principal entrave para construir um Brasil igualitário?

7 – RECEITAS NO COFRE DO GOVERNO BOLSONARO, A PARTIR DE QUATRO FONTES PÚBLICAS.

Será que o principal problema do Brasil é a falta de recursos? Quando analisados os dados oficiais do governo Bolsonaro, entre setembro/outubro de 2022, em quatro fontes de recursos, verificamos que não há falta de recursos públicos, apesar de todos os esforços do governo Bolsonaro para dilapidar nossas Reservas Internacionais. Entre junho de 2019 e outubro de 2022, o governo Bolsonaro queimou cerca de US$ 63 bilhões ou cerca de R$ 334 bilhões de reais (aplicando-se o câmbio de R$ 5,30 por dólar). Dinheiro suficiente para pagar

mais de 8 vezes a chamada “PEC Eleitoral” (que ampliou o AUXÍLIO BRASIL e concedeu outros benefícios, totalizando cerca de R$ 42 bilhões).

Total de recursos no cofre do governo Bolsonaro hoje: R$ 4,464 trilhões.

  1. Operações Compromissadas – R$ 1,160 trilhão ou 12,3% do PIB;

  2. Conta Única do Tesouro – R$ 1,582 trilhão ou 16,8% do PIB;

  3. Reservas Internacionais – US$ 325 bilhões ou R$ 1,722 trilhão (dólar a R$ 5,30);

Como podemos constatar, o problema do Brasil não é falta de dinheiro, mas a sua destinação. Até a presente data o governo Bolsonaro decidiu que os recursos públicos foram utilizados principalmente para garantir lucros crescentes e vitalícios aos banqueiros e as grandes corporações. Qual será a política do governo eleito Lula da Silva?