Reforma Política, Corrupção e o Sistema da Dívida no Brasil – Maria Lucia Fattorelli

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Maria Lucia Fattorelli[1]

Os desvios de recursos por atos de corrupção na Petrobrás, apurados pela denominada operação Lava-Jato da Polícia Federal, têm sido o foco da grande mídia nos últimos meses, provocando enorme indignação por parte da população.
De fato, tem razão de indignar-se a sociedade que arca com pesada carga tributária e não recebe o devido retorno em serviços públicos, tendo direitos sociais minados a cada ano, enfrentando enormes sacrifícios para sobreviver com salários apertados e demandas familiares não atendidas.

O risco que deve ser evitado nesse contexto é o raciocínio automático de que todas as mazelas do país decorrem da corrupção encastelada nas esferas de poder, revelada parcialmente por sucessivos escândalos que continuamente ocupam o espaço dos noticiários.

Grande clamor social exige o fim desse quadro inaceitável. Entretanto, sem uma reforma política, acompanhada de mudanças estruturais no modelo econômico, dificilmente a mudança virá.

Um dos princípios mais relevantes da reforma política que representa os anseios sociais é o fim do financiamento privado de campanhas político-eleitorais. Não é mais possível ficarmos reféns de empresas e bancos que financiam campanhas de candidatos – tanto do Executivo como do Legislativo – mas depois cobram a conta. Em muitos casos tais financiamentos estão atrelados a processos de superfaturamento de obras, concessão de benesses tributárias, privilégios financeiros garantidos principalmente pela manutenção de juros altos, e, logicamente, corrupção.

A sociedade vem se mobilizando pela reforma política há alguns anos. Organizou o Movimento contra a Corrupção Eleitoral (MCCE), aprovou a Lei da Ficha Limpa no Congresso Nacional, e em 2013 organizou a Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas. A meta atual é alcançar 1,5 milhão de assinaturas pela aprovação do Projeto de Lei de iniciativa popular N٥ 6.316/2013, o que dependerá de ampla participação popular[2]. A Auditoria Cidadã da Dívida apoia todas essas iniciativas.

É evidente que todo e qualquer ato de corrupção deve ser devidamente apurado, e punidos os responsáveis. No entanto, tais escândalos não podem servir de cortina de fumaça para encobrir a verdadeira corrupção institucionalizada no equivocado modelo econômico implantado no país, que está permitindo, por exemplo:

  • escandalosa destinação de recursos para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, que nunca foi objeto de auditoria como prevê a Constituição Federal, e sobre a qual recaem diversos indícios de ilegalidades e ilegitimidades, além de indícios de fraudes levantados por CPI realizada na Câmara de Deputados[3];
  • dispensa de bilhões de reais em tributos que deixam de ser arrecadados em virtude de dispositivos que beneficiam justamente os que teriam mais condição de contribuir para o financiamento do Estado: os muito ricos, e principalmente as grandes empresas, bancos, e seus sócios.

Para ilustrar, cabe mencionar alguns números:

As despesas com o serviço da dívida federal (juros mais amortizações, inclusive o refinanciamento), consumiram, somente no ano de 2014, a quantia de R$ 978 bilhões, correspondente a 45,11% do Orçamento Geral da União[4], enquanto para a saúde foram destinados apenas 3,98%, para a educação 3,73% e para assistência social 3,08%. É evidente o privilégio à dívida pública, detida principalmente por grandes bancos, em detrimento do cumprimento dos direitos sociais básicos estabelecidos constitucionalmente. Cabe ressaltar que o Brasil pratica as taxas de juros mais elevadas do mundo!

Por sua vez, apenas as benesses tributárias mais gritantes, referentes à ausência de regulamentação do Imposto sobre grandes fortunas; à esdrúxula “dedução de juros sobre capital próprio” que só beneficia grandes empresas e bancos; a isenção de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos e a isenção de ICMS sobre produtos primários e semielaborados destinados à exportação (Lei Kandir), representam uma perda de arrecadação estimada em R$121,3 bilhões por ano![5]

Além dessas, ainda poderiam ser mencionadas a redução de 30% para 15% da alíquota de CSLL para o setor financeiro; a isenção de Imposto de Renda sobre os ganhos dos estrangeiros na dívida interna[6], equívocos na aplicação do ITR[7], e muitas outras brechas que invariavelmente privilegiam os mais ricos e contribuem para acirrar cada vez mais a concentração de renda e aprofundar o fosso social que torna o Brasil o país mais injusto do mundo[8]. Daí a necessidade de avançar a proposta de uma reforma tributária justa no país.

O privilégio na destinação de recursos para o Sistema da Dívida e as benesses tributárias bilionárias fazem parte da estrutura do sistema capitalista concentrador de renda e riqueza. Esse sistema não tem escrúpulo para explorar a classe trabalhadora, nem limites para esgotar o meio ambiente, colocando em risco a própria vida no planeta. Dessa forma, a corrupção é inerente ao próprio modelo capitalista.

Em sua fase atual, o capitalismo está caracterizado pelo aprofundamento da finceirização, aliada ao imenso poder do setor financeiro privado e sua excessiva liberdade: pode criar grandes volumes de papéis sem lastro, operar nas sombras, fora de qualquer regulamentação, à margem de escrituração contábil, protegido pelo sigilo bancário e com amplo acesso a paraísos fiscais, onde desaparecem lucros e registros. Tal situação tem servido para garantir a opacidade de vultosas operações financeiras, permitindo fiquem encobertos crimes de lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, armas e pessoas, contrabando, entre outras.

O Sistema da Dívida tem sido um dos espaços de operação desse modelo corrupto. As investigações realizadas têm comprovado que há muito tempo o endividamento público deixou de ser um mecanismo de financiamento do Estado e passou a ser um veículo de subtração de elevados volumes de recursos orçamentários, e subtração de patrimônio pela imposição contínua de privatização de áreas estratégicas como petróleo, portos, aeroportos, estradas, energia, saúde, educação, comunicações, entre outros.

Por isso defendemos a realização de completa auditoria dessas dívidas, com participação cidadã, a fim de deter esse “Sistema da Dívida” e modificar a inaceitável realidade de injustiças sociais vigente em nosso país.

AUDITORIA JÁ!

[1] Coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida www.auditoriacidada.org.br e https://www.facebook.com/auditoriacidada.pagina
[2] Saiba mais sobre a Campanha da Coalizão: http://www.reformapoliticademocratica.org.br/assine/
[3] http://www.auditoriacidada.org.br/clique-aqui-para-saber-como-foi-a-cpi-da-divida
[4] http://www.auditoriacidada.org.br/gastos-com-a-divida-publica-em-2014-superaram-45-do-orcamento-federal-executado/
[5]Estimativa de perda de arrecadação tributária anual devido a privilégios fiscais:
– Imposto sobre grandes fortunas: Se a riqueza acumulada acima de R$ 50 milhões passasse a ser tributada com uma alíquota de 5% (incidente apenas sobre a parcela de riqueza que excede estes R$ 50 milhões) se poderia arrecadar R$ 90 bilhões ao ano.
– “Dedução de juros sobre capital próprio” e “Isenção de Imposto de Renda sobre a distribuição de lucros e dividendos”: Benesses criadas pela Lei 9.249/1995. As duas produzem perda anual de R$ 11,3 bilhões, segundo Sindifisco Nacional.
– Isenção de ICMS sobre produtos primaries e semi-elaborados destinados à exportação (Lei Kandir): Isenção concedida pela Lei Complementar 87/1996, representa perda anual de cerca de R$ 20 bilhões, segundo o CONFAZ
[6] Medida Provisória 281 (convertida na Lei 11.312/2006)
[7] Atualmente, o ITR arrecada apenas cerca de R$ 800 milhões anuais, o que é um valor muito baixo, equivalente, por exemplo, à arrecadação de IPTU de um bairro de São Paulo.
[8] http://iepecdg.com.br/uploads/artigos/SSRN-id2479685.pdf  comparado com http://data.worldbank.org/indicator/SI.POV.GINI