A União vai virar seguradora internacional? – Maria Lucia Fattorelli

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Duas aberrações que beneficiam bancos e grandes empresas nacionais e estrangeiras que investem no exterior representam um verdadeiro assalto aos cofres públicos

Importantes setores da sociedade civil e entidades representantes de trabalhadores têm levantado a voz contra o PLP 257/2016, por seu intenso ataque à estrutura de Estado: o referido projeto impõe rigoroso ajuste fiscal que inclui exigência de privatizações, reforma da Previdência nos estados, congelamento de salários e corte de dezenas de direitos sociais.

Visando contar com o apoio de entes federados para a rápida aprovação desse indesejável ato, o governo federal incluiu no projeto um alívio para os atuais governadores, por meio de alongamento para o pagamento das questionáveis dívidas públicas dos respectivos estados que, se fossem submetidas a uma auditoria, estariam fadadas à anulação. O que ainda não está sendo devidamente denunciado é mais um par de aberrações incluídas no referido PLP 257/2016.

A primeira delas é a transformação da União em uma seguradora internacional para investimentos de empresas nacionais ou multinacionais no exterior. Segundo consta do referido projeto, a União poderá dar garantias financeiras, sem a necessidade de detalhar “a relação custo-benefício e o interesse econômico-social da operação”, a “entidades privadas nacionais e estrangeiras, Estados estrangeiros, agências oficiais de crédito à exportação e organismos financeiros multilaterais quanto às operações de garantia de crédito à exportação, de seguro de crédito à exportação, e de seguro de investimento, hipóteses nas quais a União está autorizada a efetuar o pagamento de indenizações de acordo com o cronograma de pagamento da operação coberta”. Essa injustificada benesse está incluída no artigo 14 do PLP 257, na parte em que altera o artigo 40 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Outra aberração é a garantia de remuneração da sobra de caixa de bancos. Tal benesse está colocada de forma muito sutil, quase imperceptível, no artigo 16 do PLP 257: “A Lei n.º 4.595, de 31 de dezembro de 1964, passa a vigorar com as seguintes alterações: ‘Art. 10. (…) XII – Efetuar, como instrumento de política monetária, operações de compra e venda de títulos públicos federais e o recebimento de depósitos remunerados” (grifo nosso). Mediante essa singela alteração da Lei 4.595/64, o Banco Central poderá efetuar “o recebimento de depósitos remunerados”, que, na prática, significa a garantia de remuneração de toda a sobra de caixa, que os bancos poderão simplesmente depositar no BC e, sem risco algum, receber a remuneração desejada.

Essa medida vem justamente no momento em que aumentam as denúncias sobre as chamadas “operações compromissadas” realizadas pelo BC sob a justificativa de controlar a inflação. O BC retira do sistema financeiro o que considera excesso de moeda – o BC estabelece para o Brasil uma base monetária muito reduzida, de apenas 5% do PIB, e considera que todo volume de moeda que supera esse reduzido patamar deve ser “enxugado” e esterilizado no BC, a fim de evitar inflação –, trocando referido excesso por títulos da dívida pública que pagam os juros mais elevados do planeta! Tal operação não tem sido suficiente para controlar a inflação e, na prática, garante a remuneração de toda a sobra de caixa dos bancos, provocando graves danos à economia nacional, na medida em que gera dívida pública sem contrapartida alguma; gera obrigação de pagamento de juros aos bancos; acirra a elevação das taxas de juros de mercado, pois enxuga cerca de R$ 1 trilhão dos bancos, instituindo cenário de profunda escassez de recursos, afetando fortemente a indústria, o comércio e todas as pessoas que recorrem a crédito bancário; e empurra o país para uma profunda crise socioeconômica, devido à exigência de pagamento de elevados juros sobre cerca de R$ 1 trilhão.

A alteração trazida pelo PLP 257 permite que o BC continue remunerando a sobra de caixa dos bancos, porém, sem a utilização de títulos da dívida pública, pois insere na lei a remuneração dos depósitos feitos pelos bancos como um “instrumento de política monetária”.

Embora aparentemente haverá uma redução no montante da dívida pública em poder do BC, o custo com os juros se manterá, ou até aumentará, pois o BC irá remunerar os depósitos voluntários feitos pelos bancos em patamares nem sequer declarados. Todos os mesmos graves danos à economia nacional que as tais “operações compromissadas” vêm provocando também continuarão existindo.

Essas duas aberrações que beneficiam bancos e grandes empresas nacionais e estrangeiras que investem no exterior representam um verdadeiro assalto aos cofres públicos e constituem uma tremenda infâmia, pois estão colocadas no mesmo projeto que subtrai dezenas de direitos de trabalhadores e leva ao sucateamento diversos serviços públicos essenciais à sociedade: saúde, educação, segurança, assistência etc.

Diante disso, além do repúdio ao ataque aos servidores e à sociedade perpetrado pelo PLP 257/2016, devem ser também repudiados os dispositivos do referido projeto que alteram o artigo 40 da Lei de Responsabilidade Fiscal e o artigo 10, inciso XII, da Lei 4.595/64, pois tais dispositivos representam um abuso injustificável que transforma a União em seguradora internacional para investidores e garante remuneração da sobra de caixa de bancos.

Artigo escrito por Maria Lucia Fattorelli, que é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida.