Disputas de recursos entre as áreas sociais e a dívida pública

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Os jornais de hoje discutem a recriação da CPMF, apoiada por grande parte dos governadores (inclusive por um do PSDB) sob o argumento de que é a única forma de se aumentar os recursos da saúde.

Conforme discutido nas edições anteriores desta seção, durante a campanha eleitoral os principais candidatos à presidência sequer tocaram na questão crucial da disputa de recursos entre as áreas sociais e a dívida pública. Agora, passadas as eleições, esta questão começa a vir à tona, e, como sempre, as forças políticas – tanto do governo como do PSDB/DEM – tentam resolvê-la deixando intocáveis os interesses dos rentistas, que consumiram em 2009 dezenas de vezes mais recursos que a possível arrecadação da nova CPMF, ou “CSS”.

Mais uma vez, a forma escolhida é aumentar a tributação embutida no preço dos produtos, onerando-se o consumo dos mais pobres, enquanto a renda do capital (especialmente dos rentistas) e as fortunas são aliviadas.

Alguns defensores da nova CPMF tentam argumentar que, quando ela foi extinta, ao final de 2007, não teria havido queda nos preços dos produtos. Porém, cabe ressaltar que, para compensar o fim da CPMF, o governo aumentou o IOF (inclusive sobre financiamentos muito utilizados pela classe média) e outros tributos também aumentaram a sua arrecadação, de forma que a carga tributária em 2008 foi até maior (em % do PIB) que em 2007.

Além do mais, sem um combate efetivo aos grandes cartéis, fica mesmo difícil fazer com que os empresários repassem o fim de um tributo para os preços dos produtos. Notícia do jornal Correio Braziliense traz a opinião do próprio Presidente do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica, responsável pelo combate aos oligopólios), Arthur Sanchez Badin, dizendo que o “Cade é leão sem arcada completa”. Badin reconhece que a atual prática do CADE somente se manifestar após as fusões e aquisições é ineficaz.

Desta forma, os preços sobem pela livre ação dos cartéis, impactando a taxa de inflação, o que é utilizado como argumento pelo Banco Central para estabelecer as maiores taxas de juros do mundo, fazendo explodir a dívida pública, cujos gastos não possuem limite.

Enquanto os recursos para a dívida são ilimitados, para o salário mínimo sempre existe o argumento oficial de que não há recursos. O jornal Folha de São Paulo repete a proposta da presidente eleita Dilma Rousseff, de que o mínimo deve chegar a R$ 600 no final de 2011, ou início de 2012. Desta forma, o salário mínimo terá nestes dois anos um aumento real médio de 3,3% ao ano (considerando-se uma inflação de 5% ao ano em 2010 e 2011), ou seja, um crescimento ainda menor que durante os governos Lula e FHC, quando o mínimo aumentou cerca de 5% ao ano, em ambos os governos.

Aumentando em um ritmo de 3,3% ao ano, o atual salário mínimo (R$ 510) demorará nada menos que 42 anos para atingir o salário mínimo necessário, que era de R$ 1.987,26 em janeiro de 2010, segundo o DIEESE.

Sarney sinaliza que governo vai negociar mínimo
Folha de São Paulo – 5/11/2010

 

Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 04.11.2010

O Jornal Valor Econômico faz uma lista dos nomes que estão sendo cogitados pelo governo para o cargo de Presidente do Banco Central no governo Dilma. Dentre eles, estão o atual presidente Henrique Meirelles (ex-diretor do Bank Boston), Fábio Barbosa (presidente da Febraban), e Luiz Carlos Trabuco (atual presidente do Bradesco).

Ou seja: cogita-se que diretores de bancos privados assumam a Presidência do Banco Central para decidir sobre, por exemplo, política monetária (juros, dívida interna) e cambial (compra de dólares) que podem beneficiar enormemente seus ex-bancos às custas do Tesouro, ou seja, do povo.

Porém, mesmo que o próximo presidente do BC não seja proveniente do setor financeiro, o atual sistema de “Metas de Inflação” reduz muito o espaço para que os juros caiam a níveis civilizados. Isto porque, neste sistema, as altas taxas de juros são colocadas como a única medida para o controle da inflação, mesmo que esta esteja em alta devido aos preços administrados pelo próprio governo, ou por problemas de oferta de alimentos.

Além do mais, conforme constatou a recente CPI da Dívida na Câmara dos Deputados, as altas taxas de juros inibem o investimento, o que reduz a oferta futura de produtos, gerando, aí sim, inflação, levando o BC a subir novamente os juros, como em um círculo vicioso.

As altas taxas de juros atraem os investidores internacionais, que vêm ao Brasil para lucrar fácil com a dívida interna. Notícia do Valor Econômico mostra que o FED (Banco Central dos EUA) decidiu injetar mais US$ 600 bilhões na economia, sendo que boa parte destes recursos virão para os países do Terceiro Mundo. A ONU e a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) já alertam para a formação de uma “bolha” especulativa nos países emergentes.

Enquanto a remuneração da dívida pública segue garantida, não há nenhuma garantia de aumento real para o salário mínimo em 2011. O governo somente aceita conceder reajuste de 5,5%, como recomposição das perdas inflacionárias, o que leva a um mínimo de R$ 538,15. A Agência Câmara mostra que as Centrais Sindicais se reuniram hoje com o relator do Orçamento de 2011, senador Gim Argello (PTB/DF), para reivindicar um salário mínimo de R$ 580. Porém, Argello apenas se comprometeu com um “aumento” de R$ 1,75, alegando que cada R$ 1 de aumento gera uma despesa de R$ 286,4 milhões para o governo, com pagamento de aposentadorias e outros benefícios vinculados ao salário mínimo.

Portanto, para se obter o salário mínimo pedido pelas Centrais, seriam necessários R$ 12 bilhões, quantia equivalente a apenas 12 dias de pagamento da dívida (que em 2009 consumiu R$ 380 bilhões).

Por sua vez, a presidente eleita Dilma Rousseff apenas aceitará um aumento real do salário mínimo em 2011 se este aumento for descontado do aumento a ser concedido em 2012.

Seria interessante se o governo fizesse uma proposta semelhante para os rentistas da dívida pública: pagar no ano que vem, sobre os títulos da dívida, somente 5,5% de recomposição da inflação – ao invés dos 10,75% da Selic, ou dos 13% dos títulos pré-fixados – e ainda fazer a “boa ação” de antecipar algum ganho real, se os rentistas aceitarem descontar este ganho em 2012.

Arrecadação extra não dá para pagar reajuste do mínimo, diz relator
Agência Câmara – 04/11/2010 13:18

Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 03.11.2010

O Jornal O Globo mostra que a futura presidente Dilma Rousseff deve estabelecer limites ao gasto social, de forma a permitir a redução da dívida pública. Ou seja: se sacrificará as áreas sociais para se tentar reduzir uma questionável dívida, que deveria é ser auditada, conforme manda a Constituição de 1988. Segundo o jornal, “O efeito esperado é passar a ideia de responsabilidade fiscal e dar tranquilidade aos agentes econômicos.”

O jornal também mostra que o superávit primário (reserva de recursos para o pagamento da dívida) deve ser aumentado, para que se obtenha a meta de 3,3% do PIB durante os 4 anos do mandato, com uma redução nas despesas que atualmente são excluídas do cálculo do superávit. Segundo o jornal:

“A persistência no objetivo levaria o país a registrar o déficit nominal zero quando todas as despesas, incluindo juros, são cobertas pela arrecadação em 2014. Esta seria outra grande sinalização positiva do governo para o mercado.”

Uma das medidas elencadas pelo jornal é a aprovação do Projeto de Lei Complementar 549/2009, que congela o salário dos servidores por 10 anos, pois limita o crescimento do gasto com pessoal à inflação mais 2,5% ao ano, o que mal cobre o crescimento vegetativo da folha, e impede a necessária expansão dos serviços públicos no país.

Em um ambiente de ajuste fiscal, os programas sociais tendem a ser bastante limitados, ou “focalizados”, como manda o Banco Mundial, de modo a gerar determinados objetivos estatísticos, como o de “reduzir a pobreza”, com um mínimo de recursos. Entrevista do jornal Estado de São Paulo com o economista Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas, revela que o Programa “Bolsa Família” possui uma alta “eficiência”: cada real gasto gera 5 vezes mais redução percentual na pobreza do que o mesmo real gasto por meio da Previdência Social. Ou seja: o programa Bolsa Família é calibrado para fazer as pessoas ultrapassarem uma determinada linha de pobreza escolhida, com um mínimo de recursos.

O próprio jornal faz um contraponto a esta visão, citando a fala do economista Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que critica a meta do governo Dilma de acabar com a miséria:

“O que é importante, em termos de política social, é a gente passar de uma agenda de pobreza extrema para garantir que todos os brasileiros tenham oportunidade educacional, de inclusão no mercado de trabalho, e de acesso ao crédito, à habitação e à terra”.

Conforme comentado na edição de 1º/11 desta seção, a linha de miséria é ultrapassada com uma renda mensal de R$ 138.

Dentro desta política de priorização dos gastos com a dívida, o aumento dos gastos sociais somente pode ocorrer caso seja criado um novo tributo, principalmente se este tributo é embutido no preços dos produtos (inclusive os essenciais à sobrevivência) e onera os mais pobres. Notícia do Portal G1 mostra que a futura presidente Dilma concorda em recriar a CPMF para que a saúde tenha mais recursos. Apesar de negar que irá enviar ao Congresso esta proposta, ela sinalizou que a apoiará caso os governadores também a apóiem. Cabe ressaltar também que não é necessário enviar tal proposta ao legislativo, visto que bastaria terminar a votação do Projeto de Lei Complementar (PLP) 306/2008 (que regulamenta a Emenda Constitucional 29) para que a CPMF seja recriada.

Nunca é demais relembrar que a receita da nova CPMF (ou “CSS”) prevista no PLP 306/2008 é dezenas de vezes menor que os gastos com a dívida.

Enquanto isso, os rentistas continuam sua farra. O Valor Econômico mostra que explodiu a dívida externa de curto prazo, que é composta principalmente de empréstimos tomados por bancos brasileiros para aplicar nos maiores juros do mundo da dívida interna. Esta parcela da dívida externa cresceu nada menos que 71% somente nos 9 primeiros meses deste ano.

Desta forma, os bancos pagam taxas de juros baixíssimas no exterior, e ganham as maiores taxas de juros do mundo às custas do povo brasileiro.

Dilma sinaliza apoio à recriação da CPMF por governadores
Portal G1 – 03/11/2010 12h12 – Atualizado em 03/11/2010 12h12

Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 02.11.2010

O Jornal Estado de São Paulo mostra as medidas em estudo pelos prováveis integrantes da futura equipe econômica da presidente Dilma Rousseff, que incluem a elevação do “superávit primário” (reserva de recursos para o pagamento da dívida), o forte contingenciamento (cortes) de despesas em 2011, a retomada dos projetos legislativos que limitam os gastos – como o Projeto de Lei Complementar 549/2009, que congela o salário dos servidores por 10 anos – e a Reforma da Previdência, com o estabelecimento de idade mínima para a aposentadoria dos trabalhadores do setor privado (INSS) e a implementação dos fundos de pensão para os servidores públicos.

Tais medidas visam, segundo o jornal, permitir que as taxas de juros reais se reduzam para 2% ao ano. Ou seja: dentro desta visão neoliberal, seria necessário conter mais ainda os gastos sociais para se conter a inflação e obter a credibilidade dos rentistas. Somente depois disso, as taxas de juros brasileiras poderiam cair. Porém, o país aplica o ajuste fiscal há mais de uma década e continuamos com a maior taxa de juros do mundo.

O Jornal também argumenta que a reforma do Regime Geral de Previdência Social (INSS) seria necessária para atenuar o “déficit” do setor, porém, é importante ressaltar que a Previdência está inserida na Seguridade Social (que inclui também as áreas de saúde e assistência social), que é altamente superavitária.

Este importante contraponto às análises neoliberais foi brilhantemente colocado ontem no canal Globonews pela professora da UFRJ Lena Lavinas. Apesar deste meio de imprensa procurar pautar o suposto “rombo” da previdência e, portanto, a necessidade da reforma, Lavinas discordou das apresentadoras do telejornal, e desmontou o falacioso “déficit”.
Governo Dilma vai buscar juro real a 2%
Estado de São Paulo – 02 de novembro de 2010 | 0h 00

Dilma terá que lidar com rombo bilionário na Previdência
Globonews – Segunda-feira, 01/11/2010

Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 01.11.2010
A Folha Online destaca o discurso da presidente eleita Dilma Rousseff, no qual ela garante ao mercado financeiro, “acima de tudo”, o “compromisso com a estabilidade da economia e das regras econômicas, dos contratos firmados”.

Quando fala de “compromisso com a estabilidade dos contratos firmados”, a presidente eleita se refere aos contratos de endividamento, e não ao Artigo 26 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição, descumprido desde 1988, e que determina a realização da Auditoria da Dívida, ou seja, a verificação da legalidade e legitimidade destes contratos.

Ou seja: será mantida a política de endividamento, que destina metade do orçamento para o pagamento de juros, amortizações e refinanciamento da dívida pública.

Destaca-se também na fala da presidente eleita o seguinte trecho: “Mas recusamos as visões de ajustes que recaem sobre os programas sociais, os serviços essenciais à população e os necessários investimentos.” Tal trecho dá a entender que, portanto, pode haver um amplo ajuste fiscal em todas as demais áreas, que não sejam o Programa Bolsa Família e outros gastos focalizados. O ajuste poderia se dar, por exemplo, na Previdência, no funcionalismo público e outros gastos sociais.

Cabe também destacar a principal meta da presidente eleita: a erradicação da miséria. Sobre este tema, cabe comentar que, segundo os estudos utilizados pelo governo (estudo da FGV, pág 44), isto ocorreria se todos os brasileiros conseguirem ultrapassar a renda mensal de R$ 137. Ou seja: se os atuais miseráveis passarem a ganhar R$ 138 por mês, a principal meta do governo Dilma estaria alcançada.

Outra notícia da Folha Online mostra que o Presidente Lula aconselhou à presidente eleita a manutenção de Henrique Meirelles na Presidência do Banco Central e Guido Mantega no Ministério da Fazenda. A notícia diz que:

“Para Lula, a manutenção dos dois sinalizaria uma continuidade que acalmaria o mercado financeiro (…) Meirelles seria um indicador da permanência do conservadorismo light adotado por Lula na política econômica. Já Mantega atenderia aos que pedem contraponto aos defensores de maior ortodoxia fiscal e monetária. Além disso, há a avaliação de que a eventual manutenção de apenas um deles acabaria por chancelar um lado da disputa.”

Ou seja: independentemente de quem irá de fato assumir tais cargos, tudo indica que haverá uma continuidade na política econômica, inclusive da estratégia de tentar fazer parecer aos movimentos sociais que tal política não seria neoliberal nem ortodoxa.

Por fim, cabe ressaltar outra frase do discurso da presidente eleita: “Recusaremos o gasto efêmero que deixa para as futuras gerações apenas as dívidas e a desesperança.”

O governo Lula deixa para sua sucessora uma dívida interna de mais de R$ 2 trilhões, uma dívida externa de mais de US$ 300 bilhões, e um orçamento para 2011 do qual metade está comprometida com a dívida. E o gasto efêmero que gerou – e continua gerando – mais dívida se chama juros, que não serão recusados, dado que a presidente eleita se comprometeu com a “estabilidade dos contratos firmados”, mesmo se estes forem ilegais.

Leia íntegra do primeiro pronunciamento da presidente eleita Dilma Rousseff
Folha Online – 31/10/2010 – 22h19

Lula defende manter Guido Mantega e Henrique Meirelles no governo Dilma
Folha Online – 01/11/2010 – 07h30
KENNEDY ALENCAR – DE BRASÍLIA