Dívida externa cresce 13,6% no 1º semestre

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O Portal G1 noticia que o superávit primário (reserva de recursos para o pagamento da dívida) atingiu R$ 40 bilhões no primeiro semestre. Porém, cabe ressaltar que este superávit não é a única fonte de recursos para o pagamento da dívida, que consumiu no primeiro semestre a quantia de R$ 164 bilhões, mesmo desconsiderando a chamada “rolagem”, ou seja, o pagamento de amortizações por meio da emissão de novos títulos. Para obter estes R$ 164 bilhões, o governo se utilizou de diversas fontes não-tributárias, como R$ 24 bilhões de lucros das estatais distribuídos ao Tesouro, R$ 18 bilhões recebidos dos estados e municípios (referentes à dívida com a União), além da emissão de títulos para o pagamento de juros, dentre outras fontes.

Chama a atenção o imenso volume de lucros das estatais – R$ 24 bilhões – destinados ao pagamento de amortizações da dívida apenas na primeira metade de 2010, valor este comparável a todos os gastos federais com educação durante todo o ano de 2009. E até 22 de julho, este valor já aumentou para R$ 26,3 bilhões.

Tais receitas – originárias principalmente de estatais como a Petrobrás, Banco do Brasil e outras – têm de ser destinadas obrigatoriamente a esta finalidade, conforme a Lei 9.530/1997, o que significa que estamos pagando a dívida quando enchemos o tanque do carro, pagamos as tarifas de ônibus, ou quando pagamos as altas tarifas e juros bancários.

O Jornal Valor Econômico comenta sobre as novas emissões de títulos da dívida externa, sendo que ontem o Brasil se endividou em mais US$ 825 milhões, com juros de 4,5% ao ano, o que foi comemorado pelo governo, como a menor taxa da história. Porém, cabe ressaltar que os títulos dos EUA (com prazo equivalente) estão sendo emitidos a taxas bem menores, razão pela qual tem havido tanta procura pelos papéis brasileiros. Outra razão para isso é o carimbo de “bom pagador de dívidas” recebido pelo Brasil (o chamado “Grau de Investimento”), o que sinaliza aos investidores que o Brasil continuará fazendo superávit primário, ou seja, cortando gastos sociais para pagar a dívida.

Um outro aspecto a ser comentado é que atualmente a “dívida interna” é responsável por um endividamento mensal dezenas de vezes superior que a “externa”, com taxas de juros quase três vezes maiores, e com prazos mais curtos. Além do mais, a “dívida interna” permite um ganho adicional aos investidores estrangeiros, quando ocorre valorização do Real frente ao dólar, como nos últimos anos. Isto porque, quando o governo paga em reais os juros e amortizações da “dívida interna” aos investidores, estes podem trocar estes reais por uma quantidade maior de dólares para remeter aos seus países de origem, dado que o Real se valorizou. Outra forma dos estrangeiros obterem este ganho adicional é comprando títulos da dívida externa indexados ao Real, cuja emissão está prevista para este ano, conforme mostra também a reportagem do jornal Valor.

Este ganho adicional também pode ser obtido por bancos brasileiros que tomam empréstimos no exterior para vender dólares ao Banco Central, recebendo em troca títulos da dívida interna, conforme comentado na edição de 27/7 desta seção. Isto porque, se o real se valoriza, os bancos receberão juros e amortizações suficientes para recomprar uma quantidade de dólares muito maior que a tomada no exterior. Desta forma, os bancos podem quitar sua dívida externa e ainda ficar com uma sobra de dinheiro.

Este assunto tem sido bastante discutido pela imprensa nos últimos dias – como no Editorial de hoje do Estado de São Paulo – dada a possibilidade de que o Real não se valorize nestes dias e, portanto, não gere este ganho adicional aos bancos neste momento específico.

Outro Editorial (desta vez de O Globo) procura argumentar que o grande déficit nas contas externas não seria tão grave, pois não teria causado crise cambial (desvalorização do Real) e não teria implicado no aumento da dívida externa. Segundo o jornal, o rombo nas contas externas não preocupa porque tem sido financiado pela entrada de capital estrangeiro, e porque a dívida externa teria sido reduzida e o país detém grande volume de reservas. Segundo o jornal, “a dívida deixou de ser uma bomba de retardo, capaz de jogar a economia brasileira em situação de crise, como aconteceu na década de 80 (até o início dos anos 90).” O jornal ainda conclui defendendo explicitamente que “a política econômica fortaleça os fundamentos que ajudam o Brasil a ser uma boa opção para investidores e financiadores”.

Porém, conforme exposto acima, o Real não se desvaloriza pois isto prejudicaria os investidores, dentro de um novo arranjo no qual a dívida interna passa a ser o mecanismo preponderante de ganhos, no lugar da dívida externa. O Jornal ignora que a dívida externa está explodindo, que esta montanha de reservas foi adquirida com dívida interna (que paga os maiores juros do mundo) e que o capital que entra no país (até mesmo o capital supostamente “produtivo”) logo volta para o exterior na forma de mais remessas de lucros.

BC: superávit primário é de R$ 2,059 bi em junho
29/07/2010 11h08 – Atualizado em 29/07/2010 11h08
Portal G1 / Agencia Estado

Surpresas no câmbio
O Estado de S. Paulo – 29/07/2010

Déficit agora é menos preocupante
Autor(es): Agência O globo
O Globo – 29/07/2010 

Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 27.07.2010

O Jornal Estado de São Paulo mostra como os bancos ganham às custas do Banco Central – ou seja, do povo – tomando dólares emprestados no exterior para vendê-los ao BC. Como o BC compra estes dólares, dando em troca títulos da dívida interna, o resultado é que os bancos recebem do governo as maiores taxas de juros do mundo, enquanto o BC aplica tais dólares principalmente em títulos do Tesouro dos EUA, que não rendem quase nada. Este rendimento se torna negativo para o BC e mais positivo ainda para os bancos, no caso de uma valorização do real, como tem ocorrido nos últimos anos.

Segundo um especialista entrevistado pelo jornal, “A taxa de juros é muito alta, é um convite à arbitragem (quando o investidor se aproveita da diferença de preço entre dois mercados) por parte dos bancos. (…) é o que ocorre se tem o Brasil subindo o juro enquanto o mundo segue com os juros muito baixos”.

Com os bancos tomando empréstimos lá fora para vender dólares ao BC, não é de se espantar que a dívida externa aumente. Outra notícia do Estado de São Paulo mostra que a dívida externa subiu para US$ 225,17 bilhões em junho, devido ao crescimento da dívida externa “privada”. O Jornal traz ainda a opinião da professora da Unicamp Daniela Prates, mostrando que as altas taxas de juros brasileiras estimulam que as empresas tomem empréstimos lá fora.

Cabe ressaltar que estes US$ 225 bilhões omitem os chamados “empréstimos intercompanhias” (ou seja, dívida externa contraída por filiais de multinacionais junto a suas matrizes no exterior), que atingiram nada menos que US$ 80 bilhões. Portanto, a dívida externa brasileira superou pela primeira vez na história a marca dos US$ 300 bilhões, tendo atingido US$ 305 bilhões em junho, conforme a Nota para a Imprensa do Banco Central – Setor Externo, Quadro 51.

Este valor é muito maior que o nível das reservas internacionais, de US$ 253 bilhões, ou seja: não é verdade que o país teria virado um “credor externo”. Além do mais, a dívida externa não representa a única despesa que o país tem com o exterior. Conforme mostrado na edição de ontem desta seção, as remessas de lucros e serviços para o exterior estão explodindo, gerando altíssimo déficit externo. Além do mais, esta montanha de reservas – que rende juros ínfimos para o país – foi obtida às custas da emissão de títulos da dívida interna, que pagam os maiores juros do mundo aos rentistas.

O Jornal O Globo traz reportagem alegando que o problema da saúde pública no país não seria a falta de recursos, argumentando que mesmo nos estados que aplicam nesta área social o mínimo estabelecido na Constituição (12% das receitas estaduais) a situação da saúde é péssima.

Em primeiro lugar, a própria reportagem reconhece que somente 9 dos 27 estados cumprem tal mínimo constitucional. Em segundo lugar, tais 12% estabelecidos na Constituição são um piso, e não um teto, ou seja, cumprir tais 12% não significa resolver todos os problemas da saúde de um país continental como o Brasil.

Em terceiro lugar, é preciso ressaltar que as receitas estaduais são apenas uma pequena parte do bolo tributário nacional, do qual a União é a principal arrecadadora. No ano passado, o Orçamento Geral da União destinou somente 4,64% dos recursos para a área da saúde, enquanto destinou 36% para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública.

E em último lugar, o próprio jornal O Globo mostra em outra reportagem que o Brasil é o nono país pior colocado no ranking de acesso a banheiro nas casas: nada menos que 13 milhões de pessoas vivem em domicílios sem banheiro. Além do mais, apenas 35% do esgoto é tratado no país.

Mais uma prova de que a saúde pública brasileira carece de um maior investimento público em saneamento e habitação. Estas duas áreas sociais receberam em 2009, respectivamente, apenas 0,08% e 0,01% do Orçamento Geral da União.

Dívida externa cresce 13,6% no 1º semestre
Autor(es): Fabio Graner,Fernando Nakagawa
O Estado de S. Paulo – 27/07/2010

Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 26.07.2010

Os jornais de hoje noticiam os preocupantes resultados das contas externas no primeiro semestre de 2010, destacando o forte déficit de US$ 24 bilhões em transações correntes, o triplo do observado no mesmo período de 2009. Em bom português: o saldo comercial de US$ 8 bilhões não foi suficiente para cobrir as remessas de juros (US$ 4,7 bilhões), lucros das multinacionais (US$ 15 bilhões) e serviços contratados no exterior (US$ 15 bilhões), principalmente devido às viagens internacionais, aluguel de equipamentos e transportes. O Banco Central prevê um déficit em transações correntes de US$ 49 bilhões em 2010.

E de onde o país consegue os dólares necessários para cobrir este rombo? Uma parte (US$ 12 bilhões) veio dos chamados Investimentos Estrangeiros Diretos, ou seja, investimentos supostamente produtivos, que posteriormente também irão retornar ao exterior na forma de remessas de lucros. Outra parte (US$ 19 bilhões) veio na forma de “Investimento em Carteira”, ou seja, aplicações financeiras de estrangeiros aqui no país, como ações e títulos da dívida interna, que também voltam depois para o exterior na forma de juros e lucros.

Este resultado bastante negativo das contas externas decorre do endividamento interno, cujos juros mais altos do mundo atraem dólares de todo o mundo, resultando em uma queda no valor da moeda americana. Quando o valor do dólar cai, dificulta-se as exportações e estimula-se importações de produtos e serviços, além das viagens internacionais. As remessas de lucros também se tornam mais interessantes, dado que com um mesmo lucro em reais as filiais das empresas multinacionais aqui instaladas podem remeter uma maior quantidade de dólares para seus países de origem. A crise global também faz com que as filiais de multinacionais aqui instaladas remetam mais lucros para tentar cobrir os prejuízos nos seus países de origem.

E como este déficit em transações correntes prejudica a vida dos brasileiros? Com o país ficando cada vez mais na dependência da entrada dos fluxos financeiros do exterior para fechar este rombo, o país continua tendo de oferecer aos especuladores altíssimas taxas de juros – pagas pelo povo – e outras vantagens, como isenção de imposto de renda sobre os ganhos dos estrangeiros na dívida interna.

O Jornal O Globo de sábado trouxe a fala do Presidente Lula, de que “é melhor rombo na Previdência do que fome”. Porém, cabe ressaltar que a Constituição Federal de 1988, quando estabeleceu a Seguridade Social – que reúne as áreas de Previdência (INSS), Assistência e Saúde – e ampliou os benefícios previdenciários e assistenciais, também apontou as fontes de recursos que os financiariam, como a COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), dentre outras. Isto se deu exatamente porque, em um país marcado pela informalidade no emprego e imensos contingentes de pobres e famintos, a contribuição previdenciária sobre a folha de salários seria, obviamente, insuficiente para financiar benefícios para os quais não houve contribuição.

Considerando todas as receitas e despesas da Seguridade Social, todo ano ocorre, na verdade, um superávit de dezenas de bilhões de reais. Desta forma, a idéia de “rombo” da Previdência é equivocada.

O Presidente Lula também afirmou que “É melhor a Previdência ter dívida do que um cidadão morrendo de fome”. Porém, conforme comentado acima, não existe déficit da Previdência, muito menos dívida da Previdência decorrente de tal falacioso déficit.

Na realidade, a Seguridade Social dispõe de muitos recursos financeiros, mas que são retirados por meio da Desvinculação das Receitas da União (DRU), para o cumprimento das metas de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida com o setor financeiro privado. Esta sim é uma dívida que merece preocupação, e não uma inexistente dívida decorrente de um falacioso déficit da Previdência.

O Presidente Lula também afirma que aumentou o salário mínimo em 74% em seus dois governos, porém, analisando-se os dados (www.ipeadata.gov.br ), verificamos que o aumento do mínimo acima da inflação foi de apenas 53% no governo Lula, significando um aumento real de apenas 5,5% ao ano, média esta parecida com a do governo FHC, de 4,6% ao ano. Enquanto isso, o salário mínimo necessário, calculado pelo DIEESE, já atinge R$ 2.092, ou seja, mais que o quádruplo do atual salário mínimo (R$ 510). Ainda segundo o DIEESE, o salário mínimo de hoje ainda está com um poder de compra menor que há 30 anos atrás.

Também neste caso, a justificativa para impedir maiores aumentos do salário mínimo continua sendo o falacioso déficit da previdência.

O Jornal Valor Econômico traz reportagem sobre medidas do governo em estudo na área da Previdência, tais como a divulgação mensal do falacioso déficit do Regime Próprio de Previdência dos Servidores da União. Segundo o jornal, “Esse sistema público de pensões e aposentadorias dos servidores federais, que atende 938 mil funcionários, encerrou 2009 com déficit de R$ 47 bilhões. Em contraposição, o regime geral, que paga 27 milhões de benefícios mensais, fechou o ano passado com saldo negativo de R$ 43,6 bilhões.”

Ou seja: parece novamente estar havendo uma tentativa de jogar trabalhadores do setor privado contra os servidores públicos, tal como ocorreu na Reforma da Previdência de Lula, em 2003. O que os jornais e o governo omitem é que de 1995 a 2009, o gasto com todos os servidores (ativos, aposentados e pensionistas) caiu drasticamente, de 56,2% para 34,2% da Receita Corrente Líquida (fonte: Boletim Estatístico de Pessoal de março/2010, pág 28).

Além do mais, é preciso ter em mente que o número de servidores ativos do Poder Executivo caiu nas últimas décadas, de 992 mil em 1991 para 927 mil em 2009, pois as políticas neoliberais sucatearam o Estado e limitaram a contratação de novos servidores. Como consequência, a relação entre servidores ativos e os aposentados-pensionistas caiu de 2 para 1 no período.

Caso o número de servidores tivesse seguido ao menos a evolução do crescimento real do PIB, teríamos hoje um contingente de ativos 82% superior ao atual, fazendo com que o suposto “déficit” fosse praticamente eliminado.

Outro detalhe também nunca colocado pelos jornais é que, no momento em que o servidor é admitido, é firmado um contrato com o Estado, no qual este último se compromete a pagar a aposentadoria deste servidor. Tanto é assim que, durante décadas, o Estado jamais contribuiu com a sua parte patronal para a Previdência, tendo preferido destinar tais quantias para outros fins, exatamente porque a aposentadoria do servidor sempre foi uma obrigação do Estado.

Por fim, o jornal Valor Econômico traz artigo de Sérgio Leo, questionando as decisões de investimentos do BNDES como, por exemplo, a de capitalizar frigoríficos. Sobre este tema, cabe ressaltar que nos últimos 2 anos o Tesouro Nacional emitiu R$ 180 bilhões em títulos da dívida interna – sobre os quais pagamos a maior taxa de juros do mundo – para obter recursos destinados aos empréstimos do BNDES.

Remessa de lucro surpreende e Brasil tem deficit recorde nas contas externas
Folha Online – 26/07/2010 – 12h28
EDUARDO CUCOLO

A política industrial e a caixa preta do BNDES
Brasil – Sergio Leo
Valor Econômico – 26/07/2010