FAMA 2018: CNBB participa do evento DÍVIDA ECOLÓGICA, Somos Credores

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“Que aqui sejamos semeadores e semeadoras da esperança”, afirmou Dom Leonardo Ulrich, secretário – geral da CNBB, durante a abertura dos trabalhos do painel “Dívida Ecológica: somos credores”, no segundo dia do Fórum Alternativo Mundial das Águas (FAMA).

Ele destacou a opção da entidade por participar do Fórum Alternativo e não o Fórum oficial, por acreditar ser um espaço que contempla uma participação social maior, mais inclusiva e plural.
Lembrando que a ecologia é a ciência da natureza, Dom Leonardo defendeu um debate mais amplo acerca do desmatamento, que afeta diretamente o ecossistema e os recursos hídricos.

“Podemos aumentar quantos reservatórios quisermos, mas se não chover(…). A sociedade brasileira não está preocupada com as fontes, com o desmatamento, apenas com o armazenamento”, criticou.
Ele encerrou sua participação lembrando que a relação da dívida pública com degradação ambiental é direta, pois recursos do meio ambiente, saúde, saneamento básico, são desviados para alimentar o sistema financeiro.

O integrante da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP) e coordenador da mesa, Ayrton Fausto lembrou a parceria de luta entre a CNBB e a Auditoria Cidadã da Dívida por uso adequado dos recursos públicos em favor da população.

Ampliar o conceito de dívida ecológica

A coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, frisou que o principal objetivo do evento é reunir pessoas interessadas em desenvolver o tema da dívida ecológica e conhecer outras experiencias e fontes de informação.

“Queremos constituir conjuntamente o conceito de dívida ecológica, pois o que já está colocado, fala de países. Países explorados e países exploradores, mas não são apenas países que são exploradores, temos que nomear também empresas, grandes corporações e organismos internacionais”, sugeriu.

Ela acrescentou que é preciso instituir mecanismos de controle social, participação popular na identificação dos danos, punição dos envolvidos na dívida ecológica.

O caso de Belo Monte foi um dos exemplos da ganância financeira que avança sobre populações e o meio ambiente. Fattorelli condenou os desvios e ressecamento do rio Xingu para a construção da Hidrelétrica de Belo Monte. “Após esse desastre, uma empresa canadense está no local explorando minério na região que foi seca. Retiraram 88 milhões de toneladas de ouro, um escândalo!”.

Coordenadora nacional da Auditoria Cidadã, Maria Lucia Fattorelli

Valoração dos impactos do “desenvolvimento”

A responsabilidade de todos sobre o meio ambiente foi levantada pelo economista ambiental, Pedro Gasparinetti Vasconcellos, que lembrou que consumidores também são parte da gestão consciente dos recursos naturais.

Para ele, é preciso contabilizar os impactos e os impactados do comércio desse fluxo de mercadorias, que apenas considera o que está sendo comprado e vendido.

“A economia precisa fazer essa ponte entre quem mais se importa, quem depende e quem mais impacta”, ressaltou.

Com base nisso, o economista defendeu que seja feita uma valoração também dos impactos que ações desenvolvimentistas causam no meio ambiente e população. “Há promessas de muitos ganhos econômicos, com a mineração, por exemplo, mas quem está indiretamente sendo afetado, está perdendo renda e bem-estar, que pode não ter preço, mas tem valor”, ressaltou.

Ele reforçou a dificuldade de reparamos estragos e a necessidade de ao menos contermos os vazamentos e futuros danos. “Estamos perdendo capital natural que será muito importante para as próximas gerações, e capital natural também é capacidade produtiva. É do interesse de todos o cuidado com os ecossistemas”, alertou.

Os danos ambientais não afetam a todos da mesma forma

O sociólogo e professor da UnB, Sérgio Sauer, levantou vários pontos importantes para a construção do conceito de dívida ecológica, abrangendo o direito e justiça ambiental.

Por meio de uma contextualização do modelo, que ele denominou neoextrativista, de exploração econômica de países sobre países, no que tange à dimensão do trabalho e expropriação de bens, o professor recordou que tudo está vinculado a ideia de geração de lucros e de danos. Para ele, o ônus da destruição do meio ambiente recai de forma desigual dentro do conjunto da sociedade.
“injustiça e danos ambientais não afetam a todos da mesma forma, atingem os pobres de forma mais severa”, acrescentou.

Sauer lembra ainda a necessidade de se definir o conceito de dívida e crime ecológico, discutindo uma maneira para que passivos ambientais possam ser calculados dentro dos custos das empresas, e, em contrapartida, propor a bonificação pelos serviços prestados para quem preserva o meio ambiente, como as comunidades tradicionais e povos indígenas.
“Desde a Lei Kandir, a exportação de matérias primas é livre de cobrança”, criticou, lembrando que de nenhuma forma a sociedade é compensada pelos danos deixados pelas empresas e governos.

A dívida não é apenas ecológica, é social!

“Não dá para falar de dívida ecológica, sem falar de dívida social e esse desbalanceamento dos processos produzidos pelas economias aos elementos da natureza”, afirmou o professor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, Saulo Rodrigues.

Ele lembrou que o sistema econômico em vigor promove desigualdades , e cabe ao Estado fazer o papel regulador para conter injustiças e falhas de um sistema capitalista que não leva em consideração questões distributivas importantes, de direitos e condições de vida digna à população. “A população do campo, periferias, quilombolas, comunidades tradicionais e indígenas possuem, de forma muito direta, uma dependência da natureza e seus serviços, portanto, estão menos instrumentalizadas para fazer frente aos impactos climáticos, desastres naturais, escassez de água e outras mudanças extremas”, destacou.

A interligação entre as questões ecológicas e sociais também foi apontada como primordial dentro do debate sobre dívida ecológica. “A dívida remete a uma discussão sobre direito fundamental a vida digna, algo que vem sendo negligenciado”, criticou.

Ele acrescentou que a participação social nesse processo de governança ambiental é importante ferramenta para a construção de políticas públicas mais justas e sustentáveis.
“A população diretamente afetada está sub representada nos fóruns participativos”.

Mega empresas no centro da economia global

A influência das grandes corporações nas economias das nações foi destacada pela professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), Fátima Pinel.

Com base numa pesquisa que analisou as relações entre empresas multinacionais, verificou-se que 147 empresas (a maioria bancos) tem um poder desproporcional em relação ao resto do mundo.
A professora lembrou ainda todos os benefícios, subsídios, isenções e incentivos que essas corporações recebem dos governos, além do não pagamento de recursos utilizados e danificados. “São uma série de privilégios fiscais além de não cumprimento de leis ambientais e o frequente perdão de multas”, destacou.

Ela lembrou que no debate sobre o direito à água, é necessário refletir sobre os possíveis impactos ambientais que a exportação de produtos primários e semimanufaturados pode estar tendo sobre nossos recursos hídricos. “Quando exportamos soja, carne e açúcar, estamos exportando também água”, frisou.