Fattorelli denuncia organizações financeiras internacionais e Sistema da Dívida no Parlamento Europeu

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No dia 1o de março, o Parlamento Europeu foi palco do debate sobre a dívida pública, seus mecanismos de operação, suas consequências e desafios para solucioná-la. Dentro do tema, “Reestruturando a dívida – reconstruindo a democracia”, representantes de entidades e organizações internacionais de diversos países trocaram experiências, levantaram questões e soluções a serem consideradas dentro de um processo de negociação da dívida.

Pela experiência, atuação e afinidade com o tema, a auditoria fiscal aposentada da Receita Federal e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD), Maria Lucia Fattorelli, foi uma das palestrantes. Dentro do painel “Saídas em nível internacional: o trabalho da ONU para um quadro multilateral de reestruturação da dívida”, ressaltou a importância da transparência em todos os processos e acordos. “Os princípios elencados pela ONU – direito a um processo de reestruturação, boa-fé, transparência, imparcialidade dos atores envolvidos, legitimidade das instituições, sustentabilidade etc. são muito importantes, porém, só seriam aplicáveis a um processo legítimo de endividamento”, lembrou.

Fattorelli destacou que um “processo legítimo de endividamento” é muito raro de se encontrar. O que temos encontrado em todos os países que auditamos como Equador, Brasil, Grécia e muitos outros, o que se vê é a existência de um “Sistema da Dívida”.

Como funciona opera o Sistema da Dívida

A coordenadora da ACD define o “Sistema da Dívida” como um mecanismo que possui pelo menos três aspectos muito marcantes: o uso indevido do instrumento de endividamento público, de tal forma que ele funciona como um mecanismo de transferência de recursos, ao invés de aportar recursos e financiar a economia das nações; a ausência de contrapartida das dívidas para o país e para a sociedade e, o benefício direto para o setor financeiro.

Para operar, o Sistema da Dívida conta com uma série de privilégios de ordem legal, política, mas especialmente com o imenso poder do sistema financeiro mundial e organismos internacionais, como o FMI, que pauta o modelo econômico e determina medidas a serem cumpridas pelos países. Austeridade fiscal e cortes de gastos sociais para garantir o pagamento da dívida pública são pontos sempre presentes nos memorandos do FMI.

Maria Lucia explicou que a dívida pública arruína gradativamente o desenvolvimento e autonomia dos países, na medida em que além de ter seus recursos comprometidos para o seu pagamento, há uma interferência internacional na economia e política dos países. “É criado um sistema de leis, acima de todos os direitos, capazes de garantir o funcionamento dessa estrutura. A grande mídia também atua, pois não esclarece devidamente a população sobre o tema, omitindo informações ou apresentando dados distorcidos”, lembrou.

Auditoria Grega

Maria Lucia Fattorelli foi a única brasileira a compor o Comitê pela Auditoria da Dívida Grega, e juntamente com outros 30 especialistas, averiguou uma série de irregularidades no processo de endividamento do país. “O Sistema da Dívida está operando na Grécia desde maio de 2010. Com interferência do FMI, foi feito um acordo, desenhado dentro das diretrizes do Fundo e com a participação da Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI), onde se impôs um completo plano econômico”, destacou.

Segundo Fattorelli, foi averiguada a total ausência de contrapartida à Grécia, pois os acordos foram desenhados para privilegiar os bancos. Todos os montantes emprestados nos acordos deveriam cumprir as obrigações impostas pelo FMI, principalmente a de “garantir o apoio que fosse necessário aos bancos”. Assim, os recursos objeto dos acordos gregos desde 2010 têm sido diretamente transferidos para instituições financeiras.

“Diversas situações ilegais foram encontradas durante a auditoria, desde anexos inseridos dentro de documentos de acordos bilaterais, até a transformação de Swaps do banco Goldman Sachs em dívida pública”, explicou.
“Como aplicar os princípios propostos pela ONU para a renegociação de dívida pública gerada dessa forma?”, questionou.

Desafios e propostas

Assim como a Grécia, outros países possuem similaridades na forma como opera o sistema da dívida. “Brasil e Equador tiveram políticas monetárias impostas e assessoradas pelo FMI e Banco Mundial, além da não identificação de contrapartida nos empréstimos”, destaca.

A coordenadora da ACD propôs algumas ações e desafios a serem considerados.

1. Auditoria da dívida pública deve ser um precedente para qualquer ação relacionada à divida

2. Antes de qualquer reestruturação, refinanciamento ou negociação, deverá haver uma auditoria da dívida pública, a fim de evitar a negociação de uma dívida ilegal, ilegítima, odiosa ou nula;

3. Auditoria da Dívida com participação popular deve ser uma rotina. Incluir tal obrigação no ordenamento jurídico de cada País, disseminando os processos de auditoria equatoriana, grega e a cidadã brasileira, encorajando novas auditorias;

4. Necessidade de supervisão prévia de dívidas antes de sua autorização;

5. Transparência completa do processo de endividamento aos cidadãos que pagam essa conta.

6. Aprofundar o entendimento sobre:
• Necessidade de uma nova arquitetura financeira devidamente regulamentada
• Como o Sistema da Dívida alimenta o modelo econômico que está produzindo inescrupuloso dano ao Planeta e aos Povos.

Fattorelli encerrou sua palestra mostrando uma imagem da cidade de Bento Rodrigues, devastada pela lama tóxica após o rompimento da barragem das mineradoras Samarco, BHP Billiton e a Vale. “É preciso introduzir um debate sério sobre a auditoria da dívida na ONU e no Parlamento Europeu, não se pode continuar sacrificando pessoas, nações, o meio ambiente e o planeta para pagar uma conta ilegal, ilegítima, odiosa e nula”, finalizou .

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APRESENTAÇÃO