MEDIDAS ECONÔMICAS ANUNCIADAS POR HADDAD: QUEM GANHA E QUEM PERDE, POR RODRIGO ÁVILA

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MEDIDAS ECONÔMICAS ANUNCIADAS POR HADDAD: QUEM GANHA E QUEM PERDE
Breve análise das medidas anunciadas ontem pelo ministro Fernando Haddad

Rodrigo Ávila – Economista da Auditoria Cidadã da Dívida
13/1/2023

Ontem (12/1/2023) o Ministro da Fazenda Fernando Haddad anunciou medidas no sentido de aumentar a arrecadação tributária e reduzir despesas. Verificamos que algumas medidas são positivas, como aumentar a carga tributária que recai sobre os ricos, por exemplo na tributação das receitas financeiras com o PIS/COFINS (impacto de R$ 4,4 bilhões em 2023) e no retorno do voto de qualidade do governo em caso de empate nas disputas no CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), o que deve reduzir as vitórias de grandes empresários nos litígios com o Fisco.

Por outro lado, outras medidas mantém o privilégio da chamada dívida nunca auditada. A principal justificativa do Ministro para as medidas é tentar reverter o chamado “déficit primário” do governo federal neste ano, projetado em R$ 231,55 bilhões, e tentar obter “superávit primário”. Ou seja, em bom português, tentar obter recursos para o pagamento da questionável dívida pública, que deveria ser auditada com participação da sociedade.

A redução ou eliminação imediata do chamado “déficit primário” é uma demanda do “mercado” (ou seja, rentistas da dívida pública) e não do povo, uma vez que o governo dispõe de mais de R$ 1,7 TRILHÃO na Conta Única do Tesouro, e poderia aumentar fortemente os investimentos sociais sem essa necessidade urgente de arrecadar mais. O Ministro também declarou ontem que a formação de “superavit” seria uma forma de tentar convencer o Banco Central (BC) a reduzir os juros, ou seja, admitindo a ideia do BC de que a inflação brasileira teria como causa um suposto gasto social exagerado, quando na verdade decorre principalmente dos preços administrados pelo governo (como os combustíveis, devido à política de preços equivocada da Petrobras) e dos preços de alimentos (devido à priorização da agricultura de exportação), preços estes que não tem guardado relação com a taxa de juros.

Além do mais, o chamado “déficit primário” tem sido construído a partir de uma metodologia que OMITE diversas receitas que têm sido obtidas pelo governo federal constantemente nos últimos anos, tais como os lucros do Banco Central, recebimentos de juros e amortizações das dívidas dos estados e municípios com a União (que já foram pagas várias vezes pelos entes federados), remuneração da Conta Única do Tesouro, dentre outras, das quais grande parte tem sido destinada para o pagamento da dívida pública.

Portanto, a principal justificativa do “mercado” para defender a obtenção rápida do chamado “superávit primário”, ou seja, a de que o país “estaria contraindo mais dívida para cobrir o buraco dos gastos sociais” é uma grande mentira, conforme pode ser visto no artigo disponível em https://bit.ly/3vTjZpB . Na realidade, a dívida pública tem RETIRADO recursos das áreas sociais, tendo servido para pagar os próprios juros e amortizações da própria dívida.

Dentre as medidas relacionadas às receitas, há também o aumento da carga tributária sobre o consumo (com o crescimento da arrecadação de PIS/COFINS, por meio do aumento da alíquota sobre sobre combustíveis e redução de créditos desses tributos para os diversos setores econômicos) e outras medidas questionáveis de abatimento de débitos de grandes empresários com o fisco, sob o argumento de que isso os faria desistir dos litígios.

Do lado da despesa, as medidas incluem uma “revisão de contratos e programas” (aparentemente no sentido de interromper contratos firmados pelo governo anterior que sejam considerados como inadequados), com impacto previsto de R$ 25 bilhões. Há também uma “autorização de execução inferior ao autorizado na LOA 2023”, também no valor de R$ 25 bilhões, o que é ruim, dado que representa um corte de gastos sociais.

Enfim, as medidas anunciadas ontem, embora em parte sejam positivas, servem, fundamentalmente, à garantia de pagamento da dívida pública, sem nenhum questionamento sobre a principal despesa do orçamento, ou seja, o pagamento de juros, curiosamente criticados ontem mais uma vez pelo Presidente Lula:

“A única coisa que não é tratada como gasto nesse país é o dinheiro que a gente paga de juros para o sistema financeiro. Esse eles não tratam como gasto. Possivelmente eles tratam como investimento. […] Enquanto isso, a gente não consegue dar aumento de salário mínimo de 3% porque é gasto. Não é possível.”

Porém, para que tais críticas possam se traduzir em ação efetiva, é necessário reduzir o gasto com juros, o que pode ocorrer a partir de uma ampla auditoria da dívida, com participação da sociedade, conforme feito em 2007-2009 pelo Equador, com sucesso.