Mercado sobre o governo

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O Jornal Valor Econômico mostra um fato já várias vezes denunciado pela Auditoria Cidadã da Dívida: o poder de chantagem dos mercados sobre o governo – por meio do aumento dos juros exigidos para a compra de títulos da dívida interna – caso seja implementada qualquer medida que, mesmo minimamente, afete seus interesses. Nas últimas semanas, o governo elevou de 2% para 6% o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre a entrada de capital estrangeiro destinado às aplicações da dívida interna. Como resultado, ontem os investidores já exigiram juros mais altos para comprar títulos da dívida interna.

Ou seja: sem se reduzir os juros, sem controlar os fluxos de capital, e sem fazer a auditoria da dívida pública, fica difícil para o país ter autonomia em sua política econômica, pois a dívida sempre continuará sendo um instrumento de chantagem diária dos mercados.

Não por acaso, o próprio Ministério da Fazenda divulgou ontem um estudo mostrando que o Brasil está em terceiro lugar no ranking mundial dos países que mais atraem a especulação financeira, nas chamadas “operações de carry-trade”, ou seja, tomar dinheiro emprestado em países com juros baixos para aplicar em países com juros altos. Conforme notícia do jornal Estado de São Paulo:

“Em 12 meses até o fim de setembro, o Brasil garantiu aos investidores um ganho de 14,5%. Na África do Sul, a rentabilidade em um ano foi de 18,2% e, na Austrália, de 15,8%. Na 8.ª edição do boletim “Economia Brasileira em Perspectiva”, divulgada ontem pelo Ministério da Fazenda, a equipe econômica apresentou um ranking dos ganhos (no jargão econômico, chamado de carry return) com aplicações em renda fixa em vários países e alertou para o problema cambial dessas operações. No documento, a Fazenda diz que o governo “usará todos os instrumentos para eliminar novo movimento especulativo no câmbio”. O aumento da liquidez internacional (maior quantidade de recursos disponíveis) e os juros brasileiros, destacou o boletim, atraíram investidores que buscam retorno nos juros e no mercado de câmbio.”

Porém, conforme comentado anteriormente, medidas como o aumento do IOF são retaliadas pelos especuladores, que aumentam os juros exigidos para comprar títulos da dívida interna.

Com juros altíssimos, a dívida não pára de crescer, conforme mostra o Portal G1. Segundo o Tesouro Nacional, a dívida pública federal subiu em setembro para R$ 1,62 trilhão, sendo R$ 92 bilhões de dívida externa pública federal e R$ 1,53 trilhão de dívida interna (conforme a tabela do Tesouro, Anexo 2.1).

Porém, segundo a nota para imprensa de Mercado Aberto do Banco Central, Tabela 11, devem ser acrescentados a estes R$ 1,53 trilhão de dívida interna os R$ 378 bilhões das chamadas “Operações de Mercado Aberto”, que também representam dívida interna na mão dos rentistas. Portanto, a dívida interna chegou, na verdade, a R$ 1,912 trilhão em setembro. E se contabilizarmos todos os títulos do Tesouro em poder do Banco Central (sobre os quais o Tesouro paga ao Banco Central juros e amortizações, que são utilizados pelo BC para a cobertura dos prejuízos que tem junto aos investidores privados), verifica-se que a dívida interna já ultrapassou os R$ 2 trilhões.

Segundo o Tesouro, os estrangeiros já detêm R$ 154 bilhões da dívida interna, porém, nunca é divulgada a metodologia que gerou tal informação. Ou seja: os estrangeiros podem estar detendo uma parcela bem maior da dívida interna.

O Tesouro também afirmou que a dívida interna cresceu em setembro principalmente devido às altas taxas de juros. Porém, a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, alheia a esta realidade, afirmou ontem que pretende reduzir a dívida, para que só então a taxa de juros possa cair, conforme mostra outra notícia do Portal G1. Ou seja: dentro desta política, a taxa de juros jamais cairá, e a dívida continuará crescendo.

Por fim, o jornal O Globo traz a notícia de que a taxa de desemprego é a menor em 8 anos, e que a renda aumentou 6,2% nos últimos 12 meses, o que poderia dar a entender que a política econômica estaria indo bem, mesmo destinando a maior parte do orçamento para o pagamento da dívida.

Porém, é preciso ressaltar que metade dos trabalhadores empregados não possuem carteira assinada, que a renda do trabalho está apenas 8,8% acima do que era em 2002 (após permanecer de 2003 a 2007 em níveis inferiores a 2002, conforme tabela do IBGE), e que a taxa de desemprego ainda está em níveis equivalentes ao vigente em alguns momentos do governo FHC, ou Collor.

Ou seja: o que está ocorrendo atualmente representa bem a imagem da “retirada do bode da sala”, ou seja, o país apenas está retornando a níveis existentes anteriormente, durante governos neoliberais.

Dívida pública sobe 0,5% em setembro, para R$ 1,62 trilhão
Portal G1 – 21/10/2010 14h39 – Atualizado em 21/10/2010 15h05

Estrangeiro responde por 10,23% da dívida interna em setembro
Portal G1 – 21/10/2010 17h48 – Atualizado em 21/10/2010 17h48

Dilma diz que reduzirá dívida para ter padrão externo de juro
21/10/2010 18h16 – Atualizado em 21/10/2010 18h16

Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 21.10.2010

O Jornal O Globo noticia que termina hoje o prazo dado pelo Presidente do Equador Rafael Correa para que banqueiros deixem de ser acionistas de meios de comunicação equatorianos (rádio, TVs, jornais ou revistas). Esta medida constou da Nova Constituição do Equador, aprovada em 2008, e possibilitará que nada menos que 103 banqueiros sejam afastados do controle de diversos meios de comunicação equatorianos.

A Auditoria Cidadã da Dívida manifesta o apoio a mais esta importante medida do governo do Equador, que representa mais um importante passo para a soberania econômica deste país.

Enquanto isso, no Brasil, a grande imprensa – cujo principal financiador privado é o setor financeiro – sempre procura rechaçar qualquer tentativa de rever o processo de endividamento, qualificando de “calote” a iniciativa de auditoria da dívida, em todos os momentos que foi proposta durante o debate eleitoral.

Não por acaso, esta notícia do jornal O Globo critica a atitude equatoriana, dando a entender que tal medida visa impedir a liberdade de imprensa, citando que o maior afetado pela medida tem posição crítica ao governo de Rafael Correa. Ora, em se tratando de um banqueiro, é natural que ele não goste do governo Correa, que executou uma auditoria da dívida externa com os bancos privados e, com base nas provas de ilegalidade desta dívida, decidiu anular cerca de 70% dela. Mas a ilegitimidade da dívida jamais é noticiada pelos meios de comunicação brasileiros.

Uma prova de que a dívida pública continua sendo um sério problema para o Brasil é que os municípios enfrentam dificuldades com a queda no valor dos repasses do Fundo de Participação dos Municípios. Prefeituras paranaenses podem novamente fechar as portas, por força da “Lei de Responsabilidade Fiscal” (LRF), que obriga o corte de gastos sociais em momentos de queda de receita. Por outro lado, quando se trata de gastos com a dívida, a LRF permite que estes sejam financiados sem limite com a emissão de mais e mais títulos da dívida.

Importante ressaltar também que, até 11 de outubro deste ano, o governo federal repassou R$ 27,9 bilhões ao Fundo de Participação dos Municípios (já descontados os recursos do FUNDEB), enquanto gastou com juros e amortizações da dívida nada menos que 9 vezes mais, ou seja, R$ 240 bilhões, mesmo excluindo a chamada “rolagem” ou “refinanciamento” da dívida (ou seja, o pagamento de amortizações por meio da emissão de novos títulos).

Em suma: enquanto os prefeitos brigam por migalhas para não fecharem as portas, o filé do orçamento segue indo para os rentistas.

Por fim, o jornal Valor Econômico noticia que o Brasil emitiu ontem mais US$ 1 bilhão em títulos da dívida externa, indexados ao Real, e que pagarão juros de 10,25% ao ano. Ou seja: capta-se tais recursos em dólares, e se pagará ao investidor os juros mais a valorização do Real. Cabe questionar o porque deste endividamento adicional, dado que o Brasil já possui enorme quantidade de reservas internacionais, que possuem rendimento bem menor que 10,25% ao ano.
Notícias diárias comentadas sobre a dívida – 18.10.2010

O Portal Terra divulga a intenção do Presidente da Bolivia Evo Morales de processar judicialmente o FMI pelos danos causados ao país, devido ao receituário de medidas de ajuste neoliberal e de privatizações nos anos 90. Segundo Morales, “cedo ou tarde, o Fundo Monetario Internacional deverá ressarcir os danos econômicos”.

Enquanto na Bolivia o presidente deseja questionar na justiça o FMI, no Brasil o atual governo se orgulha de ter pago antecipadamente a dívida com este organismo ilegítimo: em entrevista ao Jornal Nacional, a candidata do PT à presidência Dilma Rousseff afirmou que tal pagamento faria parte de um “projeto que transformou o Brasil”. Porém, cabe ressaltar que, mesmo tendo pago o FMI, o país manteve as medidas preconizadas pelo Fundo (como o “ajuste fiscal”), e jamais reverteu as reformas neoliberais já implementadas pelo atual governo, como as da Previdência, Tributária, Lei de Falências, além das privatizações (vendas de poços de petróleo, bancos federalizados, estradas, parcerias público-privadas, etc).

Além do mais, a dívida com o FMI – que representava uma ínfima parcela da gigantesca dívida pública brasileira – foi paga às custas de mais endividamento interno, que paga as taxas de juros mais altas do mundo aos rentistas.

A prova de que a dívida permanece como um sério problema para o país é que hoje o Ministro da Fazenda anunciou mais duas medidas para tentar conter a enxurrada de dólares que entram no país para ganhar com a dívida “interna”, conforme mostra o Portal G1. O Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) foi aumentado novamente (de 4% para 6%), sobre a entrada de capital estrangeiro em “renda fixa” (ou seja, dívida pública), enquanto o IOF sobre as operações no “mercado futuro” também foi aumentado de 0,38% para 6%.

O que confirma os comentários feitos por esta seção (nos dias 5/10 e 7/10/2010) ao aumento de 2% para 4% do IOF sobre as aplicações dos estrangeiros em dívida pública. Nestes dias, a Auditoria Cidadã da Dívida afirmou que eram “necessárias medidas bem mais contundentes para frear este movimento especulativo” e que o mercado futuro poderia ser uma forma dos especuladores fugirem deste imposto.

Por fim, o Jornal Nacional também mostra a guerra da população francesa contra a reforma da previdência proposta pelo Presidente Nicolas Sarkozy, que aumenta a idade para a aposentadoria. O Jornal Nacional apenas reproduz de forma acrítica a afirmação de Sarkozy de que “a mudança é essencial para equilibrar as contas da previdência”, sem ressaltar o fato de que, quando são os banqueiros que precisam “equilibrar suas contas”, os governos (inclusive os da União Européia) imediatamente dão trilhões e trilhões de dólares de ajuda, às custas da explosão da dívida pública.

Para depois fazer os aposentados pagarem esta dívida ilegítima.

Evo Morales propone enjuiciar al FMI por sus recetas privatizadoras
Portal Terra – 18/10/2010 • 13:54hs

Dilma Rousseff é entrevistada no Jornal Nacional
Jornal Nacional – 18/10/2010 21h53 – Atualizado em 18/10/2010 21h53

Mantega anuncia nova alta do IOF para estrangeiros na renda fixa
Portal G1 – 18/10/2010 18h58 – Atualizado em 18/10/2010 22h35

Protestos contra a reforma na previdência se intensificam na França
Jornal Nacional – 18/10/2010 21h03 – Atualizado em 18/10/2010 21h03