Nota Pública contra o PL 3.877/2020 e a autonomia do Banco Central

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O Projeto de Lei (PL) 3.877/2020 foi aprovado no Senado Federal em 3/11/2020 e pode ser votado a qualquer momento pela Câmara dos Deputados, seguindo direto para a sanção presidencial. Ademais, o PLP 19/2019, que trata da “Autonomia do Banco Central”, deixará a política econômica sob influência ainda maior do setor financeiro.

O referido PL 3.877/2020, assim como o PL 9.248/2017 (de autoria de Michel Temer, Henrique Meirelles e Ilan Goldfajn) e o PLP 112/2019 (de autoria de Paulo Guedes, Roberto Campos Neto e Jair Bolsonaro), cria o mecanismo denominado “Depósito Voluntário Remunerado”, mediante o qual o Banco Central – costumeiramente comandado por pessoas ligadas ao setor financeiro e prestes a se tornar “independente” – passará a ficar obrigado, por lei, a remunerar diariamente, sem limites, a “sobra de caixa” que voluntariamente os bancos quiserem depositar no Banco Central.

A remuneração da sobra de caixa dos bancos já vem acontecendo de forma ilegal há décadas, mediante o abuso na utilização das chamadas “operações compromissadas”, que no Brasil chegaram a superar R$ 1,7 trilhão em setembro/2020, cerca de 24% do PIB, algo que não encontra paralelo em nenhum outro país do planeta. O Tesouro Nacional (TN) entrega títulos da dívida pública ao Banco Central e paga juros sobre esses títulos, o que custou quase R$ 3 trilhões em 10 anos aos cofres públicos (https://bit.ly/3oXyGSz). Os títulos públicos doados pelo TN ao BC, bem como os juros incidentes sobre tais títulos, têm sido usados pelo BC principalmente para a generosa e ilegal remuneração da sobra de caixa dos bancos.

O PLP 3.877/2020 representa a “legalização” e o agravamento desse “overnight”, pois deixa a remuneração aos bancos sem limite ou parâmetro algum, à vontade do que estabelecer o Banco Central.

Além do elevado custo aos cofres públicos, tais operações provocam imensos danos a toda a economia do país, pois a esterilização desse grande volume de recursos no Banco Central, rendendo juros somente aos bancos, gera escassez de moeda na economia, provocando elevação das taxas de juros de mercado praticadas no Brasil a patamares estratosféricos, o que amarra toda a economia. Evidentemente, os bancos preferem ganhar os juros garantidos pelo Banco Central (BC) do que correr riscos ao emprestar a pessoas e empresas. Só o fazem a juros muito altos e inúmeras exigências, pois não precisam se preocupar de perder com o dinheiro parado em caixa: o Banco Central remunera, às nossas custas: uma verdadeira “Bolsa-Banqueiro”!

Em última instância, essa operação representa a transferência da riqueza do povo para o setor financeiro, por meio da apropriação do fundo público, o que aprofunda a desigualdade social já elevadíssima em nosso país. A injustiça social é gritante: enquanto faltam recursos para o “Auxílio Emergencial” aos pobres, em plena pandemia, querem deixar sem limite a injustificada “Bolsa-Banqueiro”!

Os países desenvolvidos fazem o contrário: ao invés de retirar dinheiro de circulação, têm injetado grandes volumes de recursos nos bancos, obrigando-os a emprestar a juros baixos para movimentar a economia. Na Europa, por exemplo, se os bancos depositarem o excedente no BCE, são punidos e perdem dinheiro (https://bit.ly/3tDx8Au). O resultado disso é a oferta de empréstimos às empresas e à população com juros cada vez mais baixos, e até a taxas negativas (https://bit.ly/2MHwnWE).

Defensores do PL 3.877/2020 têm feito a falsa propaganda de que ele irá promover a “redução” da dívida pública, tendo em vista que, na medida em que o referido projeto torna obrigatória a remuneração do valor que os bancos quiserem depositar junto ao Banco Central, não mais seriam utilizados títulos da dívida pública para justificar tal remuneração aos bancos. Na verdade, a obrigação onerosa de remunerar os bancos por meio da esdrúxula figura dos “Depósitos Voluntários Remunerados” é obrigação equivalente à dívida pública, com impacto no orçamento anual da União e, pior, sem qualquer capacidade de gerar receitas futuras. Esconder essa dívida pública configura maquiagem de contas públicas, conforme denunciado por economistas como Bernard Appy(https://bit.ly/3p1s3P0), que participou do Ministério da Fazenda durante o governo Lula, e também por economistas liberais, como Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central.

Conforme mostra a revista Isto é em 04/12/17 (https://bit.ly/3qbswQl) “Com depósitos voluntários, Banco Central acredita em ganho de maior autonomia”, pois desta forma não depende do recebimento de títulos do Tesouro para proceder tais operações, no entanto, continuará transferindo seus prejuízos anualmente ao Tesouro Nacional. Não por acaso, o PL 3.877/2020 foi aprovado no Senado dia 3/11/2020 conjuntamente com o PLP 19/2019, que trata da “autonomia” do Banco Central em relação ao Estado, imune à interferência de qualquer ministério ou órgão estatal, acima de tudo e de todos. Caso o PLP 19/2019 seja sancionado, a política monetária suicida que vem sendo praticada pelo Banco Central ficará blindada. Tal projeto tem o objetivo de garantir que o Banco Central estará sempre a serviço dos bancos, ainda que consigamos eleger para presidente da República uma pessoa de caráter estadista, que não se deixe levar pelas imposições do mercado financeiro.

Uma nova política econômica é necessária, garantindo-se a saudável circulação da moeda na economia e a prática de juros de mercado baixos, criando-se mecanismos que obriguem os bancos a conceder empréstimos às empresas e pessoas a juros baixos, como fazem os países desenvolvidos, os quais chegam a aplicar penalidades, a exemplo dos juros negativos sobre excedentes depositados nos bancos centrais. Ademais, é preciso estabelecer controle sobre o fluxo de capitais especulativos, tanto através de tributação como através de outros instrumentos já adotados por diversos países, a fim de evitar ataques especulativos e fuga de capitais.

A nova política econômica precisa enfrentar as verdadeiras causas da inflação no Brasil, provocada pela elevação do preço de alimentos e dos preços administrados pelo governo (combustíveis, energia, telefonia etc.). A utilização das chamadas “operações compromissadas” para controlar inflação tem se revelado um enorme fracasso, como provam os dados em 2020: tais operações chegaram a esterilizar volume de moeda equivalente a 24% do PIB e, mesmo assim, a inflação medida pelo IGP-M chegou a 23,14% em 2020, justamente porque a inflação aqui existente não é de demanda, mas de preços.

Ante os sólidos argumentos expostos, e considerando que os denominados “depósitos voluntários remunerados” e a autonomia do Banco Central irão acentuar ainda mais a concentração de renda no país, as entidades integrantes do “Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Social” abaixo listadas se manifestam publicamente CONTRÁRIAS à “legalização” desse mecanismo que na verdade deve ser interrompido, e reivindica aos(às) deputados(as) federais que REJEITEM o PL 3.877/2020.

Brasília, 25 de fevereiro de 2021

Entidades do Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Social assinam esta Nota:

– Auditoria Cidadã da Dívida

– Conselho Federal de Economia

– Afipea – Associação dos Funcionários do Ipea

– Anpae- DF – Associação Nacional de Política e Administração da Educação do Distrito Federal

– CFTB – Central Geral dos Trabalhadores do Brasil

– CTB – Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil

– DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar

– GTPA Fórum EJA/DF;

– MAS – Movimento Acorda Sociedade

– MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra