Carta do Núcleo Mineiro a parlamentares: NÃO ao Plano de Recuperação Fiscal!

Compartilhe:

Exmo(a). Sr(a). Deputado (a),

Auditoria Cidadã da Dívida, entidade sem fins lucrativos, tem cumprido importante papel na realização de estudos e atividades a respeito do endividamento público federal, estadual e de alguns municípios, tendo identificado uma série de mecanismos que geram dívida pública sem contrapartida alguma ao país ou à sociedade, como pode ser visto em nossa página www.auditoriacidada.org.br.

Em 1997, a chamada “Lei Kandir” (LEI COMPLEMENTAR Nº 87, DE 13 DE SETEMBRO DE 1996) isentou de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) a exportação de produtos primários e semielaborados, beneficiando principalmente grandes empresas do setor primário exportador, e gerando um prejuízo acumulado de R$ 135 bilhões para Minas Gerais.

O Supremo Tribunal Federal (QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO no. 25 DISTRITO FEDERAL) já determinou que tais perdas sejam ressarcidas pela União, porém, no momento de determinar efetivamente o pagamento, adia-se sob o repetido argumento de que não há dinheiro nos cofres da União. Em 18 de julho de 2019, os representantes dos Três Poderes do Estado de Minas Gerais assinaram a “Carta de Apoio à Proposta de Minas para a Reparação das Perdas advindas da Lei Kandir”, cujo conteúdo prevê o recebimento, em um prazo de 60 anos, das perdas decorrentes desta Lei.

Referido prazo é uma afronta ao povo mineiro, pois há um argumento de que o caixa do Estado está deficitário e ao cobrar um débito já reconhecido pelo STF, mormente que o Estado de MG informou o valor de pelo menos R$ 135 bilhões na audiência conciliação no STF[1] ocorrida em 05/08/2019, sem que a população mineira seja consultada, ou mesmo tome conhecimento da dívida da União com o Estado, com um prazo tão elastecido, só pode demonstrar que nossos representantes desconhecem os dilemas vividos por nosso povo.

Ademais, se o Estado pode esperar por tanto tempo para o pagamento de um débito já reconhecido pelo Judiciário, em última instância de discussão, não há o menor sentido o argumento de que devamos aceitar as condições da União para o refinanciamento da nossa dívida, o chamado Plano de Recuperação Fiscal no Estado de Minas Gerais. Ajuste esse que já é de conhecimento de todos que não funcionou onde já foi aplicado, como no Estado do RJ, e nem funcionará em um Estado da grandeza do nosso, uma vez que as diferenças sociais e territoriais são imensas.

Apesar dos lucros de dezenas de bilhões de reais anuais das empresas beneficiárias de tal privilégio tributário, e apesar dos imensos danos ambientais e sociais que tais empresas causam ao estado de Minas Gerais e a outros estados, referida isenção vigora desde 1997. A Lei Kandir acarreta também prejuízos financeiros absurdos aos Estados atingidos, haja vista o não recolhimento do imposto estadual de maior arrecadação.

A Carta não discute a ilegitimidade da questionável dívida de Minas Gerais com a União, que já retirou dos cofres públicos mineiros o valor de R$44 bilhões de reais em juros e amortizações no período de 1998 a 2017, ou seja, o triplo da dívida original de R$ 15 bilhões de reais, dívida essa que se multiplicou por mais de 5 (cinco) vezes, atingindo R$ 82 bilhões de reais no final desse período. [2]

Considerando o princípio da transparência, que deve reger todo ato público, entendemos que a realização da AUDITORIA DA DÍVIDA PÚBLICA do Estado de Minas Gerais seria de suma importância para apurar qual seria e se existiria o real valor do endividamento do Estado, dívida essa que mesmo já quitada, o Estado continua pagando.

Os valores dos créditos apurados pela Lei Kandir e o montante atual da dívida, caso fosse feito um encontro de contas (compensação entre débitos), o Estado de Minas Gerais não teria que desembolsar nada mais, como comprova aliás o estudo efetivado pelo pessoal técnico da Secretaria da Fazenda Estadual e da Advocacia Geral do Estado[3]. Assim, os valores poderiam ser investidos em saúde, educação, segurança etc. De acordo com estudos realizados pelas entidades sociais com apoio da procuradoria do Estado, se fosse realizada a auditoria entre os dois débitos, ou seja, a apuração da dívida de Minas e as quantias já pagas, nós seríamos credores e não devedores da União.

O argumento de que a União não possui recursos é desmascarado quando se constata que em seu caixa, o Tesouro da União possui a quantia de R$ 1,2 trilhão de reais, mas que ficam reservados para o pagamento da também questionável dívida pública federal com o setor financeiro, sob o argumento de que tal dívida é inquestionável.

Também não se sustenta o argumento, pois conforme é apurado pelos estudos realizados pela Auditoria Cidadã da Dívida, a sobra do caixa dos bancos remunerada por meio das sigilosas “operações compromissadas” alcançou R$ 1,23 trilhão em 2017. Além do montante de US$ 375 bilhões de dólares (R$ 1,453 trilhão de reais) em Reservas Internacionais, em sua maioria depositados em títulos do governo estadunidense. Sem contar os prejuízos causados pelo Banco Central por meio de sua política de pagamento dos swaps cambiais, em que remunera a diferença da cotação do dólar para o sistema financeiro.

Porém, apesar do Congresso Nacional ter aprovado a auditoria dessa dívida – com participação social – por 03 (três) vezes nos últimos anos, os sucessivos governos vetaram escandalosamente esta iniciativa em todas as vezes. Se a dívida é inquestionável, porque vetar sistematicamente a Auditoria?

Os pagamentos de juros e amortizações dessa questionável dívida já consumiram somente até junho nada menos que R$ 652 bilhões (ou seja, 47% de todo o orçamento federal) e podem chegar a R$ 1,4 TRILHÃO em 2019!!! Este valor seria muito mais que suficiente para repor IMEDIATAMENTE as perdas de todos os estados com a Lei Kandir, e também devolver os pagamentos de juros e amortizações que os estados fizeram a mais, no pagamento das dívidas com a União.

Por tudo isso, e mais do que caberia em nossa carta manifesto, é que a AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA – Núcleo Mineiro, vem pedir que os deputados que nos representam não aceitem a implementação do pacote de ajuste fiscal imposto pela União por meio do Plano de Recuperação Fiscal, o qual determina a venda de nossos bens mais preciosos e lucrativos, a privatização de vários serviços, bem como a diminuição dos serviços públicos, os quais nos permitem a implementação de nossos direitos, com a retirada  total praticamente da autonomia política, administrativa, econômica, social dos entes federados, deixando a cargo somente do Governo Central, União Federal, chegando mesmo às raias de desconstrução do pacto federativo, contrariando o que determina a Constituição Federal e a Constituição Estadual.

Ainda, pedimos que o debate sobre a Lei Kandir e sobre o endividamento público seja perene, com a realização de audiências públicas nesta casa, com forte participação popular.

 

Ressarcimento das Perdas da Lei Kandir JÁ!

Auditoria da Dívida de Minas Gerais e ressarcimento do que foi pago a mais!

Núcleo Mineiro da Auditoria Cidadã da Dívida

 

 

 

[1]             Proposta do Estado para o ressarcimento das perdas causadas pela Lei Kandir – Portal de Notícias ALMG, 02/08/2019

[2]             http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/0/TT_Lei+9.496-Saldos+e+Pagamentos.pdf/31cae2da-745d-4a7a-baf5-f5b751bb9822 pág. 11

[3]                     https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/08/05/internas_economia,775585/lei-kandir-mg-tenta-acordo-no-stf-para-receber-r-135-bilhoes.shtml, site visitado em 09.10.2019.