LEI DO SENADOR MAGNO MALTA IMPOSSIBILITA TRABALHO DA AUDITORIA CIDADÃ DA DÍVIDA
* Por Ana Carolina Madeira
O senador Magno Malta (PR-ES) apresentou o Projeto de Lei do Senado (PLS) 146/2007, no fim de 2016. A proposta autoriza a destruição de documentos após a digitalização “particulares e públicos arquivados, estes de órgãos públicos federais, estaduais e municipais, e de entidades integrantes da administração pública indireta das três esferas de poder político”, conforme está na sua ementa.
Como justificativas, o senador enumera redução de áreas destinados aos arquivos físicos, diminuição de tempo no trabalho gerenciamento e recuperação das informações, rapidez na atualização dos dados armazenados, possibilidade de compartilhamento e acesso às informações a um número maior de usuários, manutenção de cópias de segurança, e, também, o corte de gastos com papel, o que favorece a preservação do meio ambiente.
Depois de várias manifestações contrárias, principalmente de arquivistas e historiadores, o relator e também senador José Maranhão (PMDB-PB), apresentou o substitutivo, que será submetido a turno suplementar de votação na próxima reunião do Plenário do Senado. “O documento digitalizado e certificado pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) terá o mesmo valor legal do documento físico que lhe deu origem”, afirma a matéria da Agência Senado (Clique AQUI)
Por outro lado, a Lei nº 12.682, de 9 de julho de 2012, em seu artigo 6º, proíbe a destruição dos arquivos originais. “Os registros públicos originais, ainda que digitalizados, deverão ser preservados de acordo com o disposto na legislação pertinente”, determina. Mesmo assim, parlamentares acreditam que o PLS 146 será aprovado. Em uma conjuntura de escândalos de corrupção, descrença a políticos e economia instável, há notadamente desconfiança sobre projetos em tramitação.
De pesquisadores a policiais Federais, muitas categorias utilizam documentos oficiais para embasamento e provas em seus trabalhos, assim como também faz a associação sem fins-lucrativos Auditoria Cidadã da Dívida no acompanhamento de contas públicas. Desde leis, decretos, normas, regulamentações a balanços, relatórios e comunicados. Conforme mostra o texto:
“As fontes de informações serão os relatórios e os registros do BACEN; as contabilidades dos órgãos públicos e empresas estatais (federais, estaduais e municipais) e privadas, beneficiárias dos empréstimos; os registros e as contas dos bancos e outras entidades que compõem o Sistema Financeiro. Através das representações diplomáticas serão levantadas informações no exterior (condições de mercado; condições praticadas com outros países; relatórios e registros nos organismos internacionais e outras)”, como está no arquivo do Comitê para Abolição das Dívidas Ilegítimas – CADTM.
O Ministério Público Federal está com o relatório final da CPI da Dívida da Câmara dos Deputados, ocorrida entre os anos 2009 e 2010. Curiosamente, o MPF solicitou mais informações à Auditoria Cidadã da Dívida, que pesquisou e enviou dados com um parecer semelhante à Perícia, ao que chamou de relatório, elaborado de forma voluntária, em 2013. Até o momento, o Ministério Público não se pronunciou a respeito.
O Código Penal, artigo 46, determina que o prazo para oferecer denúncia seria de 15 dias, mas pode ser efetuada após o tempo, sem prejuízo para o processo, conforme a jurisprudência do STF (HC 72254 / CE), vide Jus Brasil . Por outro lado, a ocultação de provas continua sendo crime, no Art. 305 do Código Penal – Decreto Lei 2848/40: “Art. 305 – Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor:
Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa, se o documento é público, e reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é particular”. Também Jus Brasil.
A Ordem dos Advogados do Brasil impetrou ação no Supremo Tribunal Federal questionando o descumprimento do artigo 26 do ADCT da Constituição, que exige a realização de auditoria da dívida externa. Na época da promulgação da Carta Magna, apenas o endividamento externo era assustador. Atualmente, toda a dívida precisa ser auditada, interna, externa, da União, dos Estados e dos Municípios.
Um dos principais freios à CPI da Dívida, assim como às demais ações jurídico-legais para a realização de auditoria integral, técnica e com participação cidadã foi a falta de documentação. Algumas repartições simplesmente não enviaram respostas quando solicitadas, sob argumento de tecnologia ultrapassada ou dados não encontrados.
Desde a sua criação, após o Plebiscito sobre o pagamento da dívida com FMI/2000 , a ACD tem realizado estudos e pesquisas sobre o endividamento público e sobre as políticas públicas, organizado publicações didáticas, participado de eventos nacionais e internacionais sobre o tema. O Plebiscito da Dívida Externa foi respondido por 6.030.329 cidadãos, onde mais de 95% votaram NÃO à manutenção do Acordo com o FMI, conforme o site da Auditoria Cidadã da Dívida.
No Portal Transparência, nem todos os dados estão disponíveis e precisa de paciência para “garimpar as informações”. Recentemente, a “Secretaria do Tesouro Nacional (STN) se negou a responder requerimento de informações feito no âmbito da Nova ‘Lei de Acesso à Informação’, que solicitava o nome dos detentores de títulos da dívida pública”, conforme noticia a Auditoria Cidadã (Clique AQUI). O questionamento foi efetuado pela Auditoria da Dívida e o governo se negou a responder, alegando sigilo bancário. Claramente infringe a Lei de Transparência (Lei Complementar 131/2009), a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) e o Princípio da Publicidade (art.37 da Constituição Federal).
Com impasse na decisão final e sem propriamente iniciar a auditoria, a CPI da Dívida apresentou indícios de ilegalidades, irregularidades e ilegitimidades, porém, no jargão da imprensa, “virou pizza”. O Ministério Público não tocou mais no assunto, as grandes empresas de comunicação tratam o tema meramente como tentativa de calote, nas faculdades de economia falta aprofundamento do tema nas disciplinas curriculares.
Enquanto isso, o Congresso Nacional dispara projetos, Emendas Constitucionais e leis que retiram diretos, aumentam a sensação de miséria entre o povo, cortam gastos sociais e ampliam a Dívida Pública. A aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 146/2007 é mais uma afronta ao Estado brasileiro, que poderá perder documentos comprobatórios de crimes, escândalos e sabe-se lá o que mais que está escondido. Ficam dúvidas se documentos digitalizados possam ser fraudados e se a terceirização da tarefa de digitalizar/certificar possa aumentar o gasto público e trará segurança. Difícil não desconfiar de ocultação de provas neste caso. O MPF precisa retomar a ação sobre dívida pública.
* Jornalista e integrante do Núcleo Catarinense da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD/SC).