“O custo da Dívida Pública para o Estado Brasileiro, com ou sem pandemia de Covid-19”, por Paulo Lindesay

Compartilhe:

Paulo Lindesay* 

Dia 17/1/2020 foi sancionada a Lei Orçamentária Anual – LOA/2020, destinando R$ 1,603 trilhão para o pagamento da Dívida Pública Federal1. São R$ 409,6 bilhões para o pagamento de “Juros/Encargos da Dívida Pública”2 e R$ 1,193 trilhão para “Amortizações”.

O montante executado com o serviço da Dívida Pública Federal em 2019 foi de R$ 1,038 trilhão, o que significou 38,3% do total de gastos (R$ 2,711 trilhões). Foram R$ 285 bilhões com “Juros/Encargos da Dívida”3 e R$ 753 bilhões com “Amortizações”.

A previsão de gasto com Serviço da Dívida Pública em 2020, aprovada pelo Congresso Nacional, a pedido do governo Bolsonaro, na Lei Orçamentária Anual (LOA/2020) será de R$ 1,603 trilhão. Podemos constatar com uma simples operação matemática que o valor reservado para o pagamento da dívida pública é gigantesco e ainda possui uma enorme sobra, enquanto alega-se falta de recursos para medidas como a ampliação do auxílio emergencial.

No sítio do Tesouro Nacional, na tabela da despesa da União por Grupo de Natureza de Despesa, podemos conferir que o pagamento (“valor liquidado”) realizado em pouco mais de dois meses (jan/fev/2020) com o Serviço da Dívida Pública já ultrapassou a barreira dos R$ 220
bilhões, de um total de despesas executadas de R$ 472 bilhões (4). Enquanto isso, o gasto com Pessoal/Encargos Sociais não chegou a R$ 50 bilhões.

Quem é o vilão da economia?

O crescimento do estoque da DÍVIDA PÚBLICA (sem contrapartida em termos de desenvolvimento social) e o projeto de entrega do restante do Estado ao grande capital financeiro.

Com o anúncio do projeto “Reconstrução do Estado”, desenvolvido pela Secretaria Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia (SEDDM), o governo propõe, entre outras coisas, continuar as privatizações. Mas o que mais chama a atenção é a estimativa do estoque da dívida pública, que pode crescer a 90% do PIB nominal após a pandemia de Covid19. Dívida essa resultante principalmente de artimanhas financeiras que enriquecem os grandes bancos e investidores, e não de investimentos que beneficiam a população.

Os 3 Eixos do Projeto são:
1. venda de ativos da União;
2. acelerar o programa de concessões e investimentos;
3. reformas estruturantes.
Além disso, o Ministro Paulo Guedes agora tenta impor mais sacrifícios aos servidores públicos, como o congelamento salarial por dezoito meses – salários que já estão congelados há mais de três anos, na maioria das carreiras – para liberar um pseudo-salvamento aos Estados.
Quando pesquisamos o relatório mensal da dívida pública, no sítio do Tesouro Nacional (www.tesouro.fazenda.gov.br/relatorio-mensal-da-divida – fevereiro de 2020(5)), podemos conferir o atual estoque da dívida pública federal, no valor de R$ 6,182 trilhões, dividido em:
1. DPMFi – dívida pública mobiliária (títulos públicos) federal interna – R$ 4,099 trilhões,
2. DPFe – dívida pública federal externa – R$ 181 bilhões; e
3. DPMFi EM PODER DO BANCO CENTRAL – dívida pública mobiliária (títulos públicos) interna em poder do Banco Central – R$ 1,901 trilhão.
Se o estoque total da dívida pública federal em fevereiro de 2020 é R$ 6,182 trilhões (84,7% do PIB nominal do Brasil em 2019, de R$ 7,3 trilhões, apurado pelo IBGE), o projeto do governo Bolsonaro possibilitará o crescimento desse estoque da dívida pública para R$ 6,57 trilhões, facilmente.

Fonte: http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/956970/Anexo_RMD_Mar_20.zip/5d001158-1a64-448a-8583-b1109c13dcf7 – Tabela 2.1

A pergunta é: tal crescimento gerará algum benefício ao povo, ou continuará servindo para dar dinheiro a grandes bancos e investidores? Uma pista é dada pela possibilidade de aprovação, pelo Congresso Nacional, da Proposta de Emenda à Constituição nº 10/2020, que será analisada no próximo item.

O que é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 10/2020?

A PEC 10/2020 vem sendo anunciada como a “PEC do Orçamento de Guerra”, e vem sendo defendida sob a justificativa de que seria necessária para se permitir a liberação do Auxílio Emergencial de R$ 600,00 por pessoa, para beneficiar a população mais necessitada. Porém, na
verdade, essa PEC permite que o Banco Central compre “papéis podres” (ou seja, papéis que valem muito pouco ou nada) dos bancos nacionais e internacionais, transformando o BC no especulador mor do mercado financeiro e o Tesouro Nacional no garantidor dessa fraude constitucional, por meio de mais dívida pública ilegítima para o povo pagar.

A PEC também propõe a flexibilização da “Regra de Ouro”, autorizando uma burla constitucional ao artigo 167, possibilitando as emissões de títulos públicos para despesas correntes, mas somente para o pagamento dos juros da dívida, e não para outras despesas correntes, como Pessoal/Encargos Sociais, Bolsa Família, Custeio e etc, com argumento que essas despesas permanentes aumentarão o endividamento do Estado Brasileiro.

Agora você consegue entender como o governo usa a pandemia do covid19, criando cenários duvidosos, contraditórios e mentirosos, para avançar no projeto ultraliberal? Projeto esse que só interessa ao sistema financeiro e às grandes corporações empresariais, baseado em
alguns pontos básicos:

1) O cumprimento dos direitos sociais, artigo 6º da CF, só se houver “equilíbrio financeiro intergeracional”;
2) Enxugar os gastos primários, entregando o superavit das despesas obrigatórias e vinculadas ao pagamento da dívida pública;
3) Intensificar a retirada dos direitos dos trabalhadores;
4) Reduzir carga horária e salários dos Servidores Públicos das três esferas de governos;
5) Aumentar endividamento dos Estados (sem benefício para a população), colocando condicionantes e acabando com a autonomia política e administrativa;
6) Avançar no projeto de privatizações das Empresas Estatais;
7) Intensificar o Teletrabalho nos serviços públicos, identificando funções consideradas obsoletas, substituindo por contratações temporárias, mais baratas
8) Avançar no projeto de ensino a distância (EAD), na educação básica e universidades públicas, aprovado a partir do decreto 9057/17, do governo Temer. Entregando a gestão educacional aos grandes grupos privados, principalmente os estrangeiros;
9) Acabar com os concursos públicos, substituindo a força de trabalho pública por contratações temporárias, aumentando a precarização nos órgãos públicos, voltando ao período anterior a Constituição Federal (1988). Onde o ingresso no serviço público, na maioria das vezes, era uma ação entre amigos ou troca de favores políticos e familiares.

Vamos lutar para que estes mecanismos (que se valem do Sistema da Dívida para se implementar) sejam derrotados. O primeiro passo para isso é o conhecimento sobre esta dívida, por meio de uma ampla auditoria com participação da sociedade.

Exigimos o cumprimento do Art.26 da ADCT, auditoria da Dívida Pública já!!!
Quero agradecer a ajudar na revisão do texto aos amigos: Jornalista da ASSIBGE-SN, Henriquer Acker, o professor/economista e militante do núcleo da ACD/SC, Marcelo Marcelino e do economista da ACD Nacional, Rodrigo Ávila.

TEXTO EM PDF

_____________________________________________________________

  • Paulo Lindesay, coordenador do Núcleo da Auditoria Cidadã RJ/li>

1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/Anexo/ANL13978Vol1.pdf – Quadro 1-C .

2 Este valor é subestimado, pois o governo contabiliza grande parte dos juros como se fosse “amortização” ou “rolagem”. Para maiores esclarecimentos, ver https://auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2020/02/Orc%CC%A7amento-2019-versao-final.pdf

3 Observar a nota anterior. Para maiores detalhes ver https://auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2020/02/Orc%CC%A7amento-2019-versao-final.pdf

4 Desconsiderando as “Despesas Intra-Orçamentárias

5 http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/956970/Anexo_RMD_Mar_20.zip/5d001158-1a64-448a-8583-b1109c13dcf7 – Tabela 2.1

___________________________________________________________________